domingo, 29 de julho de 2012

Gasto Público Municipal em Saúde 2011

GASTO PÚBLICO MUNICIPAL EM SAÚDE 2011

Gilson Carvalho[1]

1.INTRODUÇÃO

O preceito constitucional do financiamento da saúde coloca esta responsabilidade nas três esferas de governo. Como o texto constitucional explicitou apenas competências e fontes genéricas de financiamento, 11 anos depois foi aprovada uma Emenda Constitucional de número 29 (EC-29). Nesta sim ficaram definidos os quantitativos de cada esfera de governo. A União devendo investir em saúde o mesmo quantitativo empenhado no ano anterior e aplicada a variação nominal do PIB. Estados o mínimo de 12% de impostos e transferências federais. Municípios, mínimo de 15% de seus impostos e das transferências constitucionais obrigatórias da união e de estados.

A EC-29 foi de encontro à proposta amplamente discutida de que se devesse colocar mais recursos federais para a saúde. Houve um golpe de mestre do governo na aprovação da EC-29 onde manteve-se o baixo investimento federal em saúde e aumentou-se a obrigatoriedade dos estados em mais 20% e dos municípios em mais 50%. A conseguência evidente foi que o desfinanciamento federal continua afetando a baixa quantidade e quaalidade dos serviços. Pior: a EC-29 havia previsto que no prazo de cinco anos uma nova lei complementar regulamentaria o quantitativo dos recursos de cada esfera de governo. Esta LC finalmente foi votada no final de 2011 e publicada efetivamente em janeiro de 2012. Lamentavelmente, mesmo sob protestos os quantitativos da união, como percentual do PIB permaneceu. Perdeu-se mais uma grande batalha e que tem que se conseguir, é voltar a fazer as mesmas propostas dos últimos anos, cuja essência era garantir no mínimo 10% da receita corrente bruta para a saúde.

2. MUNICÍPIOS E TRANSMISSÃO DE DADOS PARA O SIOPS

No QD-1 temos a relação de todos os municípios que transmitiram os dados do SIOPS nos anos de 2000 a 2011 . A proporção dos municípios adimplentes é muito alta se aproximando sempre de 100%. Estes dados são dinâmicos mudando-se com a cada ano onde aqueles que não transmitiram, passem a fazê-lo. No ano de 2011, dos 5563 municípios , 5289 transmitiram os dados e 274 não transmitiram e portanto não informaram. Destes apenas 22 municípios não cumpriram a EC-29. Um dos menores  índices de não cumprimento do preceito constitucional da EC-29, ou seja, menos que meio%.  Nos anos de 2000 a 2005 o número de municípios que não informaram dados foi de zero, depois 1 em 2006; 4 em 2007; 9 em 2008; 22 em 2009; 45 em 2010 e 274 em 2011. A tendência é que passado algum tempo os inadimplementes completem suas informações. 



QD-1 MUNICÍPIOS EM RELAÇÃO AO SIOPS E À EC-29 - 2000/2011
CARACTERÍSTICAS
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
MUNICÍPIOS (M) QUE TRANSMITIRAM DADOS
5337
5510
5508
5454
5409
5548
5546
5535
5504
5536
5514
5289
M.QUE CUMPRIRAM EC
4585
3607
4243
4668
4672
5363
5498
5485
5465
5525
5495
5267
% DOS QUE CUMPRIRAM
96,9
99,1
99,1
98,1
97,3
99,7
99,7
99,5
99
99,5
99,1
99,58
M.NÃO CUMPRIRAM EC
752
1903
1265
786
737
185
48
50
39
11
19
22
M.NÃO TRANSMITIRAM
168
49
51
105
149
14
16
27
58
27
49
274
M.NÃO INFORMARAM
0
0
0
0
0
0
1
4
9
22
45
274
M.SEM BALANÇO
168
49
51
105
149
14
15
23
49
5
4
0
TOTAL MUNICÍPIOS
5505
5559
5559
5559
5558
5562
5562
5562
5562
5563
5563
5563
FONTE: SIOPS - ESTUDOS GC


3. PERCENTUAL DO GASTO DE SAÚDE PELOS MUNICÍPIOS

No QD-2 temos uma relação de 2000 a 2011 dos percentuais médios dos gastos municipais com saúde. Em todos estes anos os municípios, em média, investiram em saúde mais que os mínimos constitucionais. Nos anos de 2006 a 2011 os municípios investiram 33% a mais que o mínimo, o que comprova o largamente divulgado, que o pagamento da conta da saúde tem recaído sempre mais sobre os municípios.

Estes dados percentuais de gasto com saúde nos municípios podem sofrer alterações para maior. Falta esclarecer o percentual de municípios que deram todas as informações menos esta de definição de qual foi o mínimo em relação à EC. Outros estudos chegam a cerca de 21,5 % de gasto municipal em saúde. Estamos aqui trabalhando com números mais conservadores.




QD-2 MUNICÍPIOS % MÉDIO DE RECEITA PRÓPRIA GASTO SAÚDE 2000/2011 MÍNIMO EC:15%
2000
13,4
2001
14,5
2002
16,2
2003
17,7
2004
18,2
2005
18,9
2006
20,0
2007
19,5
2008
19,7
2009
20,2
2010
20,3
2O11
19,6
FONTE:SIOPS 
ESTUDOS GC



4. APLICAÇÃO A MAIOR PELOS MUNICÍPIOS

No QD-3 aprofundam-se estes dados e a partir da receita própria dos municípios – excluindo-se as transferências SUS. Levantam-se os dados referentes aos 15% desta receita que seria o mínimo devido pelos municípios. Na coluna seguinte são colocados os dados referentes ao devidamente aplicado em saúde. É feita a comparação na última coluna entre o devido e o efetivamente aplicado o que resulta, em todos os anos estudados, quantos bilhões de reais foram aplicados a mais pelos municípios. Estre número de R$45 bi gasto com saúde pelos municípios em 2011 é de um pouco menos conservadora, mas não chegando ao valor mais alto de R$47 bi.
Vamos neste quadro o quanto a mais do mínimo investem em saúde os municípios. O dado de maior volume é o referente ao ano de 2011 quando se aplicaram mais  R$13,7 bi que o mínimo. A rigor, nos anos de 2002 e 2003 ainda não era obrigatório aplcar em saúde os 15% da receita de impostos e transferências. Usamos já os 15%, entretanto, pois  havia “superavit” dos municípios.



QD-3 GASTOS MUNICIPAIS PRÓPRIOS DA SAÚDE,  CORRENTES E PERCENTUAIS, SOBRE RECEITA MUNICIPAL TOTAL R$ BI  - DIFERENÇA A MAIOR QUE O MÍNIMO
ANO
RECEITA PRÓPRIA MUNICIPAL R$BI
15% DEVIDO PELA  EC-29 – R$ bi
RECEITA PRÓPRIA APLICADA SAÚDE R$BI
VALOR A MAIS DE GASTO MUNICIPAL
2002
69,0
10,4
12,0
1,7
2003
78,4
11,8
13,8
2,0
2004
90,7
13,6
16,4
2,8
2005
101,3
15,2
20,3
5,1
2006
116,3
17,4
23,6
6,1
2007
130,6
19,6
26,4
6,8
2008
148,4
22,3
32,5
10,2
2009
172,0
25,8
34,5
8,7
2010
188,5
28,3
39,2
11,0
2011
210,7
31,6
45,3
13,7
FONTE: SIOPS - ESTUDOS GC



Para 2011  o total declarado pelos municípios foi  R$45,3 bi, segundo uma tabela do SIOPS e R$41,3 segundo outra tabela e maneira de cálculo.
Mantivemos o raciocínio anterior onde usou-se o valor apurado para 2010 acrescido do INPC 2010/2011 o que deu em R$ 42 BI.
Não foi possível identificar gastos com saúde dos hospitais universitários municipais (pouquíssimos) e, nem tão pouco, os gastos com serviços de saúde próprios dos servidores. Os serviços de saúde dos servidores comprados de planos e seguros, lá estão no privado globalmente, ainda que sem identificação.


5. DIVAGAÇÕES SOBRE O GASTO PÚBLICO EM SAÚDE EM 2011

Vale a pena lembrar a evolução da participação histórica das três esferas de governo no financiamento da saúde. É evidente um desfinanciamento federal sequencial, agravado e comprovado! Cada vez menos dinheiro federal e mais responsabilização de estados e principalmente de municípios que acabaram “obrigados a fazê-lo” por pressão popular,  proximidade com o judiciário e ministério público. QD-4

A União que em 1980, antes da declaração constitucional do direito à saúde do cidadão e dever do estado assumido pelas tres esferas de governo era responsável pelo financiamento da saúde em cerca de 75% chega ao ano de 2011 sendo responsável apenas por 47% dos gastos em saúde.




QD-4  RECEITA % DA SAÚDE POR ESFERA DE GOVERNO  BRASIL – 1980-2011 - SIOPS+MS
ANO
% UNIÃO
% ESTADOS
% MUNICÍPIOS
1980
75,00%
17,80%
7,20%
1995
63,80
18,80
17,40
2000
59,74
18,53
21,73
2001
56,17
20,67
23,16
2002
53,11
21,64
25,25
2003
50,69
22,80
25,24
2004
51,14
23,62
25,24
2005
50,64
24,48
24,98
2006
46,70
26,12
27,18
2007
46,95
25,77
27,27
2008
47,14
25,94
26,91
2009
45,67
26,77
27,56
2010
45,00
27,00
28,00
2011
47,00
26,00
27,00
FONTE: SIOPS – MS- ESTUDOS GC



Podemos fazer um  outro exercício. Podemos simular que os atuais recursos gastos em 2011 guardassem a mesma proporção da arrecadação de recursos por esferas de governo. Estima-se que os recursos arrecadados, depois das transferências constitucionais, fiquem: 60% com a União, 24% com os Estados e 16% com os Municípios.
Podemos fazer um exercício tomando o gasto estimado público total de 2011  de R$154 bi (total das três esferas de governo) e dividindo-o pelos percentuais finais da distribuição da arrecadação:

v  União (60%) = R$92 bi
v  Estados (24%) = R$37 bi
v  Municípios (16%) = R$25 bi

A simulação mostra que os municípios que estão investindo em saúde R$42 bi, se mantida proporção inicial deveria estar colocando R$25 bi e os estados que investiram R$40 bi deveriam estar colocando R$37 bi. Isto trabalhando com o mesmo total de dinheiro.
Vamos fazer este mesmo estudo inversamente baseados no montante dos municípios de modo a que não diminuissem em nada o que hoje investem em saúde. São estimativas ao contrário  partindo do que seria o montante público se União e Estados gastassem com saúde a mesma quantia relativa ao que gastam os municípios.

Os Municípios Brasileiros gastaram com saúde em 2011 = R$42 bi e ficaram com apenas 16% de tudo que se arrecadou, podemos estimar que na mesma proporção os Estados que ficam com 24% das receitas,  deveriam ter alocado em Saúde = R$63 bi e a União, que fica com 60% da receita, deveria ter alocado = R$157,5 bi.   Neste raciocínio do “óbolo da viúva”, demonstra-se facilmente que quem menos arrecada é que está gastando mais com a saúde!
O total possível, nesta hipótese,  seria R$ 262 bi. Cerca de 70% a mais que os R$154 bi de recursos públicos da saúde em 2011.

O argumento que ouço reiteradamente é que se forem analisados os números do municípios de gastos com saúde, auditando cada um deles, os valores seriam sempre menos que os declarados.

Para ajudar no raciocínio e tentar  pensar que os dados estejam mais perto da verdade uso informações das análises contábeis feitas pela equipe do SIOPS  em relação aos dados declarados pelos estados. Em geral os dados declarados pelos estados, são maiores que os analisados pelo SIOPS. Na análise dos municípios das capitais, pasmem, pois, ao contrário do que ocorreu dos Estados. A equipe do SIOPS aponta para números maiores do que os declarados na maioria das prfeituras municipais de capitais analisados.



6. CONCLUINDO

O SUS, ainda que seja responsabilidade das 3 esferas de governo está longe de ter esta co-responsabilidade vivida em sua integralidade. A análise sob aspecto do financiamento demonstra o suficiente quanto a conta vem sendo assumida pelos municípios e pela maioria dos estados e, de outro lado o  evidente subfinanciamento, oferecido pelo governo federal.


[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - carvalhogilson@uol.com.br. O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização.Textos disponíveis:  www.idisa.org.br