Gilson Carvalho [1]
Amanheci o sábado com a notícia no boletim do Supremo Tribunal Federal que me deixou estarrecido. No Brasil, pasmem, um cidadão foi condenado por TENTATIVA DE FURTO de dois DVDs em shopping de Minas Gerais, avaliados em R$34,90. A condenação foi implacável: 9 meses e 10 dias de reclusão pois reincidente, bem como pagamento de multa. E, o mais grave e pior: teve que ser suscitado o Supremo Tribunal Federal, a corte máxima da república, para conceder liminar em Habeas Corpus!!!
“Sexta Feira 2/10/2009.
Amanheci o sábado com a notícia no boletim do Supremo Tribunal Federal que me deixou estarrecido. No Brasil, pasmem, um cidadão foi condenado por TENTATIVA DE FURTO de dois DVDs em shopping de Minas Gerais, avaliados em R$34,90. A condenação foi implacável: 9 meses e 10 dias de reclusão pois reincidente, bem como pagamento de multa. E, o mais grave e pior: teve que ser suscitado o Supremo Tribunal Federal, a corte máxima da república, para conceder liminar em Habeas Corpus!!!
“Sexta Feira 2/10/2009.
Ministro Marco Aurélio concede liminar a condenado por tentativa de furto de 2 DVD’s
O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello concedeu liminar em Habeas Corpus (HC 100690) a um condenado pela tentativa de furto de dois DVD’s, para suspender a execução da pena, até o julgamento final do habeas corpus, que deverá ser feito pela Primeira Turma. No entanto, ele não atendeu ao pedido de absolvição sumária, como era pretendido pela Defensoria Pública da União, que alegou o princípio da insignificância.
A tentativa de furto aconteceu em shopping de Minas Gerais e os dois DVD’s foram avaliados em R$ 34,90. N.O. foi condenado à pena de 9 meses e 10 dias de reclusão porque reincidente, bem como ao pagamento de multa. Não foi permitida a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, considerando que a medida seria insuficiente, dada a sua conduta social.
A apelação ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi rejeitada e, ao negar também o recurso, o Superior Tribunal de Justiça afirmou ser o princípio da insignificância expressão de caráter subsidiário do Direito Penal, a requisitar, para a aplicação, a presença de circunstâncias objetivas, como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
No HC ajuizado no Supremo Tribunal, a defesa sustentou ser mínima a conduta do condenado e que não se poderia considerar relevante o prejuízo, porquanto integralmente recuperado o bem. “Estaria evidenciada, portanto, a inexpressividade da lesão jurídica causada”, afirma. Com esse argumento, a defesa pediu a liminar para absolver o condenado.
Na decisão, o ministro considerou que “o pedido de concessão de liminar é impróprio no que visa à absolvição sumária do paciente, mediante ato precário e efêmero”. JA/LF
Senti-me mal. Envergonhado. Um embrulho no fundo do estômago. Um desembrulho no âmago da alma. Que país é este o nosso? O Supremo Tribunal Federal tem que resolver uma tentativa de furto, pelo dito não consumado.
Não tenho nenhuma capacidade de julgar o mérito nem o rito. Podem, inclusive estar absolutamente corretos. Entretanto, gozo de minhas faculdades mentais (por hora) e julgo-me com bom senso suficiente para achar que esta não pode ser a lógica adequada à justiça em nosso país.
De um lado: milhares de brasileiros, muitos investidos em cargos públicos até mesmo no judiciário, sem identificação de suas falcatruas (acontecidas e não apenas tentadas!); outros com identificação de crimes inominados, livres e soltos sem julgamento final, sob pretexto do excesso de processos e da lentidão da justiça, ou dos meandros e subterfúgios da justiça.
De outro lado: milhares de brasileiros, apenados e delinqüindo dentro dos presídios sem nenhuma possibilidade atual de controle.
Tentar roubar DVD de um shopping (34 reais) tem processo que tramita até conseguir habeas corpus do Supremo Tribunal Federal ! Deixar que cidadãos morram ou adoeçam, submetidos a uma distanasia seletiva, isto não ocupa pro-ativamente nosso judiciário! Todas as vezes que se suplica um posicionamento sobre o coletivo da saúde a resposta não chega. Muitas vezes assume-se a posição cômoda de deixar as questões coletivas de saúde sem julgamento.
Estou a espera de que o Judiciário tome posição nas grandes questões coletivas da saúde como por exemplo:
a) Descumprimento dos mínimos constitucionais financeiros devidos à saúde principalmente por parte dos Estados e da União;
b) Descumprimento dos dispositivos constitucionais e legais que determinam a maneira do Ministério da Saúde transferir recursos para Estados e Municípios;
c) Descumprimento da União, Estados e Municípios do gasto dos recursos da saúde, exclusivamente em ações e serviços de saúde;
d) Descumprimento do Ministério da Saúde do princípio da universalidade do acesso a ações e serviços de saúde, com a introdução da venda de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde, dentro do SUS;
e) A inconstitucionalidade, demonstrada pelo MPF, da entrega de serviços públicos estatais de saúde à gestão privada de instituições, como as Organizações Sociais, esperando julgamento do Supremo há mais de 10 anos.
f) Etc. etc.
Existem posicionamentos a favor do coletivo da saúde e que estão há anos no STF... com certeza esperando-se que não necessite mais de julgamento até o fato ser dado como consumado e com total impossibilidade de se voltar atrás.
Para onde vai nossa Justiça? Qual o caminho? Qual a esperança que ainda podemos ter?
Justiça justa, na Justiça... poderia ser um brado desesperado para se ter menos necessidade de HC para larápio de DVD e mais ação em defesa do conjunto de cidadãos, principalmente na área de saúde!
[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado independente de outra autorização. Textos do autor disponíveis no site www.idisa.org.br - Contato: carvalhogilson@uol.com.br.
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