GASTO
PÚBLICO MUNICIPAL EM SAÚDE 2011
Gilson
Carvalho[1]
1.INTRODUÇÃO
O preceito constitucional do financiamento
da saúde coloca esta responsabilidade nas três esferas de governo. Como o texto
constitucional explicitou apenas competências e fontes genéricas de
financiamento, 11 anos depois foi aprovada uma Emenda Constitucional de número
29 (EC-29). Nesta sim ficaram definidos os quantitativos de cada esfera de
governo. A União devendo investir em saúde o mesmo quantitativo empenhado no
ano anterior e aplicada a variação nominal do PIB. Estados o mínimo de 12% de
impostos e transferências federais. Municípios, mínimo de 15% de seus impostos
e das transferências constitucionais obrigatórias da união e de estados.
A EC-29 foi de encontro à proposta
amplamente discutida de que se devesse colocar mais recursos federais para a
saúde. Houve um golpe de mestre do governo na aprovação da EC-29 onde
manteve-se o baixo investimento federal em saúde e aumentou-se a
obrigatoriedade dos estados em mais 20% e dos municípios em mais 50%. A
conseguência evidente foi que o desfinanciamento federal continua afetando a
baixa quantidade e quaalidade dos serviços. Pior: a EC-29 havia previsto que no
prazo de cinco anos uma nova lei complementar regulamentaria o quantitativo dos
recursos de cada esfera de governo. Esta LC finalmente foi votada no final de
2011 e publicada efetivamente em janeiro de 2012. Lamentavelmente, mesmo sob
protestos os quantitativos da união, como percentual do PIB permaneceu.
Perdeu-se mais uma grande batalha e que tem que se conseguir, é voltar a fazer
as mesmas propostas dos últimos anos, cuja essência era garantir no mínimo 10%
da receita corrente bruta para a saúde.
2.
MUNICÍPIOS E TRANSMISSÃO DE DADOS PARA O SIOPS
No QD-1
temos a relação de todos os municípios que transmitiram os dados do SIOPS
nos anos de 2000 a 2011 . A proporção dos municípios adimplentes é muito alta
se aproximando sempre de 100%. Estes dados são dinâmicos mudando-se com a cada
ano onde aqueles que não transmitiram, passem a fazê-lo. No ano de 2011, dos
5563 municípios , 5289 transmitiram os dados e 274 não transmitiram e portanto
não informaram. Destes apenas 22 municípios não cumpriram a EC-29. Um dos
menores índices de não cumprimento do
preceito constitucional da EC-29, ou seja, menos que meio%. Nos anos de 2000 a 2005 o número de
municípios que não informaram dados foi de zero, depois 1 em 2006; 4 em 2007; 9
em 2008; 22 em 2009; 45 em 2010 e 274 em 2011. A tendência é que passado algum
tempo os inadimplementes completem suas informações.
QD-1 MUNICÍPIOS EM RELAÇÃO AO SIOPS E À EC-29
- 2000/2011
| ||||||||||||
CARACTERÍSTICAS
|
2000
|
2001
|
2002
|
2003
|
2004
|
2005
|
2006
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
MUNICÍPIOS (M) QUE TRANSMITIRAM DADOS
|
5337
|
5510
|
5508
|
5454
|
5409
|
5548
|
5546
|
5535
|
5504
|
5536
|
5514
|
5289
|
M.QUE CUMPRIRAM EC
|
4585
|
3607
|
4243
|
4668
|
4672
|
5363
|
5498
|
5485
|
5465
|
5525
|
5495
|
5267
|
% DOS QUE CUMPRIRAM
|
96,9
|
99,1
|
99,1
|
98,1
|
97,3
|
99,7
|
99,7
|
99,5
|
99
|
99,5
|
99,1
|
99,58
|
M.NÃO CUMPRIRAM EC
|
752
|
1903
|
1265
|
786
|
737
|
185
|
48
|
50
|
39
|
11
|
19
|
22
|
M.NÃO TRANSMITIRAM
|
168
|
49
|
51
|
105
|
149
|
14
|
16
|
27
|
58
|
27
|
49
|
274
|
M.NÃO INFORMARAM
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
0
|
1
|
4
|
9
|
22
|
45
|
274
|
M.SEM BALANÇO
|
168
|
49
|
51
|
105
|
149
|
14
|
15
|
23
|
49
|
5
|
4
|
0
|
TOTAL MUNICÍPIOS
|
5505
|
5559
|
5559
|
5559
|
5558
|
5562
|
5562
|
5562
|
5562
|
5563
|
5563
|
5563
|
FONTE: SIOPS - ESTUDOS GC
|
3.
PERCENTUAL DO GASTO DE SAÚDE PELOS MUNICÍPIOS
No QD-2
temos uma relação de 2000 a 2011 dos percentuais médios dos gastos municipais
com saúde. Em todos estes anos os municípios, em média, investiram em saúde
mais que os mínimos constitucionais. Nos anos de 2006 a 2011 os municípios
investiram 33% a mais que o mínimo, o que comprova o largamente divulgado, que
o pagamento da conta da saúde tem recaído sempre mais sobre os municípios.
Estes dados percentuais de gasto com saúde
nos municípios podem sofrer alterações para maior. Falta esclarecer o
percentual de municípios que deram todas as informações menos esta de definição
de qual foi o mínimo em relação à EC. Outros estudos chegam a cerca de 21,5 %
de gasto municipal em saúde. Estamos aqui trabalhando com números mais
conservadores.
QD-2 MUNICÍPIOS % MÉDIO DE RECEITA
PRÓPRIA GASTO SAÚDE 2000/2011 MÍNIMO EC:15%
| |
2000
|
13,4
|
2001
|
14,5
|
2002
|
16,2
|
2003
|
17,7
|
2004
|
18,2
|
2005
|
18,9
|
2006
|
20,0
|
2007
|
19,5
|
2008
|
19,7
|
2009
|
20,2
|
2010
|
20,3
|
2O11
|
19,6
|
FONTE:SIOPS
ESTUDOS GC
|
4.
APLICAÇÃO A MAIOR PELOS MUNICÍPIOS
No QD-3
aprofundam-se estes dados e a partir da receita própria dos municípios –
excluindo-se as transferências SUS. Levantam-se os dados referentes aos 15%
desta receita que seria o mínimo devido pelos municípios. Na coluna seguinte
são colocados os dados referentes ao devidamente aplicado em saúde. É feita a
comparação na última coluna entre o devido e o efetivamente aplicado o que
resulta, em todos os anos estudados, quantos bilhões de reais foram aplicados a
mais pelos municípios. Estre número de R$45 bi gasto com saúde pelos municípios
em 2011 é de um pouco menos conservadora, mas não chegando ao valor mais alto
de R$47 bi.
Vamos neste quadro o quanto a mais do
mínimo investem em saúde os municípios. O dado de maior volume é o referente ao
ano de 2011 quando se aplicaram mais
R$13,7 bi que o mínimo. A rigor, nos anos de 2002 e 2003 ainda não era
obrigatório aplcar em saúde os 15% da receita de impostos e transferências.
Usamos já os 15%, entretanto, pois havia
“superavit” dos municípios.
QD-3 GASTOS
MUNICIPAIS PRÓPRIOS DA SAÚDE,
CORRENTES E PERCENTUAIS, SOBRE RECEITA MUNICIPAL TOTAL R$ BI - DIFERENÇA A MAIOR QUE O MÍNIMO
| |||||
ANO
|
RECEITA
PRÓPRIA MUNICIPAL R$BI
|
15% DEVIDO
PELA EC-29 – R$ bi
|
RECEITA
PRÓPRIA APLICADA SAÚDE R$BI
|
VALOR A
MAIS DE GASTO MUNICIPAL
| |
2002
|
69,0
|
10,4
|
12,0
|
1,7
| |
2003
|
78,4
|
11,8
|
13,8
|
2,0
| |
2004
|
90,7
|
13,6
|
16,4
|
2,8
| |
2005
|
101,3
|
15,2
|
20,3
|
5,1
| |
2006
|
116,3
|
17,4
|
23,6
|
6,1
| |
2007
|
130,6
|
19,6
|
26,4
|
6,8
| |
2008
|
148,4
|
22,3
|
32,5
|
10,2
| |
2009
|
172,0
|
25,8
|
34,5
|
8,7
| |
2010
|
188,5
|
28,3
|
39,2
|
11,0
| |
2011
|
210,7
|
31,6
|
45,3
|
13,7
| |
FONTE:
SIOPS - ESTUDOS GC
| |||||
Para 2011
o total declarado pelos municípios foi
R$45,3 bi, segundo uma tabela do SIOPS e R$41,3 segundo outra tabela e
maneira de cálculo.
Mantivemos o raciocínio anterior onde
usou-se o valor apurado para 2010 acrescido do INPC 2010/2011 o que deu em R$
42 BI.
Não foi possível identificar gastos com
saúde dos hospitais universitários municipais (pouquíssimos) e, nem tão pouco,
os gastos com serviços de saúde próprios dos servidores. Os serviços de saúde
dos servidores comprados de planos e seguros, lá estão no privado globalmente,
ainda que sem identificação.
5.
DIVAGAÇÕES SOBRE O GASTO PÚBLICO EM SAÚDE EM 2011
Vale a pena lembrar a evolução da
participação histórica das três esferas de governo no financiamento da saúde. É
evidente um desfinanciamento federal sequencial, agravado e comprovado! Cada
vez menos dinheiro federal e mais
responsabilização de estados e principalmente de municípios que acabaram
“obrigados a fazê-lo” por pressão popular,
proximidade com o judiciário e ministério público. QD-4
A União que em 1980, antes da declaração
constitucional do direito à saúde do cidadão e dever do estado assumido pelas
tres esferas de governo era responsável pelo financiamento da saúde em cerca de
75% chega ao ano de 2011 sendo responsável apenas por 47% dos gastos em saúde.
QD-4 RECEITA
% DA SAÚDE POR ESFERA DE GOVERNO
BRASIL – 1980-2011 - SIOPS+MS
| |||
ANO
|
% UNIÃO
|
% ESTADOS
|
%
MUNICÍPIOS
|
1980
|
75,00%
|
17,80%
|
7,20%
|
1995
|
63,80
|
18,80
|
17,40
|
2000
|
59,74
|
18,53
|
21,73
|
2001
|
56,17
|
20,67
|
23,16
|
2002
|
53,11
|
21,64
|
25,25
|
2003
|
50,69
|
22,80
|
25,24
|
2004
|
51,14
|
23,62
|
25,24
|
2005
|
50,64
|
24,48
|
24,98
|
2006
|
46,70
|
26,12
|
27,18
|
2007
|
46,95
|
25,77
|
27,27
|
2008
|
47,14
|
25,94
|
26,91
|
2009
|
45,67
|
26,77
|
27,56
|
2010
|
45,00
|
27,00
|
28,00
|
2011
|
47,00
|
26,00
|
27,00
|
FONTE:
SIOPS – MS- ESTUDOS GC
|
Podemos fazer um outro exercício. Podemos simular que os
atuais recursos gastos em 2011 guardassem a mesma proporção da arrecadação de
recursos por esferas de governo. Estima-se que os recursos arrecadados, depois
das transferências constitucionais, fiquem: 60% com a União, 24% com os Estados
e 16% com os Municípios.
Podemos fazer um exercício tomando o gasto
estimado público total de 2011 de R$154
bi (total das três esferas de governo) e dividindo-o pelos percentuais finais
da distribuição da arrecadação:
v União (60%)
= R$92 bi
v Estados
(24%) = R$37 bi
v Municípios
(16%) = R$25 bi
A simulação mostra que os municípios que
estão investindo em saúde R$42 bi, se mantida proporção inicial deveria estar
colocando R$25 bi e os estados que investiram R$40 bi deveriam estar colocando
R$37 bi. Isto trabalhando com o mesmo total de dinheiro.
Vamos fazer este mesmo estudo inversamente
baseados no montante dos municípios de modo a que não diminuissem em nada o que
hoje investem em saúde. São estimativas ao contrário partindo do que seria o montante público se
União e Estados gastassem com saúde a mesma quantia relativa ao que gastam os
municípios.
Os Municípios Brasileiros gastaram com
saúde em 2011 = R$42 bi e ficaram com apenas 16% de tudo que se arrecadou,
podemos estimar que na mesma proporção os Estados que ficam com 24% das
receitas, deveriam ter alocado em Saúde = R $63 bi e a
União, que fica com 60% da receita, deveria ter alocado = R$157,5 bi. Neste raciocínio do “óbolo da viúva”,
demonstra-se facilmente que quem menos arrecada é que está gastando mais com a saúde!
O total possível, nesta hipótese,
seria R$ 262 bi. Cerca de 70% a mais
que os R$154 bi de recursos públicos da saúde em 2011.
O argumento que ouço reiteradamente é que
se forem analisados os números do municípios de gastos com saúde, auditando
cada um deles, os valores seriam sempre menos que os declarados.
Para ajudar no raciocínio e tentar pensar que os dados estejam mais perto da
verdade uso informações das análises contábeis feitas pela equipe do SIOPS em relação aos dados declarados pelos estados.
Em geral os dados declarados pelos estados, são maiores que os analisados pelo
SIOPS. Na análise dos municípios das capitais, pasmem, pois, ao contrário do
que ocorreu dos Estados. A equipe do SIOPS aponta para números maiores do que
os declarados na maioria das prfeituras municipais de capitais analisados.
6.
CONCLUINDO
O SUS, ainda que seja responsabilidade das
3 esferas de governo está longe de ter esta co-responsabilidade vivida em sua
integralidade. A análise sob aspecto do financiamento demonstra o suficiente
quanto a conta vem sendo assumida pelos municípios e pela maioria dos estados
e, de outro lado o evidente subfinanciamento,
oferecido pelo governo federal.
[1]
Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública -
carvalhogilson@uol.com.br. O autor adota a política do copyleft podendo este
texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização.Textos
disponíveis: www.idisa.org.br