
Nelson R. dos Santos *
Aquilas N. Mendes **
Outubro/2007
A matéria “Mais Eficiência no Gasto” do economista Raul Velloso publicado na Folha de SP em 08.09.07 está coerente com o fato do artigo alinhar se à negação da necessidade de mais recursos públicos para resolver a crise na área da Saúde, conforme pergunta formulada pela Redação do jornal. Mas essa coerência padece de inconsistências e equívocos na matéria, que segue grifada. 1. “Com o financiamento federal corrigido de acordo com a variação nominal do PIB a partir de 2.001, o gasto de saúde tornou-se o único segmento do orçamento protegido por regra de crescimento mínimo, chegando ao topo”. Ora, a esfera federal chegar ao topo seria corrigi-la proporcionalmente ao crescimento das receitas, federais conforme a mesma emenda determina aos Estados (mínimo de 12%) e Municípios (mínimo de 15%), ou então como porcentual sobre a receita corrente bruta, conforme prescrito nos projetos de Lei nº01/2.003 e nº121/2007, que fixa 10% para a União, em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. Lembramos que entre 1.995 e 2.004 a relação das receitas correntes da União com o PIB cresceu de 19,7% para 26,7%, enquanto que a relação dos gastos do Ministério da Saúde com as receitas correntes caiu de 8,1% para 7,2%, tendência que prossegue. Pior omissão da matéria foi a de que o segmento mais protegido do orçamento é o gasto financeiro com os serviços da divida pública, corrigidos e mantidos pelos altos juros, resultando em implacável compressão dos gastos não financeiros. Por outro lado a pressão social em 2.000 pela aprovação da vinculação de recursos orçamentários à saúde por meio de EC reduziu o aludido topo à mera imposição pela área econômica de critério mais brando no calculo da contrapartida federal (variação nominal do PIB), que descontada a inflação e o crescimento da população, os recursos federais novos zeraram. 2. “Não vem aqui ao caso, discutir sobre a quebra da exclusividade original da CPMF para o SUS”. Ora, tanto vem ao caso que a aprovação só foi possível sob grande pressão social pela saúde e sensibilidade social do legislativo em 1.995/6, capazes de superar o “rolo compressor” da área econômica, que na seqüência apelou retraindo outras fontes federais do financiamento do SUS, transformando a CPMF de adicional em substitutiva, mantendo o sub-financiamento. 3. “O gasto do setor saúde é menos complicado de ser contido porque gera apenas ruído nos hospitais quando comparado ao clamor contra o atraso no pagamento de benefícios previdenciários”. Mesmo não sendo o sentimento pessoal do autor, aqui emerge a frieza do economicismo ortodoxo frente numerosas doenças não evitadas, doenças agravadas, invalidez e mortes, às filas de espera por intervenções salvadoras. Tamanho sofrimento da população, de profissionais e gestores locais aturdidos, que simultaneamente ao exaustivo atendimento e alívio da população, vêm, por falta de recursos e condições de trabalho, sendo obrigados a reprimir demandas de 150 milhões de pessoas dependentes exclusivas do SUS e também de 40 milhões dependentes parciais que compram planos privados. Esta repressão entra em cena só como “ruídos” dos hospitais por melhores pagamentos. 4. “Comparando os gastos não financeiros da União entre 1.987 e 2.005, verifica-se grande alta (112%) onde a saúde cresce 120% e o pessoal ativo 85%, frente à queda nos investimentos e outras despesas correntes, enquanto o PIB cresceu 43%”. Nova omissão: a do crescimento geométrico dos gastos financeiros no mesmo período, inclusive com a criação da DRU (Desvinculação das Receitas da União) que retém 20% para o pagamento dos serviços da dívida pública. Enquanto o orçamento do Ministério da Saúde estabilizou-se em aproximadamente 1,7% do PIB, o pagamento de juros é quatro vezes maior, com tendência a elevação. A opinião pública tem o direito de melhor comparar e refletir o porquê da queda dos investimentos e outras despesas correntes, da retração dos gastos federais em saúde, que caíram entre 1.995 e 2.005, de 85,7 para 77,4 dólares anuais per capita, enquanto os gastos estaduais/municipais cresceram no mesmo período, de 41,1 para 75,5. O financiamento do SUS sustenta‐se hoje na elevação das contrapartidas estaduais e municipais uma vez que a federal caiu de 75% em 1980 para 50% em 2.004. 5. “Aumentar a dotação de recursos do setor para além do estabelecido na EC 29, nem pensar, é preciso aumentar a eficiência do gasto”. Sim, é obrigatório sempre elevar a eficiência do gasto, mas esta afirmação desconhece ou desconsidera o exaustivo e permanente esforço dos gestores do SUS que vêm “tirando água das pedras” no rumo da eficiência e eficácia, por exemplo, a busca da resolutividade nos serviços básicos com parcos recursos na tentativa de aliviar os serviços especializados de maior custo, a informatização dos encaminhamentos e agendamentos, as centrais de vagas hospitalares, o trabalho das equipes de controle e avaliação, a atenção descentralizada e domiciliar aos portadores de doenças crônicas e egressos de hospitais, as centrais de manutenção de equipamentos, os cursos de capacitação de gestores, e recentemente, a proposta de autonomia gerencial com contratos de metas para as unidades públicas prestadoras mais complexas para atenção exclusiva dos usuários do SUS. (Substitutivo Dep. Pepe Vargas – PLP Fundações Estatais) Também desconsidera o baixíssimo financiamento público do SUS, entre 150 e 200 dólares por brasileiro ao ano, bem menor que o da Argentina, Uruguai, Chile e Costa Rica, e um décimo do per capita público para saúde no Canadá, países da Europa e vários orientais, sendo que nestes países os recursos públicos representam no mínimo 70% dos recursos totais para saúde, enquanto em nosso país não passam de 45. Desafiamos os doutores do economicismo ortodoxo a freqüentarem os serviços preventivos e curativos do SUS e apresentarem medidas factíveis de elevação da eficiência do gasto sem desviá-los da finalidade e responsabilidade pública, com os atuais recursos. 6. Por ultimo, a matéria omitiu qualquer referência aos projetos de Lei 01/2003 e 121/2007 que regulamentam a EC 29, amplamente discutidos e aprimorados por representações dos usuários, dos trabalhadores de saúde, dos prestadores de serviços e dos gestores das três esferas de Governo, pela Frente Parlamentar da Saúde e pelas três comissões da Câmara dos Deputados, onde foi aprovado, apesar das pressões da área econômica pelo contrário. Estes projetos igualam os critérios de cálculo das contrapartidas municipal, estadual e federal, estabelecendo para a União 10% da receita corrente bruta, que aplicados aos valores de 2.007, acrescentaria R$20 bilhões, isto é, passaríamos de 150/200 dólares públicos per capita ao ano para 200/250, nivelando com a Argentina, Uruguai, Chile e Costa Rica. Além disso, o projeto extingue as atuais “caronas” ou “contrabandos” de outros setores orçamentários nos orçamentos da saúde, expediente que se iniciou ao nível federal e que hoje predomina na maior parte dos Estados, além do que estabelece mecanismos mais eficazes de controles, prestações de contas, eficiência dos gastos e cumprimento dos porcentuais mínimos: 15% (Municípios), 12% (Estados) e 10% (União). Apesar de ainda claramente insuficiente, o financiamento com a aprovação do PLP nº. 01/2003 ou do PLS nº121/2007 garantirá a retomada da construção nacional do SUS com todos os seus princípios e diretrizes, hoje restrita a algumas situações locais e locoregionais. A democratização do Estado brasileiro terá dado significativo passo no rumo das políticas públicas estruturantes com base nos direitos sociais. *Professor da UNICAMP aposentado e membro do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES **Professor da PUCC – SP e presidente da Associação Brasileira de Economia de Saúde ABRES
Aquilas N. Mendes **
Outubro/2007
A matéria “Mais Eficiência no Gasto” do economista Raul Velloso publicado na Folha de SP em 08.09.07 está coerente com o fato do artigo alinhar se à negação da necessidade de mais recursos públicos para resolver a crise na área da Saúde, conforme pergunta formulada pela Redação do jornal. Mas essa coerência padece de inconsistências e equívocos na matéria, que segue grifada. 1. “Com o financiamento federal corrigido de acordo com a variação nominal do PIB a partir de 2.001, o gasto de saúde tornou-se o único segmento do orçamento protegido por regra de crescimento mínimo, chegando ao topo”. Ora, a esfera federal chegar ao topo seria corrigi-la proporcionalmente ao crescimento das receitas, federais conforme a mesma emenda determina aos Estados (mínimo de 12%) e Municípios (mínimo de 15%), ou então como porcentual sobre a receita corrente bruta, conforme prescrito nos projetos de Lei nº01/2.003 e nº121/2007, que fixa 10% para a União, em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. Lembramos que entre 1.995 e 2.004 a relação das receitas correntes da União com o PIB cresceu de 19,7% para 26,7%, enquanto que a relação dos gastos do Ministério da Saúde com as receitas correntes caiu de 8,1% para 7,2%, tendência que prossegue. Pior omissão da matéria foi a de que o segmento mais protegido do orçamento é o gasto financeiro com os serviços da divida pública, corrigidos e mantidos pelos altos juros, resultando em implacável compressão dos gastos não financeiros. Por outro lado a pressão social em 2.000 pela aprovação da vinculação de recursos orçamentários à saúde por meio de EC reduziu o aludido topo à mera imposição pela área econômica de critério mais brando no calculo da contrapartida federal (variação nominal do PIB), que descontada a inflação e o crescimento da população, os recursos federais novos zeraram. 2. “Não vem aqui ao caso, discutir sobre a quebra da exclusividade original da CPMF para o SUS”. Ora, tanto vem ao caso que a aprovação só foi possível sob grande pressão social pela saúde e sensibilidade social do legislativo em 1.995/6, capazes de superar o “rolo compressor” da área econômica, que na seqüência apelou retraindo outras fontes federais do financiamento do SUS, transformando a CPMF de adicional em substitutiva, mantendo o sub-financiamento. 3. “O gasto do setor saúde é menos complicado de ser contido porque gera apenas ruído nos hospitais quando comparado ao clamor contra o atraso no pagamento de benefícios previdenciários”. Mesmo não sendo o sentimento pessoal do autor, aqui emerge a frieza do economicismo ortodoxo frente numerosas doenças não evitadas, doenças agravadas, invalidez e mortes, às filas de espera por intervenções salvadoras. Tamanho sofrimento da população, de profissionais e gestores locais aturdidos, que simultaneamente ao exaustivo atendimento e alívio da população, vêm, por falta de recursos e condições de trabalho, sendo obrigados a reprimir demandas de 150 milhões de pessoas dependentes exclusivas do SUS e também de 40 milhões dependentes parciais que compram planos privados. Esta repressão entra em cena só como “ruídos” dos hospitais por melhores pagamentos. 4. “Comparando os gastos não financeiros da União entre 1.987 e 2.005, verifica-se grande alta (112%) onde a saúde cresce 120% e o pessoal ativo 85%, frente à queda nos investimentos e outras despesas correntes, enquanto o PIB cresceu 43%”. Nova omissão: a do crescimento geométrico dos gastos financeiros no mesmo período, inclusive com a criação da DRU (Desvinculação das Receitas da União) que retém 20% para o pagamento dos serviços da dívida pública. Enquanto o orçamento do Ministério da Saúde estabilizou-se em aproximadamente 1,7% do PIB, o pagamento de juros é quatro vezes maior, com tendência a elevação. A opinião pública tem o direito de melhor comparar e refletir o porquê da queda dos investimentos e outras despesas correntes, da retração dos gastos federais em saúde, que caíram entre 1.995 e 2.005, de 85,7 para 77,4 dólares anuais per capita, enquanto os gastos estaduais/municipais cresceram no mesmo período, de 41,1 para 75,5. O financiamento do SUS sustenta‐se hoje na elevação das contrapartidas estaduais e municipais uma vez que a federal caiu de 75% em 1980 para 50% em 2.004. 5. “Aumentar a dotação de recursos do setor para além do estabelecido na EC 29, nem pensar, é preciso aumentar a eficiência do gasto”. Sim, é obrigatório sempre elevar a eficiência do gasto, mas esta afirmação desconhece ou desconsidera o exaustivo e permanente esforço dos gestores do SUS que vêm “tirando água das pedras” no rumo da eficiência e eficácia, por exemplo, a busca da resolutividade nos serviços básicos com parcos recursos na tentativa de aliviar os serviços especializados de maior custo, a informatização dos encaminhamentos e agendamentos, as centrais de vagas hospitalares, o trabalho das equipes de controle e avaliação, a atenção descentralizada e domiciliar aos portadores de doenças crônicas e egressos de hospitais, as centrais de manutenção de equipamentos, os cursos de capacitação de gestores, e recentemente, a proposta de autonomia gerencial com contratos de metas para as unidades públicas prestadoras mais complexas para atenção exclusiva dos usuários do SUS. (Substitutivo Dep. Pepe Vargas – PLP Fundações Estatais) Também desconsidera o baixíssimo financiamento público do SUS, entre 150 e 200 dólares por brasileiro ao ano, bem menor que o da Argentina, Uruguai, Chile e Costa Rica, e um décimo do per capita público para saúde no Canadá, países da Europa e vários orientais, sendo que nestes países os recursos públicos representam no mínimo 70% dos recursos totais para saúde, enquanto em nosso país não passam de 45. Desafiamos os doutores do economicismo ortodoxo a freqüentarem os serviços preventivos e curativos do SUS e apresentarem medidas factíveis de elevação da eficiência do gasto sem desviá-los da finalidade e responsabilidade pública, com os atuais recursos. 6. Por ultimo, a matéria omitiu qualquer referência aos projetos de Lei 01/2003 e 121/2007 que regulamentam a EC 29, amplamente discutidos e aprimorados por representações dos usuários, dos trabalhadores de saúde, dos prestadores de serviços e dos gestores das três esferas de Governo, pela Frente Parlamentar da Saúde e pelas três comissões da Câmara dos Deputados, onde foi aprovado, apesar das pressões da área econômica pelo contrário. Estes projetos igualam os critérios de cálculo das contrapartidas municipal, estadual e federal, estabelecendo para a União 10% da receita corrente bruta, que aplicados aos valores de 2.007, acrescentaria R$20 bilhões, isto é, passaríamos de 150/200 dólares públicos per capita ao ano para 200/250, nivelando com a Argentina, Uruguai, Chile e Costa Rica. Além disso, o projeto extingue as atuais “caronas” ou “contrabandos” de outros setores orçamentários nos orçamentos da saúde, expediente que se iniciou ao nível federal e que hoje predomina na maior parte dos Estados, além do que estabelece mecanismos mais eficazes de controles, prestações de contas, eficiência dos gastos e cumprimento dos porcentuais mínimos: 15% (Municípios), 12% (Estados) e 10% (União). Apesar de ainda claramente insuficiente, o financiamento com a aprovação do PLP nº. 01/2003 ou do PLS nº121/2007 garantirá a retomada da construção nacional do SUS com todos os seus princípios e diretrizes, hoje restrita a algumas situações locais e locoregionais. A democratização do Estado brasileiro terá dado significativo passo no rumo das políticas públicas estruturantes com base nos direitos sociais. *Professor da UNICAMP aposentado e membro do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES **Professor da PUCC – SP e presidente da Associação Brasileira de Economia de Saúde ABRES
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