sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Os pecados do Haiti

25/1/2010
Eduardo Galeano
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental. Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros.
A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca idéia de querer um país menos injusto.
O voto e o veto
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito com um voto sequer.
Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.
O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Port-au-Prince, qual é o problema:
– Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.
E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.
Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.
Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.
A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia vender plantações aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis da invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".
O Haiti fora a pérola da coroa, a colónia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das Leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".
Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".
A humilhação imperdoável
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos tinham conquistado antes a sua independência, mas meio milhão de escravos trabalhavam nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.
A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém comprava do Haiti, ninguém vendia, ninguém reconhecia a nova nação.
O delito da dignidade

Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar conseguiu reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma idéia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.
Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. A essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indemnização gigantesca, a modo de perda por haver cometido o delito da dignidade.
A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Ah, esses economistas ! ( e políticos do governo, também )

JustificarSylvain Levy [1]

Quando um médico comete um erro, mesmo que não letal, ou quando ocorre uma confusão numa fila de pacientes ou num hospital do SUS é um Deus nos acuda. Manchetes de jornais, reportagens de televisão, dias a fio clamam por justiça e melhorias nos atendimentos á saúde. É bom que seja assim. A população merece, sempre, a melhor atenção que sempre necessita.
Um dos pilares do Sistema Único de Saúde, inscrito na Constituição como preceito e diretriz do SUS é a participação da comunidade no sistema, não só como demandante e objeto, mas como participante das definições sobre as políticas e ações de saúde e, principalmente, como peça fundamental no acompanhamento, avaliação e fiscalização dessas ações.
No entanto, não se percebe o mesmo clamor da mídia, nem da população, quando outros profissionais cometem equívocos. Alguns de proporções chinesas pois afetam muito mais gente que um paciente ou grupo de pessoas de uma fila de posto de saúde.
Quando um economista, ou um integrante do governo (sempre eles), afirma que o PIB – o produto interno bruto, vai crescer X%, está induzindo o mercado a caminhar numa determinada direção. Quando o governo coloca uma previsão de crescimento econômico para o país, numa proposta de orçamento que será votada no Congresso e se transformará em Lei de Diretrizes Orçamentárias, toda a nação é afetada.
Em 15 de abril de 2008, o governo mandou ao Congresso a proposta do orçamento para 2009, contando com um crescimento do PIB de 5%. É claro que nenhum economista previu a crise que se abateria em setembro. Tanto assim , que em novembro o governo reduz a estimativa para 3,8% e o Presidente Lula discursava “ que quem apostar em crescimento muito baixo em 2009, pode quebrar a cara”. Como estamos vendo, quem apostou não quebrou.
Na mesma época, o sempre otimista Ministro Mantega garantia um PIB de 4%. Aliás, se o Ministro Mantega precisar buscar outra profissão, que não seja a de astrólogo, pois suas previsões não costumam se confirmar. Como passar do tempo ele foi baixando suas estimativas, pois elas iam sempre para cima, enquanto os indicadores caminhavam em sentido contrário.
Mas o Ministro Mantega nunca esteve sozinho nessa difícil função de oráculo. O FMI, em novembro de 2008 cravava um PIB brasileiro para 2009 em torno dos 3,5%. A Confederação Nacional da Indústria, em dezembro de 2008, apostava (só dizendo assim, pois de exata essa ciência de estimativa econômica não parece ser muito) em 2,4%. Não se pode esquecer que o Presidente do Banco Central, Henrique Meireles, considerou esse número “muito pessimista”. Hahã.
Porém, a publicação FOCUS, do Banco Central, ajustava a previsão para 2,00%, em janeiro de 2009, quando foi acompanhada pelo Ministro Mantega, embora a FEBRABAN (Federação dos bancos!) pensasse em 2,56%.
A partir daí foram só acomodações as “novas” realidades, todas para baixo. Mas em 16 de março de 2009, em seminário para investidores estrangeiros, em Nova York, o Presidente Lula ainda arriscava:”Cresceremos em 2009 menos do que gostaríamos, menos do que poderíamos se não fosse a crise externa, mas vamos crescer”. A marolinha chegava à praia, e caminhava para nos deixar com água no pescoço.
Não afogamos mas não vai dar para nadar, com um crescimento zero ou muito próximo a isso.
Quando se fala em PIB anual, estamos falando da soma de todos os serviços e bens produzidos no ano no país. Ele é um importante indicador da atividade econômica do país, representando o crescimento econômico ou não. Em 2008 o PIB do Brasil foi de R$ 2,889 trilhões. O PIB per capita é a divisão do valor do PIB pelo número de habitantes. Portanto se o PIB não aumenta de um ano para outro, todos ficamos mais pobres, pois a população cresce. Pelos números atuais, em 2008 o PIB per capita foi de R$15.236 e o de 2009 deve cair para R$15.087.
Para se ter uma idéia do que representam os “equívocos” ou as estimativas furadas, os 4% do crescimento que não houve, que o Ministro Mantega alardeava em novembro de 2008, significam uma bolada de 115 bilhões de reais, o equivalente a duas vezes o orçamento do Ministério da Saúde para custear o SUS. Cada centésimo de um PIB não realizado são 289 milhões de reais, o suficiente para manter o Hospital Sarah, de Brasília, por um ano.
É ou não é uma dinheirama suficiente para evitar algumas mortes e tirar muita gente das filas dos hospitais?

[1] Médico sanitarista e psicanalista da Sociedade de Psicanálise de Brasília

domingo, 10 de janeiro de 2010

Sugestão de leitura !!



Neste ano de eleições leia o livro:
Honoráveis Bandidos: Um retrato do Brasil na era Sarney.

Autor: Palmério Dória. Excelente conteúdo !