domingo, 30 de agosto de 2009

Saúde em questão.

Número de beneficiários vinculados a operadoras de planos privados mal avaliadas é um indicador das mazelas do setor.
A mais recente avaliação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre as empresas de planos de saúde mostrou que 23% dos beneficiários estão vinculados a operadoras cujo desempenho foi considerado insatisfatório. Trata-se de um contingente considerável de usuários - aproximadamente 9 milhões de pessoas - que pagam por um serviço ruim. É verdade que houve avanços significativos no mercado de seguros e planos privados de assistência à saúde desde que foi criada a ANS, em 2000, e se começou a implementar a lei que regulamentou o setor. De fato, os planos passaram a ser obrigados a fornecer cobertura praticamente integral, sendo proibidas exclusões de doenças específicas. As carências impostas aos usuários foram limitadas, e a recusa de usuários, bem como a rescisão unilateral de contratos, proibidas. O setor vem apresentando crescimento considerável de beneficiários, cerca de 5% ao ano desde 2004, segundo dados da ANS, variação superior ao PIB e ao crescimento populacional. Tal desempenho, entretanto, não deve obscurecer o fato de que o segmento de planos privados de saúde ainda tem uma forte dependência da esfera pública, por vezes injustificável e pouco transparente. Pelo lado da demanda, o setor depende não só do incentivo fiscal representado pela possibilidade de desconto das despesas com saúde no Imposto de Renda, como também da compra de planos por entidades do próprio setor público para seus funcionários - prática comum nas três esferas de governo. Pelo lado da oferta, grande parte dos estabelecimentos que fornecem serviços de assistência aos planos de saúde são entidades sem fins lucrativos, que também são prestadores do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso lhes permite isenção de uma série de tributos, além da contribuição patronal ao INSS. Essa atuação nos dois sistemas acaba por fornecer um fôlego financeiro para os prestadores, o que ajuda a explicar o tamanho e a taxa de expansão do setor. Além disso, em muitas ocasiões, detentores de planos de saúde acabam se utilizando dos serviços do SUS. Nesses casos, a legislação determina o retorno dos recursos que o sistema público gasta com atendimentos a segurados de planos privados. Apesar disso, o governo ainda não conseguiu operacionalizar de modo adequado o ressarcimento ao SUS$. Relatório do Tribunal de Contas da União apontou que R$ 3,8 bilhões, referentes ao período entre 2001 e 2008 devidos pelas operadoras, deixaram de ser cobrados pela ANS. É preciso avançar na eliminação das interfaces perversas entres os sistemas público e privado de saúde. Se o gasto em saúde pública no Brasil não é dos maiores, quando comparado ao de outros países, o dispêndio de recursos do erário no sistema privado de saúde ainda é elevado.
Editorial publicado originalmente no Jornal Folha de São Paulo, em 17/08/2009.

sábado, 29 de agosto de 2009

Marina Silva: um novo olhar sobre o Brasil

Por Leonardo Boff*

Erram os que pensam que a saída da senadora Marina Silva do PT obedece a propósitos oportunistas de uma eventual candidatura à Presidência da República. Marina Silva saiu porque possuía um outro olhar sobre o Brasil, sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo que identifica desenvolvimento com crescimento meramente material e com maior capacidade de consumo. O novo olhar, adequado à crescente consciência da humanidade e à altura da crise atual, exige uma equação diferente entre ecologia e economia, uma redefinição de nossa presença no planeta e um cuidado consciente sobre o nosso futuro comum. Para estas coisas, a direção atual do PT é cega. Não apenas não vê. É que não tem olhos. O que é pior.Para aprofundar esta questão, valho-me de uma correspondência com o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, um intelectual dos mais lúcidos que articula a academia com as lutas populares e as CEBs e que acaba de organizar um belo livro sobre “A Consciência Planetária e a Religião”(Paulinas, 2009). Escreve ele:“Efetivamente, estamos numa encruzilhada histórica. A candidatura da Marina não faz mais do que deixá-la evidente. O sistema produtivista-consumista de mercado teima em sobreviver, alegando que somente ele é capaz de resolver o problema da fome e da miséria – quando, na verdade, é seu causador. Acontece que ele se impôs desde o século 16 como aquilo que a humanidade produziu de melhor, ajudado pelo iluminismo e a revolução cultural do século 19, que nos convenceram a todos da validade de seu dogma fundante: somos vocacionados para o progresso sem fim que a ciência, a técnica e o mercado proporcionam. Essa inércia ideológica que continua movendo o mundo se cruza, hoje, com um outro caminho, que é o da consciência planetária. É ainda uma trilha, mas uma trilha que vai em outra direção”.“Muitos pensadores e analistas descobriram a existência dessa trilha e chamaram a atenção do mundo para a necessidade de mudarmos a direção da nossa caminhada. Trocar o caminho do progresso sem fim pelo caminho da harmonia planetária”.“Esta inflexão era a voz profética de alguns. Mas agora, ela já não clama mais no deserto e sim diante de um público que aumenta a cada dia. Aquela trilha já não aparece mais apenas como um caminho exclusivo de alguns ecologistas, mas como um caminho viável para toda a humanidade. Diante dela, o paradigma do progresso sem fim desnuda sua fragilidade teórica, e seu dogma antes inquestionável ameaça ruir. Nesse momento, reúnem-se todas as forças para mantê-lo de pé, menos por meio de uma argumentação consistente do que pela repetição de que ‘não há alternativas’ e que qualquer alternativa “é um sonho”.“É aqui que situo a candidatura da Marina. É evidente que o PV é um partido que pode até ter sido fundado com boas intenções, mas hoje converteu-se numa legenda de aluguel. Ninguém imagina que a Marina – na hipótese de ganhar a eleição – vá governar com base no PV. Se eventualmente ela vencer, terá que seguir o caminho de outros presidentes sul-americanos eleitos sem base partidária e recorrer aos plebiscitos e referendos populares para quebrar as amarras de um sistema que “primeiro tomou a terra dos índios e depois escreveu o código civil”, como escreveu o argentino Eduardo de la Cerna”.“Mesmo que não ganhe, sua candidatura será um grande momento de conscientização popular sobre o destino do Brasil e do planeta. Marina Silva dispensará os marqueteiros, e entrarão em campanha os seguidores de Paulo Freire”.“Esta é a diferença da candidatura Marina. Serra, do alto da sua arrogância, estimula a candidatura Marina para derrubar Lula e manter a política de crescimento e concentração de riqueza. Lula, por sua vez, levanta a bandeira da união da esquerda contra Serra, mas também para manter a política de crescimento e de concentração da riqueza, embora mitigada pelas políticas sociais”.“Marina representa outro paradigma. Não mais a má utopia do progresso sem fim, mas a boa utopia da harmonia planetária. A nossa visão não é restrita a 2010-2014. Estamos mirando a grande crise de 2035 e buscando evitá-la enquanto é tempo ou, na pior das hipóteses, buscar alternativas ao seu enfrentamento.“É por isso, por amor a nossos filhos, netos e netas, temos que dar força à candidatura da Marina. E que Paulo Freire nos ajude a fazer dessa campanha eleitoral uma campanha de educação popular de massas”.Digo eu com Victor Hugo: “Não há nada de mais poderoso no mundo do que uma ideia cujo tempo já chegou”

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Gripe Suína - Casos diminuem, mortes são 557

Entre 25 de abril e 22 de agosto foram notificados 30.854 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil, ou simplesmente casos graves, dos quais 6.100 tiveram confirmação laboratorial para influenza, sendo 5.206 (85,3%) positivos para o vírus A(H1N1). Houve 557 óbitos por influenza A(H1N1), confirmados em laboratório, informou nota distribuída em 26/8.
Mantém-se a redução no número absoluto de casos na Semana Epidemiológica (SE) 33, de 16 a 22 de agosto. Essa tendência já havia sido observada na SE 32, de 9 a 15 de agosto. Segundo o ministério, ainda não é possível concluir que a tendência seja definitiva, pois há casos em investigação laboratorial ou ainda não-informados. O secretário de Saúde do Estado do Rio, Sérgio Côrtes, disse que “é preciso constatar queda nas notificações por quatro semanas seguidas antes de atestar que a pandemia caminha para o fim” (O Dia, 27/8).
Segundo o jornal, há acúmulo de 20.775 casos aguardando teste, devido ao grande número de pedidos e à falta de insumos (O Dia, 26/8). Dos casos testados até a SE 33, 1.980 eram de mulheres entre 15 e 49 anos, das quais 480 estavam grávidas. Destas, 58 morreram.
Diante das manchetes sobre “novas mortes” na imprensa, o Ministério da Saúde preocupou-se em esclarecer que os óbitos não ocorreram na SE 33: apenas a confirmação laboratorial se deu entre 16 e 22 de agosto. A mídia também insiste em afirmar que o Brasil encabeça o “ranking da morte” por A(H1N1) – o próprio Dia de 27/8 anunciava na manchete da página 28: “Brasil já lidera número de mortos por gripe suína” –, embora a taxa de mortalidade seja calculada com base no número de habitantes. O Brasil, com 191,6 milhões, tem a 7ª taxa — a Argentina, com população quase cinco vezes menor (40,2 milhões), registra 439 mortes. Nos Estados Unidos, com 314,6 milhões de habitantes e o pico da gripe no verão, morreram 522.
Taxas de mortalidade (por 100 mil/hab.)
Fonte:
Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (atualização em 26/8)
Lembra a nota do ministério que os países com as maiores taxas de mortalidade estão no Hemisfério Sul (exceto Costa Rica), havendo maior impacto da pandemia por conta do inverno. Segundo a OMS, o Hemisfério Norte, que está no verão, deve se preparar para uma possível nova onda do A(H1N1) quando começar o inverno: vários governos planejam campanhas de vacinação a partir de outubro.
O governo enviou (26/6) ao Congresso medida provisória para liberação de crédito suplementar de R$ 2,1 bilhões para enfrentamento da gripe.

domingo, 23 de agosto de 2009

Os mistérios da gripe suína


Brasília – George W. Bush, o Néscio, e sua gangue podem ter ido embora da Casa Branca, mas as táticas do medo que eles implantaram ainda estão aí, e rendem dinheiro (para eles, claro). A brasileirada, como sempre excelente importadora do que não presta nos EUA, sejam pensamentos, palavras ou obras – ainda mais agora, que nunca-antes-na-história-desse-país esteve sob a liderança de um amigão do peito de um presidente norte-americano – entrou de cabeça no conto da chamada gripe suína.
A internet não perdoa (o dinossauro Sarney, censurador de jornais e sua turma que o digam), e mais cedo ou mais tarde, os bastidores dessa picaretagem vieram à tona. Em essência, a trama segue o seguinte script: antes de se tornar secretário da Defesa e Tortura de W. Bush, Donald Rumsfeld foi CEO de uma certa Gilead Sciences, dona da patente do tamiflu, revendida à Roche. Rumsfeld não era estreante no assunto: ele já havia aumentado sua fortuna pessoal com a disseminação do carcinogênico aspartame ("Nutrasweet") usando a mesma tática, a de anunciar que sacarina – que dominava o mercado – causava... câncer. O sujo falava do mal lavado, e faturava com isso. Pelo golpe do aspartame, calcula-se que Rumsfeld tenha embolsado uns cinco milhões de dólares; pelo tamiflu, mais uns dez milhões de dólares.
O tamiflu (que na realidade não cura gripe alguma, é apenas um paliativo) é produzido a partir de sementes de aniz esmagadas. Esse é o seu princípio ativo. A Roche controla, hoje, cerca de 90% das plantações mundiais de aniz. O tamiflu foi produzido para tentar controlar a gripe aviária (H5N1), e encalhou nas prateleiras quando a doença não atingiu seres humanos na proporção imaginada. Agora, com a H1N1, ressurge a tática do medo, ou a pandemia do lucro, como você preferir. Lucro, aliás, que rendeu uma pontinha para quem fabrica álcool, máscara cirúrgica, sabonete, etc.
A essa altura, um conflito interior deve estar lhe roendo as entranhas: afinal de contas, a gripe dita "suína" está matando! Você está certo, e eu não estou recomendando que você não cuide de sua higiene pessoal (especialmente lavar as mãos com frequência) para evitar qualquer contratempo. Mas... veja: a malária pode ser evitada com um simples mosquiteiro. Milhões de pessoas morrem a cada ano por causa disso. Um soro que não custa quase nada poderia evitar a diarréia infantil, que mata dois milhões de crianças no mundo. Sarampo, pneumonia e outras enfermidades curáveis e/ou evitáveis com cuidados simples e baratos matam mais outros milhões e milhões de pessoas. A violência e o tráfego – evitáveis por meio da educação, da geraçãoItálico de empregos, da formação de uma sociedade estruturada – eliminam mais outro tanto.
Você já imaginou se os telejornais se dedicassem a fazer tabelinhas de quantos morreram e quantos estão em situação de risco nessas doenças todas? Não sobrava espaço para nada mais. A política desapareceria, Michael Jackson seria Michael Quem?, e assim por diante.
Uma última pitada, já que perguntar não ofende: se essa pandemia tão horrorosa é potencialmente tão letal e urgente, por que a Organização Mundial da Saúde não determinou e/ou patrocinou a quebra da patente do tamiflu para que um medicamento genérico fosse produzido rapidamente e em larga escala, de forma a ser disponibilizado para todos? Você já ouviu falar em vasos comunicantes?

* Jornalista (ex-Globo, Radiobrás, Voz da América, Rede Manchete, Rádio JB e CBS Brasil, ex-correspondente por muitos anos da Casa Branca); texto publicado no site Direto da Redação em 17/8/2009

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Mc Dia Feliz - Hospital Infantil de Joinville


A pandemia de violenza B

Dioclécio Campos Júnior - Médico, professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria

Duas pandemias assolam o Brasil de hoje. Uma de origem suína. Outra de origem humana. A primeira tem nomes diferentes. Ora é gripe, ora influenza A. A segunda, um só.É a violência.A doença que vem do porco é causada por vírus. Um micro-organismo difuso, mal conhecido, que se espalha pelo ar e se transmite também pelas mãos. Gosta do frio e dos jovens.Tem marca registrada, H1N1.Vem de fora. Foi importado. Chegou no período da crise econômica em que os brasileiros tinham parado de importar. Venceu o cerco sanitário e instalou-se entre nós. Já a pandemia de violência que vivemos tem natureza diversa.É a expressão de uma doença social que se expande muito no Brasil. Por ser variante brasileira, deveria chamar-se violenza B. Tem causas conhecidas e se difunde mais facilmente que a gripe suína. Circula livre há muito tempo, já não causa pânico. A sociedade habituou-se a conviver com ela. Ninguém deixa de viajar por conta do risco de ser alvo da violenza B. Nem as aulas têm início protelado para proteger os alunos contra as armadilhas do mal. Tampouco se aconselha as pessoas a evitarem as aglomerações humanas. É como se nenhum risco houvesse.Da mesma forma que a influenza A, a violenza B gera muito emprego. Os agentes de saúde de uma equivalem aos agentes policiais da outra. As ambulâncias que transportam os cuidadores e as vítimas de ambas são as mesmas. As viaturas da polícia integram o equipamento contratado para fazer o cerco sanguinário à violenza B. Os hospitais estão superlotados, assim como as unidades prisionais. Mas nem o cerco sanitário nem o sanguinário conseguem conter o avanço das respectivas pandemias.A população há de se adaptar à gripe suína. É questão de tempo. Perderá o medo. Não se emocionará mais com as mortes registradas. Seguirá na automedicação, cujo efeito placebo beneficia o psiquismo e enseja a autoilusão. Assim ocorre com a violência. Ninguém mais se apavora. Instalam-se câmeras ocultas nos prédios, cercas eletrificadas nas casas, contratam-se seguranças e criam-se pit bulls. A indústria agradece e a violência só cresce.Para as duas pandemias há a perspectiva de uma vacina específica.A porcina está prestes a se tornar disponível. Haverá filas nas unidades de saúde para a imunização em massa. A vacina contra a violenza B tem composição mais complexa. É uma mistura de antígenos da desigualdade social. Aplicada à sociedade, gerará anticorpos capazes de neutralizar a violência.As iniquidades desaparecerão, as oportunidades serão iguais para todos os indivíduos. Talvez por isso não se admita tal vacinação no Brasil, apesar de ser conhecida há muito tempo e de ter eficácia comprovada. Os beneficiários da desigualdade social entendem que a violência a que se expõem é menor que os privilégios de que desfrutam. Rejeitam a vacina. Preferem ações curativas às medidas de prevenção.A gripe suína tem assustado pelas mortes que provoca. Já são mais de 300 emcinco meses de circulação do vírus nas terras tupiniquins.Preocupa, ademais, as autoridades o fato de que a doença atinge mais diretamente a população jovem, com muitos óbitos entre mulheres grávidas. São as particularidades do novo agente viral que passam a ser mais bem conhecidas. A pandemia de violência não assusta tanto. Está entre nós há décadas.Tem características próprias, todas do nosso conhecimento.Seu alvo preferencial é também a população jovem. Estudo recente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro estima que, mantida a pandemia de violência no país, 33 mil jovens e adolescentes serão assassinados no Brasil até 2012. Ou seja, uma média de 11 mil óbitos por ano. Vale dizer que a violenza B mata bem mais que a influenza A. Mesmo as jovens grávidas são frequentemente vítimas de balas perdidas ou de outras tragédias que tais, repetindo peculiaridade epidemiológica da influenza A. O Ministério da Saúde tem atuado com afinco para conter os estragos potenciais da pandemia de origem suína. O mesmo não se pode dizer das outras pastas às quais cabe reverter a terrível pandemia de violenza B, de origem humana, que acomete o país. Claro que sozinhas podem pouco. Mas, têm condições de desencadear campanha para a vacinação da sociedade contra as desigualdades geradoras de tanto sofrimento. Caso não adotem a estratégia recomendada, aumentará o número de cidades que optarão pelo toque de recolher para jovens. E as pessoas só deverão sair às ruas com coletes à prova de bala, única máscara com algum efeito protetor contra a violenza B.

domingo, 16 de agosto de 2009

Vejam como o Ministério da Saúde tá conspirando contra o próprio SUS....leia o texto grifado em VERMELHO....


SELEÇÃO PARA O CURSO DE 3,6 MIL HORAS DE EPIDEMIOLOGIA APLICADA AO SUS (EPISUS) – PROMOÇÃO MINISTÉRIO DA SAÚDE


MS-SVS- EDITAL Nº. 11/SVS, DE 17 DE JULHO DE 2009 - PROCESSO SELETIVO DO EPISUS/SVS/MS.


O EPISUS é um Programa de Treinamento em Serviço da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, com dois (2) anos de duração, carga horária de cerca de 3.600 (três mil e seiscentas) horas presenciais e exige dedicação exclusiva por parte do treinando, não permitindo a realização simultânea de outras atividades de trabalho ou cursos acadêmicos. Aproximadamente 80% do treinamento é composto de atividades práticas desenvolvidas no serviço ou no campo. Para os candidatos selecionados, o local do treinamento será na Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde em Brasília-DF. - BENEFÍCIOS : Os candidatos selecionados para o treinamento, exceto os que se enquadrarem no item 8.4, receberão bolsa do CNPq, modalidade EPI, no valor de R$ 4.100,00 (quatro mil e cem reais), por até 24 (vinte e quatro) meses. Os candidatos selecionados para o treinamento, exceto os que se enquadrarem no item 8.4 (funcionários públicos só os em licença sem vencimento), terão direito ao recebimento de R$ 300,00 (trezentos reais) mensais para exclusiva utilização no custeio de um Plano de Saúde que mantenha cobertura em todo território nacional (obrigatório).


MINISTÉRIO DA SAÚDE – SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Mais informações: selecao.episus@saude.gov.br.


É brincadeira o Ministério da Saúde oferecer recursos públicos para os candidatos utilizarem PLANO PRIVADO DE SAÚDE.....ISSO É UM ABSURDO....!!!!!

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Gripe A - Adiamento de aulas


Adiamento de aulas é "disparate", afirma ministro *


O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, considera "disparate" alunos sadios terem o início das aulas adiado por conta da gripe A (H1N1). A recomendação do Ministério, segundo Temporão, é que devem ficar em casa apenas as crianças e funcionários com sintomas como febre e tosse. “Quem não tem sintoma não tem que ficar em casa. Seria um disparate total”, afirmou o ministro durante uma solenidade no Rio de Janeiro. Os governos de São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas prorrogaram as férias escolares.
A decisão foi tomada após o próprio ministério divulgar nota, na semana passada, em que transferia aos Estados a decisão de adiar ou não o início das aulas como estratégia para conter a disseminação do vírus.
Em vários estados, as aulas foram adiadas para o dia 17. O secretário da Saúde de SP, Luiz Roberto Barradas Barata, argumentou que, a partir desta data, a temperatura estará mais amena e já terá passado o prazo que costuma durar uma epidemia de gripe (cerca de oito semanas). Ele não comentou a declaração do ministro.
O secretário da Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra, afirmou que as aulas foram adiadas com base na opinião de um comitê de especialistas. Já o governador Aécio Neves (Minas) diz que "foi uma medida preventiva" e que o Estado está "atento, mas não alarmado".
O ministro Temporão criticou previsões de expansão da doença. Segundo ele, "existem os futurólogos do caos que escrevem um monte de besteira. Saiu na imprensa que nós teríamos milhões de casos, em cima do modelo matemático feito para um vírus diferente de uma doença que não existiu. Chega a ser patético”.

sábado, 8 de agosto de 2009

Desconfie dos números


Não me convence o número de 70.142 mortes por gripe sazonal em 2008 divulgado pelo Ministério da Saúde. É claro que a epidemiologia não é uma ciência muito exata e que, dependendo do método utilizado, obtêm-se resultados bastante díspares. No mais, não há nada de trivial em calcular a mortalidade associada à gripe, pois ela raramente consta dos atestados de óbito, que costumam apontar causas mais próximas como pneumonia, parada cardiorrespiratória etc.
É fácil, porém, constatar que os 70 mil óbitos não estão em linha com as cifras mais comumente empregadas. A OMS (Organização Mundial da Saúde), por exemplo, estima que a influenza comum provoque entre 250 mil e 500 mil mortes anuais em todo o planeta. Ora, se o Brasil, sozinho, contabiliza 70 mil, ou bem o país apresenta uma letalidade incrivelmente maior do que a média mundial ou a nossa população teria de corresponder a algo entre 14% e 28% do total de habitantes da terra. Como nenhuma dessa hipóteses parece verossímil (somos menos de 3%), é melhor desconfiar dos números.
Nossa cifra também não bate com a dos EUA. Lá, os CDCs (vigilância epidemiológica) calculam que a gripe comum esteja associada a 36 mil mortes por ano durante a década de 90. Vale lembrar que os EUA têm um sistema de monitoramento viral bem mais sofisticado que o nosso, além de uma população 50% maior que a brasileira e com uma proporção mais robusta de idosos --os quais respondem por 90% dos óbitos da gripe sazonal. Custa crer, portanto, que o Brasil apresente quase o dobro das baixas contadas pelos americanos. Melhor desconfiar dos números.
Foi o que eu fiz. Descobri que as 70.142 correspondem ao total de óbitos de 2008 elencados nas categorias J00; J10-J12; J18; J20-J22; J40-42; e J44 do CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão). Estamos falando de patologias como influenza, todos os tipos de pneumonia, bronquites e doenças pulmonares obstrutivas como o enfisema.
Temos aí um problema. Evidentemente, nem toda morte por pneumonia pode ser atribuída à influenza. Há mil maneiras de acabar com os pulmões infeccionados sem passar por uma gripe. Elas incluem outros vírus (em especial o vírus sincicial), uma miríade de bactérias e até causas mecânicas como a aspiração de líquidos. O mesmo vale para outras doenças respiratórias.
Mesmo quando a gripe pode ter contribuído decisivamente para o óbito, fica uma questão ontológica: o cara fuma durante 50 anos, cultiva seu enfisema e aí morre após uma gripe. O culpado é o cigarro ou o vírus?
A discussão filosófica é interessante, mas não é meu ponto central aqui. A própria ideia de contabilizar as mortes por gripe é maximalista. O objetivo é incluir todos os óbitos para os quais a influenza de algum modo tenha concorrido, a fim de que as pessoas se deem conta de que a gripe é uma doença potencialmente grave e que mata um bom número todos os anos. Na polêmica vírus X cigarro, ficamos com os dois.
Para os americanos, apenas 9,8% das mortes cujo atestado de óbito marca influenza ou pneumonia podem de fato ser atribuídas à gripe.
Outra dificuldade diz respeito às mortes por causas cardiovasculares. Embora boa parte dos óbitos associados à influenza se materialize na forma de pneumonia e outras doenças respiratórias, a gripe também costuma desencadear complicações cardíacas em pessoas com predisposição. Assim, no atacado, os 70 mil do Ministério da Saúde estariam superestimados por contabilizar todas as mortes respiratórias e subestimados por não contemplar as razões do coração.
Para os americanos, 3,1% do total de mortes por causas respiratórias e cardíacas estão associados à gripe.
Isso nos leva ao fulcro do problema: como se calculam essas mortes? Tradicionalmente o que os países desenvolvidos fazem é comparar os óbitos por pneumonia e influenza verificados durante a estação gripal e compará-los com o número de mortes durante os meses em que o vírus da influenza quase não circula. O excesso de óbitos no inverno é atribuído à gripe. Esse método, porém, não pode ser replicado em países tropicais como o Brasil. Ele até funcionaria para os Estados do Sul e Sudeste, nos quais se podem identificar temporadas de gripe, mas não vale para o Norte e Nordeste, onde o vírus perambula de modo mais ou menos uniforme ao longo de todo o ano.
A propósito, há um interessante trabalho de Wladimir Alonso e outros publicado no "American Journal of Epidemiology" (v. 165, no 12, de março de 2007) em que eles mostram que a influenza sazonal no Brasil se transmite num padrão surpreendente de ondas que viajam do norte para o sul, isto é, das regiões menos densamente povoadas para as mais --o contrário do que ocorre nos países desenvolvidos.
Ao longo da última década, nações do norte, não sem alguma controvérsia, foram sofisticando suas ferramentas estatísticas para calcular com mais precisão as mortes atribuíveis à influenza. Num artigo seminal de 2003 publicado no JAMA, cientistas dos CDCs liderados por William Thompson desenvolveram um modelo estatístico que combina o excesso de mortalidade por causas respiratórias e cardíacas com dados da vigilância epidemiológica sobre os vírus em circulação. É esse o método que resultou na cifra de 36 mil óbitos ao ano. Ele também permitiu calcular as mortes atribuíveis ao vírus sincicial humano (um patógeno da família do sarampo que provoca uma infecção das vias respiratórias indistinguível do resfriado comum), que chegaram a 11 mil anuais (a grande maioria crianças pequenas).
Outros estudos realizados principalmente em Hong Kong sugerem que essas metodologias mais sofisticadas poderiam ser empregadas em países de clima tropical. Talvez seja incompetência minha, mas não fui capaz de achar nada parecido para o Brasil.
Embora eu tenha com alguma insistência pedido ao Ministério da Saúde uma justificativa para os 70 mil bem como a bibliografia que apoia essas estatísticas, tudo o que obtive foi a seguinte nota um pouco mal-humorada, que não chega a responder às minhas indagações: "Não há nada estranho no número de 70 mil mortos por influenza mais causas associadas (pneumonias e bronquite). Este número não é fantasioso: ele é colhido com base em informações que constam dos atestados de óbito e é utilizado largamente em publicações internacionais e nacionais. É possível extrair os óbitos que tiveram como causa morte apenas influenza? Sim. Mas qualquer epidemiologista sabe que a influenza que se agrava e evolui para óbito traz, na grande maioria dos casos, outras complicações, e as principais são as pneumonias e as bronquites".
É verdade que esse número bruto (cujo cômputo é relativamente fácil e não envolve nenhuma modelagem) se presta a certas aplicações, como estimar a efetividade da vacinação de idosos. Receio, entretanto, que ele não represente aquilo que as pessoas têm em mente quando se evoca o conceito de mortes provocadas pela gripe.
PS - Anteontem à noite, em declaração que o ministro da saúde há de considerar patética, a OMS informou calcular que a nova gripe A (H1N1) atingirá 2 bilhões de terráqueos até o fim da pandemia. A porta-voz da organização, Aphaluck Bhatiasevi, após lembrar que essas estimativas são necessariamente grosseiras, afirmou que a taxa de ataque clínico esperada fica em algum ponto entre 15% e 45%, com ponto médio em 30%. Aplicada ao Brasil, essa cifra projeta um total de 60 milhões de gripados.
Hélio Schwartsman, 44, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia

De porcos e homens.

Flavio Andrade Goulart

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades... Esta é a primeira estrofe de um primoroso soneto da Lírica de Camões, no qual o poeta lamenta a passagem do tempo e as inúmeras mudanças que esta provoca na alma, nos sentimentos, na natureza, na vida enfim. O último verso, digno de Heráclito de Éfeso, o criador da Dialética, ressalta a mudança até na maneira do mudar das coisas (outra mudança faz de mór espanto, que não se muda já como soia...). A criação do poeta não deixa de ser bastante adequada, também, para despertar algumas reflexões sobre o must da temporada: a chamada gripe suína. Com efeito, mudaram-se os tempos e estas mudanças tiveram imensas repercussões nas formas de lidar com os problemas de saúde pública, seja do ponto de vista das técnicas, das relações políticas, das maneiras de divulgar e fazer repercutir o fenômeno, das diversas vontades implicadas com o mesmo.

Gripe suína, influenza A, H1N1 ou qualquer outro nome que se queira dar. Esta é mais uma história de um mundo que muda a cada dia – não necessariamente para melhor, diga-se de passagem – e sobre o qual nós carecemos de instrumentos de compreensão, menos ainda de mudança das coisas a nosso favor.

No princípio eram os porcos... Mais precisamente na aldeia mexicana de La Glória, onde, a 10 quilômetros colina acima, as Granjas Carroll, que atendem também pela alcunha de Smithfield Foods, criam uma vasta porcada. Essa agroindústria tem sede na Virgínia e na Carolina do Norte, no vizinho país, de onde foram expulsas, aliás, por fazer muita porcaria no meio ambiente. No interior do México não é diferente: há anos acumulam-se denúncias de contaminação do lençol freático, do surgimento de febres intestinais na população da região, entre outros problemas. Pela regras do Nafta, entretanto, do qual o México é um parceiro obsequioso, permitiu-se a realocação da Carroll, desde 1994, em La Glória, distrito de Peiote, à distância conveniente da fronteira com os EUA. Seria trágico, se não fosse real e se não fosse considerado pelo governo mexicano um ganho econômico para a nação.

Pois bem, no coração de La Glória, uma povoação paupérrima entre tantas outras no México, o primeiro a adoecer foi um menino de quatro anos, que conseguiu sobreviver, todavia. Seu organismo pode ter servido de base de lançamento para uma combinação genética que daria up-grade ao vírus. Mas outros acham que, na verdade, tudo isso surgiu de um erro de manipulação, em laboratório, em outro país, distante dali, tanto em termos geográficos como econômicos e culturais. Mas aí, os pobres mexicanos e também os porquinhos Carroll – nada a ver com histórias infantis – já haviam levado a culpa.

Isso se deu em março último, mas de lá para cá tantas coisas aconteceram e continuam a acontecer que nós, os mortais comuns (99,99% da humanidade), andamos completamente desnorteados.

Em primeiro lugar é uma doença que se chama suína, mas não vem dos porcos; é mexicana, mas que talvez não tenha se iniciado ou se concentrado no país de Frida Kahlo; parece a gripe comum, mas tem comportamento próprio – e estranho. Seus números figuram surreais, por variarem ao sabor da coloração das fontes, das pressões do interesses e sabe-se lá do quê mais.

Os produtores de carne suína, entre eles os do Brasil, fizeram sua parte para aumentar a confusão, ao exigir a mudança do nome da doença; o México, tradicional destino turístico e que tem nos porcos uma forte indústria, chiou com razão; laboratórios farmacêuticos internacionais, até ontem ameaçados pela outra crise, a do capitalismo, ofereceram pressurosamente suas balas mágicas, farmacológicas e imunológicas contra a influenza A, fazendo, até mesmo, quem sabe, certa “torcida” para que o estado de pandemia fosse declarado, de vez, pela Organização Mundial de Saúde – OMS.

A Organização Mundial de Saúde, por sua vez, custou a ver que a ficha lhe escapara. E tome divulgação de informações pouco confiáveis. No meio do caminho aceitou uma das mudanças de nome da doença para atender aos interesses do porco-negócio. Para muitos a grande entidade mundial da saúde ainda está meio perdida, eis que faz e incentiva uma despropositada badalação em relação a uma doença que nem atinge ou mata mais pessoas do que a tradicional gripe, tão vulgar no cotidiano das pessoas. Enquanto isso, doenças de verdade, como a malária, a tuberculose, a dengue, a leishmaniose ceifam vidas em todo o mundo, em proporções incomparavelmente maiores do que a tal influenza A. Para não falar nos acidentes, nas demais violências, nas doenças derivadas do hábito de fumar, do câncer e até mesmo da fome – a velha, velhíssima fome! E não consta que a OMS faça tal escarcéu diante delas.

A paranóia, esta sim, triunfa e conhece tempos de glória, enquanto La Glória original já ficou esquecida. A China, imaginando certamente que o México e o resto do mundo já fazem parte da Grande China (um dia talvez o façam de fato, mas que Beijing tenha calma e aguarde...), decreta quarentena, detêm cidadãos mexicanos, fecha hotéis, trata com antivirais todos os passageiros de determinados vôos internacionais e mais faria se não fora, para tanta paranóia, tão curta a gripe... Ou seja, as autoridades chinesas tentaram tratar o mundo exterior como fazem com seu próprio povo. Aliás, a portentosa China da economia, em matéria de direitos humanos e realizações de saúde pública, bem poucas lições pode oferecer aos outros países, mesmo bem mais pobres e de menor PIB do que ela...

Nos últimos dias, tornou-se possível o acesso, pela internet, de um mapa global construído dentro da tecnologia do programa google maps, mostrando a distribuição dos casos de H1N1 em todo o mundo, permitindo observar também seu detalhamento em termos de uma linha de tempo. A imagem disponível, rica em cores e detalhes, salta aos olhos: o fenômeno está localizado nitidamente acima da linha do Equador, mais precisamente nos Estados Unidos, no Canadá e na União Européia. Conclusão? Não estaria aí uma das causas, talvez a principal delas, para a desproporcionalidade da reação das OMS e das próprias nações ricas diante do fenômeno?

Imagino, também, que a humilhação que os mexicanos sentiram deve estar sendo finalmente revertida. Se a doença começou entre eles (o que é controverso), o certo é que ela hoje está muito mais bem controlada no México do que nos Estados Unidos, país que, como se sabe, tem um sistema de saúde calcado no liberalismo e no Mercado, com reduzida capacidade de intervenção diante de problemas de interesse coletivo, como as epidemias em geral. Afinal, ali imperam a livre empresa e o livre arbítrio, além do the pursuit of happiness, para o bem e para o mal.

O papel da imprensa também oferece grandes oportunidades para reflexões. Ela aparentemente fez o que devia (e que muitas vezes ficaria opaco, se deixado apenas a cargo das autoridades). Mas foi uma cobertura pautada pelas duas grandes vacas sagradas da comunicação contemporânea: a espetacularização e o mercado. Da primeira, já há quem advirta que esta gripe é mais midiática do que propriamente virótica – e não é difícil acreditar nisso – mesmo quem não crê em bruxarias desconfia que las hay... Do mercado, que hoje é tratado pela mídia como uma entidade dotada de inteligência, reações e até sentimentos, nem se fala. Ler um grande jornal ou ouvir TV nesses tempos de cólera, digo de gripe, nos dá às vezes a sensação que se trata de matéria produzida diretamente pelas assessorias de comunicação da Glaxo ou da Roche, quando não dos gabinetes da União Européia. Uma coisa é certa: o fim da gripe poderá acontecer quando aparecer algum fato novo de importância mundial, quem sabe alguma derrubada de Dow Jones em Nova Iorque ou em Shangai. Ou seja, vai terminar quando deixar de ser notícia, ou vai continuar, mesmo não sendo mais notícia – isso pouco importará. Na gripe como na guerra a primeira vítima não estava onde parecia estar; a primeira a tombar foi, como sempre, a Verdade. Conclusão: é preciso discutir, sim, o papel da mídia em casos como este, longe da certeza paranóica que costuma cercar a expressão liberdade de expressão. Essa liberdade não pode ser antagônica à necessidade de divulgar ao público não a verdade mais conveniente, mas as várias verdades que cada lado envolvido na história possui. Nunca a tradicional brincadeira dos economistas de que um espirro nas bolsas do primeiro mundo provoca uma pneumonia nos países mais pobres esteve tão perto de se transformar em verdade, embora com sinal trocado.

Falar no Deus Mercado nos remete a outra crise recente, a do Capitalismo, ente tão condenado como triunfante. Na gripe e na crise do capital há mais coisas em comum do que as enganosas aparências parecem demonstrar. Contradição e confronto de interesses mais do que necessidades ou demandas legítimas é uma delas. O papel da mídia em busca do espetáculo permanente é outra. E ainda: a celebração sem crítica do culto às novas divindades contemporâneas; a eclosão (e também a interrupção) de notícias não necessariamente provenientes de evidências da realidade; o isolamento e a alienação do cidadão comum das informações, para não falar das decisões.

É a globalização, diriam os mais afoitos. Mas isso não seria tudo. A globalização microbiana do mundo começou, de fato, no século XVI – nenhuma novidade na epidemia atual, portanto. No mais, as finanças, a informação simultânea, as migrações de pessoas, o crime organizado, os conhecimentos científicos, a tecnologia, os sistemas de poder, a produção e o trabalho humano, tudo isso hoje é globalizado, como lembra o pensador italiano Giovanni Berlinguer. Na prática, a globalização da economia equivale à acumulação de capital e de poder em mãos restritas e ao predomínio do jogo financeiro sobre qualquer outro interesse. Mas como lembra o mesmo Berlinguer, ela é irrefreável, sobretudo por corresponder a muitas exigências dos seres humanos.

A verdadeira questão parece ser bem outra: de qual a globalização se fala, para que fins, em que rumo? Os dois acontecimentos planetários recentes aqui tratados não parecem augurar respostas que conduzam a expectativas otimistas para a humanidade.

Que mundo é esse, afinal, que parece andar de ré? Que ele não nos serve, nem na economia e muito menos na saúde pública, parece não haver mais dúvidas. Os escombros estão por toda parte, mas no interior deles os germes da exploração e da irracionalidade conseguem, milagrosamente, se multiplicar. É um mundo caduco, mas nele ainda não conseguimos esgueirar o surgimento de algo verdadeiramente novo. Tempos difíceis, meus irmãos...
Em momentos assim, os inconformados habitantes de tal mundo ao revés querem ser agentes de mudanças sobre o mesmo. Hannah Arendt falou sobre isso como o exercício da vida ativa, ou seja, do que estamos fazendo, de fato, para mudar o que nega e destrói as condições de existência do ser humano. Entre trabalho, labor e ação, somente mediante a ação (vida ativa) humana é que as coisas de fato acontecem, pois este é o único componente da tríade que se realiza diretamente entre os homens, sem outras mediações. Seu atributo maior é o do exercício da liberdade e da instauração de novas formas de pensar, de fazer política, de participar da vida comunitária, de se rebelar contra as opressões novas e antigas.
Resumindo e encerrando: mudaram-se os tempos e as vontades; mudou-se até a maneira de mudar. Nós, cidadãos, não podemos ficar na situação colocada pelo antigo adágio chinês, que fala de alguém que ao lhe ser mostrada a lua só enxerga o dedo que aponta o satélite. Essa história de gripe suína (quem sabe também da crise que tem ceifado o emprego de milhões de pessoas) tem cara se ser apenas o dedo – a lua está mais adiante...

A reforma que queremos na saúde.

Carlos Neder – Médico sanitarista e ex-Secretario de Saúde de São Paulo
A opinião pública volta seus olhos, mais uma vez, para o tema saúde, depois de um período relativamente longo no qual esse assunto permaneceu fora das principais manchetes. O tema polariza o debate político no Brasil, nos EUA e em vários outros países.
Assistimos, atualmente a uma ampla cobertura jornalística dos desdobramentos da gripe tipo A (H1N1) e sobre a organização dos sistemas de saúde. Obviamente, trata-se de uma abordagem oportuna, dada a importância de se implementarem iniciativas adequadas de prevenção e tratamento, como de fato vem ocorrendo, e da garantia de acesso às ações e serviços públicos de saúde.
Porém, chama a atenção que essa mobilização, despertada pelo assunto do momento, produza uma reflexão ainda incipiente sobre a saúde pública em nosso país. A ocasião não poderia ser mais adequada para uma discussão aprofundada do tema, tendo em vista o atual debate que ocorre no Congresso sobre a modernização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Passados 20 anos da implantação do SUS, constatamos os inegáveis benefícios que ele trouxe à população. Contudo, o sistema vive um impasse no que concerne à universalização de fato, integralidade e equidade do acesso à saúde. Nesse sentido, a proposta de introdução das fundações públicas de direito privado, também denominadas de fundações estatais, vem no intuito de atualizar o marco legal para a implementação de políticas públicas e de propiciar aos seus agentes uma alternativa para conferir mais agilidade e efetividade à gestão pública
A discussão sobre as fundações estatais se dá tanto no âmbito federal, com o projeto da Presidência da República (Projeto de Lei Complementar nº 92/2007), quanto em outras esferas de governo. Estados como Bahia e Sergipe já contam com legislação própria e o mesmo ocorre em diversos municípios do país. Em São Paulo, projeto de minha autoria, aprovado na Câmara Municipal e vetado pelo Prefeito Gilberto Kassab, prevê a introdução dessa modalidade de gestão nas áreas de saúde e meio ambiente.
Em todos os casos citados, as fundações estatais diferem da proposta das organizações sociais – instituídas pela Lei 14.132/06, entre outras razões, por tratar-se de uma modalidade de gestão pública, no âmbito da administração indireta.
Artigo do secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, publicado recentemente na “Folha de S. Paulo” conclama uma “segunda reforma sanitária” que se daria, segundo ele, por meio de reformas no SUS para que o sistema possa avançar. Entre tais mudanças, o secretário avaliza as fundações estatais.
Mas, faz-se necessário aqui delimitar claramente as diferenças entre o que o secretário defende e os princípios em que acreditamos. A proximidade entre os pontos de vista – acordos de gestão, aporte de recursos financeiros mediante cumprimento de metas e gestão de pessoal - acaba justamente quando se considera o embasamento político programático sob cada uma dessas propostas.
No artigo em questão, o secretário defende as fundações estatais como conseqüência de uma “experiência bem-sucedida das organizações sociais de saúde em São Paulo”. Afirmação natural para quem está engajado em um projeto de candidatura presidencial que pretende levar a proposta para todo o país e atua em um governo vinculado ideologicamente ao enfraquecimento do papel do Estado – como é o caso da administração demo-tucana, tanto no estado como na cidade de São Paulo.
Observamos, ao longo das gestões PSDB-DEM, a desvalorização dos movimentos sociais, a dispersão da organização sindical no setor de saúde e a desarticulação de iniciativas importantes para a democratização da gestão da saúde, como os conselhos gestores. Em São Paulo, vimos o desmantelamento do Conselho Municipal de Saúde e a implementação das AMAS, em contraposição e responsáveis diretas pela redução do Programa de Saúde da Família e das ações de saúde preventiva.
Os exemplos que poderiam ser citados são inúmeros. Todos eles baseados em uma lógica de gestão que insiste em reduzir a importância e o peso do Estado em prol da ação privada e de inviabilizar o controle público efetivo. No caso, via organizações sociais. Mais grave ainda, quando se percebe a falta de disposição para propiciar a criação de banco de dados e metodologia para comparar o custo do processo em diferentes modalidades de gestão.
O que defendemos é justamente o oposto disso. Vemos as fundações estatais como um instrumento de modernização da gestão no âmbito do Estado, e não fora dele. Queremos maior agilidade e efetividade na gestão pública e não o Estado mínimo. Defendemos a utilização de diferentes modalidades de gestão, incluindo a administração direta pelo Estado, e a análise comparativa de seus custos.
Nosso projeto estipula que nas fundações estatais os trabalhadores serão contratados por meio de concursos públicos e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, havendo a possibilidade de que servidores públicos sejam colocados à disposição dessas entidades e do trabalho que desenvolvem. O que nas OSs é tema mais que controverso, em razão do seu caráter de gestão privada.
E o que dizer da falta de licitação para a escolha das entidades parceiras, bem como para as compras e serviços por elas contratados? Assim, urge que o STF se pronuncie acerca não apenas da constitucionalidade da proposta das OSs, mas também dos artifícios que vem utilizando para burlar a realização de concursos públicos e a lei de licitações. Em um país que ainda aplica pouco em saúde, não deveríamos dar mais importância e transparência à análise de custo-benefício do processo de gestão?
É preciso deixar claro que o argumento de que as fundações estatais podem abrir caminho para a privatização na saúde é completamente equivocado. As fundações estatais de direito privado se inserem numa nova categoria que lhes dá agilidade, por meio de um modelo de gestão descentralizado, eficiente, com maior autonomia gerencial e sob efetivo controle público. Trata-se de uma forma de administrar que se aproxima do modelo de empresas estatais como a Petrobras – exemplo claro de que é possível ter saúde pública de qualidade, com respeito à população e a seus funcionários, em diferentes modalidades de gestão pública.
Carlos Neder - Médico Sanitarista e ex-Secretário Municipal de Saúde de São Paulo

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Informações tranquilizantes sobre a gripe

Tenho recebido perguntas e informações, as mais diversas das mais diversas fontes, muitas delas alarmistas... e temos que ser realistas. Apesar de estar em férias, dediquei esta última semana para uma intensa participação e pesquisa junto a todas as entidades oficiais competentes sobre o assunto, e não tenho motivos para achar que elas estejam ocultando ou minorando a real dimensão do problema. Estive com o Secretário Estadual de Saúde, participei da reunião do Ministério da Saúde, conversei com as autoridades da Vigilância Sanitária, SAMU e Secretaria Municipal de Saúde, além de epidemiologistas e infectologistas. Não satisfeita, liguei para o CDC (Centro de Controle de Doenças em Atlanta), onde trabalha uma colega minha de turma. A situação atual é a seguinte: O virus H1N1 já ultrapassou a barreira inicial, circula livremente entre nós, veio para ficar. Nesta 1ª onda do vírus no Brasil, calcula-se que 70.000.000 de brasileiros terão contato com ele até final de setembro. Das atuais viroses respiratórias presentes no sul do país, 60% já são do novo vírus, isto é, das pessoas com gripe que falamos ou que circulam na rua, ônibus, bares, igrejas clubes, etc, mais da metade já tem o novo vírus... isto é uma projeção estatística , ou seja , não há mais capacidade para se fazer exame de todos os suspeitos. A condução dos casos será como da gripe comum, e somente os casos graves ou em grupos de risco haverá dispensação da medicação anti viral. O vírus H1N1 tem maior transmissibilidade que o vírus influenza , mas tem MENOR PATOGENICIDADE, OU SEJA MATA MENOS QUE A GRIPE COMUM. Acontece que ele tem tropismo (atração) por organismo com alguma brecha imunológica que comprometa as defesas habituais, quando então ele pode ser potencialmente mais agressivo em pacientes com: nutrição inadequada, más condições de higiene, cardiopatas e pneumopatas crônicos, asmáticos graves, renais crônicos, diabéticos, obesos mórbidos, pessoas em tratamento com imunossupressores (corticoides, tratamento para câncer) e doenças degenerativas. Em pessoas hígidas (saudáveis), dificilmente haverá complicação, e , volto e frisar, a MORTALIDADE É MENOR QUE O VÍRUS INFLUENZA. Em 2008, só no mês de julho, 4.500 pessoas morreram de gripe comum no Brasil. Estamos com 47 mortes pelo novo virus em 18 dias de circulação... Temos que estar ALERTAS, isto sim, pois é um vírus novo, que pode sofrer mutações, e ainda estamos aprendendo a conviver com ele. Por enquanto o importante é: boa alimentação, SUCOS DE FRUTAS, ÁGUA, ÁGUA DE COCO, VERDURAS, AMBIENTES AREJADOS, HIGIENE ADEQUADA DE MÃOS E VIAS AÉREAS, LAVAGEM DE MÃOS VÁRIAS VEZES AO DIA. ÁLCOOL PODE SER USADO EM SUPERFÍCIES POTENCIALMENTE CONTAMINADAS (MESAS DE CONSULTÓRIO, LOCAIS ONDE PESSOAS TENHAM ESPIRRADO, (mas sem maiores neuras, por favor, pois teremos que conviver alguns meses com este vírus, como os outros tantos de gripe...) As Máscaras continuam recomendadas para quem está com quadro gripal, em respeito aos outros, e em alguns serviços de Pronto Atendimento , para as equipes de Saúde. Nada de sair pela rua e shoppings com máscara e vidro de álcool gel na mão. Precisamos de bom senso, tranquilidade e pés no chão. Evitar locais fechados, aglomerações shoppings, cinemas, bares, chimarrão e narguilé, pelo menos nos próximos 15 dias, enquanto o vírus está em "curva ascendente"... Depois, é vida normal. O anti viral - Tamiflu- só será disponibiçizado pela SMS para os casos comprovadamente graves. Não tomem para qualquer gripe, pois aumenta a resistência do bicho... Em 99,85% dos quadros de H1 N1 a evolução será ABSOLUTAMENTE BENIGNA, ou seja, portados assintomático, sintomas leves ou moderados, perfeitamente tratados com cama, e sintomáticos (repouso por 5 dias está mais que suficiente). O afastamento das aulas é muito mais uma medida tranquilizadora para os pais, enquanto as equipes das escolas são adequadamente preparadas para receberem os estudantes e conviverem com a nova doença. As 2 gripes estão aí, os sintomas são idênticos, não há porque saber se é gripe A ou influenza, a conduta será igual, e evoluirá geralmente bem. Tivemos mortes, sim (porém 3 das mortes da semana passada acabaram se confirmando como da influenza, e não da gripe A). Alguns jovens saudáveis faleceram sim, mas na grande maioria , mesmo nos jovens, havia algum fator basal predisponente: acompanhei 3 casos: 1 criança do interior(desnutrida); 1 adulto com 33 anos (cirrose ) e 1 senhora de 54 anos (asmática grave). Portanto, amigos, muita cautela na transmissão de informações: A CALMA É FUNDAMENTAL, OS CUIDADOS GERAIS TAMBÉM. DEVEMOS ESTAR ALERTAS, MAS TEMOS QUE SEGUIR A VIDA COM NORMALIDADE, PORQUE A GRIPE SAZONAL MATA MUITO MAIS QUE ESTA E NUNCA TEVE TAL DIMENSÃO DE ALARME. Evitem lotar os hospitais com casos leves, só em casos de febre igual ou maior que 38ºC (este é o fator patognomônico!! - característico), com dor de garganta ou dificuldade respiratória é que as pessoas deverão procurar os postos de Saúde. Estamos conectados diariamente com a SMS, SESA e Central de Leitos, qualquer alteração na condução dos casos ou orientações gerais, haverá ampla divulgação. Abraços, Káthia Ribas CRM 9448 Gerência do Instituto Curitiba de Saúde

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A era das pandemias e a desigualdade

3/8/2009 16h55
OPINIÃO SUELI DALLARI e DEISY VENTURA
O mundo está diante das primeiras "pestes globalizadas", cuja velocidade de contágio, sem precedentes, é inversamente proporcional à lentidão da política e do direito. A aceleração do trânsito de pessoas e de mercadorias reduz os intervalos entre os fenômenos patológicos de grande extensão em número de casos graves e de países atingidos, ditos pandemias. Assim, tratar a pandemia gripal em curso como um espetáculo pontual é um grande equívoco.
As pandemias vieram para ficar e suscitam ao menos dois debates estruturais: as disfunções dos sistemas de saúde pública dos países em desenvolvimento e a inoperância da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Na ausência de quebra de patentes de medicamentos e de vacinas, perecerá um grande número de doentes que, se tratados, poderiam ser salvos. O mundo desenvolvido terá então, deliberadamente, deixado morrer milhões de pobres.
Sob fortes pressões políticas, a OMS tem divulgado com entusiasmo doações de tratamentos e descontos aos países menos avançados na compra do oseltamivir, o famoso Tamiflu, fabricado pela Roche, até então o único tratamento eficaz contra o vírus A (H1N1). Mas essa pretensa generosidade é absolutamente insignificante diante da possível contaminação de um terço da humanidade.
A apologia do Tamiflu tem levado milhares de pessoas àcompra do medicamento pela internet ou a cruzar fronteiras para obtê-lo em países vizinhos. O uso indiscriminado do medicamento deve ser combatido com vigor, tanto pela probabilidade de consumo deproduto falso quanto por fazer com que rapidamente o vírus se torne resistente também ao oseltamivir, o que ocorreu em casos recentes. Ainda mais grave: as constantes mutações do vírus tornam o mundo refém da indústria de medicamentos.
A OMS deve operar para que paulatinamente os Estados assumam o leme, com todos os custos que isso implica, do investimento em pesquisa ao serviço de saúde pública.
O direito não pode ser desperdiçado: o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, negociado no âmbito da Organização Mundial do Comércio, criou a licença compulsória, dita quebra de patente, para, entre outros casos, os de urgência.
Ora, pode ocorrer algo mais urgente do que uma pandemia? No entanto, quebrar a patente do Tamiflu, embora imprescindível, é apenas uma ponta do iceberg. É preciso que os Estados desenvolvam as condições para produzi-lo.
O mesmo ocorre em relação à insuficiência de kits para diagnóstico: com a progressão da pandemia, é provável que não sejamos capazes sequer de contar os mortos, ou seja, aqueles que comprovadamente foram vítimas desse vírus.
A prevenção da doença traz um problema adicional, que é a pressa: os mais nefastos efeitos da vacina contra o A (H1N1) ocorrerão nos primeiros países a generalizá-la, que serão, infelizmente, os latino-americanos, até agora os mais atingidos pela doença.
Assim, a deplorável desigualdade econômica mundial distribui também desigualmente o peso das urgências sanitárias. Os pobres portam o fardo mais pesado, eis que a pandemia gripal vem juntar-se a outras doenças endêmicas, como paludismo, tuberculose e dengue, cuja subsistência deve-se às adversas condições de trabalho e de vida, sobretudo em grandes aglomerações urbanas, não raro em condições de habitação promíscuas, numa rotina que favorece largamente a contaminação.
Caso o fenômeno se agrave, novas restrições, além do controle do Tamiflu, podem ser necessárias, a exemplo da limitação de reuniões públicas e aglomerações, que já foi adotadaem países próximos, como a Argentina.
A pandemia pode trazer, ainda, a estigmatização de grupos de risco ou de estrangeiros, favorecendo a cultura da insegurança, pois o medo é tão contagioso quanto a doença.
Por tudo isso, urge revisar o papel da OMS no sistema internacional e retomar o debate sobre a criação de um verdadeiro sistema de vigilância epidemiológica no Brasil, apto a regular a eventual necessidade de restrições a direitos humanos e a organizar a gestão das pandemias com a maior transparência possível.
Caso contrário, seguirá atual o que escreveu Albert Camus, em 1947, no grande romance "A Peste": "Houve no mundo tantas pestes quanto guerras. E,contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas".

SUELI DALLARI , 58, é professora titular da Faculdade de Saúde Pública da USP.DEISY VENTURA, 41, é professora do Instituto de Relações Internacionais da USP.Fonte: Folha de S. Paulo, 31/7/09

domingo, 2 de agosto de 2009

Contar os mortos, disseminar o pânico

Luiz Antonio Magalhães *

Sim, há uma nova gripe circulando no país, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, como de resto em praticamente todo o mundo. É fato. Algumas pessoas vão morrer da moléstia, como de resto morre gente vítima das outras gripes existentes. Também é fato. O que tem sido visto na grande imprensa brasileira nos últimos dias, porém, é praticamente um crime contra o bom senso e a inteligência do distinto público. A cobertura da chamada gripe suína (o nome correto é Influenza A H1N1) se tornou uma verdadeira aberração, provoca pânico na população e certamente vai se mostrar exagerada em menos de dois ou três meses, quando os números da tal "terrível pandemia" começarem a murchar. Como a mídia não tem autocrítica, porém, logo surgirá outro assunto para a irresponsabilidade dos responsáveis pelas manchetes e escaladas dos telejornais.
Não é preciso ser gênio para perceber que a cobertura dos últimos dias e semanas, focada na contagem do número de mortos que a maléfica gripe já provocou no país, não tem nenhuma outra utilidade senão a de disseminar o pânico. O ombudsman da Folha de S.Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, em sua coluna dominical (26/7) reproduzida ao final deste texto, classificou a cobertura da Folha – e em especial uma reportagem publicada no domingo anterior (19/7), intitulada "Gripe suína deve atingir ao menos 35 milhões no país em 2 meses" – como "um dos mais graves erros jornalísticos cometidos por este jornal desde que assumi o cargo, em abril de 2008".
Carlos Eduardo se limitou a escrever sobre a Folha, mas as suas observações valem para praticamente todos os grandes jornais e telejornais. Todos os dias o público vai sendo informado do número de mortos em decorrência da nova gripe, porém sem qualquer referência estatística ou base comparativa que permita a compreensão do fenômeno em curso. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, já explicou, inclusive no programa televisivo deste Observatório, que a taxa de letalidade da gripe suína é a mesma da gripe comum – cerca de 0,6% dos infectados acabam morrendo. (Para ser preciso, usando os dados da OMS divulgados na segunda-feira, 27/7, são 87 mil infectados nas Américas para 707 mortes. A taxa de letalidade fica em 0,8%, mas deve ser muito mais baixa porque os países pararam de fazer testes para descobrir os infectados, que devem superar em muito os 87 mil).
Do ponto de vista da imprensa, porém, este é um dado que não deve ser de maneira alguma alardeado – afinal, notícia ruim é o que vende jornal e aumenta audiência na televisão. As estatísticas também mostram que morre muito mais gente de diarréia e verminose por semana no Brasil do que, desde o início do ano (quase oito meses!) de gripe suína. Aliás, só no inverno passado (junho/julho) foram 4,5 mil mortos da gripe "normal" contra os tais 45 da gripe suína neste ano.
Recordar é viver
O pior de tudo é que a mídia insiste em não aprender com os erros passados. Ao contrário, gosta de repetir os mesmos equívocos, mesmo que eles possam vir a cobrar seu preço em perda de credibilidade. A cobertura da nova doença, por exemplo, faz lembrar um pouco a do tal do Ebola, o vírus que dizimaria meia África e deixaria um rastro de desgraça pelo mundo afora. Na época (edição de 9 de agosto de 2000), a revista Veja publicou reportagem cujos títulos e lides eram os seguintes:
Truque assassino
Descoberto mecanismo de infecção do vírus Ebola, que mata nove entre dez contaminados
O Ebola é um pesadelo. Capaz de liquidar suas vítimas em poucos dias, é o mais violento de todos os vírus. De cada dez pessoas contaminadas, nove morrem. Isso ocorre porque o microrganismo ataca veias e artérias de todo o corpo, provocando hemorragia generalizada. Certos órgãos, como o fígado e os rins, simplesmente se desfazem e o sangue jorra em tal profusão que sai pelos olhos e poros. Na semana passada, cientistas americanos anunciaram o primeiro passo para combater esse assassino cruel: a descoberta da proteína usada pelo Ebola para destruir as células, causando o rompimento dos vasos sanguíneos. Entender o mecanismo de infecção torna possível o desenvolvimento de recursos para controlá-lo. "Remédios exigem maior prazo de pesquisa, mas uma vacina pode ser desenvolvida com rapidez", disse a Veja Gary Nabel, coordenador da pesquisa no Instituto Nacional de Saúde, responsável pelos estudos com o vírus, nos Estados Unidos.
Bem, a África continua por lá e os africanos também. Mundo afora, parece que não foi muita gente que morreu contaminada pelo "pesadelo" da Veja, que mataria nove de cada dez contaminados. É evidente que a taxa de letalidade não poderia ser tão alta, é óbvio que a "reportagem" era uma aula de sensacionalismo barato.
Sensacionalismo ou motivação política
A reportagem da Folha, cuja irresponsabilidade foi apontada pelo ombudsman do jornal, é apenas um exemplo entre tantos outros que poderiam ser colhidos ao acaso em todos os grandes veículos de comunicação do país. Resta então analisar por que a mídia brasileira realiza uma cobertura tão equivocada da gripe suína. Vamos lá:
Qualquer estudante de primeiro ano de jornalismo ou qualquer jovem esperto, sem diploma, que entrar em uma redação percebe, em questão de minutos, o verdadeiro fascínio que as más notícias exercem sobre os jornalistas. Notícia ruim, tragédia das realmente pesadas, vende muito mais do que fatos positivos. A menos, é claro, que a boa notícia seja algum novo milagre de Fátima, a cura definitiva do câncer ou vitória da seleção em Copa do Mundo. O fato é que jornalistas gostam de notícias ruins porque elas vendem, portanto os ajudam a levar para casa o leitinho das crianças (em alguns casos, o "leitinho" é para os adultos mesmo). Enfim, a vida é dura e nada como uma boa manchete trágica para chamar atenção do público.
Por outro lado, já circula na internet, em blogs pró e contra o atual governo, a versão de que a cobertura da imprensa no caso da gripe suína visa desestabilizar o até aqui muito bem avaliado trabalho do ministro Temporão e, por tabela, tirar mais uns pontinhos da altíssima popularidade do presidente Lula. Sim, é a clássica teoria conspiratória: a mídia contra o governo, usando as armas disponíveis, mesmo que elas signifiquem botar no papel ou na telinha da televisão algo que pouco tem a ver com a realidade. Para os partidários desta teoria, o caso da gripe seria ainda mais estratégico, pois o candidato preferido da oposição ao cargo de Lula, o governador paulista José Serra (PSDB), foi ministro da Saúde, e a "desconstrução" da competência do atual ministro cairia como uma luva para a candidatura tucano-demista em 2010. Quem advoga esta tese lembra as "crises artificiais" criadas pela mídia, como a aérea, que no entanto em pouco ou nada afetaram a popularidade do governo Lula.
É claro que ainda é cedo para dar um veredicto final sobre a cobertura da imprensa da gripe suína, mas já é possível sustentar a hipótese de a fome (de audiência e vendas) estar colada à vontade de comer (prejudicar um governo em relação ao qual a grande imprensa sempre foi francamente hostil). Os fatos, porém, acabam se impondo e são sempre mais fortes do que as versões construídas pela mídia, como prova o caso do "sequestro da caderneta de poupança", tão ventilado nas folhas e que se mostrou frágil como um castelo de cartas. Portanto, nada como um dia após o outro para que um quadro mais preciso das reais motivações da mídia nesta cobertura acabe aparecendo. O distinto público, para desalento de certos mancheteiros, é mais esperto do que se imagina...

* Jornalista, subeditor do Observatório da Imprensa
Fonte:
Observatório da Imprensa, 28/7/09 (texto reproduzido na seção Radis na Rede do site da Revista Radis, em 29/7/09)

Nós e o temor da pandemia da Gripe H1N1

Gilson Carvalho[1]

A nova gripe já se espalhou mundo afora. A Organização Mundial da Saúde já não tem como meta a contagem de cada caso, a não ser os mais graves, pela desimportância da medida. No Brasil temos novo protocolo de abordagem da pandemia. Já abandonamos a estratégia de atender as pessoas rotineiramente em hospitais e centros de referência. Agora a estratégia é prestar o primeiro atendimento nos consultórios, clínicas, unidades de saúde e ambulatórios. Para os hospitais de referência devem ser encaminhados apenas os que necessitem de cuidados especiais.
A melhor medida a adotar é a busca precoce de um diagnóstico: buscar os serviços de saúde quando sinas e sintomas aparecerem. Eles são os mesmos das gripes comuns: febre, tosse, coriza, mal estar. Os casos mais graves apresentam-se com febre mais alta (acima de 38 graus), tosse, dificuldade para respirar apresentando respiração mais rápida. A pressão pode cair. A dificuldade para respirar pode se agravar e aparecerem movimentos das asas do nariz, mais comuns em criança que em adulto. As crianças podem também, apresentar vômitos, falta de apetite e irritabilidade. Existem circunstâncias que, a qualquer tempo e gripe, podem levar à maior gravidade. São denominados de fatores de risco: crianças menores de dois anos, idosos acima de 60 anos, doentes com doenças crônicas como diabetes, cardiopatias, pneumopatias, algumas doenças do sangue e dos rins e em pessoas imunodeprimidas (portadores de câncer, AIDS).
Temos que nos equilibrar entre dois sentimentos extremos, por princípio posições ruins. De um lado o sentimento indevido de pânico individual e coletivo, pela convicção de que a gripe seja mal fatal, incontrolável e eminente. De outro o sentimento mágico, errado, de se minimizar o problema, desconhecer o risco e achar que esta seja mais uma gripe sem importância, ou mesmo uma gripe de falsa gravidade plantada para favorecer indústria e comércio de medicamentos e material médico-hospitalar. Como sempre a virtude continua no meio que é a posição assumida pela Organização Mundial de Saúde e seguida pelo Ministério da Saúde. Estar alerta, tomar providências tanto de garantir exames e medicamentos como de organização da rede de atendimento, cuidar dos doentes e orientar para as medidas preventivas que, de algum modo, podem diminuir os riscos e minimizar conseqüências.
Acho que Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais e Municipais estão alertas e se preparando, cada vez mais, para dar conta do recado. Temos convicção que o acesso aos serviços públicos e muitos dos planos privados de saúde ainda não seja suficiente e totalmente eficiente. É hora de um grande esforço de investimentos financeiros e humanos (quantidade e preparo dos profissionais) para se garantir suficiência e eficiência no atendimento primeiro às pessoas. Nas unidades de saúde da família, postos e centros de saúde, consultórios e clínicas, pronto-socorros e hospitais. Que não se cuide apenas da atenção técnica, mas que ela seja feita com humanismo, respeitando-se angústias e temores das pessoas, diante do desconhecido.
Medidas preventivas mais efetivas são quase impossíveis, no ambiente e estilo de vida em que somos obrigados a viver. Os resfriados e gripados devem proteger a boca ao tossir ou espirrar. Lavar as mãos a cada vez. Se possível, evitar ambientes fechados (medida difícil: no inverno, no transporte coletivo, no ambiente de trabalho, escola, igreja...). Todos lavarmos sempre as mãos, sobra como medida universal mais viável, mas de efetividade menor.
Vigiar sem nos alarmarmos. A nós cidadãos, profissionais de saúde, prestadores de serviços e governos resta fazer o máximo possível para que menos pessoas adoeçam e as que adoecerem sejam bem socorridas, sarem logo e, sem seqüelas. Milagres não serão feitos, mas o possível de hoje será nossa tarefa para que nos ajudemos a viver mais e melhor.

[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser divulgado independente de outra autorização. Textos do autor disponíveis no site www.idisa.org.br - Contato: carvalhogilson@uol.com.br.