domingo, 3 de maio de 2009

O SUS no STF

AUDIÊNCIA PÚBLICA NO STF SOBRE SAÚDE
PRONUNCIAMENTO DO PRESIDENTE DO CONASEMS ANTÔNIO CARLOS NARDI

28 DE ABRIL DE 2009 – TERÇA-FEIRA
RESPONSABILIDADE DOS ENTES DA FEDERAÇÃO E FINANCIAMENTO DO SUS


Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Gilmar Mendes, na pessoa de quem saúdo a todos os presentes.
O CONASEMS gostaria de parabenizar o Senhor Presidente, pela realização desta audiência pública e pela oportunidade que estamos tendo em dialogar com os diversos atores da sociedade sobre este tema tão importante para o povo brasileiro.
Esperamos que, com esta audiência, possamos buscar uma posição de equilíbrio e racionalidade para garantir o direito à saúde de todos os brasileiros.
Gostaria de reafirmar o compromisso dos gestores municipais de saúde, antes de tudo cidadãos brasileiros, com a Constituição Federal, que proclama que saúde é um direito de todos e dever do Estado.
Desde 1988, quando se iniciou o processo de municipalização da saúde e a descentralização dos serviços, os municípios têm se esforçado para garantir o direito à saúde e, sobretudo, os princípios do Sistema Único de Saúde, como a universalidade, a integralidade e a equidade.
Um dos grandes problemas de garantia do direito à saúde no Brasil é o sub-financiamento da saúde pública. Se compararmos o quantitativo de recursos gastos com saúde no Brasil, somando-se o público e o privado não atingem 8% de nosso PIB, enquanto a média dos países que têm sistemas universais de saúde gastam mais de 10% do PIB e EUA, 15% do PIB. Se tomarmos o gasto per capita com saúde, público e privado o Brasil gasta cerca de 700 US$ per capita, enquanto os EUA gastam 7.500 US$ per capita e outros países desenvolvidos entre 3 e 5 mil US$ per capita.
Neste quadro, os municípios têm mostrado, na prática, seu compromisso. Em 2006, o gasto municipal com saúde foi de R$6bi ou 30% a mais que o mínimo constitucional de 15%. Em 2007, pelo SIOPS/MS, os municípios tiveram um investimento de R$25,8 bi, representando 27% do gasto total em saúde quando ficam apenas com 16% da arrecadação do bolo tributário. Os gastos próprios municipais com saúde tiveram um incremento de 265%, pois o gasto foi de R$7,4 bi em 2000 e de R$26 bi em 2007.
Mesmo que as três esferas tenham gasto com saúde R$94,4 bi em 2007, temos um concreto e real sub-financiamento da saúde. Diante disto defendemos veementemente a imediata regulamentação da EC-29.
Ainda que estes recursos sejam reconhecidamente insuficientes, o SUS, cujo ente executor principal é o município, superou-se na execução de ações e serviços de saúde. Em 2007, foram realizados 2,8 bilhões de procedimentos; 11,3 milhões de internações; 619 milhões de consultas; 2,5 milhões de partos, entre normais e cesarianas; 3,2 milhões de cirurgias; 12 mil transplantes públicos o equivalente a 80% do total; 150 mi de vacinas; 244 mi de ações de odontologia; 28 mi de ações de vigilância sanitária básica.
A ação em Saúde é, no mundo inteiro, dependente da presença humana. A pesquisa da Assistência Médico-Sanitária/IBGE, de 2005, mostra que a esfera de governo municipal é a responsável pela contratação de quase 70% dos servidores públicos em saúde, enquanto os estados são responsáveis por cerca de 24% e a União 7%. Para cada 10 empregos municipais em saúde existe um emprego federal e 3 estaduais. Os municípios já atingiram os limites prudenciais da LRF. Essa situação indica a necessidade e a urgente reflexão sobre a contratação dos trabalhadores no SUS e o seu impacto na gestão municipal e a reposição da força de trabalho.
Estas informações demonstram o quanto os municípios estão empenhados em garantir o direito à saúde e a cada ano, tem se comprometido de forma efetiva com o aumento nos investimentos em saúde.
Entretanto, diante de necessidades ilimitadas os recursos são limitados e finitos e gostaríamos de debater o que é possível garantir em relação à atenção à saúde. Com a inserção de novas tecnologias, principalmente, as que ainda não foram comprovadas cientificamente, corremos o risco de utilizar os recursos existentes em procedimentos terapêuticos que não contribuem com a saúde da população. Pelo contrário, temos que tomar cuidado com o risco de procedimentos experimentais que possam trazer danos irreparáveis à saúde dos pacientes.
Precisamos enfrentar esta questão, sem preconceitos. Nossa idéia é regular ações e serviços de saúde, de forma científica e eficiente para ampliar e oferecer qualidade no atendimento. Não estamos falando de restringir o direito à saúde mas, garanti-lo por meio de protocolos produzidos por equipes técnicas multiprofissionais, altamente qualificadas, para que possamos melhorar o acesso de forma eqüitativa e com qualidade.

Foi mencionado neste fórum que alguns Juízes de Primeira Instância têm dificuldades em estabelecer sua sentença inicial pois nem sempre dispõem de informação e conhecimento para tomar decisões o que os leva a encaminhar aos Gestores Municipais para que providenciem exames e terapias especializados que extrapolam sua competência. De outro lado temos, também, dificuldades com os gestores municipais de inúmeros municípios de pequeno e médio porte que não têm conhecimento acumulado, nem como recorrer a especialistas em determinados diagnósticos e terapias e que são demandados a fornecê-los sob a pena das leis. Por vezes, o cumprimento de ordem judicial ou orientação do MP leva a que pequenos municípios arquem com despesas para um único usuário, que equivalem a todo o recurso destinado a toda a população na atenção básica.

Entendemos que o preceito constitucional que garante a integralidade da atenção à saúde deve estar dependente da obrigação do Estado de regular o sistema, em conjunto com a população, por meio dos conselhos de saúde. É impossível e irracional se pensar que a integralidade seja um conceito aberto, solto no espaço, sem nenhuma regulamentação. A integralidade ilimitada, sem base cientifica, ética e orçamentária, e sem o compromisso para com a coletividade não atende a própria Constituição que impõe o dever de priorizar as ações e os serviços preventivos aos curativos. Além disso, é uma afronta ao bom senso e à hermenêutica do direito à saúde.
Precisamos organizar os serviços de saúde em uma rede regionalizada e hierarquizada, articulando o cuidado em saúde e garantindo o acesso a uma integralidade regulada.
É imprescindível ter regras claras e únicas para o cidadão que usa sistematicamente o SUS e para aqueles que vêm demandar apenas parte da assistência do SUS por serem beneficiários de planos e seguros de saúde. O usuário, detentor de plano, ao demandar o SUS deverá observar todas as regras do sistema, ingressando obedecendo a porta de entrada da rede do SUS e submetendo-se a todas as normas e fluxos estabelecidos. É importante ressaltar que muitos pacientes pretendem apenas um determinado procedimento que nem sempre o SUS o indicaria.
Como exemplo, um estudo publicado no “JAMA” (revista da Associação Médica Americana) que avaliou as diretrizes internacionais em cardiologia e constatou que 47,5% carecem de comprovação de eficácia. Um dos autores deste estudo e membro do Instituto de Pesquisas Clinicas da Universidade de Duke, afirmou que os médicos devem ter cautela ao considerarem as recomendações sem sólida evidencia cientifica.
Contudo, temos a clareza de que existe um hiato muito grande entre as expectativas dos pacientes e o que a comunidade cientifica pode oferecer, pois muitas vezes, inexistem respostas científicas e as novas pesquisas são morosas.
Lidamos com vidas humanas e, por isso, temos responsabilidades em garantir a rapidez do processo para salvar e possibilitar a qualidade de vida das pessoas. Precisamos programar mecanismos mais ágeis para a incorporação de medicamentos e insumos na lista do SUS.
Sabemos que os altíssimos recursos utilizados para o cumprimento de decisões judiciais de cunho individual e sem evidente eficácia, se investido no coletivo, em respostas científica e socialmente aceitas, daria para ampliar o cuidado em saúde, beneficiando, assim, um número muito maior de pessoas.
No artigo de Fernando Mânica, ao defender o principio da proporcionalidade, ele cita o caso em que o Ministro Gilmar Mendes consignou em seu voto na decisão que julgou improcedente o pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo, em razão do não pagamento dos precatórios judiciais. O Ministro assim definiu o seu voto:
“Em síntese, a aplicação da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o principio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do principio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.Tal como já sustentei (...) há de perquirir-se, na aplicação do principio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um principio e o grau de realização do principio contraposto)” STF, Órgão Pleno, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 19/03/03.
Refletindo sobre esse argumento da proporcionalidade, podemos pensar que um princípio não pode ter a supremacia absoluta diante de outro principio.
Então, o direito individual não pode se sobrepor ao direto coletivo até porque o art. 198, inciso II, da CF reza que na integralidade à saúde deve-se priorizar as ações e os serviços preventivos. Além do mais, a responsabilidade solidária dos três gestores do SUS recai quase sempre sobre o Município, pois as pessoas moram nos municípios. A definição da integralidade da assistência do art. 7º, II, da Lei 8.080/90, expõe com clareza que essa integralidade deve ser satisfeita no SISTEMA e não em cada ente federativo individualmente considerado.
Não se pode perder de vista que o SUS, nos termos do art. 198 da CF, é configurado como uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços de saúde. E rede regionalizada requer gestão interfederativa, gestão compartilhada entre as esferas de governo.
A nossa defesa é a de que temos que ter protocolos, atualizados periodicamente, que possibilitem o uso racional de medicamentos, exames e procedimentos e, principalmente, a qualidade do acesso ao cuidado em saúde.
O individuo não pode esperar que a sociedade não aja de forma racional para o atendimento do seu direito individual. No caso de não haver a comprovação cientifica do procedimento em questão, o que torna a ação irracional, o individuo não poderá ver o seu pleito atendido.
Defendemos que os usuários do SUS, como cidadãos, têm toda legitimidade para buscar os seus direitos, inclusive, por meio de ação judicial. Contudo, cabe a justiça agir racionalmente. Para tanto, propomos o fortalecimento dos mecanismos de regulação para o uso de novos procedimentos terapêuticos de eficácia comprovada. Ignorar os avanços tecnológicos não é aceitável do ponto de vista ético e científico, contudo, não se espera que qualquer novidade de mercado seja incorporada à lista gratuita.
Propomos que deva ser fortalecida estrutural, técnica e politicamente, no Ministério da Saúde a CITEC Comissão para Incorporação de Tecnologias no âmbito do SUS e da Saúde Suplementar que trabalhará integradamente às Câmaras Setoriais da ANVISA. Avaliando primeiro, a existência nos protocolos da similaridade de procedimentos diagnósticos e terapêuticos demandados. Segundo, se não estiver regulamentado e houver evidencia cientifica, que sejam rapidamente incorporados ao serviço publico de saúde, facilitando o acesso ao tratamento do usuário.
Desta forma, evitaremos pressão dos produtores e comerciantes de medicamentos, equipamentos, procedimentos, nacionais ou multinacionais que têm o interesse financeiro envolvido e podem deixá-lo se sobrepor à saúde da população.
Esperamos que esta audiência possa apontar caminho mais racional para os julgamentos, pois temos certeza que as decisões judiciais jamais podem substituir as políticas publicas de saúde.
Essa responsabilidade, com base na Constituição Federal, é dos gestores das três esferas de governo. E por isso, estamos aqui nesta audiência para encontrar saídas para a judicialização da saúde, assim como temos, permanentemente, nos reunido nos espaços de pactuação tripartite para aperfeiçoar o SUS e melhorar cada vez mais a saúde da população brasileira.
Este é o nosso compromisso!

Muito Obrigado.

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