domingo, 23 de agosto de 2009

Os mistérios da gripe suína


Brasília – George W. Bush, o Néscio, e sua gangue podem ter ido embora da Casa Branca, mas as táticas do medo que eles implantaram ainda estão aí, e rendem dinheiro (para eles, claro). A brasileirada, como sempre excelente importadora do que não presta nos EUA, sejam pensamentos, palavras ou obras – ainda mais agora, que nunca-antes-na-história-desse-país esteve sob a liderança de um amigão do peito de um presidente norte-americano – entrou de cabeça no conto da chamada gripe suína.
A internet não perdoa (o dinossauro Sarney, censurador de jornais e sua turma que o digam), e mais cedo ou mais tarde, os bastidores dessa picaretagem vieram à tona. Em essência, a trama segue o seguinte script: antes de se tornar secretário da Defesa e Tortura de W. Bush, Donald Rumsfeld foi CEO de uma certa Gilead Sciences, dona da patente do tamiflu, revendida à Roche. Rumsfeld não era estreante no assunto: ele já havia aumentado sua fortuna pessoal com a disseminação do carcinogênico aspartame ("Nutrasweet") usando a mesma tática, a de anunciar que sacarina – que dominava o mercado – causava... câncer. O sujo falava do mal lavado, e faturava com isso. Pelo golpe do aspartame, calcula-se que Rumsfeld tenha embolsado uns cinco milhões de dólares; pelo tamiflu, mais uns dez milhões de dólares.
O tamiflu (que na realidade não cura gripe alguma, é apenas um paliativo) é produzido a partir de sementes de aniz esmagadas. Esse é o seu princípio ativo. A Roche controla, hoje, cerca de 90% das plantações mundiais de aniz. O tamiflu foi produzido para tentar controlar a gripe aviária (H5N1), e encalhou nas prateleiras quando a doença não atingiu seres humanos na proporção imaginada. Agora, com a H1N1, ressurge a tática do medo, ou a pandemia do lucro, como você preferir. Lucro, aliás, que rendeu uma pontinha para quem fabrica álcool, máscara cirúrgica, sabonete, etc.
A essa altura, um conflito interior deve estar lhe roendo as entranhas: afinal de contas, a gripe dita "suína" está matando! Você está certo, e eu não estou recomendando que você não cuide de sua higiene pessoal (especialmente lavar as mãos com frequência) para evitar qualquer contratempo. Mas... veja: a malária pode ser evitada com um simples mosquiteiro. Milhões de pessoas morrem a cada ano por causa disso. Um soro que não custa quase nada poderia evitar a diarréia infantil, que mata dois milhões de crianças no mundo. Sarampo, pneumonia e outras enfermidades curáveis e/ou evitáveis com cuidados simples e baratos matam mais outros milhões e milhões de pessoas. A violência e o tráfego – evitáveis por meio da educação, da geraçãoItálico de empregos, da formação de uma sociedade estruturada – eliminam mais outro tanto.
Você já imaginou se os telejornais se dedicassem a fazer tabelinhas de quantos morreram e quantos estão em situação de risco nessas doenças todas? Não sobrava espaço para nada mais. A política desapareceria, Michael Jackson seria Michael Quem?, e assim por diante.
Uma última pitada, já que perguntar não ofende: se essa pandemia tão horrorosa é potencialmente tão letal e urgente, por que a Organização Mundial da Saúde não determinou e/ou patrocinou a quebra da patente do tamiflu para que um medicamento genérico fosse produzido rapidamente e em larga escala, de forma a ser disponibilizado para todos? Você já ouviu falar em vasos comunicantes?

* Jornalista (ex-Globo, Radiobrás, Voz da América, Rede Manchete, Rádio JB e CBS Brasil, ex-correspondente por muitos anos da Casa Branca); texto publicado no site Direto da Redação em 17/8/2009

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