Carlos Neder – Médico sanitarista e ex-Secretario de Saúde de São Paulo
A opinião pública volta seus olhos, mais uma vez, para o tema saúde, depois de um período relativamente longo no qual esse assunto permaneceu fora das principais manchetes. O tema polariza o debate político no Brasil, nos EUA e em vários outros países.
Assistimos, atualmente a uma ampla cobertura jornalística dos desdobramentos da gripe tipo A (H1N1) e sobre a organização dos sistemas de saúde. Obviamente, trata-se de uma abordagem oportuna, dada a importância de se implementarem iniciativas adequadas de prevenção e tratamento, como de fato vem ocorrendo, e da garantia de acesso às ações e serviços públicos de saúde.
Porém, chama a atenção que essa mobilização, despertada pelo assunto do momento, produza uma reflexão ainda incipiente sobre a saúde pública em nosso país. A ocasião não poderia ser mais adequada para uma discussão aprofundada do tema, tendo em vista o atual debate que ocorre no Congresso sobre a modernização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Passados 20 anos da implantação do SUS, constatamos os inegáveis benefícios que ele trouxe à população. Contudo, o sistema vive um impasse no que concerne à universalização de fato, integralidade e equidade do acesso à saúde. Nesse sentido, a proposta de introdução das fundações públicas de direito privado, também denominadas de fundações estatais, vem no intuito de atualizar o marco legal para a implementação de políticas públicas e de propiciar aos seus agentes uma alternativa para conferir mais agilidade e efetividade à gestão pública
A discussão sobre as fundações estatais se dá tanto no âmbito federal, com o projeto da Presidência da República (Projeto de Lei Complementar nº 92/2007), quanto em outras esferas de governo. Estados como Bahia e Sergipe já contam com legislação própria e o mesmo ocorre em diversos municípios do país. Em São Paulo, projeto de minha autoria, aprovado na Câmara Municipal e vetado pelo Prefeito Gilberto Kassab, prevê a introdução dessa modalidade de gestão nas áreas de saúde e meio ambiente.
Em todos os casos citados, as fundações estatais diferem da proposta das organizações sociais – instituídas pela Lei 14.132/06, entre outras razões, por tratar-se de uma modalidade de gestão pública, no âmbito da administração indireta.
Artigo do secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, publicado recentemente na “Folha de S. Paulo” conclama uma “segunda reforma sanitária” que se daria, segundo ele, por meio de reformas no SUS para que o sistema possa avançar. Entre tais mudanças, o secretário avaliza as fundações estatais.
Mas, faz-se necessário aqui delimitar claramente as diferenças entre o que o secretário defende e os princípios em que acreditamos. A proximidade entre os pontos de vista – acordos de gestão, aporte de recursos financeiros mediante cumprimento de metas e gestão de pessoal - acaba justamente quando se considera o embasamento político programático sob cada uma dessas propostas.
No artigo em questão, o secretário defende as fundações estatais como conseqüência de uma “experiência bem-sucedida das organizações sociais de saúde em São Paulo”. Afirmação natural para quem está engajado em um projeto de candidatura presidencial que pretende levar a proposta para todo o país e atua em um governo vinculado ideologicamente ao enfraquecimento do papel do Estado – como é o caso da administração demo-tucana, tanto no estado como na cidade de São Paulo.
Observamos, ao longo das gestões PSDB-DEM, a desvalorização dos movimentos sociais, a dispersão da organização sindical no setor de saúde e a desarticulação de iniciativas importantes para a democratização da gestão da saúde, como os conselhos gestores. Em São Paulo, vimos o desmantelamento do Conselho Municipal de Saúde e a implementação das AMAS, em contraposição e responsáveis diretas pela redução do Programa de Saúde da Família e das ações de saúde preventiva.
Os exemplos que poderiam ser citados são inúmeros. Todos eles baseados em uma lógica de gestão que insiste em reduzir a importância e o peso do Estado em prol da ação privada e de inviabilizar o controle público efetivo. No caso, via organizações sociais. Mais grave ainda, quando se percebe a falta de disposição para propiciar a criação de banco de dados e metodologia para comparar o custo do processo em diferentes modalidades de gestão.
O que defendemos é justamente o oposto disso. Vemos as fundações estatais como um instrumento de modernização da gestão no âmbito do Estado, e não fora dele. Queremos maior agilidade e efetividade na gestão pública e não o Estado mínimo. Defendemos a utilização de diferentes modalidades de gestão, incluindo a administração direta pelo Estado, e a análise comparativa de seus custos.
Nosso projeto estipula que nas fundações estatais os trabalhadores serão contratados por meio de concursos públicos e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, havendo a possibilidade de que servidores públicos sejam colocados à disposição dessas entidades e do trabalho que desenvolvem. O que nas OSs é tema mais que controverso, em razão do seu caráter de gestão privada.
E o que dizer da falta de licitação para a escolha das entidades parceiras, bem como para as compras e serviços por elas contratados? Assim, urge que o STF se pronuncie acerca não apenas da constitucionalidade da proposta das OSs, mas também dos artifícios que vem utilizando para burlar a realização de concursos públicos e a lei de licitações. Em um país que ainda aplica pouco em saúde, não deveríamos dar mais importância e transparência à análise de custo-benefício do processo de gestão?
É preciso deixar claro que o argumento de que as fundações estatais podem abrir caminho para a privatização na saúde é completamente equivocado. As fundações estatais de direito privado se inserem numa nova categoria que lhes dá agilidade, por meio de um modelo de gestão descentralizado, eficiente, com maior autonomia gerencial e sob efetivo controle público. Trata-se de uma forma de administrar que se aproxima do modelo de empresas estatais como a Petrobras – exemplo claro de que é possível ter saúde pública de qualidade, com respeito à população e a seus funcionários, em diferentes modalidades de gestão pública.
Assistimos, atualmente a uma ampla cobertura jornalística dos desdobramentos da gripe tipo A (H1N1) e sobre a organização dos sistemas de saúde. Obviamente, trata-se de uma abordagem oportuna, dada a importância de se implementarem iniciativas adequadas de prevenção e tratamento, como de fato vem ocorrendo, e da garantia de acesso às ações e serviços públicos de saúde.
Porém, chama a atenção que essa mobilização, despertada pelo assunto do momento, produza uma reflexão ainda incipiente sobre a saúde pública em nosso país. A ocasião não poderia ser mais adequada para uma discussão aprofundada do tema, tendo em vista o atual debate que ocorre no Congresso sobre a modernização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Passados 20 anos da implantação do SUS, constatamos os inegáveis benefícios que ele trouxe à população. Contudo, o sistema vive um impasse no que concerne à universalização de fato, integralidade e equidade do acesso à saúde. Nesse sentido, a proposta de introdução das fundações públicas de direito privado, também denominadas de fundações estatais, vem no intuito de atualizar o marco legal para a implementação de políticas públicas e de propiciar aos seus agentes uma alternativa para conferir mais agilidade e efetividade à gestão pública
A discussão sobre as fundações estatais se dá tanto no âmbito federal, com o projeto da Presidência da República (Projeto de Lei Complementar nº 92/2007), quanto em outras esferas de governo. Estados como Bahia e Sergipe já contam com legislação própria e o mesmo ocorre em diversos municípios do país. Em São Paulo, projeto de minha autoria, aprovado na Câmara Municipal e vetado pelo Prefeito Gilberto Kassab, prevê a introdução dessa modalidade de gestão nas áreas de saúde e meio ambiente.
Em todos os casos citados, as fundações estatais diferem da proposta das organizações sociais – instituídas pela Lei 14.132/06, entre outras razões, por tratar-se de uma modalidade de gestão pública, no âmbito da administração indireta.
Artigo do secretário estadual de Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, publicado recentemente na “Folha de S. Paulo” conclama uma “segunda reforma sanitária” que se daria, segundo ele, por meio de reformas no SUS para que o sistema possa avançar. Entre tais mudanças, o secretário avaliza as fundações estatais.
Mas, faz-se necessário aqui delimitar claramente as diferenças entre o que o secretário defende e os princípios em que acreditamos. A proximidade entre os pontos de vista – acordos de gestão, aporte de recursos financeiros mediante cumprimento de metas e gestão de pessoal - acaba justamente quando se considera o embasamento político programático sob cada uma dessas propostas.
No artigo em questão, o secretário defende as fundações estatais como conseqüência de uma “experiência bem-sucedida das organizações sociais de saúde em São Paulo”. Afirmação natural para quem está engajado em um projeto de candidatura presidencial que pretende levar a proposta para todo o país e atua em um governo vinculado ideologicamente ao enfraquecimento do papel do Estado – como é o caso da administração demo-tucana, tanto no estado como na cidade de São Paulo.
Observamos, ao longo das gestões PSDB-DEM, a desvalorização dos movimentos sociais, a dispersão da organização sindical no setor de saúde e a desarticulação de iniciativas importantes para a democratização da gestão da saúde, como os conselhos gestores. Em São Paulo, vimos o desmantelamento do Conselho Municipal de Saúde e a implementação das AMAS, em contraposição e responsáveis diretas pela redução do Programa de Saúde da Família e das ações de saúde preventiva.
Os exemplos que poderiam ser citados são inúmeros. Todos eles baseados em uma lógica de gestão que insiste em reduzir a importância e o peso do Estado em prol da ação privada e de inviabilizar o controle público efetivo. No caso, via organizações sociais. Mais grave ainda, quando se percebe a falta de disposição para propiciar a criação de banco de dados e metodologia para comparar o custo do processo em diferentes modalidades de gestão.
O que defendemos é justamente o oposto disso. Vemos as fundações estatais como um instrumento de modernização da gestão no âmbito do Estado, e não fora dele. Queremos maior agilidade e efetividade na gestão pública e não o Estado mínimo. Defendemos a utilização de diferentes modalidades de gestão, incluindo a administração direta pelo Estado, e a análise comparativa de seus custos.
Nosso projeto estipula que nas fundações estatais os trabalhadores serão contratados por meio de concursos públicos e da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, havendo a possibilidade de que servidores públicos sejam colocados à disposição dessas entidades e do trabalho que desenvolvem. O que nas OSs é tema mais que controverso, em razão do seu caráter de gestão privada.
E o que dizer da falta de licitação para a escolha das entidades parceiras, bem como para as compras e serviços por elas contratados? Assim, urge que o STF se pronuncie acerca não apenas da constitucionalidade da proposta das OSs, mas também dos artifícios que vem utilizando para burlar a realização de concursos públicos e a lei de licitações. Em um país que ainda aplica pouco em saúde, não deveríamos dar mais importância e transparência à análise de custo-benefício do processo de gestão?
É preciso deixar claro que o argumento de que as fundações estatais podem abrir caminho para a privatização na saúde é completamente equivocado. As fundações estatais de direito privado se inserem numa nova categoria que lhes dá agilidade, por meio de um modelo de gestão descentralizado, eficiente, com maior autonomia gerencial e sob efetivo controle público. Trata-se de uma forma de administrar que se aproxima do modelo de empresas estatais como a Petrobras – exemplo claro de que é possível ter saúde pública de qualidade, com respeito à população e a seus funcionários, em diferentes modalidades de gestão pública.
Carlos Neder - Médico Sanitarista e ex-Secretário Municipal de Saúde de São Paulo
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