segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Médicos x Mulheres ?


Por Adriana Tanese Nogueira(*)

O professor Antonio Carlos Lopes perguntou nesta seção ("Parto normal ou cesárea", 12/9): "Mas será que a mãe tem realmente pleno domínio desse processo [de dar à luz] e amplas condições de tomar tal decisão sozinha [parto normal ou cesárea]? A palavra do médico, sua experiência cotidiana, a bagagem de conhecimento científico não valem nada numa hora dessas?". Substituímos o sentimental "mãe" pelo preciso mulheres: são as mulheres capacitadas para decidir sobre seus partos, e os médicos, dispensáveis? É aqui posto o dedo na ferida. Os médicos se melindram pela possível perda de terreno. Eles têm razão, pois ao ganharem espaço, as mulheres os depõem de seu tradicional pedestal. Há uma inequívoca redistribuição de poderes no processo de humanização do parto, redefinindo responsabilidades e lugares. Os médicos continuam sendo nossos melhores e indispensáveis "amigos" -quando necessários. Às mulheres cabe retomar seu papel ativo. Humanizar o parto é um processo de ética, cidadania e ação social. Renovação necessária, basta ver a quantidade enorme de denúncias que o CRM recebe contra médicos obstetras. Reavaliar práticas e concepções é essencial para resgatar o parto como experiência integral da mulher. Se ela quer ter um parto ativo e responsável, é preciso que ele, o médico, abra espaço, se coloque de lado, preste um serviço, retomando seu lugar de origem, que é o de tratar a patologia. Parto é evento médico em algumas circunstâncias. Na maioria das outras é um evento fisiológico perfeitamente compatível com o corpo feminino. A polêmica parto normal x cesárea, portanto, não diz toda a realidade. O que está em jogo é poder e competência. Terão as mulheres condições de pensar com suas cabeças e entranhas e tomar uma decisão responsável a respeito de como dar à luz seu filho? Ao tomarem as rédeas do processo, o que os médicos obstetras fazem é alimentar as inseguranças das mulheres. E, coincidentemente, eles acabam executando o único parto que conhecem: o medicalizado ou a cesárea. A maioria deles nunca assistiu a um parto espontâneo e natural. Sua formação acadêmica se baseia na intervenção, válida nos casos de patologias e distocias. É compreensível, pois, que prefiram o que conhecem, sendo a cesárea o melhor parto para eles, pois isenta a mulher de participação. Na cesárea, o médico é o sujeito único. O resultado é a perda da relação com a parturiente e o alheamento do processo fisiológico do parto. Como podemos nós, mulheres, confiar em profissionais que desconhecem o que é um parto espontâneo e sem intervenções? Até quando hipertrofiar os supostos casos de risco para realizar a cirurgia e salvar as aparências, já que é antiético abrir uma barriga sem necessidade? Mas os desequilíbrios que apontamos não devem nos desviar do objetivo. A humanização do parto não visa destituir os médicos de seus conhecimentos. Quer enobrecê-los ao reservar o lugar que lhes compete -emergência e patologia. O parto de baixo risco deve ser atendido por quem tem experiência em "normalidade", que é a missão da nova faculdade de obstetrícia da USP Leste, ao formar obstetrizes que tratem o parto como evento fisiológico e psicossocial. A humanização do parto não é e não deve ser entendida como uma luta para mudar os monopólios, mas reflete a necessidade de despoluir as relações profissionais e torná-las mais responsáveis e éticas. Não é a mulher que vai comandar e o médico não deve privá-la de uma experiência única e irrecuperável. O desafio que está posto é a criação de uma relação de aliança baseada em competência e serviço, transparência e confiança recíproca. Isso vem ao encontro de uma dupla exigência: a das mulheres, que, ao viver seus partos em autonomia e liberdade, depararam com experiências poderosas de autodescobertas e iniciação que ninguém tem o direito de tirar-lhes. A Organização Mundial da Saúde e as evidências científicas, por sua vez, sustentam a segurança e viabilidade do parto desmedicalizado. Se a tecnologia substituiu a honesta relação olho no olho e promoveu o estranhamento dos processos fisiológicos que pretende curar, seu uso deve ser radicalmente revisto, pois já não estamos mais fazendo medicina. Concluindo e respondendo à pergunta do professor Lopes: não, a mulher não toma essa decisão sozinha, mas em parceria com o médico experiente, que sabe apoiá-la em seu processo interior de autocapacitação a parir, deixando de ser uma paciente. Humanização do parto significa amor e ciência se dando a mão na construção de relações sociais sólidas e respeitosas.
(*) Adriana Tanese Nogueira é presidente e coordenadora da ONG Amigas do Parto, psicoterapeuta e escritora. Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, na edição do dia 29/09/08.

Escândalo na saúde


Mais uma fraude contra os cofres públicos.
A polícia investiga o envolvimento de funcionários do setor farmacêutico numa fraude milionária para lesar os cofres públicos. Segundo a polícia, os golpistas usam laudos falsos e entram com ações na Justiça para que o estado seja obrigado a comprar medicamentos desnecessários. Os remédios custam caro, estão fora da lista do Sistema Único de Saúde e eram receitados para pessoas que nem estavam doentes. Dalton Pereira É representante comercial da Mantecorp, um dos maiores laboratórios farmacêuticos do país. Fábio Marti É gerente da empresa no interior de São Paulo. Durante nove meses, a polícia acompanhou com autorização da Justiça os negócios que eles faziam. Em um telefonema, eles falam sobre o médico Paulo César Ramos, dermatologista na cidade de Marília. Dalton: Hoje ele vale para a Mantecorp aproximadamente R$ 8 milhões ao ano e não deve ser tratado como qualquer um. O médico recebia mesmo tratamento diferenciado. Imagens gravadas pela polícia no dia 29 de julho mostram que Dalton e Fábio visitam a clínica do dermatologista, que estava em reforma. Segundo a investigação, foram eles que pagaram a obra. Por telefone, o médico se mostrava satisfeito. Médico: Essa semana já os pedreiros acabam de pintar. Vai colocar vidro. A reforma, diz a polícia, foi só uma das propinas recebidas pelo dermatologista nos últimos dois anos. Dalton: O Paulo Ramos, a gente deu um jeitinho. Aqueles dez pau lá. Segundo a investigação, os R$ 10 mil eram para que o dermatologista receitasse um medicamento para psoríase, uma doença inflamatória da pele bastante comum. "O número de prescrições dele assusta. É o campeão sem sombra de dúvidas da prescrição desses medicamentos", conta o delegado Fabio Pinha Alonso. Só que o escândalo era maior. No começo do mês, a policia prendeu o médico, os dois funcionários da empresa e mais seis pessoas, entre elas, dois representantes de duas multinacionais do setor farmacêutico: o laboratório Merck Serono e o Wyeth. Segundo a polícia, as investigações revelam que os funcionários dessas outras empresas também pagaram propina ao dermatologista. "A Serono ainda está conseguindo me pagar os retornos. R$ 50 mil que era retorno", disse o médico. Esses medicamentos são caríssimos e, dificilmente, a maioria das pessoas não têm acesso e eles, também não são vendidos em farmácia. Para se ter uma idéia, uma dose do remédio chega a custar até R$ 6 mil. Segundo a polícia, pelo menos R$ 1 milhão saíram dos cofres públicos, em uma fraude com a participação dos médicos e dos representantes dos laboratórios. "Estão roubando o dinheiro da população, o dinheiro da saúde", afirma Luiz Roberto Barradas, secretário de Saúde de São Paulo. Esse esquema ilegal começava em uma ONG, em Marília, a Associação dos Portadores de Psoríase e Vitiligo, outra doença de pele. Pessoas que procuravam a ONG eram encaminhadas para o dermatologista Paulo Ramos. Segundo a polícia, o médico fazia laudos falsos para justificar o tratamento com os remédios vendidos pelos representantes das três empresas. Como em São Paulo eles não constam da lista dos medicamentos distribuídos de graça pelo SUS, os advogados da ONG, Guilherme Goffi e Fabiana Noronha, entravam com ações na Justiça. "Os advogados obtinham liminares e o Estado era forçado a adquirir o remédio e fornecer para aquele paciente", conta o delegado Fabio Pinha Alonso. O médico Paulo César Ramos era sempre recompensado. Ele ganhou, por exemplo, passagem e hospedagem para participar de um congresso de dermatologia em Fortaleza, entre os dias 6 e 10 de setembro. O representante da Merck-Serono concordou em pagar passagem até para a mulher do médico. "A Márcia, sua esposa, conseguimos uma passagem para ela", informa, por telefone, Marcio, da Merck Serono. Funcionários da Mantecorp também queriam bancar a viagem do médico Paulo Ramos para o congresso. Mas o dermatologista teria que arcar com parte das despesas, o que deixou o representante comercial Dalton Pereira indignado. Ele não queria que o médico tirasse um centavo do bolso. Dalton: É crucial que ele seja tratado de forma diferenciada. Hoje ele vale para a Mantecorp aproximadamente R$ 8 milhões ao ano e não deve ser tratado como qualquer um. O dermatologista só não viajou porque tinha sido preso. Hoje ele e os outros acusados aguardam julgamento em liberdade. Fomos à clinica do médico, agora reformada, segundo a investigação, com dinheiro de propina. Paulo César Ramos não quis dar entrevista, m as nossa equipe gravou uma conversa rápida em que o médico se diz enganado. "Entrei em uma fria dessa aí, na boa intenção", afirmou ele. O Fantástico também procurou os outros envolvidos. O único que nos atendeu, por telefone, foi Fábio Marti, gerente da Mantecorp. Fabio:Não tenho o que falar, amigo. Fantástico: Mas o senhor nega o envolvimento? Fabio: Claro. Em nota, a Mantecorp alega que sempre foi pautada pelo respeito às determinações legais e que não aceita comportamentos que estejam em desacordo com a legislação em vigor. Parte dos medicamentos comprados com dinheiro público estava na Associação dos Portadores de Psoríase e Vitiligo, sem os cuidados necessários, e teve que ser inutilizada. Muitos pacientes vinham tomando os remédios dos três laboratórios, mesmo sem ter a doença. Pelo menos três sofreram problemas graves de saúde por causa da medicação indevida. "Eu sou uma das vítimas que tomei a vacina errada", diz o agricultor Jacinto Von Stein. Seu Jacinto procurou o médico por causa de manchas na pele. Agora um diagnóstico revelou que as manchas são por causa da causa da exposição ao sol e não devido à psoríase. Mesmo assim, o agricultor recebeu 24 doses do remédio produzido pelo laboratório Merck Serono, por indicação de Paulo César Ramos. "Deu problema no rim, deu problema de fígado. Falei: pôxa, eu estou com tudo agora", conta o agricultor. Em nota, a Merck Serono informa que respeita as leis e que está disposta a colaborar com a Justiça para o esclarecimento dos fatos. Também em nota, o laboratório Wyeth diz que não reconhece nenhuma das alegações envolvendo o nome da empresa e seus produtos. Para a polícia, o caso não está encerrado. O prejuízo aos cofres públicos de São Paulo com esse tipo de fraude pode ter passados dos R$ 60 milhões. "Existem outros medicamentos, outras ONGs que nós continuamos investigando", afirma Luiz Roberto Barradas. "Isso foi um desastre, não podia ter acontecido isso", diz Jacinto Von Stein.

sábado, 27 de setembro de 2008

A despolitização da política


Campanha eleitoral se ganha com TV. Toda eleição os partidos contratam equipes para cuidar da imagem de seus candidatos. Em geral, equipe comandada por um publicitário que não é do partido, não gosta do partido e não vota no partido. Mas tem fama de competente...

Ora, competência rima com convicção. Qualquer manual de marketing, desses que ensinam a vender poluição atmosférica para ecologista, aconselha o vendedor a estar convencido da qualidade de sua mercadoria. Por isso, em muitas campanhas o programa de TV emperra. Troca-se de publicitário, de equipe e de estilo. E confunde-se o eleitor, pois, de uma semana a outra, o candidato light vira xiita ou vice-versa.

O mais dramático é constatar que se troca a ética pela estética. Não importa se o candidato é bandido, corrupto ou incompetente. Uma boa imagem fala mais que mil palavras. Assim, opera-se a progressiva despolitização da política, que é um dos objetivos do neoliberalismo. Tira-se a política do âmbito público como ferramenta de promoção do bem comum, para reduzi-la ao âmbito privado, à escolha de candidatos baseada, não em propostas e programas, e sim em simpatias e empatias.

A razão é simples: no sistema capitalista, a política é teoricamente pública e a economia privada. Universaliza-se o voto e privatiza-se a riqueza. Se no Brasil há mais de 100 milhões de eleitores, apenas 19 milhões concentram em suas mãos 75,4% da riqueza nacional (Ipea, maio 2008).

Numa verdadeira democracia, a universalização do voto deveria coincidir com a socialização das riquezas, no sentido de assegurar a todos uma renda mínima e os três direitos básicos, pela ordem: alimentação, saúde e educação. Como isso não consta da pauta do sistema, procura-se inverter o processo: inocula-se na população o horror à política de modo a relegá-la ao domínio privado de uns poucos. Quem tem nojo da política é governado por quem não tem. E os maus políticos tudo fazem para usar o poder público em benefício de seus interesses privados.
Veja-se, por exemplo, o movimento em favor do voto facultativo. O que muitos encaram como positivo e condizente com a liberdade individual é uma maneira de excluir parcela considerável da população das decisões políticas. Aumenta-se, assim, o grau de alienação dos potenciais eleitores. Quando perguntam por minha opinião, digo com clareza: sou a favor, desde que seja também facultativa a atual obrigação de pagar impostos. Por que ser obrigado a sustentar economicamente o Estado e desobrigado de influir na sua configuração e nos seus rumos?

O desinteresse pela política é um dos sintomas nefastos da ideologia neoliberal, que procura dessocializar os cidadãos para individualizá-los como consumistas. Troca-se o princípio cartesiano do "penso, logo existo", para o princípio mercadológico do "consumo, logo existo". É nesse sentido que a propaganda eleitoral também se reveste de mercadoria. Oferecem-se, não idéias, programas de governo, estratégias a longo prazo, e sim promessas, performances, imagens de impacto.

Se há aspectos positivos nas restrições oficiais às campanhas eleitorais, porque deixam a cidade limpa e evitam que os comícios atraiam público, não em função do candidato, e sim dos artistas no palanque, é óbvio que favorecem a quem tem mais dinheiro. E enquanto não chega a prometida reforma política, o financiamento e o controle público das campanhas, o caixa dois prossegue fazendo a farra de quem posa de ético e, ao mesmo tempo, angaria recursos escusos e criminosos.

É hora de abrir o debate sobre as eleições 2008 em todos os espaços institucionais e populares: escolas, empresas, denominações religiosas, clubes, associações, sindicatos e movimentos sociais. Não se trata de favorecer este ou aquele candidato, e sim de fomentar o distanciamento crítico frente ao marketing eleitoral e acentuar os critérios de discernimento político.

Se a sociedade não se empenhar na educação política de seus cidadãos, em breve teremos parlamentos e executivos ocupados apenas por corruptos, milicianos, lobistas e fundamentalistas. Então o Brasil se verá reduzido a uma imensa Chicago dos anos 30, com os Al Capone dando as cartas ao arrepio das leis, de um lado, e os Bin Laden versão tupiniquim de outro, convencidos de que, em nome de sua religião, foram escolhidos por Deus para governar erradicando o pecado, ou seja, combatendo a ferro e fogo todos que não rezam pela cartilha deles.

Frei Betto é escritor, autor de "Cartas da Prisão" (Agir), entre outros livros.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

SUS: novos modelos são a solução?


Por Carlos Frederico Dantas Anjos*
É conhecido de todos que a saúde pública se debate com um problema crônico de caráter organizacional, financeiro e de gestão. No último dia 9/9, reportagem da Folha trouxe a notícia de que a "Justiça Federal determinou que a Prefeitura de São Paulo acabe com a contratação de entidades privadas para gerir suas unidades de saúde". Para a juíza, a legislação municipal é inconstitucional. Para a prefeitura, "esse modelo de gestão agiliza o atendimento e melhora a qualidade do serviço". No ano passado, o governo federal enviou projeto de lei ao Congresso que cria as fundações estatais (Folha,13/7/07), cujo objetivo é garantir maior autonomia gerencial e orçamentária aos hospitais públicos, flexibilizar as relações trabalhistas e regras de licitações, premiar o servidor com bom desempenho e condicionar o repasse de recursos ao cumprimento de metas de gestão, dando maior agilidade à gestão pública. Em agosto deste ano, a FGV promoveu o "Debate GV Saúde: Alternativas de Gestão Pública", com a participação de renomados especialistas na área, em que foram discutidas novas formas de organização na saúde. Nesse debate ficou evidente que várias alternativas existiram ou existem no sentido de tornar os serviços de saúde mais ágeis e com maior autonomia: empresas públicas, consórcios públicos, sociedades anônimas, serviços sociais autônomos, fundações, autarquias de regime especial e, recentemente, as chamadas Oscips ou OSs. É conhecido de todos que a saúde pública se debate com um problema crônico de caráter organizacional, financeiro e de gestão, com implicações importantes na qualidade da assistência prestada ao seu usuário. Há um reconhecimento generalizado da inadequação e rigidez do modelo de administração pública direta e autárquica, com autonomia limitada, excesso de burocracia, morosidade e questionamentos de ordem jurídica e administrativa que terminam por expor dirigentes a ações e processos judiciais, além de dificultar a gestão. Por outro lado, as soluções apontadas são pautadas pelo imediatismo do "apagar incêndios" com provimento de recursos extras e tentativas isoladas de modernização gerencial, muitas das quais questionáveis constitucionalmente. O SUS, um dos mais avançados e modernos serviços de saúde pública do mundo, não pode continuar vítima desse modelo. Precisa se modernizar e aperfeiçoar, preservando os princípios fundamentais e constitucionais de universalidade, gratuidade, integralidade, eqüidade e controle social. Sem perder de vista tais princípios, a necessária ampliação da capacidade do Estado de prover e regular os serviços de saúde passa pela implantação de novos modelos de gestão que levem à autonomia e a eliminar ilegalidades e corrupção, com maior transparência e garantia de institucionalidade e sustentabilidade do sistema. Outro aspecto importante quando se discutem novos modelos para o SUS é a questão da qualificação profissional. É preciso investir na melhoria da formação médica e dos demais profissionais de saúde; inovar nas relações dos gestores com os profissionais de saúde quanto a política salarial, avaliação de desempenho, planos de carreira, condições de trabalho e garantias constitucionais. Assim, independentemente do modelo a ser definido legal e constitucionalmente, um choque de gestão, em que se pactuam metas e serviços com qualidade e eficiência, deve ser um objetivo a ser perseguido, ao lado do uso mais eficiente dos recursos públicos, com a estabilidade política, econômica e jurídica necessária a um melhor desempenho organizacional. Vivemos num país em que são péssimas as condições de vida e saúde da grande maioria da população. Nosso padrão de morbi-mortalidade combina doenças decorrentes dessas condições com outras de países desenvolvidos e relacionadas a padrões alimentares, de consumo, violência urbana e aumento da expectativa de vida. Segundo o IBGE (2005), a proporção de pobres em nossa população é de 33,43%, de idosos, 9,2%, e a esperança de vida ao nascer, 72 anos, com tendência de aumento. Esses desafios não podem ser resolvidos apenas enfocando o lado da assistência médica. São necessárias ações de impacto no sentido de reduzir as grandes desigualdades sociais e de melhoria das condições de vida da maioria da população. O SUS é um importante instrumento de desenvolvimento econômico, social e modelo de políticas públicas. Aperfeiçoá-lo significa assegurar financiamento adequado, melhoria da estrutura, implantar novos mecanismos de gestão e valorização profissional, tudo com o objetivo maior de melhorar o atendimento e a saúde dos brasileiros.
(*) Carlos Frederico Dantas Anjos é médico, doutorando em medicina pela USP, é diretor clínico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. Artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, na edição de 26/09/08.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Anabolizante judicial. Quando a política vai mal, o Judiciário toma conta.


por Rodrigo Haidar
A Constituição Federal de 1988 é prolixa, analítica e casuística, mas nem por isso deixa de merecer o título de fiadora da estabilidade institucional que o país vive desde a sua promulgação, há 20 anos. A opinião é do professor Luís Roberto Barroso, um dos constitucionalistas mais respeitados do país, para quem “o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade”.
Barroso esteve à frente de algumas das mais polêmicas discussões que se travaram no Supremo Tribunal Federal recentemente. Foi o advogado a Associação dos Magistrados Brasileiros na Ação Declaratória de Constitucionalidade a partir da qual o STF proibiu o nepotismo no país. Atua também na ação que defende o direito de gestantes decidirem se querem interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos.
Estudioso dedicado de constituições e do Supremo, Barroso considera que a Constituição de 1988 é o símbolo maior do sucesso da transição de um Estado autoritário e intolerante para um Estado democrático de Direito. Ele lembra que sob a nova Carta realizaram-se cinco eleições presidenciais, por voto direto, secreto e universal, com debate público amplo, participação popular e alternância de partidos políticos no poder. “E não foram tempos banais. Ao longo desse período, diversos episódios poderiam ter deflagrado crises que, em outros tempos, teriam levado à ruptura institucional”, ressalta.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico, contudo, Barroso não deixa de revelar as fraquezas da Carta. O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro aponta que muita coisa que foi colocada na Constituição em 1988 poderia perfeitamente ser tratada por lei ordinária. O detalhe, além de inchar a Constituição, obriga os governos a fazer política com maiorias qualificadas.
“Para aprovar uma lei ordinária, é preciso maioria simples do Congresso. Mas para fazer uma emenda à Constituição, é preciso três quintos. Então, a excessiva constitucionalização das matérias é responsável, em alguma medida, pelo tipo de relação que o Executivo tem que estabelecer com o Congresso”, conta.
Mais grave, porém, que a falta de regulamentação de muitos dispositivos previstos em lei, é a falta de políticas públicas para aplicar direitos fundamentais garantidos pelo texto constitucional. Para o professor, mais importante do que regulamentar o direito de greve de funcionários públicos, por exemplo, é desenvolver uma política habitacional que garanta a todo cidadão o direito à moradia, previsto na Constituição.
Na entrevista, a segunda da série que a ConJur publica em comemoração aos 20 anos da Constituição de 88, o professor fala de reforma política, políticas sociais, analisa o perfil ativista do Supremo Tribunal Federal e mostra como algumas das principais garantias dos cidadãos nos Estados Unidos foram conseguidas graças a um movimento semelhante ao que acontece hoje no Brasil: “Quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, cá para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas”. Consciente da utilidade circunstancial do ativismo judicial, porém, ele faz uma advertência. “Ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do mau.”
Leia a entrevista
ConJur — A Constituição de 1988 judicializou a vida do país?
Luís Roberto Barroso — A vida brasileira se judicializou, sobretudo nos últimos anos. E só parte da responsabilidade é da Constituição de 88. Por ser bastante analítica, ela trouxe para o espaço da interpretação constitucional algumas matérias que, se não tivessem sido constitucionalizadas, seriam discutidas no Congresso, no processo político majoritário. Não nos tribunais.
ConJur — Quanto mais extensa e analítica a Constituição, mais a Justiça é chamada a decidir?
Barroso —Na medida em que o assunto está na Constituição, ele sai da esfera política, da deliberação parlamentar, e se torna matéria de interpretação judicial. Então, em uma primeira abordagem, a Constituição de 88 contribui sim para que o Judiciário tenha um papel muito mais ativo na vida do país. Mas há um segundo motivo para isso. O atual sistema político brasileiro levou a um descolamento entre a sociedade civil e a classe política. Há algumas demandas da sociedade que não são atendidas a tempo pelo Congresso Nacional. E o que acontece? Nos espaços em que havia demandas sociais importantes e o Legislativo não atuou, o Judiciário se expandiu. Aqui penso ser oportuno fazer uma distinção entre judicialização e ativismo judicial, que são idéias que estão próximas, mas não se confundem. Judicialização é um fato, que identifica a circunstância de que muitas questões que antes eram próprias da política passaram a ser decididas pelo Judiciário, foram transformadas em pretensões veiculadas perante juízes e tribunais. O ativismo é uma atitude, que identifica uma interpretação expansiva da Constituição, incluindo no seu âmbito de alcance questões que não foram nela expressamente contempladas.
ConJur — A decisão do Supremo sobre a fidelidade partidária e a edição da Súmula Vinculante que proíbe o nepotismo ilustram isso?
Barroso — Sim. Há um déficit de legitimidade do processo político majoritário para atender algumas das grandes demandas da sociedade e, portanto, o Judiciário está suprindo este déficit. Mas não há democracia sem um Poder Legislativo atuante, dotado de credibilidade e com identificação com a sociedade civil. Portanto, eu não acho que a nossa postura deva ser de simples crítica ao Legislativo, mas sim de repensá-lo para recolocá-lo no centro da política. Quando vier a reforma política que nós precisamos, aumentando a representatividade do Parlamento, acredito que haverá tendência de redução da presença do Judiciário no espaço público. Esse movimento é pendular e se verifica em diferentes partes do mundo: quando a política tradicional vive um bom momento, o Judiciário se retrai; quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, cá para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas.
ConJur — Em outras palavras, a Constituição de 88 ajudou a atrofiar o Legislativo e deu músculos ao Judiciário?
Barroso — Ela tratou de muitas matérias que na maior parte dos países são deixadas para a legislação ordinária. A Constituição é prolixa, analítica e casuística. E, veja, sou um defensor da Constituição de 88 porque ela representa um vertiginoso sucesso institucional. Mas o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade. Esse é o produto indesejável do processo democrático brasileiro da ocasião. E, naquelas circunstâncias, talvez fosse inevitável promulgar essa Constituição analítica. Havia muita demanda da sociedade brasileira de participar do processo constituinte.
ConJur — Como a Constituição influi na relação entre os poderes?
Barroso — O problema de colocar na Constituição o que deveria estar na legislação ordinária infraconstitucional é que obriga a política ordinária a se desenvolver organizando maiorias qualificadas. Porque para aprovar uma lei ordinária, é preciso maioria simples do Congresso. Mas para fazer uma emenda à Constituição, é preciso ter três quintos dos votos. Então, a excessiva constitucionalização das matérias é responsável, em alguma medida, pelo tipo de relação que o Executivo tem que estabelecer com o Congresso porque o governo precisa contar com maiorias qualificadas para cada mudança importante. Fazer política fica mais difícil porque ela tem de se mover por quóruns excessivamente elevados.
ConJur — Não seria o caso, então, de fazer uma reforma constitucional?
Barroso — A Constituição de 88 cumpre o papel principal que cabe a ela, que é assegurar estabilidade institucional e absorver os conflitos políticos dentro do quadro da legalidade pré-estabelecida. Mas, em algum lugar do futuro, não com o poder constituinte originário, mas com o poder constituinte derivado, teremos que tirar da esfera constitucional uma boa quantidade de matérias. Eu não falo das matérias polêmicas, como direitos sociais. Eu falo do varejo da vida em matéria previdenciária, de administração pública, tributária. Não das grandes questões, mas de miudezas que estão na Constituição, e não deveriam estar.
ConJur — O fato de ser muito analítica justifica que a Constituição tenha 56 emendas, fora as de revisão, em 20 anos?
Barroso — Para cada pequena mudança da realidade social é preciso reformar a Constituição. É verdade que a vida política não se move por modelos ideais, e sim por modelos possíveis, mas o modelo ideal é que um partido liberal possa governar com essa Constituição, um partido trabalhista possa, e que sirva também ao governo de um partido conservador. Cabe à Constituição estabelecer os direitos e valores fundamentais de uma sociedade e deixar o restante para a política. Parte disso também é culpa do que eu gosto de chamar de narcisismo constitucional. Cada um que chega ao poder quer uma Constituição à sua imagem e semelhança.
ConJur — Mas, então, pode-se dizer que a Constituição tem até poucas emendas?
Barroso — Não diria que 56 emendas são pouca coisa. Mas, se considerarmos a quantidade de questões ordinárias que foram postas na Constituição, o número de emendas não é surpreendente.
ConJur — O Supremo Tribunal Federal está legislando?
Barroso — O Supremo tem interpretado pró-ativamente a Constituição e, assim, atende as demandas da sociedade. Não considero que o Tribunal esteja invadindo o espaço da política no sentido impróprio que isso poderia significar. O Supremo tem invadido o espaço da política, em alguma medida, munido da Constituição. Isso não é um fenômeno positivo ou negativo, mas sim uma circunstância da realidade brasileira. Na Suprema Corte americana, processo muito semelhante aconteceu a partir de 1953, depois que o juiz Earl Warren tornou-se presidente daquele tribunal. Ele liderou a fase do ativismo judicial da Suprema Corte, que vai até 1969, quando ele se aposenta. Em seguida, Richard Nixon toma posse na Presidência dos Estados Unidos (1969-1974) e tem início uma fase mais conservadora e, portanto, de maior auto-contenção.
ConJur — A chamada Corte Warren é bastante lembrada.
Barroso — Porque no período de Warren a Suprema Corte fez algumas das grandes reformas que a sociedade americana precisava e que o Congresso não conseguia fazer, a começar pela fixação da igualdade racial. Nos Estados Unidos, sobretudo nas escolas públicas, a integração racial entre crianças brancas e negras foi feita por uma decisão da Suprema Corte, de 1954, no caso Brown vs. Board of Education. O que aconteceu na época? Nem o Congresso e nem o Legislativo dos estados do sul aprovavam leis que assegurassem igualdade entre crianças brancas e negras nas escolas públicas. Portanto, era uma hipótese em que o processo político majoritário não iria realizar os direitos fundamentais daquelas crianças de serem tratadas com igualdade. A Suprema Corte rompeu a inércia e determinou que as escolas públicas em todos os estados admitissem crianças brancas e negras convivendo juntas. Antes, havia escolas para brancos e escolas para negros. A Suprema Corte determinou a integração. Isso não foi feito por lei, nem com o apoio do Legislativo.
ConJur — Houve apoio do Executivo?
Barroso — Não, pelo contrário. Numa prática incomum, o Eisenhower [ Dwight Eisenhower, que presidiu os Estados Unidos entre 1953 e 1961] pediu a Warren que, por favor, não julgasse a favor da integração. E a Suprema Corte, desafiando o status quo racista, sobretudo dos estados do sul, tomou essa decisão. A Justiça levou dez anos para conseguir que ela fosse cumprida, porque foi só na década de 60, já com o movimento dos direitos civis dos negros liderados por Martin Luther King, que isso foi concretizado. Este é um exemplo em que o processo político majoritário emperra e quem tem que atuar é a Suprema Corte.
ConJur — Há outros exemplos que refletem o que acontece hoje no Brasil?
Barroso — Sim. Os direitos dos acusados em processos criminais também foram assegurados pela Suprema Corte americana na era Warren, sob críticas severas da sociedade. A população não queria direitos para presos ou para acusados. Com o aumento da criminalidade, as pessoas queriam exacerbar o processo penal. E foi a Suprema Corte que assegurou direitos fundamentais, como o de ser assistido por um advogado, no caso Gideon; o direito de não se incriminar, no célebre caso Miranda vs. Arizona. Foi a Suprema Corte que impediu o uso de provas ilícitas, o chamado unreasonable seizure, e determinou que não se pode fazer busca sem mandado ou utilizar provas ilícitas. Então, foi a Suprema Corte dos Estados Unidos que, diante da omissão do Legislativo, estabeleceu regras para o processo penal e assegurou direitos aos acusados em uma época em que a sociedade queria a exacerbação do Direito Penal.
ConJur — A Justiça atua porque políticos que defendem esses direitos correm o risco de não se eleger.
Barroso — O Nixon, por exemplo, se elegeu com discurso de crítica à jurisprudência da Suprema Corte. Foi a Suprema Corte de Warren, também, que estabeleceu os grandes precedentes de liberdade de expressão. Determinou, por exemplo, que só se pode responsabilizar o jornalista por divulgar uma informação se ele souber que ela é falsa ou se ele tiver sido totalmente negligente, sem o mínimo de prudência na apuração da verdade. Criou-se o critério que vigora até hoje, e que depois da redemocratização nós seguimos no Brasil, de que a liberdade de expressão é uma liberdade preferencial — ela é tão importante para o desfrute de todas as outras liberdades, que, em princípio, deve prevalecer. Evidentemente, nenhum direito é absoluto e pode haver casos em que ela tenha que ceder, mas como regra a primeira atitude do intérprete da Constituição deve ser a de prestigiar a liberdade de expressão. Esta idéia sofre hoje o ataque de inúmeras outras visões que querem proteger o direito de privacidade, o direito de um julgamento justo. Portanto, é uma idéia ainda dominante, mas não é axiomática.
ConJur — A tentativa de alguns juízes e procuradores de proibir a imprensa de entrevistar candidatos em período pré-eleitoral mostra isso.
Barroso — É um esforço geralmente inútil tentar pautar a imprensa. Não que a imprensa não erre ou não exagere. Isso acontece. A questão é saber se devemos permitir que o Estado interfira nisso. Geralmente, o Estado erra mais do que a imprensa.
ConJur — Pode-se dizer que vivemos hoje o que os Estados Unidos viveram há 50 anos.
Barroso — Os Estados Unidos viveram uma era em que o Executivo se retraiu e o Judiciário se expandiu. Depois, a partir da década de 70, com os governos conservadores nos Estados Unidos, ocorreu um movimento inverso. Talvez a última decisão verdadeiramente ativista da Suprema Corte foi sobre o aborto, em 1973. Muitos anos de governos republicanos levaram a uma posição menos ativista. Ou, quando ativista, de um ativismo conservador, porque é importante observar que ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do ruim.
ConJur — Isso mostra que o governo pode moldar a Corte. No Brasil, a cada ministro do Supremo que se aposenta, reabre-se a discussão sobre a forma de indicação. O senhor acha que deveria ser diferente do que é hoje?
Barroso — Não. A forma de indicação é muito boa e acho que é a única possível. Existem críticas, mas no Brasil o presidente da República tem mais responsabilidade política do que o Parlamento, pela visibilidade que tem e pela possibilidade de se reconduzir a ele qualquer erro político que cometa. Como o Congresso é colegiado e suas decisões se diluem por um número muito grande de pessoas, é mais difícil de responsabilizá-lo politicamente. Ou seja, se o presidente da República fizer uma má escolha, ele carregará pela vida o peso de ter feito essa má escolha. Mas se o Parlamento fizer uma má escolha, ninguém saberá exatamente quem responsabilizar. O modelo americano, que se segue no Brasil, em que o presidente escolhe e o Senado aprova, é um modelo que funciona bem.
ConJur — A Súmula Vinculante e a Repercussão Geral serão suficientes para desafogar o Supremo?
Barroso — Esses são dois institutos importantíssimos para a própria sobrevivência do Supremo Tribunal Federal. Todos os tribunais constitucionais do mundo têm algum grau de controle sobre a sua agenda, para que possa separar os casos verdadeiramente importantes, emblemáticos e passar as mensagens corretas para a sociedade. A jurisdição constitucional exercida às dezenas de milhares de processos evidentemente se torna extremamente disfuncional e se perde em um varejo de miudezas. O Supremo deve ter o poder de selecionar as grandes questões nacionais, as que têm verdadeiramente repercussão geral e decidi-las. É assim que funciona a Suprema Corte americana, é assim que funciona o Tribunal Constitucional Federal alemão.
ConJur — A escolha de matérias para julgamento e o efeito vinculante se tornam ainda mais necessários num quadro em que a administração recorre de tudo e as instâncias inferiores, muitas vezes, afrontam a jurisprudência superior.
Barroso — As decisões do Supremo Tribunal Federal devem ter eficácia vinculante intelectual de uma maneira geral, independentemente de Súmula Vinculante. Em nome da segurança jurídica, da isonomia e da eficiência, temos de criar uma cultura de respeito aos precedentes. Como regra geral, os juízes e os tribunais devem respeitar as teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores. É assim em toda parte do mundo. Isso é um avanço civilizatório. É claro que não se pode impedir o juiz de decidir que, no seu caso concreto, determinada tese firmada por um tribunal superior produz um resultado que ele não pode aceitar. Neste caso, ele pode não seguir o precedente, mas terá o ônus argumentativo de demonstrar porque ele não está seguindo o precedente. Mas, fora isso, o juiz tem todo o direito de pensar diferentemente, mas dirá: “Me curvo à orientação do tribunal superior”. Se o Supremo assentou determinada orientação em matéria de uso de algema, por exemplo, uma sociedade civilizada, mesmo que não houvesse Súmula Vinculante, deveria se curvar à orientação. Quando a Suprema Corte americana determinou que a autoridade policial, no ato da prisão, tinha de informar ao preso que ele tem o direito de permanecer calado, isso se introduziu na cultura policial americana.
ConJur — O que o senhor identifica de importante que deveria ter sido regulamentado depois da Constituição de 88 e não foi até agora?
Barroso — Pontualmente, eu citaria o exemplo da greve dos servidores públicos, que foi objeto do Mandado de Injunção decidido pelo Supremo Tribunal Federal [os ministros decidiram que enquanto o Congresso não regulamenta o direito, valem para os servidores públicos as mesmas regras dos trabalhadores da iniciativa privada]. Mas acredito que essa discussão não é tão importante. O que faltou foi a implementação adequada de políticas públicas.
ConJur — O senhor pode dar exemplos?
Barroso — Veja, esta é a visão política de um cidadão, não a visão jurídica de um professor. Mas há muitas décadas o Brasil não tem nenhum plano habitacional para famílias de baixa renda, o que faz com que o Estado brasileiro seja um favelizador ideológico. As pessoas pobres precisam morar e se não há um planejamento estatal para suprir essa necessidade, você faveliza o país. Quando a Constituição consagra o direito de moradia, ela não está assegurando que cada pessoa pode exigir do Estado uma residência, mas esse direito exige que o Estado brasileiro tenha políticas habitacionais mínimas e consistentes para inclusão dessas pessoas na cidadania formal. As favelas são, em parte, o fruto de uma absoluta ausência dessa política. E fazer política habitacional significa não apenas assentar pessoas, mas dar transporte, colocá-las em lugares onde haja trabalho adequado próximo. Mesmo nas cidades que estão enriquecendo com royalties de petróleo não há nenhum planejamento urbanístico, civilizatório.
ConJur — O Rio de Janeiro, seu estado, é um grande exemplo dessa falta de política habitacional.
Barroso — Sim. Eu tenho a teoria de que o Rio é o lugar verdadeiramente cosmopolita do Brasil. Há lugares no país extremamente desenvolvidos e industrializados que são provincianos. O Rio é cosmopolita, tem um pouco de tudo de bom e de ruim que há no Brasil. Ele vive a ventura e a infelicidade de ser um pouco da expressão do país. E o Rio teve sucessivos governos sem projeto abrangente de cidade e de cidadania. Agora o problema está muito difícil de ser resolvido. Mas mesmo os problemas difíceis precisam ser equacionados, precisam de projetos. Vou lhe dar um exemplo prosaico. Eu morava na Barra da Tijuca, no Rio. Em 1998, o trânsito ficou tão insuportável que eu me mudei. Até hoje, não foi feito nenhum projeto viário novo para a Barra da Tijuca. Como é que pode uma cidade não ter um projeto viário novo em dez anos? Esse é um exemplo microscópico, mas mostra a incapacidade de abstração e de pensar o país para sequer os próximos cinco anos ou dez anos. Quando eu escrevi uma proposta de reforma política para o Brasil, eu a propus para vigorar depois de oito anos. Ninguém deu atenção. “Como é que pode ser um negócio para daqui a oito anos?”, questionaram.
ConJur — A reforma política é um nó que parece impossível de desatar. Por quê?
Barroso — Vou lhe dar outro exemplo. Eu escrevi um trabalho sobre distribuição de medicamentos por decisão judicial e a repercussão foi muito grande: foi publicado pela imprensa, recebi grande quantidade de mensagens de e-mail e de convites para participar de debates públicos sobre a questão da distribuição de medicamentos. Já o estudo que fiz sobre reforma política não produziu nenhum tipo de retorno, nem de participação em debates. Essa não é uma queixa pessoal, é institucional. Isso demonstra como ninguém está muito motivado a participar deste debate.
ConJur — As discussões políticas costuma ser ignoradas pela maioria das pessoas.
Barroso — Há dois espaços na vida brasileira que foram negligenciados nesses 20 anos de democracia. Um é o tema da reforma política. Ela é necessária. Defendo um sistema que contenha a pulverização partidária. Tem que haver um número de partidos que efetivamente expresse divisões ideológicas relevantes da sociedade, e não idiossincrasias individuais. Eu insisto, menos do que gostaria, na idéia de um debate sobre presidencialismo. O Brasil vive 20 anos de estabilidade institucional. Esta é a hora de criarmos um modelo imune a crises dramáticas, imune a aventuras autoritárias como as que estão acontecendo pela América Latina. O presidencialismo imperial latino-americano é um desastre. É hora de reformular o sistema presidencialista.
ConJur — Como?
Barroso — Há dois modelos no mundo que deram muito certo. São o modelo francês e o modelo português. Nesses dois países, vigora um presidencialismo atenuado. Não é parlamentarismo, como na Alemanha ou na Itália. Na França e em Portugal, o presidente é eleito por voto direto, e disso nós não podemos abrir mão no Brasil. O presidente tem a carga de legitimidade e a força política desta investidura por voto popular. Mas nesses países o presidente desempenha as funções de Estado, cuida das questões relevantes. Ele pode apresentar projetos de lei, ele nomeia os comandantes das forças armadas, os ministros dos tribunais superiores, mas não atua no varejo do cotidiano da política. Esta tarefa é do primeiro-ministro, escolhido pela maioria parlamentar. A idéia de que nós precisamos trabalhar com maiorias parlamentares consolidadas a cada tempo é importantíssima para acabar com as relações muitas vezes não republicanas entre o Executivo e o Parlamento. Alguém tem que ser o fiador da estabilidade, das grandes questões do Estado, e esse deve ser o presidente da República.
Revista Consultor Jurídico, 21 de setembro de 2008

domingo, 21 de setembro de 2008

Show do Jô Soares - Maranguape.

Lei de licença-maternidade abre debate sobre a questão da mulher.


por Michelle Amaral da Silva



Com caráter facultativo, lei não atinge todas as trabalhadoras brasileiras; especialistas avaliam que o modo como a norma está sendo aplicada gera conflitos entre os direitos da mulher e a responsabilidade do Estado e das empresas

Michelle Amaral,
da Redação
Sancionada no último dia 9 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nova lei que amplia a licença-maternidade em dois meses recebe o apoio de especialistas no que diz respeito à saúde e desenvolvimento da criança.
Entretanto, no que se refere ao campo de trabalho e conquistas das mulheres na sociedade, há opiniões divergentes. A falta de políticas públicas voltadas ao cuidado com as crianças é apontada como uma falha no sistema brasileiro, que torna a norma de licença-maternidade insuficiente às necessidades de mães e filhos.
O projeto de lei traz como característica a facultatividade, tanto para empresa quanto para a funcionária. No entanto, feministas defendem que esse caráter limita o direito da mulher, já que, para ter acesso ao benefício, ela depende da escolha do empregador em participar do Programa Federal.
Eneida Dutra, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) para as áreas de Trabalho e Previdência, alega que a facultatividade abre espaço para pressões quanto à escolha que a funcionária fará. “Esperamos que não haja assédio moral para deixar a mulher insegura em relação à opção pela extensão”, observa.
Dutra explica que o modo como a lei foi elaborada não constitui um direito de fato às trabalhadoras brasileiras, pois é limitado. “Torna-se um benefício e não um direito, porque o direito é universal”, resume. Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 30/2007), de autoria da deputada Ângela Portela (PT-RR), busca a obrigatoriedade do direito a todas as trabalhadoras. Contudo, ainda está em tramitação no Congresso Nacional.
Entretanto, para a senadora Patrícia Saboya (PDT/CE), autora do projeto de lei que amplia a licença-maternidade, essa é uma forma de chamar o empresariado a ter uma consciência social. “Isso porque só adere ao Programa Empresa Cidadã, criado pelo projeto, a empresa que, por ter responsabilidade social, acredita que possa abrir mão de dois meses do trabalho de sua funcionária em troca de lhe conceder um tempo que trará benefícios a seu filho por toda a vida dele. Aliás, uma das grandes vantagens do projeto é ajudar a consolidar, aos poucos, no país, essa cultura da responsabilidade social, fazendo com que as empresas percebam que, ao adotar essa prática, ajudam toda a sociedade”, defende.
Mercado de Trabalho
Patrícia Saboya defende, ainda, que a ampliação da licença não acarretará danos para o desempenho profissional das mulheres nem para o desenvolvimento das atividades das companhias. Para ela, esse aumento “terá um efeito altamente benéfico para as próprias empresas. Isso porque as funcionárias, ao retornarem ao trabalho, estarão muito motivadas, mais tranqüilas e com a sensação do dever cumprido”.
No entanto, dúvidas como instabilidade profissional e perda de competitividade frente ao mercado de trabalho são levantadas pelo empresariado e organizações feministas. Uma das preocupações é com a possibilidade de que os empregadores passem a optar pela contratação de funcionários do sexo masculino por conta do período de afastamento que uma funcionária ficará de suas atividades se engravidar.
Para a feminista Sonia Coelho, da equipe técnica da Sempreviva Organização Feminista e membro da Marcha Mundial das Mulheres, tal afirmação não pode ser feita de imediato, pois os resultados virão com o tempo. Ela afirma que o mercado de trabalho “não pode prescindir do trabalho das mulheres”.
Sonia explica que existem trabalhos que somente as mulheres podem realizar, com sensibilidade e agilidade, como trabalhos manuais, devido a sua experiência em trabalhos domésticos. E que se as empresas colocassem homens para fazer, eles levariam muito tempo para aprender e isto seria prejudicial para o próprio empregador. “O mercado de trabalho lucra com o trabalho das mulheres, e, sobretudo, com as desigualdades entre homens e mulheres”, alega.
A senadora Patrícia Saboya também acredita que isso não ocorrerá. “Esse mesmo argumento foi usado quando a Constituição de 1988 estabeleceu a licença-maternidade de quatro meses. De lá para cá, o que vimos foi exatamente o contrário. A cada dia, as mulheres conquistam mais e melhores espaços no mercado de trabalho”, opina.
Eneida Dutra, no entanto, teme que a mulher seja alvo de discriminação por conta do aumento da licença-maternidade. Ela afirma que prefere acreditar na “maturidade do empresariado brasileiro” para que esse tipo de situação não ocorra.
Ascensão Profissional
Outro ponto questionado se refere à ascensão profissional da mulher. Francisco Gadelha, presidente do Conselho Temático Permanente de Relações do Trabalho e Desenvolvimento Social da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), alega que a licença-maternidade estendida prejudicará o desempenho e o crescimento na carreira da mulher. Já que, ao sair de licença, ela se desconectará do mundo do trabalho e, quando retornar, estará desatualizada em relação àquele que a substitui, e terá de se readaptar, o que levará algum tempo.
Gadelha reconhece que a mulher tem alcançado destaque no mercado de trabalho e melhor qualificação nos concursos públicos, além de possuir maior escolaridade que os homens. Mas defende que o afastamento do emprego por seis meses impedirá que ela ascenda a cargos melhores. “Isso a prejudica, já que ela ainda enfrenta dificuldades para se impor no mercado de trabalho: as mulheres ocupam somente 11% dos cargos de chefia”, acrescenta.
A especialista em trabalho e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Claudia Mazzei Nogueira, no entanto, rebate que essa é a lógica empresarial, que visa somente a acumulação de lucros. “Sempre que há a possibilidade de acumular ganhos, há uma prevenção muito grande do empresariado”, explica, referindo-se ao custo que trará para a empresa esse período de afastamento e substituição da funcionária em licença.
Para Sonia Coelho, “as empresas se utilizam desse argumento numa forma de abaixar salários e rebaixar as mulheres”. Segundo a lei, têm direito a gozar do benefício apenas mulheres que estejam empregas formalmente, que possuam registro em carteira, não as que estejam na informalidade.
Sonia explica, no entanto, que muitas mulheres continuam em trabalhos precarizados, com baixos salários, e essa medida complica mais a situação delas, pois as deixam à margem de mais um direito. Para ela, é necessário “olhar a situação das mulheres como um todo, como estão inseridas no mercado de trabalho”.
Outra crítica à nova lei diz respeito às sugestões de vetos à proposta original que se concretizaram na sanção presidencial. O presidente Lula vetou o parágrafo que concedia isenção fiscal às empresas enquadradas no Simples (tratamento tributário diferenciado e favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte) que permitissem o aumento da licença-maternidade de suas funcionárias, assim como o artigo que isentava patrões e funcionárias do pagamento da contribuição previdenciária nos dois meses a mais da licença.
Para a professora Claudia Mazzei Nogueira, os vetos são nocivos à aplicação da lei e à aceitação por parte do empresariado. Segundo ela, a norma incentivava a participação de um número maior de empresas, mas, da forma como está agora, prejudica tanto estas como as funcionárias.
A senadora Patrícia Saboya disse que já esperava os vetos, que acabaram comprometendo a abrangência da proposta. Mas, para ela, o fato de a lei ter sido sancionada demonstrou “avanço no campo dos direitos”.

sábado, 20 de setembro de 2008

Acidentes de trânsito estão entre as principais causas de gastos hospitalares.

Fernanda Marques
Acidentes e violências – episódios que compõem a categoria das causas externas – estão entre os principais fatores responsáveis por hospitalizações no Brasil e no mundo. Essas internações, além do sofrimento para as famílias, acarretam gastos significativos para os cofres públicos. Um estudo feito em São José dos Campos (SP) verificou que um único hospital público, num período de apenas seis meses, teve quase mil pacientes hospitalizados por causas externas, o que gerou gastos superiores a R$ 477 mil. Conduzida pela Secretaria de Saúde de São José dos Campos e pela Universidade de São Paulo, a pesquisa foi publicada recentemente na revista Cadernos de Saúde Pública, periódico científico da Fiocruz.

O estudo mostrou que os acidentes de trânsito foram a principal causa de hospitalização, respondendo por 32,8% das ocorrências e por 41,2% dos gastos (Foto: Polícia Rodoviária Federal)
O hospital estudado é referência no atendimento a vítimas de traumas e concentra a grande maioria das internações do SUS decorrentes de causas externas no município. Foram pesquisados os prontuários de 976 pacientes internados nesse hospital entre janeiro e junho de 2003. Em média, cada uma dessas internações durou 6,7 dias e teve um custo de R$ 490. Os traumas envolvendo os membros inferiores foram os mais freqüentes, porém as fraturas de pescoço foram as responsáveis pelas internações mais longas e caras, com um tempo médio de permanência no hospital de 18 dias e um gasto médio de cerca de R$ 1,2 mil por paciente.
Os acidentes de transporte foram a principal causa de hospitalização, respondendo por 32,8% das ocorrências e por 41,2% dos gastos, o que equivale a 320 internações e custos de quase R$ 200 mil. As quedas foram a segunda principal causa, com 260 internações e gastos totais de R$ 123 mil. As agressões aparecem em quarto lugar, com 49 ocorrências e cerca de R$ 30 mil em despesas. Chama a atenção que, em terceiro lugar, estão as causas indeterminadas.
Os autores da pesquisa destacam que esses cálculos se referem apenas aos gastos médico-hospitalares diretos do SUS, o que exclui, por exemplo, despesas com o transporte dos acompanhantes e os prejuízos decorrentes da perda de produtividade do paciente, assim como as internações financiadas por particulares ou seguros de saúde. Ou seja: as perdas econômicas associadas aos acidentes e às violências podem ser ainda maiores que as apresentadas pelos pesquisadores. Além disso, “as internações hospitalares não retratam toda a morbidade por causas externas. Uma parcela importante das vítimas sequer é atendida em serviços de urgência ou emergência e outra parcela significativa é liberada logo após o atendimento, sem necessidade de internação”, explicam no artigo os pesquisadores Luís Paulo Rodrigues Melione e Maria Helena Prado de Mello-Jorge.
Outra constatação do estudo é que o atendimento médico-hospitalar por causas externas é mais oneroso para os cofres públicos do que aquele relativo às causas naturais. “Isso faz pensar, de imediato, na possibilidade de investimento em prevenção, a fim de diminuir a demanda para os hospitais, o sofrimento das vítimas e os custos da assistência”, dizem os autores. “Nossa pesquisa mostra a importância dos acidentes de transporte no aumento do gasto e a possibilidade de preveni-los, o que permite concluir que é nesse grupo de causas que devem começar as medidas preventivas”.
Como medida preventiva, o Ministério da Saúde defende a Lei 11.705, a chamada Lei Seca, que considera crime conduzir veículos com praticamente qualquer teor alcoólico no organismo. Nesse sentido, vale lembrar que São José dos Campos tem uma extensa e movimentada malha rodoviária, e abriga parte da Rodovia Presidente Dutra (BR-116), da Rodovia Carvalho Pinto (SP-70), da Rodovia dos Tamoios (SP-99) e da Estrada Velha de Campos dos Jordão (SP-50).
Publicado em 16/9/2008.
Notícias

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Carta Aberta aos Candidatos à Prefeito Municipal de Joinville

O Conselho Municipal de Saúde de Joinville encaminhou Carta Aberta aos Candidatos à Prefeito Municipal de Joinville

Joinville, 15 de setembro de 2008.
Prezado Senhor,
O Conselho Municipal de Saúde de Joinville, órgão colegiado, de caráter permanente e deliberativo, conforme estabelece a lei nº. 8.142/90, criado pela Lei Municipal nº. 2.590/91, composto por representantes dos segmentos: governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, tendo como objetivo atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da Política de Saúde do Município de Joinville, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, vem solicitar de Vossa Senhoria que, enquanto candidato ao cargo de Prefeito Municipal desta cidade, garanta em seu plano de governo na área de saúde:
A formulação de Políticas Públicas adequadas, visando o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), e respeitando inclusive as deliberações emanadas do Conselho Municipal de Saúde e de suas respectivas Conferências Municipais de Saúde;
Que todas as ações pertinentes a área da Saúde sejam previamente apresentadas para análise e aprovação do Conselho Municipal de Saúde e que sejam respeitados os prazos e fluxos estabelecidos em Lei, em especial o Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária Anual (LOA), agenda e quadro de metas;
Que o caráter público do Sistema Único de Saúde não seja desvirtuado com ações privatizantes e que os recursos do Fundo Municipal de Saúde sejam utilizados de forma racional e responsável, compatibilizando seu uso com as necessidades reais da população, de acordo com o Perfil Epidemiológico de cada região do Município, diminuindo desta forma as desigualdades sociais;
Que a política Municipal de Saúde contemple no seu planejamento ações de caráter intersetorial, e que os recursos financeiros sejam aplicados prioritariamente na Atenção Básica;
Que a Gestão Municipal de Saúde considere de relevância a busca constante da qualificação e profissionalização do seu quadro de servidores e da gestão como um todo;
Atenciosamente,
Conselho Municipal de Saúde de Joinville

sábado, 13 de setembro de 2008

Saúde tem rombo de R$ 5,5 bilhões




A bancada da saúde na Câmara e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conas) refizeram as contas do governo e avaliam que será preciso a liberação de um crédito suplementar de R$ 5,5 bilhões para o setor ter fôlego até o final do ano. Este é o tamanho do rombo que especialistas prevêem para dezembro e que pode levar a falta de repasses para o Sistema Único de Saúde (SUS). O governo, por outro lado, sustenta que não há problemas orçamentários. O número leva em consideração os serviços e a demanda nos hospitais públicos por todo o país. Serão atingidos, especialmente, os atendimentos ambulatoriais. Há, ainda, previsão de falta de medicamentos para os tratamentos chamados "excepcionais" que assistem pacientes, por exemplo, com esclerose múltipla. Outro problema identificado estaria no atendimento ao paciente com câncer. A falta de recursos pode prolongar a demora para o início da assistência, que em média está em 188 dias. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o câncer quando atacado nos primeiros 30 dias do diagnóstico tem chance de 95% de cura. “A crise da saúde permanece”, afirma o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), integrante da Frente Parlamentar da Saúde. “O governo é que finge não ver o caos que está por todo lado com a falta de dinheiro e para piorar a equipe econômica ainda não descobriu que saúde é prioridade”. Aumento de repasse Parte do rombo, cerca de R$ 2,5 bilhões, é motivada pelo aumento, no ano passado, do repasse de recursos do Ministério da Saúde aos Estados para pagamento de procedimentos de alta e média complexidade, que envolve consultas especializadas, cirurgias, internações, entre outros. Os repasses foram programados com recursos da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A origem da falta de verba na saúde, indicam os especialistas consultados pelos deputados, começou com a ausência de uma reprogramação orçamentária com o fim do imposto do cheque. No ano passado, o orçamento da Saúde foi de R$ 44 bilhões, sendo que desse total, mais de 35% (R$ 15,8 bilhões) tiveram origem na CPMF. O orçamento do ministério neste ano é de R$ 52,2 bilhões. Havia a programação de, até 2011, mais R$ 24 bilhões da CPMF, sendo apenas neste ano, R$ 6 bilhões. Sem a contribuição, o governo, no entanto, engessou boa parte da ampliação que estava prevista para os próximos quatro anos e tem utilizado apenas os recursos disponíveis no caixa da Pasta, ou seja, o Orçamento, que é o montante do ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). “A arrecadação está indo bem, a economia está crescendo, não se justifica a falta de uma atenção especial para o setor”, disse o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE). “O governo precisa acordar antes que seja tarde”. Sensibilidade A preocupação da bancada da saúde e dos secretários é que neste ano com o atraso na votação da Contribuição Social à Saúde (CSS) - novo imposto nos moldes da CPMF que aguarda votação de um último destaque na Câmara - o incremento para o setor depende da sensibilidade da equipe econômica. A CSS foi a solução encontrada pelo governo para segurar a regulamentação da Emenda 29, dispositivo que define repasses federais, estaduais e municipais para a saúde, e vinculava aplicação da verba da União na área em 10% da receita corrente bruta. “O governo precisa sentar na mesa e discutir a situação com calma para ter a real idéia do que está acontecendo nos Estados”, disse o secretário-executivo do Conas, Jurandir Frutuoso, ex-secretário da Saúde do Ceará. “Ao que tudo indica precisamos definir uma estratégia para evitar problemas no atendimento”. Fonte: Jornal do Brasil

Discurso da verdade política


Escrito por Gilvan Rocha
11-Set-2008

Estamos em campanha eleitoral. Acompanhamos atentamente os discursos feitos pelos candidatos. Segundo alguns, o povo nada tem a fazer para ter escola de qualidade, transporte bom e barato, bom serviço de saúde, remédio entregue na residência sem nenhum custo, segurança, praças bem cuidadas... Basta, para isso, apenas o voto de cada um de nós, e isso não passa de mentira, de fantasia. O discurso da verdade política deixa de ser feito ou é feito de forma tímida e incompleta, mesmo pelos candidatos ditos comunistas e socialistas. Ora, vivemos uma sociedade de desigualdades sociais.

Fortaleza, por exemplo, abriga mais de 650 favelas. A pobreza e a miséria convivem com uma minoria de abastados. Nesse cenário não poderá existir uma Fortaleza bela ou menos feiosa, apesar da riqueza pujante de sua natureza.

A desigualdade social faz das cidades antros de injustiças. Não seria com a simples mudança de governos municipais que essa realidade se transformaria. Essa é a verdade que o povo necessita saber e isso não lhe é dito de forma clara.

Um candidato comprometido com o povo faria seu discurso centrado na denúncia da ordem capitalista. Afirmaria a viabilização de projetos que mitigassem o sofrimento popular, mas, sobretudo, se empenharia em construir uma consciência política de natureza anti-capitalista, vez que, nos marcos desse sistema, o máximo que o povo pode ter é escola menos ruim, transporte menos ruim, saúde menos ruim...

Qualquer discurso apontando solução dos problemas sociais no contexto capitalista é uma desmedida mentira, uma desbragada fraude. O que diferenciaria um "bom" governo municipal de direita para o governo de esquerda, seria o compromisso da esquerda com o trabalho direto e objetivo de educação política, mostrando não haver saída para o povo, senão pela via da transformação social, coisa que eleição nenhuma haverá de promover. Contudo, as campanhas eleitorais são momentos preciosos para difusão do discurso socialista.

Gilvan Rocha é presidente do Centro de Atividades e Estudos Políticos (CAEP).

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Bloqueio ideológico

Editorial da Folha de S. Paulo de 10 de setembro de 2008, sobre a decisão da Justiça Federal que determina que a Prefeitura de São Paulo reassuma em 90 dias a gestão de AMAs e UBSs, além dos hospitais de Cidade Tiradentes e M'Boi Mirim

NÃO TEM sido fácil o caminho para modernizar a gestão da saúde no país. Decisão recente da Justiça Federal determina que a Prefeitura de São Paulo reassuma em 90 dias a gestão de AMAs (Assistência Médica Ambulatorial) e UBSs (Unidades Básicas de Saúde), além dos hospitais de Cidade Tiradentes e M'Boi Mirim. O processo foi movido em 2006 pelo Ministério Público, que vê inconstitucionalidade na medida.
A prefeitura transferiu a administração dessas unidades a entidades civis, amparada em lei municipal de 2005, que estabeleceu as chamadas Organizações Sociais (OSs). A medida também se baseou em norma federal semelhante, a que criou há dez anos as Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público).
A decisão, da qual a prefeitura pretende recorrer, é apenas mais um exemplo da resistência dogmática contra a adoção de regras para agilizar, baratear e tornar mais eficiente a gestão hospitalar. Esse antagonismo meramente ideológico já foi abandonado até pelo governo federal.
Projeto de lei complementar enviado pela administração Lula ao Congresso permite a criação de fundações estatais de direito privado, nas quais os funcionários podem ser contratados pela CLT. Por esse plano, os serviços também passam a ser regidos por um contrato de gestão.
As diferentes leis -inclusive a estadual, que já assegura há dez anos esse regime para diversos hospitais de São Paulo- seguem os mesmos princípios. Incluem instrumentos como o controle do poder público sobre os repasses, e as entidades gestoras se comprometem com metas e prazos. Caso deixem de cumprir o estabelecido, há sanções como o desconto no repasse de dinheiro e a inabilitação.
Trata-se de um modelo que exige fiscalização constante e atenta -e certamente pode ser aperfeiçoado. Mas a administração hospitalar por entidades não-estatais sem fins lucrativos é um dos poucos instrumentos em experimento no país que estão modernizando a gestão pública, ainda presa a arcaísmos de ineficiência e desprezo pela qualidade do serviço prestado.
Que o bloqueio ideológico contra essa inovação não prospere no Judiciário brasileiro.

O SUS e os consensos interfederativos

Por Luiz Odorico Monteiro de Andrade*
A organização de uma rede nacional complexa de sistemas e serviços de saúde, de forma compartilhada entre as esferas de gestão, só tem sido possível pelo fato do SUS encarnar em sua materialidade um desenho correspondente a estrutura federativa brasileira. E isso de forma cooperada, onde os objetivos são comuns e indissociáveis, harmonizados em nome dos interesses local, regional, estadual e nacional. No federalismo (no SUS), todos são co-titulares dos interesses (da saúde) e todos devem manter garantida sua autonomia (direção única). O caminhar do SUS tem refletido um fazer coletivo, dialogado, responsável e solidário. Arranjos institucionais como as Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite, reunindo os gestores municipal e estadual, e os gestores municipal, estadual e nacional, respectivamente, além da efetivação dos mecanismos de participação e controle social, são evidências de uma construção compartilhada e democrática. Mas o SUS precisa avançar em sua maturidade institucional e política para dar maior efetividade ao preceito constitucional do direito à saúde para todos. São muitos os motivos que apontam para tal afirmativa. Entre eles, destaco: a complexidade que representa as relações entre os entes federados; as necessidades em saúde da população; as diversidades locais e regionais; a inadequação do padrão de financiamento por "caixinhas programáticas" ou por blocos que reúnem muitas "caixinhas programáticas". A era "da cenoura e da vara" no SUS tem que findar. O financiamento federal não pode mais ser o conformador da organização do SUS, não havendo mais espaço para a edição de normas operacionais e outras portarias ministeriais que rompam com as realidades locais e regionais e interfiram na autonomia do ente federativo para organizar seu sistema de acordo com essas realidades. Qual seria então o caminho? É preciso reconhecer que embora a legislação do SUS seja uma das mais avançadas no mundo, diante dos desafios há vácuos normativos a serem preenchidos. É necessário o aprimoramento dos arranjos interfederativos, consubstancidos em instrumentos jurídicos definidores de responsabilidades e direitos a serem firmados entre os gestores do sistema: o consenso interfederativo. Na condição de gestor cidadão afirmo que a maturidade do SUS pode ser alcançada mediante o diálogo construtivo, que faça brotar arranjos legais que garantam efetivamente o direito à saúde de todos os brasileiros.
(*) Luiz Odorico Monteiro de Andrade é médico, professor Universidade Federal do Ceará e Secretário Municipal de Saúde de Fortaleza. Artigo publicado no jornal o Povo de Fortaleza, na edição de 09/09/08.

Sem medo de exageros



Por João Ananias Vasconcelos Neto*

Entre o sucesso e o fracasso do Sistema Único de Saúde estamos muito mais perto do sucesso. Dificuldades existem, ajustes são necessários. Mas exalto o SUS, sem medo de exageros. Simples. Temos a prova dos indicadores em saúde. Quem não lembra da alta taxa de mortalidade infantil registrada no Ceará? Há 15 anos, antes do Programa Saúde da Família, era de 80 para mil nascidos vivos. Agora,em 2008, está em 18 para mil nascidos vivos. Antes do SUS, 20 anos atrás, antes do PSF, médico nas pequenas cidades do interior era só em dia de sábado e exclusivamente um para atender toda a comunidade. Hoje 64% do nosso Estado têm a cobertura do PSF. Há mais de 1. 600 equipes cuidando da saúde das famílias. Se médico era difícil, dentista nem se fala. Mas ser um defensor obstinado da saúde pública, do SUS, é também reconhecer as dificuldades e lutar para que sejam vencidas. O sub-financiamento é um problema. O sucesso do SUS depende principalmente do fim do sub-financiamento à atenção básica. Estamos lutando, através do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) , para que20%até 2011 do orçamento do Ministério da Saúde sejam garantidos para a atenção básica. Do contrário, o calvário continua, com os municípios, o ente mais pobre da relação tripartite ( União, estados e municípios) , ainda com equipes do Programa Saúde da Família sem dentistas e unidades básicas de saúde funcionando, em alguns casos, em postos de gasolina. Enquanto a atenção básica implora por mais investimentos, os gastos com medicamentos representam hoje 25% do orçamento do Ministério da Saúde. Só no Ceará, os gastos com medicamentos de alto custo em 2007 chegaram a 109 milhões e 451 mil Reais. Não podemos esquecer de que o SUS abrange a todos. Desde as ações de vigilância sanitária, como o controle da água consumida todos os dias, até o atendimento aos casos graves da epidemia da violência e procedimentos de alta complexidade, como transplantes hepáticos. Muitos só enxergam da saúde pública a espera por um leito de UTI. A verdade é que muitos exames, complexos e caros, assim como determinadas cirurgias, somente o SUS banca. Isso é resultado prático da universalidade e integralidade, princípios básicos do sistema de saúde pública do Brasil. Agora, nos 20 anos, o SUS deve ter maturidade para avançar na intersetorialidade. O tema do IV Encontro Nacional do Ministério Público - "Políticas públicas intersetoriais e o SUS" – é bastante oportuno. Ainda éum grande desafio, por exemplo, ter educação, saúde e transportes trabalhando, de forma integrada. Racionaliza custos e otimiza resultados. O elevado número de jovens que sofrem acidentes emorrem nas vias públicas por falta do uso de capacete é alarmante. Faltou educação, prevenção, promoção da vida. Tudo poderia ter sido evitado, com as ações intersetoriais funcionando pra valer. Seria menos violência, mais saúde.
(*) João Ananias Vasconcelos Neto é Secretário da Saúde do Estado do Ceará. Artigo publicado no jornal O Povo de Fortaleza, na edição de 09/09/08.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Juíza proíbe entidade privada de gerir AMAs e UBSs que atendem São Paulo


A Justiça Federal determinou que a Prefeitura de São Paulo acabe com a contratação de entidades privadas para gerir suas unidades de saúde. Pela decisão, a prefeitura tem 90 dias para reassumir a gestão de 119 unidades de saúde -entre AMAs (Assistência Médica Ambulatorial), UBSs (unidades básicas de saúde) e Programas de Saúde da Família- além dos hospitais de Cidade Tiradentes e M'Boi Mirim. A administração Gilberto Kassab (DEM) informou que irá recorrer da decisão de 26 de agosto, divulgada ontem. A medida atinge boa parte do sistema de saúde da cidade. Contratadas sem licitação, as parcerias com as organizações sociais são uma das principais bandeiras do prefeito Kassab para tentar se reeleger. No total, são nove contratos de gestão já assinados pela prefeitura com oito organizações sociais. Só no primeiro semestre de 2008, dos R$ 2,2 bilhões empenhados na área de saúde, R$ 617,7 milhões foram gastos nessas contratações. O mesmo modelo já é adotado pelo governo do Estado para a gestão de hospitais e o governo federal também tenta aprovar no Congresso projeto com teor semelhante. Segundo a decisão da juíza Maria Lucia Lencastre Usaia, da 3ª Vara Cível Federal, o município tem 90 dias para reassumir todas as unidades públicas repassadas às organizações sociais e, ainda, retirar todos os funcionários cedidos às instituições -mesmo aqueles sem ônus ao erário municipal. Além disso, a juíza determinou que a União fiscalize o processo de retorno das unidades de saúde à prefeitura e impeça o repasse de recursos públicos para entidades privadas. Para a juíza, a legislação municipal que permite essas contratações, aprovada pela Câmara Municipal em dezembro de 2005 (lei 14.132), é inconstitucional porque, ao dispensar a licitação, a prefeitura fere o princípio da isonomia e igualdade de condições entre os interessados nessa gestão. "Ofende o princípio da legalidade administrativa não fixando critério algum para escolha das entidades como organizações sociais, deixando a juízo exclusivo do secretário municipal de Gestão e do secretário do órgão regulador da área de atividade correspondente ao objeto social", afirma. A prefeitura alega que esse modelo de gestão agiliza o atendimento e melhora a qualidade do serviço prestado. Para a juíza, porém, esses argumentos não justificam a dispensa da licitação. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em 2006, que teve quase todos os seus pedidos atendidos. Não conseguiu apenas que a Justiça determinasse a suspensão imediata ao município de São Paulo dos recursos do FNS (Fundo Nacional de Saúde). A procuradora da República Sônia Maria Curvello, uma das autoras da ação, disse esperar que a decisão seja cumprida. "O MPF mantém o entendimento de que a terceirização da saúde municipal é inconstitucional", disse por meio de nota. Em junho de 2006, a juíza Maria Lucia Lencastre Usaia já havia concedido liminar ao Ministério Público com as determinações julgadas em mérito agora. A liminar foi derrubada, porém, dez dias depois pelo TRF (Tribunal Regional Federal) 3ª Região. Caberá a esse mesmo tribunal analisar agora o novo recurso da prefeitura. Fonte: Folha de S.Paulo

Para se pensar................


O ensino médico merece respeito
Por Antônio Carlos Lopes* Dentro da política de governo, surgiu recentemente uma parceria entre os ministérios da Educação e da Saúde para cuidar da educação médica. Com fundo ideológico, esta parceria está longe de contemplar políticas públicas eficientes. Depois da interferência do Ministério da Saúde, chama a atenção o estímulo dado às escolas médicas para centrarem o ensino na rede pública (SUS). Esta situação só pode ser apregoada por quem não conhece o atendimento médico na rede pública e desconhece os princípios do ensino médico, que nesta visão é tratado com desrespeito. É evidente que o ensino deve ser baseado na comunidade, mas desde que os seus princípios pedagógicos e sua metodologia sejam respeitados. O aprendizado médico na rede pública atual só serve para mostrar ao aluno o que não fazer na prática médica, não por culpa dos médicos, mas pela estrutura deficiente. Em relação à Residência Médica, pós-graduação lato sensu, nota-se seu deslocamento progressivo para o Ministério da Saúde, como fica claro em matérias recentemente veiculadas pela imprensa. Quem tem se manifestado sobre o assunto não é o Ministério da Educação, e sim o da Saúde. Aliás, é o que tentaram fazer durante o período em que fui Secretário Executivo da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), e só não conseguiram em função de uma política importante da própria Comissão, em busca da excelência e da equidade regional. A incompetência da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde fica evidente quando 250 bolsas de Residência Médica para o Programa de Saúde da Família e Comunidade foram distribuídas aos programas correspondentes, criados em situação de emergência no Norte e no Nordeste. As bolsas tinham valor maior que dos outros programas de Residência Médica, e apenas 25% foram ocupadas, com inúmeras queixas dos residentes. É necessário que as especialidades médicas estejam presentes e que a Residência Médica, nos moldes em que ocorre nas políticas de países de primeiro mundo, contemple todas as regiões. Contudo, durante os quatro anos em que estive na Comissão, ao contemplar as regiões menos favorecidas e carentes de Residência em certas especialidades, nossa surpresa foi que as vagas jamais foram totalmente preenchidas. Isso nos mostra que a falta de infra-estrutura, de recursos materiais mínimos e de preceptoria são incompatíveis com a Residência Médica, levando às vagas ociosas. É necessário que a incompetência não seja o critério de escolha para cargos importantes, pois isto contempla a postura ditatorial que satisfaz os insensatos. Torna-se, portanto, fundamental que quem fale em ensino médico o exerça em sua plenitude, e não tenha título de professor somente na parede do gabinete.
(*) Antônio Carlos Lopes é professor titular da disciplina de Clínica Médica da Unifesp/EPM. Artigo publicado no Jornal de Brasília, na edição de 08/09/08.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Que país é esse....????????????


TRF, de Brasília, torna definitivamente sem efeito a Resolução 272/2002 do Cofen que permitia a profissionais da Enfermagem diagnosticar doenças e prescrever medicamentos. A decisão é válida para todo o território nacional
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região (Brasília), tornou definitivamente sem efeito a
Resolução 272/2002 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) que permitia aos enfermeiros diagnosticar doenças, prescrever medicamentos e solicitar exames com autonomia no âmbito dos programas ou rotinas aprovadas em instituições de saúde.
A decisão, válida para todo território nacional, foi transitada em julgado, ou seja, sem possibilidade de recurso, em atendimento ao mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul (Simers), em 2002. Cabe ao Cofen a tarefa de orientar formalmente os profissionais sujeitos à sua jurisdição para não praticarem quaisquer dos atos reservados aos profissionais médicos.
A decisão torna nula a disposição da
Portaria nº 648/2006 do Ministério da Saúde (MS), que previa essa atuação do enfermeiro. Da mesma forma, fica suspensa pelo TRF sua reedição (Portaria nº 1625/2007) por meio do Agravo de Instrumento nº 2007.01.00.000126-2-DF.
Acordada no ano passado, a portaria estipulava que os enfermeiros poderiam efetuar os procedimentos, desde que adotassem os protocolos e outras normas técnicas estabelecidas pelo MS, gestores estaduais e municipais ou do Distrito Federal. O médico deveria acompanhar a execução, revisão ou criação de eventuais novos protocolos feitos pelo enfermeiro, participando nessa elaboração o Cofen, Conselho Federal de Medicina (CFM) e outros conselhos, quando necessário.
Médicos e toda a população devem denunciar aos órgãos de saúde, Conselhos Regionais de Medicina ou Ministério Público quando o diagnóstico, prescrição ou solicitação de exame for realizado por profissionais da Enfermagem.
Fonte: Conselho Federal de Medicina

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Eficiência para a saúde.

Em aspectos particulares, como raros hospitais ou especialidades médicas de referência mundial; setores como a cobertura vacinal e o combate à Aids; e a formulação de planos como o SUS (sistema universal e gratuito cujas intenções estão longe de serem refletidas na prática), a saúde pública vai bem no país. A foto do todo, contudo, deixa muito a desejar. Dois retratos recentes comprovam a afirmação. Divulgado em meados de junho, o relatório do Banco Mundial (Bird) Desempenho Hospitalar no Brasil: Em Busca da Excelência mostrou o baixo padrão de qualidade do atendimento disponível à grande massa de brasileiros com difícil ou nenhum acesso à medicina privada. Por seu lado, na última quarta-feira, o IBGE revelou que 60,2% dos gastos com tratamento, consultas, exames e medicamentos em 2005 foram pagos pela população. O governo ficou com parte bem menor da conta: 38,8%. O 1% restante coube a instituições sem fins lucrativos. Em outras palavras: com serviços ruins, o contribuinte, espoliado por uma carga tributária que nas duas últimas décadas avançou de 22% para 36% do PIB, não conta com o poder público na hora da dor. Precisa mais uma vez meter a mão no bolso e buscar solução própria. Isso, apesar de, por mais de 10 anos, reforçar o caixa do governo com cerca de R$ 38 bilhões por ano apenas para financiar o setor, por meio da famigerada CPMF. Extinta a contribuição em dezembro de 2007, anunciou-se o caos e enviou-se ao Congresso Nacional, apresentada como tábua de salvação, proposta para criar fonte substituta, em moldes semelhantes: a Contribuição Social para a Saúde. A CSS já passou pela Câmara e aguarda votação no Senado. Mas é totalmente dispensável, por duas razões. A primeira: a própria Receita Federal prevê arrecadar este ano R$ 50 bilhões além do previsto no Orçamento. A segunda: o problema não está na falta de dinheiro, mas de gestão, como tem mostrado a história. Em agosto, por ocasião do aniversário de 20 anos do SUS, o ministro José Gomes Temporão, em artigo para o Correio, admitiu a existência de deficiências de gestão e estrutura, mas considerou que "as piores avaliações" do sistema "são fruto, principalmente, do desconhecimento". É verdade, como lembrou ele, que poucos têm ciência da amplitude do SUS, modelo que dá a todos os brasileiros o direito a atendimento na rede pública de saúde, universo que até 1988 era restrito aos trabalhadores filiados ao INSS. Ou seja, o público-alvo passou, nesse período, de 30 milhões para 190 milhões de pessoas, aumento para lá de considerável. Mas uma coisa é oferecer o direito, outra é atendê-lo. Assim, "as piores avaliações" estão, especialmente, nas enormes filas de espera, ao longo das quais não raro pacientes morrem sem atendimento. Faltam médicos, adequada remuneração profissional, remédios, leitos, vagas de UTI, ambulâncias, material e equipamentos básicos. Temporão aponta saídas: prevenção e promoção à saúde para desafogar os atendimentos hospitalares de urgência e emergência; maior envolvimento dos municípios na gestão; transferência para a Caixa Econômica Federal da responsabilidade pelas construções e repasses de recursos na administração de obras, reformas e ampliações de unidades de saúde. São passos importantes. Contudo, é imprescindível também aperfeiçoar o gerenciamento, tapar os ralos do desperdício e da corrupção (da qual a máfia dos sanguessugas é exemplo vivo na memória dos brasileiros), cobrar o ressarcimento pelo atendimento a segurados de planos privados, fixar metas de produtividade. O que não dá mais para manter é o ataque incessante ao bolso do contribuinte como se fosse essa a solução para a ineficiência.
Fonte: Editorial publicado no Correio Braziliense, na edição de 05/09/08.
Fonte: Editorial publicado no Correio Braziliense, na edição de 05/09/08.

Opinião de Lula sobre o fumo gera críticas no governo.


Militantes antitabagistas e integrantes do Ministério da Saúde classificaram ontem (04/09) como "individualistas" e "autoritárias" as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a favor do fumo em locais fechados, e cobraram que o chefe do Executivo dê um "bom exemplo" à população, abolindo o hábito de fumar sua cigarrilha no Palácio do Planalto. Anteontem, durante entrevista a jornais populares, Lula foi questionado sobre projeto do governo federal que proíbe o fumo em locais fechados, e fez defesa direta do seu hábito: "Eu defendo, na verdade, o uso do fumo em qualquer lugar. Só fuma quem é viciado", declarou o presidente. Segundo relatos de repórteres, o presidente fumava uma cigarrilha. A assessoria de imprensa do Planalto confirmou as declarações na tarde de ontem e informou que o presidente não comentaria as críticas. "Ele já expressou sua opinião, não há o que agregar", informou a assessoria. "Me parece que será muito bom se todos os ambientes governamentais forem livres de fumo", afirmou a oncologista Nise Yamaguchi, representante do Ministério da Saúde em São Paulo. Ela destacou, no entanto, que sua posição condiz com sua história de luta contra o tabagismo. "Existe a necessidade de coibir o fumo para proteger a pessoa e as famílias. Eu não sei se ele desconhece isso, mas o presidente vai se beneficiar se passar um bom exemplo à nação", continuou Nise, que já aconselhou diretamente o presidente a parar com o fumo. Segundo ela, nos momentos em que fez a sugestão, o presidente estava cercado de outras pessoas, riu e desconversou. "A população vai se beneficiar se o presidente buscar ajuda para parar de fumar, o Brasil ganharia muito. É bom para ele e para o povo brasileiro", disse. "A proibição total do fumo em ambientes fechados é um passo que tem de ser dado. O projeto de lei vai ser encaminhado e vamos dar esse passo importante para a saúde pública brasileira, tenho certeza disso", afirmou o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ontem. Ele disse considerar que o comentário do presidente foi feito em um contexto totalmente diferente. "Estamos rindo para não chorar. Esperamos que ele reveja essa posição. Não faz sentido falar algo autoritário e individualista sendo que é presidente de um país signatário de convenção internacional que defende o fim do fumo em locais fechados", afirmou Paula Johns, socióloga e diretora-executiva da Aliança de Controle do Tabagismo. "Ficamos pensando se de repente o presidente não pensa nas pessoas que entram e saem de seu gabinete. É um absurdo que ele defenda a sua necessidade contra os direitos dos outros", continuou. A ONG solicitou ontem mesmo audiência de um grupo de entidades antitabagistas com o presidente, para esclarecê-lo sobre os males do fumo passivo. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), o fumo passivo mata sete pessoas por dia. Fonte: O Estado de S.Paulo

Humanizar o SUS ou humanizar o Brasil ?

Por Dioclécio Campos Júnior* A melhor maneira de humanizar o SUS é fazer com que os gestores públicos utilizem somente os serviços que oferecem à população. Seria uma lição de coerência, conduta ética exemplar. Evitaria a ambivalência do discurso oficial e acabaria com a contradição ideológica das teses defendidas. De fato, por questão de coerência, os dirigentes do SUS não deveriam recorrer a planos privados de saúde para si mesmos nem para os seus. Só assim estariam a demonstrar que acreditam na qualidade da assistência à saúde que propõem para os outros. Conheceriam de perto a realidade que lhes cumpre transformar. Não mofariam nos gabinetes sem vida de onde apenas ditam regras. Não se acomodariam ao metabolismo anacrônico de repartições públicas que transbordam teoria e carecem de prática. Estariam no dia-a-dia dos serviços dispensados a seres humanos cujas penúrias e frustrações desconhecem. Validariam, enfim, argumentos doutrinários, sempre vazios de vivência, distantes do real, repetidos com a monotonia que beira a exaustão. Não se fixariam na frieza de indicadores quantitativos por meio dos quais celebram avanços discutíveis. Uma coisa é o SUS dos gestores, outra é a assistência prestada às pessoas. A primeira é produto de uma ideologia cheia de boas intenções, apanágio não apenas do céu, porque delas o inferno também vive cheio. Reúne princípios e crenças oriundos de catecismo sanitário, resguardado como fonte dogmática a moldar pensamentos e ações. Possui idioma próprio, uma coletânea de jargões declinados de cor e salteado por loquazes militantes. Expressões conceituais já surradas pelo uso, desgastadas pela inadequação à realidade, destoantes dos matizes evolutivos de uma sociedade em transformação. A segunda é resultado do constante desencontro entre cenários, paradigmas, regulações, tantas outras normas técnicas, e as necessidades verdadeiramente sentidas pela população. A rede de unidades públicas de saúde mais parece uma franquia da incompetência institucional. Quem nelas trabalha ou delas se serve está nivelado no mais profundo desencanto. A falta de recursos mínimos para o exercício profissional seguro tem a mesma dimensão do sofrimento dos cidadãos diante das dificuldades de acesso à assistência qualificada que lhes resolva os problemas de saúde. O sanitarismo reducionista impregnou as instâncias do poder. É desumano. Discrimina. Ignora a realidade. Simplifica a aparência do continente para ocultar a fragilidade do conteúdo. Recusa-se a discutir o modelo desagregador da saúde pública, cuja eficiência já não convence mais ninguém. Teóricos ensimesmados tomaram conta do SUS. Rejeitam qualquer perspectiva de modernização. Sucedem-se as estratégias, mudam os governos, renovam-se os quadros, mas os equívocos continuam. Os usuários reclamam, as tragédias assistenciais repetem-se, as epidemias arrasam, os doentes morrem nas filas, faltam profissionais, os hospitais públicos entram em colapso. As justificativas oficiais não saem do escapismo. Ora é o povo que abusa da assistência, a indústria de equipamentos que transgride normas, ora a gestão que deixa a desejar. O modelo segue, porém, intocável, flutuando soberano e vazio nas vagas revoltas do caos. A bola da vez é a humanização. O SUS deixou de ser obra humana e os usuários são assistidos por animais de outra espécie. Há que humanizá-los. É a onda mistificadora do momento. Um engodo para disfarçar as precariedades da saúde pública. Um biombo destinado a impedir que se veja a fotografia do descaso, nas cores reais da irresponsabilidade gerencial. A preconizada humanização do atendimento à saúde do povo pobre é um misto de ingenuidade e faz-de-conta. Ignora o pensamento lógico de Paulo Freire, segundo o qual não se modifica o todo pela mudança de algumas de suas partes. Ou se muda o todo ou não se muda nada. Ora, o SUS é parte de um todo chamado Brasil. Não passa de ingenuidade acreditar que a sociedade brasileira seja menos desumana que o SUS. Ou, ainda, que a humanização da assistência à saúde humanizará o país. Se toda a população residisse em moradias adequadas, trabalhasse em atividades dignificantes, recebesse salários de gente e não de indigente, tivesse acesso à educação humanista, contasse com uma justiça eficaz, desfrutasse de espaços urbanos fraternos e igualitários, o SUS teria as mesmas virtudes humanas da sociedade. Logo, o que urge humanizar não é o atendimento à saúde, mas a condição de vida dos atendidos. Uma questão de escolha: humanizar o SUS ou humanizar o Brasil?
(*) Dioclécio Campos Júnior é médico, professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria. Artigo publicado no Jornal Correio Braziliense, na edição de 04/09/08.