domingo, 23 de dezembro de 2007

O ECA e o rebaixamento da maioridade penal.



por Martha de Toledo Machado

Além de afrontar cláusula pétrea da Constituição, o rebaixamento da maioridade penal é injusto e irracional. Injusto porque desrespeita as características da personalidade juvenil, que leva o adolescente a ter capacidade diversa da do adulto frente à prática de crime. Injusto porque, ao invés de apostar e investir na grande capacidade de autotransformação dos jovens, buscando estimulá-los a um comportamento mais solidário, condena-os à impossibilidade de modificação de seu destino. Irracional, porque o percentual estatístico dos crimes graves praticados por menores de 18 anos é de baixa relevância no universo dos crimes (em São Paulo e no país), como porque a completa falência da pena criminal na ressocialização dos adultos é uma constante mundial. Evidente que o sistema penal de justiça não pode ser abolido; ainda é meio de controle imprescindível à contenção da violência em níveis necessários ao convívio social. Mas também evidente é que o combate mais efetivo à criminalidade se faz principalmente atacando as causas estruturais da violência. Aqui, ou em qualquer país do mundo.
O ECA, concretizando em boa medida as garantias penais e processuais penais do adolescente autor de crime, introduzidas pela CF de 1988, representou radical e democrática ruptura com o sistema anterior, que se pautava pela mais sombria perspectiva de segurança social máxima, da criminologia positivista mais autoritária. É preciso defender essas conquistas democráticas. É preciso aprofundá-las. No campo processual, para que o contraditório, a ampla defesa e as novas garantias introduzidas pela lei sejam efetivamente asseguradas. No plano material, para que sejam realmente asseguradas as garantias constitucionais da excepcionalidade e da brevidade da privação de liberdade (que, na essência, são garantias de excepcionalidade da própria intervenção Estatal).
Há de se aprimorar a lei para dar completa incidência à reserva legal e à culpabilidade/individualização da sanção, diminuindo o espaço de discricionariedade judicial, na fixação qualitativa e quantitativa da sanção. Há de definir em lei as grandes balizas tocantes ao conteúdo da sanção, com a faceta pedagógica da medida, que a distingue da pena criminal por imposição da Constituição, limitando o poder do Estado, sem engessar a criatividade do educador. Se em privação de liberdade não há medidas sócio-educativas de boa qualidade – com a dignidade humana sendo violada no seu âmago, pelo rotineiro desrespeito às balizas que a lei já fixou –, é preciso ver que a insuficiência legislativa no tocante aos caminhos pedagógicos a serem percorridos pelo administrador e pela sociedade concorre para essa situação.
Necessário definir com mais rigidez os nortes de individualização da sanção, para assegurar o efetivo respeito à garantia da culpabilidade na aplicação da lei. Atualizar e enrijecer os parâmetros de cominação abstrata quanto às infrações de pequeno e médio potencial ofensivo (mais de 80% dos casos), para garantir tratamento mais benéfico aos jovens do que aquele reservado aos adultos, pelos sucessivos abrandamentos da Lei Penal após a vigência do ECA. Quiçá seja tempo de modificação, também, para agravar o tratamento aos crimes de altíssimo potencial ofensivo, permeados com a reincidência; mas só haverá Justiça, se vier casado ao aprofundamento das garantias do adolescente cidadão.

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