sexta-feira, 29 de junho de 2012

Contagem regressiva.

O globo - 25/6/2012
Ligia Bahia: “Para deter o descarte de idosos no Brasil que envelhece, é essencial superar teorias, com forte teor de eugenia, e sustar o repasse de recursos públicos à privatização da saúde”.


Idoso deixou de ser sinônimo de inativo há muito tempo. O termo velhice ativa, utilizado em países com elevada proporção de velhos na população, tornou-se uma consignação que dá sentido a articulação de políticas sociais para assegurar “mais vida aos anos e não apenas anos à vida”. Infelizmente, ainda tem muita gente importante, que teima em confundir velho com doente. Preocupações concentradas apenas nas relações entre a longevidade e os gastos, especialmente públicos com aposentadorias, pensões e cuidados com saúde podem causar uma “idosofobia” alastrante. Os principais sintomas da síndrome, que ironicamente acomete velhos ou pré-velhos executivos de empresas privadas de planos de saúde são o belicismo e a negação de identidade. Como as despesas no final da vida tenderiam a ser mais elevadas do que a contribuição pretérita, os velhos seriam “bombas demográficas” a serem imediatamente desarmadas para não comprometer o futuro dos jovens. A declaração de guerra, baseia-se na premissa da existência de um passivo crescente e descoberto dos improdutivos.

As dificuldades para compreender as mudanças demográficas e sociais, inclusive em países como o Japão no qual uma em quatro pessoas se encontra acima de 65 anos, transformaram mais uma tentativa de extender cobertura de planos de saúde para aposentados e desempregados em uma batalha. Empresas comparam, equivocadamente, velho com carro batido. E a analogia espúria entre o desgaste de uma máquina ao envelhecimento humano fundamenta a aversão aos idosos. Seguro para sinistros já existentes (no caso dos velhos, pessoas hipoteticamente doentes) contraria a lógica de
imprevisibilidade dos riscos dos contratos de coisas. Logo, se as empresas empregadoras mantêm cobertura para seus trabalhadores aposentados muito que bem, caso contrário, o idoso, que tinha plano de saúde empresarial até a véspera de se aposentar terá que sobreviver sozinho.
De acordo com a legislação, aposentados podem continuar vinculados ao antigo plano desde que banquem despesas muito mais elevadas do que as anteriores. Segundo as regras vigentes o valor a ser pago depois da saída da empresa passa a ser calculado pela faixa etária. Essas regras compelem os idosos a arrumar um jeito de se aposentar, mas ser recontratado por empresas vinculadas ao ex-empregador, procurar um plano de saúde pior, se pendurar como dependente no esquema assistencial de um parente, ou ficar sem cobertura. Para quem se queixar? Da boca dos agentes do mercado ninguém ouviu que os planos privados de saúde seriam uma solução para os idosos. Mas se o envelhecimento é uma realidade e os planos não servem para velhos, a quem atendem e a quais interesses?

Para deter o descarte de idosos no Brasil que envelhece, é essencial superar teorias, com forte teor de eugenia, e sustar o repasse de recursos públicos à privatização da saúde. Alternativas de contagem regressiva, a exemplo do tempo proporcional aos anos trabalhados para permanecer no plano, portadoras de convites à antecipação da morte, opõem-se às necessidades de proteção social. As políticas sociais de alívio da pobreza, especialmente aquelas voltadas a propiciar melhores oportunidades de inserção no trabalho de crianças ampliam o consumo, mas o alargamento da distância entre ricos e pobres é um dos principais obstáculos ao aumento dos gastos públicos. As trincheiras para combater os velhos impedem a visão sobre o fato de o prolongamento da vida ser consequência e não causa de elevação de despesas públicas. Portanto, a indiferença acerca dos resultados de distribuição dos recursos para a saúde baseada nos valores do mercado segrega velhos.

As escolhas dos idosos remediados e pobres deixados ao sabor de um conjunto de políticas sociais que não abrangem o ciclo de vida são trágicas. Optar por pagar pela atenção à saúde ou manter o mesmo patamar de consumo e lazer é ultrajante. Em vez de mobilizar apenas políticas reativas voltadas a compensar condições do passado é preciso tentar mudar os determinantes das desigualdades e reconhecer que ao longo do ciclo da vida, cada fase influencia a subsequente. As experiências da primeira infância dependem da inserção social digna de adultos e idosos. Os políticos sabem que os velhos votam e não são insensíveis aos problemas de saúde e da saúde dos idosos. Contudo, os tradicionais critérios para compor coalizões para eleições de prefeitos e vereadores não excluem nem apoiadores de medidas de combate aos idosos nem integrantes de esquemas de corrupção de verbas da saúde. O ponto de conciliação de alianças que põem no mesmo saco fanáticos adeptos da privatização com defensores da construção de um sistema público de saúde é uma retórica radical de defesa dos direitos de cidadania e práticas de desperdício de oportunidades de vida.

A novidade nesse front é o questionamento da decretação de estado de alarme contra o sistema público e proteção aos velhos também pelos jovens. Os estudantes dos cursos de saúde do hospital universitário público Clementino Fraga Filho, localizado na Ilha do Governador no Rio de Janeiro, se organizaram para impedir a deterioração de suas instalações e ampliar a oferta de serviços de uma instituição dotada de um excelente quadro de profissionais. Os veteranos sabem que estão brigando pelos calouros e estes por alunos que ainda não ingressaram na universidade. A geração que lutou para abrir o hospital em 1978 não se sujeitou a um Estado de exceção, a atual recusa a destruição do sistema público de saúde.

sábado, 23 de junho de 2012

REGIONALIZANDO A DESCENTRALIZAÇÃO: REGIÃO DE SAÚDE COMO IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL OU COMO ATO DE VONTADE DOS ENTES FEDERATIVOS?

 

Lenir Santos[2]

 

Um sistema organizado de forma regionalizada em um Estado Federal, composto por estados-membros e municípios, que têm competências comuns e interdependentes na saúde, leva a conclusão de que a regionalização, que diz respeito à divisão do território estadual, com aglutinação de municípios em região de saúde (microrregiões no sentido constitucional), se insere na competência do estado, nos termos do art. 25 da Constituição Federal.
Sendo os municípios unidades federativas assimétricas quanto ao seu desenvolvimento, a organização do SUS fica dotada de grave complexidade no tocante à distribuição de competências entre os entes federativos na saúde. As competências, ainda que comuns, não podem ser tidas como iguais, simétricas em relação aos entes federativos, com a mesma abrangência no tocante à garantia da efetividade do direito à saúde. Elas devem guardar proporção ao porte demográfico, social, cultural e econômico do ente da Federação. As responsabilidades individuais na rede devem ser assimétricas para garantir uma rede simétrica e equânime.
Por esse motivo, a rede de saúde deve estar em regiões de saúde constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes para integrar a organização, o planejamento e a execução da função pública da saúde que deve ser compartilhada. Se todos tivessem que garantir na integralidade o direito à saúde, per se, não haveria necessidade de se criar um sistema integrado, nem mesmo de se ter rede, tampouco região de saúde. Cada ente garantiria individualmente a seu munícipe o direito à saúde em seus amplos termos.
No tocante à necessidade de se instituir região de saúde, demarcando um território que conterá um conjunto articulado e contínuo de ações e serviços de saúde, trata-se de um fato incontroverso do ponto de vista jurídico, uma vez imposto pela Constituição, devendo ser dotado de inteligência sanitário-organizativa para integrar serviços, ganhar escala, ampliar a cobertura e permitir a continuidade do cuidado em toda a sua dimensão sanitária.
Venho defendendo que a instituição de regiões de saúde como espaço territorial, que tem a finalidade de garantir um amplo rol de ações e serviços, nos termos do art. 198 c/c com o art. 7º, II, da lei 8.080, de 1990, é ato administrativo essencial, sob coordenação estadual.
A região de saúde é necessária para a efetividade do direito à saúde por permitir juntar o que o princípio da descentralização separou e que, por força sistêmica, deve se unir novamente em torno de uma região, dando à luz uma gestão que ao mesmo tempo em que é individual (de cada ente federativo, direção única) também é solidária ante a interdependência sistêmica.
As regiões de saúde devem ter a função de aglutinar serviços de saúde que poderiam fracionar a garantia do direito à saúde que deve ser satisfeita de maneira integral. A região de saúde deve conter determinados atributos, como população e território definidos; extensa rede de estabelecimentos de saúde; diversos níveis de atenção, porta de entrada do sistema que integra e coordena a atenção e sistema de governança único para toda a rede[3].
A região de saúde confere uma externalidade ao SUS por definir, para uma determinada população, o lócus de sua efetivação, contudo, a região não pode ser confundida com a divisão administrativa do estado-membro, pois são temas diversos. Uma diz respeito aos espaços onde se localizam os serviços de saúde; a outra é mera divisão administrativa da secretaria da saúde, que se desconcentra para melhor atender à sua burocracia orgânica. A primeira implica a união de unidades federativas, ao passo que a segunda é uma mera divisão administrativa de um único ente federativo.
Unidos os municípios, eles passam a constituir uma região de saúde para organizar, planejar e executar de maneira compartilhada os serviços de saúde. Nesse passo, saiu-se da individualidade federativa, do interesse local, para a solidariedade interfederativa e o interesse regional, fazendo saltar deveres constitucionais de financiamento interfederativo da saúde.
[1] Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP. Lenir Santos é a responsável pela concepção e elaboração da minuta do projeto do decreto 7508 para o Ministério da Saúde.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O caminho para uma saúde de qualidade.

ANDRÉ MEDICI

André Medici é economista, com mais de 30 anos de experiência em temas de economia da saúde e políticas sociais no Brasil e no exterior.

A Constituição de 1988 definiu um conjunto de direitos à saúde para todos os brasileiros, sem explicitar como alcançá-los, a que custo e com base em que estratégia. O projeto do SUS patinou entre 1988 e 1994, em grande medida, em função da instabilidade econômica, da falta de uma estratégia de implementação e da incapacidade do governo de deliberar corretamente os primeiros passos para o funcionamento do sistema. A situação melhorou a partir de 1994. No rastro da estabilização econômica, iniciaram-se estratégias para implementar o SUS.

Alguns exemplos dessas estratégias: descentralização das políticas de saúde e transferência de hospitais federais para as esferas locais, adoção de modelos mais eficientes de gestão de hospitais públicos e definição dos marcos para a melhoria dos sistemas de informação do SUS (cartão SUS e mecanismos de acompanhamento dos gastos públicos setoriais). A partir de 2003, os governos locais passaram a liderar as inovações necessárias para alcançar uma saúde de melhor cobertura e qualidade. Estados como São Paulo inovaram com a criação de ambulatórios médicos de especialidades que funcionam 24 horas por dia. Minas Gerais implantou redes temáticas de saúde e introduziu mecanismos de pagamento por desempenho aos profissionais. O Rio de Janeiro lançou as Unidades de Pronto Atendimento 24 horas, para atender a população não coberta por atenção primária. Curitiba gerou grandes inovações em atenção materno-infantil, entre outros exemplos.

Apesar de todas essas mudanças, a população brasileira continua tendo uma visão pouco alentadora das políticas de saúde no Brasil. Em 2011, a saúde era o maior problema na vida de 52% dos brasileiros, não havendo outro problema que o superasse. Entre dezembro de 2011 e março de 2012, o percentual de aprovação da política de saúde implementada pelo atual governo cresceu de 30% para 34%, mas cerca de 63% dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa CNI-Ibope, desaprovavam a política de saúde do governo.

Por que os brasileiros avaliam mal as políticas governamentais de saúde? Porque o tempo de espera para o atendimento é muito elevado e maior entre os mais pobres e entre aqueles situados nas regiões onde os serviços de saúde não estão bem organizados. Porque faltam médicos e profissionais de saúde para o atendimento, especialmente nos pequenos municípios ou nas áreas de difícil acesso. Porque faltam medicamentos básicos nos serviços de saúde, levando os pacientes a comprar medicamentos por aconselhamento de amigos, parentes ou farmacêuticos, gastando boa parte de sua renda com isso. Porque a atenção básica não tem aumentado na velocidade suficiente para integrar os mais pobres aos serviços de saúde.

A estratégia de saúde da família (ESF), que, entre 1994 e 2002, aumentou a cobertura de 0% para 32% dos brasileiros, registrava somente 52% da população em 2010, quando o esperado era que alcançasse entre 65% e 70%, para incluir com folga os mais pobres. E o pior é que, de acordo com os dados DataSUS, a população registrada às ESF baixou de 52% para 49% entre 2010 e 2011. Quase 40% do decil mais pobre da população brasileira não tem acesso ao Programa de Saúde da Família ou a qualquer tipo de estrutura de atenção básica de saúde.

Estariam os problemas que levam a população brasileira a avaliar mal o governo na área de saúde relacionados à falta de financiamento público para o sistema de saúde? É díficil dizer. Não é pela falta de aumento de gastos federais que a saúde no Brasil apresenta problemas. Entre 2007 e 2011, os recursos orçamentários autorizados para a pasta da Saúde aumentaram de R$ 53 bilhões para R$ 81 bilhões. Muitos argumentam que a participação do Ministério da Saúde no Orçamento Federal vem decrescendo, o que é verdade. Mas isso tem a ver com aumento dos gastos públicos em outras áreas, em proporções maiores que o aumento dos gastos em saúde.

Apesar de contar com mais recursos, o setor público de saúde no Brasil não tem estabelecido as prioridades  de seus gastos

 Apesar de ter contado com mais recursos e de clamar por mais financiamento, o setor público de saúde no Brasil não tem estabelecido reais prioridades em matéria de gastos. Para priorizar o uso dos recursos públicos em saúde, o governo deveria tomar uma série de medidas, cabendo destacar:

1. Definir o que vai entregar de serviços de saúde à população – O governo deveria definir de forma precisa que bens e serviços de saúde devem estar cobertos em função de necessidades epidemiológicas, evidências clínicas e recursos disponíveis. Deveria estabelecer mecanismos legais para evitar que algumas pessoas tirem vantagem do sistema tendo acesso a bens e serviços que não estão contidos no conceito de cobertura de saúde. A maioria dos países desenvolvidos circunscreve o conceito de integralidade em saúde, usando os critérios de prioridades epidemiológicas, eficiência em função do custo dos procedimentos e limitações orçamentárias.

2. Melhorar a regulação e a governança do setor – Ainda que o Brasil tenha avançado em soluções custo-efetivas para a cobertura dos sistemas de saúde, as experiências são muito limitadas. Ainda é um fato que o sistema de saúde brasileiro não tem um projeto sistemático para integrar os cuidados de promoção e prevenção, atenção básica e atenção de média e alta complexidade, reduzindo os custos gerenciais e possibilitando um cuidado sequencial em todas as etapas do atendimento. Aperfeiçoar a regulação e a governança na saúde passa por melhorar a gestão dos serviços pela definição de uma nova estrutura administrativa, que garanta autonomia e eficiência de gestão nas redes e unidades de saúde do SUS.

3. Estabelecer maior complementaridade entre o SUS e os planos privados de saúde – A saúde suplementar e o SUS mantêm muitas duplicações de cobertura e subsídios indiretos do governo às operadoras de planos. A melhor forma de evitá-los é gerar incentivos para que aqueles que detêm planos de saúde não utilizem o SUS, ou então, quando o usarem, que paguem pelos serviços sem que isso garanta privilégios ou portas diferenciadas de acesso. Os mecanismos de ressarcimento do SUS usados até agora não são suficientes para devolver ao SUS a grande fatia de recursos que as operadoras de planos de saúde acabam drenando do sistema ao não impedir que seus usuários utilizem gratuitamente o SUS.

4. Melhorar o acesso e a qualidade dos serviços de saúde – Isso significa dar prioridade à cobertura às áreas mais desprovidas, canalizando recursos extraordinários do SUS, orientando e dando assistência técnica aos Estados e municípios para a melhoria da qualidade das instituições, dos recursos humanos e dos processos de gestão em saúde nessas áreas.

5. Gerar instrumentos de monitoramento e avaliação da saúde – O Ministério da Saúde tem um sistema de informações de grandes proporções. Esses dados podem ser usados para gerar sistemas de indicadores confiáveis, que mostrem onde estão os problemas. Nos últimos anos, no entanto, a avaliação da saúde ficou mais restrita aos Estados e aos municípios, que recebem recursos segundo seus resultados. Houve avanço na cultura de avaliação nas administrações estaduais e municipais, graças a contratos com organizações sociais ou a parcerias público-privadas. Todos os contratos que envolvem metas e resultados deveriam estar acessíveis na web, para ser acompanhados não somente pelo governo, mas também pela sociedade civil.

6. Tornar mais eficiente o financiamento do setor – Muitos continuam culpando o subfinanciamento pelos problemas de saúde. Mas o país parece estar descobrindo que com os recursos públicos disponíveis daria para fazer mais, ao buscar soluções de gestão mais eficientes ou reduzir a corrupção. Está na hora de abandonar o discurso monotônico de aumentar recursos e buscar alternativas para apoiar o governo na melhoria da eficiência e da equidade na saúde.

sábado, 9 de junho de 2012

Comparações Internacionais sobre o Gasto em Saúde no Brasil.

André Medici

Introdução

Na última quarta-feira, (dia 6 de junho de 2012), o Estadão publicou na página 2 um artigo intitulado O Brasil deveria gastar mais com saúde? (1)A presente postagem procura elaborar um pouco mais sobre este artigo e dar algumas evidências estatísticas sobre os argumentos desenvolvidos.

Em livro recém publicado (2), argumento que é praticamente impossível saber quanto um país deve gastar com saúde, a menos que estejam respondidas algumas perguntas: Quais as necessidades de saúde da população? Estas necessidades poderiam ser financiadas com os recursos financeiros públicos e/ou privados disponíveis ou com menos ou mais recursos do que os que se prentede alocar? Os recursos existentes são alocados da forma mais eficiente ou poderiam ser melhor alocados? A população realmente quer gastar esses recursos com saúde ou tem outras preferências? O valor a ser alocado em saúde deveria ser gasto em outros setores sociais ou econômicos para o atendimento de outras necessidades mais urgentes do que as necessidades de saúde? A forma como se pretende gastar os recursos de saúde representa a combinação do uso dos recursos que melhor atende às necessidades de todos, de forma equitativa?

Necessidades de saúde

As necessidades da saúde da população brasileira, segundo o texto da Constituição de 1988, devem ser cobertas integralmente. Mas como se define cobertura integral? Seriam todas as necessidades de saúde sentidas por cada um ou as necessidades coletivas estabelecidas de acordo com critérios racionais? Que limites haveriam para o conceito de integralidade? Que desejos, caprichos, experiências com produtos não testados mas demandados por lobbies farmacêuticos através da pele de grupos organizados de pacientes estariam sendo cobertos sob o conceito de integralidade?

A sociedade brasileira, incluindo o Ministério da Saúde, ha tempos vem discutindo o conceito de integralidade, sem chegar a uma conclusão. Existe implicitamente um rol de procedimentos financiados pelo SUS, que em tese é maior do que aquele rol de procedimentos que cabem na lista da saúde suplementar, mas inferior ao que consta na tabela da Associação Médica Brasileira (AMB). Mas de forma explícita ainda não se chegou a nenhuma conclusão sobre o conceito de integralidade.

Podemos utilizar o perfil epidemiológico da população como uma proxy das necessidades de saúde, mas acabamos enfrentando o mesmo problema, dado que não é fácil definir uma linha de corte. Que necessidades estariamos financiando? As que atingem 90%, 95%, 99% ou 100% dos procedimentos de promoção, prevenção e tratamento, incluindos os mais novos e não testados medicamentos e tecnologias? Poderíamos fazer uma distribuição de frequência das necessidades de acordo com critérios objetivos, como o impacto na mortalidade e na morbidade (ou nos anos de vida saudáveis perdidos - AVISAs)?

A verdade é que nenhum político (inclusive aqueles que utilizam a pele de técnicos) gostaria de responder objetivamente a esta questão. A garantia constitucional da integralidade é mais que suficiente para que a população bem informada e acessorada por advogados possa pedir na justiça os procedimentos, exames, tratamentos ou terapias que o setor público ou os planos de saúde não incluem em suas listas. No entanto, quanto mais entramos no rol dos procedimentos de alta tecnologia e das inovações medicamentosas não cobertas por estas listas, maiores serão os custos para atender a todos. E se o cobertor do financiamento é curto, acabamos deixando de fora os que estão em baixo para cobrir os que estão em cima da pirâmide social, embora o discurso dos políticos continue pregando a defesa da igualdade ao acesso à saúde garantida pela Constituição.

Os países desenvolvidos já sabem ha muito tempo que quando os recursos são escassos se requer uma definição de prioridades. Mas a Constituição de 1988 não falou de prioridades em saúde. Falou em inclusão integral e igualitária. E até que consigamos sair deste imbroglio, o tempo passa e os mais pobres ficam com uma cobertura menor e de pior qualidade. No Brasil todos pedem mais recursos para a saúde, mas ainda não sabemos o que vamos financiar sob o conceito de integralidade.

Os recursos para o financiamento da saúde

Suponhamos que sabemos quais são as necessidades de saúde da população. Outro problema surgiria. Poderemos financiar a saúde com os recursos existentes? O argumento que vem sendo usado neste caso é que o Brasil gasta menos em saúde do que outros países. No entanto, não existe unanimidade quanto ao conceito de gasto em saúde e sua mensuração e vários conceitos surgem nas análises que rodam na praça, muitos dos quais inadequados. Podemos dizer que, em termos de comparações internacionais, pelo menos dois conceitos são importantes: (i) o gasto em saúde como proporção do PIB e (ii) o gasto per-capita com saúde (neste caso, utilizando o conceito de paridade do poder de compra – PPC).

O gasto em saúde como proporção do PIB estaria medindo a parte da riqueza nacional que a população dedica para pagar bens e serviços de saúde através de seus distintos agentes econômicos: o govêrno, as famílias e as empresas. O gráfico abaixo, mostra que, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde - OMS - (3), o Brasil era o quarto país com maior participação do gasto em saúde no PIB, entre os países da América Latina e Caribe. Com seus 8,4% do PIB, o Brasil, so tinha um gasto em saúde como proporção do PIB inferior a Cuba, Nicaragua e Costa Rica. Portanto, a sociedade brasileira dedica uma boa parte da riqueza gerada a cada ano para a saúde, quando comparada com outros países latino-americanos.

Já o gasto com saúde percapita estaria medindo o valor absoluto que se gasta com saúde, permitindo conhecer quanto cada brasileiro dispõe para gastar com saúde em média. Isto permite fazer comparações reais do que cada país dispõe para gastar com a saúde de cada um de seus habitantes. Considerando este índice, o Brasil não ocupa uma posição tão elevada no contexto latino-americano. Com US$ 875 percapita de gasto em saúde por ano, nosso país é o 10º. no ranking dos países a ALC. Isto ocorre por vários motivos. Primeiramente porque países com renda per-capita mais elevada que o Brasil, como Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica e Panamá e alguns países do Caribe Inglês (Barbados, Bahamas e Trinidad y Tobago) tinham mais riqueza disponível para gastar com saúde em termos absolutos. No entanto, o Brasil gastava mais do que países como México, Colômbia e Venezuela, como pode ser visto no gráfico abaixo.

Saindo da América Latina e indo em direção aos BRICS (4), o Brasil é o país com maiores gastos em saúde como porcentagem do PIB entre este conjunto de 5 países (tabela abaixo). Mas no que se refere ao gasto percapita ocupava a terceira posição. Seu gasto em saúde em 2008 equivalia a 48% do gasto da África do Sul e 89% do gasto da Rússia. Mas isso é natural, dado que a renda percapita destes dois países era pelo menos o dobro da renda percapita brasileira em termos de paridade do poder de compra.
Poderemos ainda comparar o gasto percapita em saúde e o produto nacional bruto (PNB) per-capita (ambos em PPC) entre a quase totalidade das nações do mundo (193 países), para avaliar aonde se situa o Brasil, como pode ser visto no gráfico abaixo. Neste caso, considerando que a curva de ajuste do comportamento destas duas variáveis representa uma média, pode-se dizer que, dado o seu nivel de renda, o Brasil tem um gasto em saúde por habitante (considerada sua renda percapita) acima da média mundial.

Portanto, se o financiamento da saúde fosse organizado sob princípios de gestão eficiente e equidade distributiva, o gasto em saúde no Brasil não estaria mal na foto. Mas o problema é saber se os princípios acima enumerados efetivamente se cumprem, pois se existem ineficiências na gestão e inequidades na distribuição, os recursos disponíveis para serem gastos com saúde podem não ser suficientes.

Gasto Público x Gasto Privado em Saúde

Quando se fala sobre a necessidade de maior financiamento da saúde no Brasil, em geral se fala sobre a necessidade de mais recursos públicos para a saúde e isto requer uma análise mais detalhada. Baseando-se nas estimativas de gastos em saúde da OMS, podemos inferir que o gasto mundial em saúde alcançou US$ 6,1 trilhões em 2008, dos quais 60% seriam gastos públicos (diretos do governo ou indiretos através de instituições públicas de seguro social) e 40% seriam privados (através de gastos diretos das famílias, instituições privadas de seguro ou filantropia). Uma análise dos dados da OMS também permite demonstrar que quanto maior é o nivel de renda de um país, maior tende a ser a participação do gasto público sobre o gasto total em saúde, como pode ser visto no gráfico abaixo.

Países classificados como de renda média alta (grupo no qual o Brasil se insere), estão gastando em média 57% dos seus gastos em saúde através do setor público. No entanto, o Brasil gasta somente 44%, estando portanto numa faixa de participação do gasto público intermediária entre um país de renda baixa e de renda média baixa. Fazendo um outro conjunto de comparações do gasto público, podemos notar que entre os países da América Latina, o Brasil é um dos que tem a menor participação do gasto público no conjunto dos gastos em saúde (44%), tendo participação equivalente a do Chile e ficando somente a frente do Perú, Equador, El Salvador, Guyana e Honduras neste indicador.

No entanto, considerando o gasto público percapita em saúde, se poderia dizer que o Brasil, com US$ 386 anuais em 2008, encontrava-se numa posição intermediária, embora estando abaixo de países como a Argentina, Cuba, Uruguai, Chile, Costa Rica, Colômbia e México, para dar alguns exemplos (ver gráfico abaixo). Existem no entanto algumas nuances que devem consideradas. A primeira delas é que boa parte dos países latino-americanos incluem, em seu componente de gasto público os gastos com seguros públicos de saúde (como é o caso da Colombia, Uruguai, Argentina e Chile) o que não acontece com o Brasil, onde a totalidade do gasto público é diretamente administrada pelo governo, ainda que através da compra de serviços prestados por estabelecimentos públicos e privados de saúde.

A organização de gastos públicos sob a forma de seguros apresenta algumas vantagens. Entre elas, o fato de que o financiamento está sujeito a formação de reservas e ao uso de cálculos atuariais no processo de gestão, onde o elemento risco é importante na tomada de decisões do que se deve financiar. Com isso, o financiamento fica um pouco mais protegido de crises econômicas que poderiam levar a reduções drásticas na arrecadação com efeitos negativos no gasto público direto em saúde.

O Brasil, desde 1996, tem tido um bom desempenho na arrecadação fiscal, permitindo uma expansão contínua do gasto público em saúde numa fase de crescimento econômico moderado. Se consideramos o período que vai de 2007 a 2011, podemos notar um crescimento contínuo dos gastos federais em saúde que aumentaram 53% no período, como foi discutido no artigo A Regulamentação da EC-29 e o Financiamento da Saúde no Brasil postado neste blog em 16 de Janeiro deste ano. No entanto, não se sabe quais seriam os efeitos de uma crise econômica prolongada que trouxesse impactos negativos na arrecadação sobre os gastos públicos em saúde no Brasil.

Comparando-se o gasto público percapita em saúde na quase totalidade dos países ao nivel mundial, em função de sua renda percapita, pode-se dizer que o Brasil, em 2008, não estava acima da curva de ajustamento médio, mas encontrava-se na média, sendo seu gasto público em saúde percapita compatível com seu nivel de renda (ver gráfico abaixo).


Considerações Finais

Gastar mais em saúde dever ser uma opção da sociedade. Ao longo da última década, as várias pesquisas de opinião realizadas pelo IBOPE e patrocidadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem demonstrado um crescimento da saúde entre as preocupações dos brasileiros. A pesquisa CNI-IBOPE em 2002 mostrou que a saúde era o maior problema na vida de 41% dos brasileiros, sendo somente superado pelo desemprego. Mas em setembro de 2011 a saúde era o maior problema na vida de 52% da população brasileira. Entre dezembro de 2011 e março de 2012, a aprovação da política de saúde do governo cresceu de 30% para 34%, mas cerca de 63% dos brasileiros ainda desaprovam tal política. A maioria dos brasileiros, no entanto, acha que se deveria aumentar o gasto público com saúde, mas considera que, além disso, se deveria aumentar a eficiência e combater a corrupção no setor.

Os dados apresentados, mostram que o Brasil gasta em saúde acima da média dos países da América Latina e do Caribe, mas a participação do gasto público sobre o gasto total em saúde está abaixo da verificada neste mesmo conjunto de países. O Brasil tem uma alta participação do gasto direto das famílias no total do gasto em saúde (cerca de 28% em 2010). Poderiamos considerar a hipótese de que aumentar o gasto público em saúde no Brasil (de forma eficiente e equitativa) levaria à redução do gasto direto das famílias com saúde. Esse efeito-substituição poderia levar o gasto em saúde como porcentagem do PIB a não se elevar substancialmente. No entanto, o efeito substituição somente ocorreria se o gasto público fosse focalizado nos mais pobres (contribuindo para aumentar a equidade) ou gerenciado de forma mais eficiente.

As discussões a respeito do financiamento da saúde no Brasil, mostram uma certa unanimidade quanto a necessidade de aumentar o gasto público em saúde. No entanto, pouco se discute quanto às opções necessárias para que o aumento do gasto público reverta em melhores benefícios para a população sem gerar efeitos negativos na já elevada carga tributária brasileira. Valeria, a título de conclusão, comentar que:

1. A criação (ou recriação) de impostos específicos para a saúde, como a CPMF, estaria fora de cogitação, num contexto onde a carga tributária do país é considerada uma das mais altas do mundo, com efeitos negativos sobre a competitividade internacional da indústria brasileira.

2. Aumentar a participação do gasto público em saúde no orçamento, reduzindo a participação de outros gastos governamentais poderia ser a melhor opção. Existem muitos gastos supérfluos associados a interesses lesivos à sociedade brasileira no interior do orçamento federal, e também dos Estados e Municípios, que poderiam ser eliminados abrindo espaço para um aumento dos gastos com saúde. Mas isto exigiria da classe política um esforço real de discussão de prioridades de alocação do gasto público;

3. Um outro tema seria aumentar a complementariedade dos gastos do SUS com o da Saúde Suplementar, fazendo com que houvesse uma opção real entre os dois sistemas. Existem diversas formas de aumentar esta complementariedade e direcionar os recursos do SUS para aqueles que mais precisam, mas é importante ressaltar que isto poderá ser uma real opção para evitar duplicações de cobertura e desvios no uso dos recursos públicos para gastos de baixa prioridade social.

Em síntese, a resposta a dois desafios deveriam sair desta discussão:

Primeiro: usar de forma mais eficiente e equitativa os recursos públicos em saúde poderia trazer efeitos na melhoria da cobertura e qualidade do acesso da população brasileira à saúde, beneficiando particularmente os mais pobres e excluídos.

Segundo: aumentar gastos públicos em saúde não pode ser feito simplesmente com mais recursos financiados a descoberto. É necessário, antes de tudo, definir prioridades no uso de um orçamento público que tem recursos finitos. Para tal, o executivo e o legislativo deveriam abrir mão de suas agendas pessoais e corporativas e se associar a uma agenda republicana de debate de idéias, interesses e prioridades para toda a população brasileira.

Estaríamos maduros, como país, para responder a estes dois desafios?

Notas

  1. Acesso através do link http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-brasil-deveria-gastar-mais-com-saude-,882997,0.htm
  2. Medici, A.C., Do Global ao Local: Os Desafios da Saúde no Limiar do Século XXI, Ed IBEDESS-Coopmed, Belo Horizonte, 2011. O livro pode ser adquirido diretamente da Editora através do site http://www.coopmed.com.br/clv/product_info.php?products_id=101&osCsid=3098d44b203f599c86ed6d133865df26
  3. WHO, World Health Indicators, Ed. WHO, Geneve, 2011.
  4. Ver o artigo A Saúde nos BRICS: Progressos e Perspecitvas para 2011, postado em 11 de janeiro de 2011 neste blog.

domingo, 3 de junho de 2012

Melhoria de Serviços Públicos depende do STF.

MELHORIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS DEPENDE DO STF - Marco Antonio Raupp, Jacob Palis Junior e Rubens Naves*- Estadão 29/1/2011
Vigente há pouco mais de uma década, o modelo das OS já está implantado no Distrito Federal e em pelo menos 14 dos 26 Estados - incluindo Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará, Pernambuco, Sergipe e Pará -, sob as mais variadas colorações políticoideológicas.
No campo da ciência e tecnologia, a legislação das OS permitiu a consolidação e o aprimoramento de instituições de ponta, que têm contribuído para a geração, aplicação e divulgação de conhecimentos de grande valor científico e social, como o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, a Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.
Na área da saúde, aferição do Banco Mundial mostra que os hospitais geridos por OS oferecem entre 35% e 61% mais admissões por leito e redução de quase 30% na taxa de mortalidade em comparação com hospitais sob a gestão direta do poder público. O modelo permitiu também que usuários do sistema público sejam atendidos em instituições geridas por entidades de excelência, como os Hospitais Sírio-Libanês, Albert Einstein e a Fundação Faculdade de Medicina da USP.
Na área da cultura, também algumas das iniciativas mais bem-sucedidas dos últimos anos se alicerçam no modelo das OS, como o Projeto Guri, que leva educação musical e oportunidades de inclusão social a cerca de 40 mil jovens em 300 municípios do Estado de São Paulo. O Centro Cultural Dragão do Mar, de Fortaleza, e o Museu Afro Brasil, na capital paulista, são outros dois exemplos de como as OS podem assumir papéis culturais de vanguarda e grande relevância.
Diante de exemplos como esses fica patente o caráter "mítico" dos argumentos em que se baseia a Adin que será julgada pelo STF. De acordo com o primeiro desses mitos, as OS promovem a privatização dos serviços públicos, que passariam a ficar ao sabor da lógica do mercado. Os partidários dessa ideia parecem ignorar que as OS são entidades sem fins lucrativos, de natureza social. Não operam no "mercado" -domínio próprio das empresas -, mas na arena pública não estatal: o terceiro setor.
A lei das OS não alterou em nada as responsabilidades do poder público quanto aos serviços públicos não exclusivos de Estado. O que ela fez foi criar um procedimento prévio de qualificação das entidades e instituir um instrumento - o contrato de gestão - muito mais adequado que os tradicionais convênios para a realização das parcerias 2 com o terceiro setor. O contrato de gestão resulta em maior envolvimento da sociedade, mais transparência, controle e compromisso com resultados.
O segundo mito insuflado contra o modelo das OS refere-se à suposição de que a lei teria dispensado a licitação para a assinatura do contrato de gestão, permitindo que recursos públicos fossem arbitrariamente cedidos às organizações. Basta, entretanto, percorrer o texto das Leis 9.637 e 9.648 para perceber que não há nelas dispositivo algum que dispense a licitação para a celebração do contrato de gestão. Só podem
celebrar esses contratos entidades previamente qualificadas como OS e, havendo mais de uma disposta a firmar contrato, o poder público deve abrir processo seletivo para escolher a proposta mais vantajosa.
O terceiro mito que tem sido alimentado por opositores do modelo das OS diz respeito a um suposto menor controle dos serviços públicos sob sua gestão. Uma análise ponderada da legislação e da realidade por ela influenciada revela, no entanto, que as OS estão sujeitas a mecanismos de controle e responsabilização muito mais rigorosos do que a própria administração pública.
Internamente, a supervisão das OS é feita por um conselho de administração controlado por representantes do poder público e de outras entidades representativas da sociedade civil, em geral com apoio de um conselho fiscal e de auditoria independente.
Externamente, as OS são obrigadas a prestar contas ao órgão parceiro do poder público, cabendo a uma comissão formada por especialistas a avaliação dos resultados alcançados. O contrato de gestão é submetido anualmente ao crivo do Tribunal de Contas, sem prejuízo da eventual atuação do Ministério Público, da Corregedoria e da Advocacia-Geral da União. E as OS precisam cumprir ainda redobrados deveres de transparência, como a obrigatoriedade de publicação dos relatórios financeiros e de execução do contrato de gestão, o que permite amplo controle social da sua atuação.
O modelo das OS traz outra vantagem fundamental: pelo contrato de gestão, as entidades comprometem-se com metas e resultados mensuráveis por meio de indicadores de qualidade e produtividade. Esse comprometimento com resultados é um dos principais motivos do salto de eficiência nos serviços públicos geridos por OS.
Ao contrário do que alega a Adin remetida ao STF, o modelo das OS está, portanto, mais alinhado com a necessidade de aprimorar a qualidade dos serviços públicos do que as atuais regras que regulam a atuação direta dos órgãos do Estado. Razão pela qual o Supremo terá a oportunidade de, ao decidir pela improcedência da ação, confirmar a legitimidade de uma solução inovadora, que abre caminho para o aperfeiçoamento de investimentos e serviços públicos. E ao se engajar nessa causa a sociedade civil manterá o rumo para patamares mais elevados e sustentáveis de desenvolvimento.3
* Respectivamente, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC); advogado que patrocina as duas entidades, como amici curiae, na Adin contra as Lei das OS