"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo. Esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia. E se não ousamrmos fazê-la, teremos ficado para sempre a margem de nós mesmos" Fernando Pessoa.
Cumprimentando-a, cordialmente, o Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina- Coren/SC parabeniza a colega Enfermeira pela posse como Secretária de Saúde do Município de Joinville.
Sabemos da importância do setor saúde para um povo e para um governo. Sabemos de seu compromisso na luta pela concretização do SUS e na defesa dos direitos da população, ações estas condizentes com os preceitos da profissão de Enfermagem.
Sendo o que temos para o momento, colocamo-nos à disposição de Vossa Senhoria para apoiá-la no que for necessário. Afetuosamente, Enfª. Drª. Felipa Rafaela Amadigi Presidente Coren/SC
Lamentavelmente temos grandes problemas
de saúde e de serviços de saúde. Isto afeta o público e privado. Bem verdade
que mais sofre o público de deficiência. Entre outras causas, tem o público que
trabalhar com menos da metade que o per capita do setor privado, com outras
obrigações relativas à saúde pública.
Na saúde no mundo e
principalmente no Brasil temos uma confluência de eventos onerosos que nos
acostumamos a denominar de transições. Podemos citar algumas delas. 1)Aumento
na expectativa de vida da população quando os idosos necessitam de 40% a mais
de ações e serviços;2) A convivência ao mesmo tempo de doenças antigas e novas
epidemias como dengue, AIDS, acidentes de trânsito, uso indevido de drogas, obesidade
etc; 3) A crise nutricional onde nunca se comeu tanto, tão mal e
descontroladamente; 4) A explosão da inovação tecnológica em saúde, muito
benéfica por vezes e extremamente maléfica por outras, como quando fundamentada
exclusivamente no interesseeconômico;5)
A cultura de consumo de ações e serviços de saúde que nos leva a demandar cada
vez mais e melhores serviços de saúde, uns necessários e essenciais e outros
desnecessários e induzidos pelos que lucram e levam vantagens com a oferta,
cada vez maior, de produtos e serviços.
Antes a avaliação ruim era
apenas dos serviços de saúde pública, sempre criticados por motivos reais e
outros culturais, como o conceito de que nada que é público presta! Hoje esta
avaliação, nem sempre boa, tem acontecido com os serviços públicos e privados.
Não consola, nem explica. Ajuda na avaliação das causas e busca de soluções.
No público cometeu-se, segundo
alguns, “a loucura utópica de colocar na Constituição Federal que nós todos os
cidadãos éramos iguais perante o estado e todos, independente do poder
econômico teríamos direito a cuidados integrais de saúde”. Defendi e defendo
até hoje esta loucura utópica. A pretensa utopia é a proposta de garantir o
tudo para todos e que resgatou vida e cidadania para milhões de brasileiros que
saíram da condição de indigentes para cidadãos plenos. Complicou? Eram cerca de
100 milhões de brasileiros que a nada tinham direito e a eles foram abertos os
serviços de saúde em base de igualdade com quem sempre teve acesso por ter
previdência ou poder aquisitivo para custeio direto ou através de planos e seguros
de saúde.
Existem saídas que precisam ser
somadas e que não podem ficar apenas no discurso de falta de dinheiro, ainda
sabendo da importância dele. Mas, além dele tem que mudar o jeito de fazer
saúde com investimento nas pessoas antes que adoeçam (promoção e proteção de
saúde) com participação das pessoas no autocuidado e seguindo as prescrições
que dependam dos indivíduos; melhoras profundas no processo de gestão dos
serviços de saúde com racionalidade, descrição de processo de trabalho, rotinas
técnicas e administrativas e uso massivo da ferramenta informática.
Construir a melhora nos
cuidados com saúde tem que começar pelos primeiros cuidados, ou básicos.
Suficientes e eficientes e como dito, com efetiva e total participação das
pessoas em proteger sua saúde e contribuir ativamente na cura . Mas, não pode
parar no básico. Tem-se que buscar a integralidade, como manda a CF e demandam
as pessoas, com acesso a serviços de média e alta complexidade.
Muita coisa pode ser feita com
estas providências mas o Governo Federal tem que assumir seu papel de maior
financiador do sistema já que ele é a única esfera de governo que pode
arrecadar. Falhou, mais uma vez com a última lei de saúde. Os Municípios, em
geral, estão colocando em média 30% a mais que os mínimos constitucionais obrigatórios.
Isto pode explicar um pouco,
mas não traz a solução. Digo que a solução no ambiente público não é simples e
depende de muita vontade política dos governantes somada ao compromisso social
dos trabalhadores de saúde.
Mãos a obra para os atuais
governos municipais. Muita reflexão e preparo para os que se candidatam.
[1]
Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública -
carvalhogilson@uol.com.br. O autor adota a política do copyleft podendo este
texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização.Textos
disponíveis:www.idisa.org.br
Semiinário em comemoração ao Dia Mundial da Saúde.
Promoção: Conselho Municipal de Saúde de Joinville / Abril 2012 Programação: Data: 14 de abril de 2012. 09:00 horas: Palestra: Ser/estar conselheiro(a) e a importância da capacitação/atualização. Palestrante: Dr. Gilson Carvalho - Médico Pediatra e Sanitarista. 11:00 - Debate Local a ser definido: avisaremos posteriormente, mas não deixe de reservar esse dia em sua agenda !!! Município: Joinville - SC Convide os conselheiros de seu município....venha participar e Fortaleça o Controle Social ( Participação Popular ) Inscrições abertas até o dia 12 de abril de 2012. no site: www.saudejoinville.sc.gov.br
O
Conselho Nacional de Saúde (CNS), instância máxima de deliberação do Sistema
Único de Saúde – SUS - de caráter permanente e deliberativo, condição
recentemente reafirmada pela Lei Complementar nº 141/2012, tem como missão a
deliberação, fiscalização, acompanhamento e monitoramento das políticas
públicas de saúde. É competência do Conselho, dentre outras, aprovar o
orçamento da saúde, assim como acompanhar a sua execução orçamentária. Ressalte-se
que o Conselho representa os usuários e os trabalhadores do SUS, assim como
prestadores e gestores.
Considerando
sua missão, o CNS, reunido em 16 de fevereiro de 2012, decide se dirigir,
publicamente, à presidenta Dilma Roussef, para manifestar sua posição acerca da
medida de contingenciamento de recursos da saúde no orçamento federal de 2012.
No
Brasil, é crônico o sub-financiamento da saúde. A União, em particular, não tem
priorizado os investimentos em saúde, tendo reduzido sua participação no
montante total de recursos aplicados na saúde ao longo dos últimos 20 anos.
A
recente aprovação da regulamentação da EC-29, sem garantir os 10% das receitas
correntes brutas do orçamento federal para a saúde, frustrou as expectativas do
povo brasileiro de ver ampliados os investimentos e melhorados o acesso e a
qualidade da atenção à saúde, expressas nas deliberações da 14ª Conferência
Nacional de Saúde, realizada em novembro de 2011.
Como
se isso fosse pouco, a equipe econômica do governo federal propõe agora um contingenciamento
da ordem de R$ 5,4 bilhões no já restrito orçamento do Ministério da Saúde. O
mais curioso é o argumento de que o contingenciamento visa a favorecer o
crescimento econômico do país. Ora, a saúde é um importante setor econômico, representando
cerca de 9% do PIB, e muito tem contribuído para o desenvolvimento nacional, ao
movimentar um potente mercado de bens e serviços e assegurar milhões de empregos.
Dessa forma, contingenciar os recursos da saúde, malgrado a intenção do
Ministério da Fazenda, contribui para desacelerar o crescimento.
Acrescente-se
que a saúde é um dos setores mais eficientes da administração pública, com
níveis de execução orçamentária superiores aos dos próprios projetos do Plano
de Aceleração do Crescimento (PAC), prioridade, reiteradamente proclamada, do
governo.
Vale
ainda adicionar que esses recursos contingenciados, que ampliavam o montante
originalmente previsto para a saúde em 2012 pelo Poder Executivo no PLOA, foram
definidos por iniciativa do Congresso Nacional, de certa forma, sensibilizado com
a insuficiência de verbas para o SUS. Note-se que, ao contrário da prática usual,
deputados e senadores consultaram os gestores da saúde, em especial dos
municípios e dos estados, para orientar as emendas parlamentares de acordo com
as prioridades políticas do SUS.
Contudo,
o que mais provoca indignação na proposição do contingenciamento dos recursos
da saúde é a verificação de que a LOA 2012 prevê destinar R$ 655 bilhões ou 30%
do orçamento federal de 2012 é destinado ao refinanciamento e ao pagamento de
juros e amortizações da dívida pública, mais de nove vezes valor previsto para
a saúde. A saúde, mais que os ganhos financeiros do pequeno e privilegiado
setor rentista da sociedade, deveria ser prioridade governamental.
Neste
sentido, o Conselho Nacional de Saúde se manifesta publicamente, solicitando à
presidenta Dilma que, atenta a seus compromissos de campanha, priorize a saúde
e não proceda o contingenciamento das verbas previstas na LOA para o orçamento
do Ministério da Saúde.
Até Santos Dumont provar que era possível, voar era algo fantasioso. Se
voltássemos no tempo, e mostrássemos nossas imensas aeronaves, afirmando que
elas não só poderiam voar como também se tornariam o meio de transporte mais
seguro que existe, seríamos taxados como loucos. Coube a Santos Dumont a difícil tarefa de acreditar enquanto todos duvidavam.
E essa é a história dos grandes feitos de sucesso: a disposição de acreditar
sozinho, quando todos simplesmente já desistiram. Thomas Edison, Albert Einstein
e dezenas de outros realizaram grandes feitos porque resolveram acreditar em
seus sonhos... Foi assim também com o advento do computador, da internet, do
telefone, do rádio... Mas eu me pergunto: quantos nomes e quantas outros sonhos não poderiam fazer
parte desta lista, mas foram abandonados? Nunca saberemos. Mas uma coisa é
certa: alguns desistiram... Alguns ouviram vozes que diziam não ser possível e
por isso, deixaram em seu porão a possibilidade de realizar feitos que entrariam
para nossa história. Assim são os sonhos: a maior parte das pessoas optam por guardá-los no
armário de casa. Do armário vão para a garagem, da garagem para o porão, e lá
são esquecidos e definitivamente abandonados. Essas pessoas farão uma visita ao
porão em algum momento da vida: talvez um momento em que pareça ser tarde demais
para recuperar os sonhos que lá se encontram e trazê-los de volta, e então
encontrarão mais um motivo para não realizá-los: "agora estou velho demais
para isso". Mais uma desculpa como as tantas outras que foram aparecendo ao
longo da vida para justificar a inanição. Quando visitamos o nosso porão, podemos aproveitar para dialogar com nós
mesmos. Um diálogo que acontece mais ou menos assim:
- Por que você guardou estes sonhos
aqui? - Porque deixei para realizá-los depois. - Por que não os realizou
naquele momento? - Porque eu era o único que acreditava, e ninguém me
apoiava. Era difícil ir adiante sozinho. - E por que não realizou
depois? - Meu dia-a-dia fez eu esquecer de meus sonhos. Além disso não havia
ninguém que me apoiasse. - Quem eram as pessoas que não te apoiavam? -
Quase todas me mostraram que não era possível. - E onde estão essas pessoas
agora? - Não sei onde estão todas. Algumas têm sucesso, outras não. -
Todas estão preocupadas com você agora, por você não ter realizado o que mais
queria? - Não... Poucas são as que ainda tenho contato. - Mas você
desisitiu de seus sonhos por causa delas, não é? - Sim... - E agora? O que
você vai fazer? Trancar o porão e deixar tudo como está, ou levará estes
"sonhos" para cima e descobrir que lá espera a única pessoa que sempre irá te
apoiar incondicionalmente daqui em diante? - Sério? Tem alguem lá em cima que
irá me apoiar? - Bem, essa pessoa ainda não está lá... Mas poderá estará lá
assim que você subir as escadas... Se você decidir levar esses sonhos, econtrará
lá em cima a única pessoa capaz de realizá-los: VOCÊ MESMO !
Antes de mandar os sonhos para o porão, lembre-se sempre que concentrar em si
mesmo todas suas energias é essencial para nunca desistir, afinal águias
voam sozinhas, corvos voam em bandos... O maior erro que podemos cometer é acreditar que outras pessoas podem ser
responsáveis pelo nosso fracasso ou nosso sucesso. Acreditar em si mesmo é
essencial para realizar os grandes feitos da sua vida. Mas você precisa, antes
de mais nada, persuadir a si mesmo a acreditar plenamente nisso. Quando você tiver esta certeza, visite o seu porão e saia de lá com todos os
seus sonhos, pronto para realizá-los, afinal não importa qual sua
idade, você ainda é jovem demais para desistir.
Fatos, fotos e números não mentem, mas também não falam. São as
pessoas que falam e os interpretam como lhes parece correto. As próteses de
silicone defeituosas e os recentes dados do IBGE sobre economia da saúde deram
margem a distintas possibilidades de compreensão sobre os recursos e usos do
SUS. A primeira, mais corriqueira, baseia-se nos contrastes. O "Le Monde", em 12
de janeiro, denominou o Brasil de terra da cirurgia estética e reino dos seios
de silicone. O comentário ressalta que as instalações assépticas da empresa
distribuidora da PIP (Poly Implant Prothèse) são circundadas pelo ambiente
degradado da favela de Vigário Geral. Do lado de cá, a indignação dos adeptos da
ênfase nas disparidades sociais manifestou-se sob a forma de perguntas sobre as
prioridades assistenciais. Segundo a ótica da pobreza versus riqueza seria
injusto o SUS pagar mudanças das próteses para uma minoria de mulheres jovens e
saudáveis e deixar de lado o atendimento a crianças, idosos e doentes
graves.
Uma segunda vertente interpretativa
concedeu ênfase aos malefícios à saúde provocado pelas próteses, quer utilizadas
em cirurgias reparadoras de mutilações involuntárias decorrentes do câncer de
mama, quer no turbinamento do volume dos seios motivado pelo desejo de uma nova
estética corporal. Desse ponto de vista, os riscos dos implantes são sociais e
justificam medidas preventivas e a substituição das próteses. Se a saúde é
direito de todos e dever do Estado, todos os brasileiros pobres ou ricos que
estejam sob risco do uso de silicone de diferentes origens, incluindo travestis,
deverão, sem preconceito de nenhuma natureza, usufruir cuidados gratuitos de
instituições públicas e privadas de saúde.
O terceiro enfoque questionou, a
partir de fatos similares, a associação negativa das cirurgias plásticas com a
opressão estética de mulheres do segmento participantes ou expectadoras do Big
Brother. Das duas uma: ou as pressões estéticas/fotográficas são tão
generalizadas que obrigam inclusive os mais destacados e poderosos políticos,
artistas executivos e médicos de ambos os sexos a se submeterem ao botox e ao
bisturi ou quem conserva rugas, seios flácidos ou pequenos, estrias,
barriguinhas e barrigonas resiste às inovações. Nesse sentido, a naturalidade da
discussão sobre a excelente qualidade da plástica da presidente da República
pode ser encarada como uma madura demonstração de respeito ao
livre-arbítrio.
Desde dezembro até agora houve
mudanças de opinião sobre o uso do silicone. Mais e melhores informações
contribuíram para ampliar as manifestações de simpatia pelas vítimas de diversos
países. Aos poucos, radicais divergências foram decantadas. Deu-se a cada um
pouco de razão, prevaleceu a solidariedade e avançamos. Já as polêmicas em torno
dos números divulgados pelo IBGE são derivadas de projetos societais
distintos.
Para quem julga que a intervenção
estatal na saúde deva se limitar ao atendimento aos pobres, gastar 8% do PIB com
saúde é, em si, um indicador positivo. Confirma que a privatização da saúde
contextualizada pelo deslocamento da pirâmide de renda para cima trouxe e trará
prosperidade às empresas setoriais. As três edições das contas satélites da
saúde (2007 a 2009) evidenciam o ajuste das informações à aposta de alcançar uma
correspondência formal entre renda individual ou familiar e cobertura
assistencial. Em contraste, os defensores dos sistemas universais de saúde vêem
na distribuição dos recursos para a saúde (45% gastos públicos e o restante
privado) sinais de estagnação e crise. O racionamento de gastos públicos deixa o
Brasil no meio do caminho. Nem a saúde é um direito efetivo de cidadania, nem o
sistema privado mantém-se independente de subsídios públicos. Dada a polarização
subjacente às analises de números que não mentem, sobram elementos para
estimular um debate profundo sobre o sistema nacional de saúde que não se
concentra em torno do falso dilema financiamento ou gestão.
Mas, a pressa em gerenciar com
suposta eficiência alguns problemas, especialmente aqueles apresentados sob o
formato de escândalos, abrevia o tempo de decantação dos conflitos. Sem a
explicitação das ideias e interesses que fundamentam interpretações e ações
ficamos sem saber se o SUS se responsabilizará pelos vazamentos das próteses,
porque o Brasil tem um sistema universal de saúde, ou se a intervenção
governamental foi tópica e voltada apenas à correção de uma pequena falha do
mercado. Essa não é uma disjuntiva teórica. Faz toda diferença, na prática,
organizar um sistema de saúde bem gerenciado e, portanto, capaz de prever
estrategicamente a absorção de novas demandas ou ativar atividades fragmentadas,
dinamizadas por inclusões pontuais de benefícios para grupos populacionais
específicos. Um dos maiores desafios gerenciais do SUS é exatamente despolitizar
iniciativas que deveriam ser administrativas. Se o uso de procedimentos de saúde
e medicamentos continuar enquadrado como mera relação de consumo, e a proteção
contra riscos à saúde depender, exclusivamente, de decisões de quem ocupa o
cargo de presidente da República, o SUS terá um gerenciamento inadequado.
Posicionamentos plastificados de acordo com as circunstâncias e com o público
ouvinte vazam. As declarações da OAB, de entidades médicas e diversas
associações cientificas sobre o reinicio da luta pelo SUS universal contribuem
para vedar furos nos argumentos e estabelecer uma atmosfera favorável ao papo
sério.
* Lígia Bahia,
vice-presidente da ABRASCO e professora de economia da saúde no Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ).
Artigo publicado no publicado no Jornal O Globo, no dia 23 de janeiro de
2012.
No dia 02 de fevereiro de 2012 aconteceu o julgamento da ADI feita pela Associação dos Magistrados do Brasil contra as ações do Conselho Nacional de Justiça. No julgamento do STJ assistimos um importante debate, rico em considerações que citavam a história pendular brasileira desde sua independência e promulgação da primeira constituição brasileira. Muito interessante o debate elucida muito da situação que vivenciamos atualmente no SUS.
No dizer dos Ministros do Supremo, o que estava em julgamento não era a ação do CNJ, mas a recentralização em detrimento da descentralização federativa, maragatos versus chimangos...
Não há que se colocar um questionamento a necessidade de se ter um judiciário idôneo e controlado adequadamente, nem a garantia das atribuições constitucionais do CNJ, não é disto que se trata a ideia de parear este momento vivido no SUS.
Este movimento pendular brasileiro de centraliza descentraliza tem defensores apaixonados de ambos os lados e considero que ao longo da história brasileira nunca houve uma maioria absoluta de um grupo sobre o outro. O resultado da votação no Supremo pode até ser reflexo disto, 6X5 a favor da centralização.
O último grande momento dos centralistas foi o golpe militar de 1964. Houve então um desagregar da descentralização e uma centralização autoritária, a ponto de intervenção na federação, aniquilando seus direitos políticos. Foi neste caldo de cultura que me formei, defendendo os direitos democráticos, que se vinculavam a descentralização em direção a participação da população. A simples expressão“direitos democráticos” era considerada crime político. - Que bom que meu filho não vive este momento.
O nascer do SUS a partir da reforma sanitária brasileira foi marcado por estes dois grandes princípios. A descentralização e a participação, que no enfrentar do “Centrão” conseguiu-se apenas que fosse “participação da comunidade”.
A estas duas grandes pilastras foram somadas a necessidade de promoção da saúde pelo enfrentamento dos determinantes sociais, da integralidade das ações e saberes nas produções das ações e serviços do SUS. Neste sentido o sistema deveria ser universal ou não conseguiria de fato implementar estes ganhos democráticos. Era óbvio. E vimos crescer uma proposição de modelo de atenção muito interessante, se contrapondo a tendência mundial excludente e com ações focadas aos pobres como determinava o WB. A nossa atenção primária não era pobre para pobre era universal, daí a chamamos de atenção básica.
Justificando o voto, um dos Ministros do Supremo cita claramente que “o Brasil é uma república federativa e não uma federação republicana, o que demonstra a supremacia do aspecto republicano sobre o federativo e rés publica significa controle dos agentes públicos e suas ações”. Para o bem e para o mal esta interpretação. Controle sim, mas considerar soberania de uma dimensão do estado brasileiro sobre a outro? Principalmente quando a recentralização mais recente brasileira lembra as destruições democráticas de 64.
E a similaridade com o SUS?
Neste caso considero que há uma grande mudança em alguns gestores federais do SUS ao rever a concepção de promoção da saúde e considera-la apenas uma questão de opção individual e excluí-la do processo de determinação social. O foco do indivíduo como o único responsável pela promoção da saúde é uma orientação do CDC de Atlanta/USA e tem uma paridade apenas com a concepção de estado pelos norte americanos. É uma opção de organização estruturalista da sociedade e da ciência. Mas a política nacional de promoção da saúde não se expressa assim. Considera os determinantes sociais como mais importantes e nossas ações devam promover o desenvolvimento sustentável, entre outros eixos não menos importantes. Inclui, é claro, as ações de promoção que também consideram a opção pessoalpela promoção da saúde (não fume, faça exercício). A opção brasileira não é apenas uma questão acadêmica, é antes de tudo uma questão política. E a nossa opção não é apenas pelo individualismo. O centralismo no individualismo se expressa em “escute o que o estado está te falando cidadão, faça apenas boas coisas...” que é bem diferente de descentralizar, organizar a comunidade, empoderar ou como melhor se diz atualmente, emancipar uma comunidade e ela determinar seus destinos, mas isto é perigos no ver dos centralistas ou, no dizer dos Ministros do STJ relembrando a história, os regressistas.
Outra similaridade?
Considerar a integralidade apenas como uma questão de referência e linhas de cuidados organizadas em rede é reduzir pela metade sua dimensão. É uma leitura da constituição e da lei orgânica. Mas será que não estamos recompartimentalizando os saberes. Esquecer a dimensão da integralidade que determina o compartilhar saberes indicando que nossas ações devessem ser integradas, principalmente no âmbito da atenção básica recentraliza os saberes programáticos. O problema é que ao compartimentalizar estes saberes, recriamos guetos técnicos Dque tendem a se agregar centralizadamente. Mesmo os técnicos municipais se vinculam aos compromissos programáticos e institucionais centralizados, esquecendo a sua natureza básica que é subsidiar o planejamento e as necessidades municipais. Fortalece as normativas centralizadoras, tanto assistenciais como de proteção.
Bem intencionados que defendem a desconsideração da dupla dimensão da integralidade acabam defendendo a recentralização. Isto é regressismo.
Em entrevista ao Jornal O Globo em 28 de Janeiro de 2012 (dois dias atrás), o empresário e fundador da Microsoft, Bill Gates, participando do Fórum Mundial de Desenvolvimento Econômico de Davos (Suiça), declarou que o mundo de hoje está muito melhor do que outrora. Deu como exemplo o fato de que hoje muito menos crianças morrem antes de completar os 5 anos de idade e que a geração de renda faz alguns países em desenvolvimento reduzirem o gap econômico mais aceleradamente do que ocorreu no passado.
Sem sombra de dúvida, um dos melhores frutos do desenvolvimento é a possibilidade de viver mais e com mais saúde. O desenvolvimento econômico e social leva à redução da mortalidade precoce e a consequente extensão da expectativa de vida. Países pobres costumam ter uma expectativa de vida baixa, em função das precárias condições de saúde associadas ao baixo nível de desenvolvimento. Desnutrição, exposição às doenças transmissíveis, falta de condições de higiene domiciliar, precárias condições de trabalho, entre outros fatores, fazem com que a esperança de vida nos países mais pobres seja muito baixa, não somente pela elevada mortalidade infantil e durante os primeiros anos de vida, mas também por uma mortalidade precoce nas idades adultas. Considerando as distintas regiões mundiais, de acordo com dados de 2008, da Organização Mundial da Saúde (OMS) com a classificação do Banco Mundial (2), verifica-se que a esperança de vida ao nascer dos países mais ricos estava em torno de 76 anos de idade, enquanto a média mundial se situava aos 54 anos. No entanto, nas regiões mais pobres, como a África Sub-Sahariana ela estava em torno dos 50 anos de idade (ver gráfico 1).
Os países mais pobres do mundo, em 2008 tinham esperança de vida inferior aos cinquenta anos. É o caso da Afganistão, com 44 anos de idade, e do Congo e da Guiné, com 48 anos de idade. Neles, mais de 10% das crianças morrem antes de completar um ano de idade e a mortalidade adulta precoce é muito elevada.
As doenças que levam à mortalidade precoce estão associadas a desnutrição, às precárias condições relacionadas ao parto, a grande incidência de doenças transmissíveis (malária, tuberculose, AIDS) e a falta de vacinas, meios de prevenção, serviços de saúde e remédios para o tratamento destas doenças. Podemos dizer que na África Sub-Sahariana, o conjunto destas doenças (compostas pelas causas perinatais, maternas e doenças transmissíveis – conhecidas em epidemiologia como doenças do Grupo I) respondiam por 67% dos anos de vida saudáveis (AVISA) perdidos por mortalidade precoce ou por incapacidade física em 2008, de acordo com dados da OMS. Em compensação, as chamadas doenças crônicas não transmissíveis (conhecidas como doenças do Grupo II) representavam apenas 23% dos AVISA perdidos, por dois motivos: primeiro, porque a mortalidade pelas doenças do Grupo I era muito elevada e absorvia a maior proporção das mortes. Segundo, porque muitos não chegavam a viver o suficiente (ou não tinham padrões de consumo equivalentes) para estarem expostos aos fatores de risco que levam às doenças do Grupo II. Somente quando muitos escapam da mortalidade pelas doenças do Grupo I as doenças do Grupo II se tornam significativas, dado que surgem, em geral, em etapas mais tardias do ciclo de vida. Mesmo assim, em muitos países pobres ou mesmo não tão pobres, a existência de guerras, a exposição aos riscos de violência social ou aos acidentes de trânsito levam as causas de mortalidade do grupo III, constituido por acidentes e mortes por homicídios e suicídios (3).
Nos países ricos (ou desenvolvidos), o conjunto das doenças do Grupo I representava somente 6% dos AVISA perdidos. Atualmente o país com maior expectiva de vida é o Japão (83 anos), seguido da Suiça com 82 anos. Países nórdicos como a Suécia tem expectativa de vida em torno de 81 anos. No entanto, as doenças crônicas não transmissíveis (Grupo II) representavam 86% dos AVISA perdidos nos países ricos. O gráfico 2 mostra como a presença das doenças crônicas nos AVISA perdidos por mortalidade ou incapacidade aumenta com o nível de desenvolvimento. Na América Latina, por exempo, elas representavam 66% dos AVISA perdidos, valor próximo ao que representam no Brasil atualmente, estimado em 67%. No entanto, as estimativas da OMS é que estas doenças cheguem a representar 72% da carga de doença latino-americana em menos de duas décadas.
O processo de passagem da dominância das doenças do grupo I para as do grupo II, no perfil de mortalidade é conhecido como transição epidemiológica. Em geral esse processo também se associa a passagem de uma condição de altas taxas de fecundidade para taxas mais reduzidas e ao aumento da expectativa de vida – processo conhecido como transição demográfica - levando ao crescimento do número de pessoas com mais de 60 anos (ou de terceira idade) no conjunto da sociedade. O gráfico 3 mostra como os países mais desenvolvidos são aqueles que simultaneamente apresentam uma maior esperança de vida ao nascer ao lado de uma maior proporção de pessoas de terceira idade no conjunto da população. O tamanho das bolas representa a magnitude da população de sessenta anos e mais nestes páises.
O preço do Desenvolvimento
Portanto, o fato da mortalidade dos brasileiros estar associada cada vez mais às doenças crônicas, com uma redução sensível das mortes por doenças transmissíveis e causas maternas e perinatais, é alviçareiro, porque revela que conseguimos ultrapassar uma fase importante de alta mortalidade característica das regiões mais pobres do planeta. Mas o desenvolvimento tem um preço, que neste caso é a maior incidência relativa de doenças crônicas não transmissíveis (Grupo II). Os gastos per-capita com saúde, influenciados pelo crescimento das doenças crônicas, aumentam fortemente com o crescimento da idade e isto depende de uma série de circunstâncias que vão desde a combinação de tratamento com técnicas de promoção e prevenção para evitar fatores de risco, até a intensidade dos benefícios que os indivíduos recebem. O gráfico 4 mostra os gastos por idade em vários países da OECD como múltiplos e submúltiplos dos gastos com o grupo de idade de 50 a 64 anos.
O tratamento das doenças crônicas é muito mais caro do que o das transmissíveis e sua permanência na vida das pessoas persiste no longo prazo, desde que se manifestam os sintomas e em muitos casos até a morte. Em geral doenças ou condições crônicas são controláveis mas muitas não tem cura. O gasto é proporcional a gravidade da situação, de modo que pacientes crônicos que não previnem ou controlam seus fatores de risco, tem a possibilidade de gastar muito mais dos sistemas de saúde do que aqueles que mantem uma rotina de prevenção ou controle dos fatores de risco. Os custos das doenças crônicas, sem uma forte estratégia de promoção e prevenção, seja pelo lado dos Planos de Saúde, seja pelo Governo, de forma a influenciarem os indivíduos a ter comportamentos saudáveis, podem se tornar proibitivos, levando a uma situação de insustentabilidade, pelo lado dos planos de saúde ou dos gastos públicos, ou de gastos catastróficos pelo lado dos orçamentos familiares.
O preço do desenvolvimento, portanto, é montar toda uma estrutura que permita atender os casos de maior complexidade e gravidade, investindo na tecnologia apropriada de saúde, insumos e medicamentos para o tratamento, mas também investindo em estratégias de conscientização e parcerias entre o governo e os planos de saúde e empresas privadas e programas públicos de promoção e prevenção. É também investir em processos que permitam fazer com que o acesso a estes programas e, quando necessário, processos de tratamento, sejam acessíveis a todos independentemente de renda, idade ou região onde mora. Existe, portanto, uma imensa agenda pública e privada a ser preenchida para evitar a mortalidade precoce por estas doenças e previnir seus fatores de risco presentes na vida de grande parte dos brasileiros, como a obesidade, a hipertensão, o alcoolismo, o abuso de substancias tóxicas que criam dependência psíquica, o tabagismo e a falta de exercícios físicos.
Os programas públicos existentes no Brasil, como o Programa de Saúde da Família (PSF), têm em seus protocolos e rotinas para acompanhar portadores de doenças crônicas, como os hipertensos e diabéticos. De alguma forma estes programas podem estar dando alguns resultados na redução de casos agudos precoces. No Brasil, entre 2007 e 2010, a taxa de internação por diabetes melitus e suas complicações entre a população de 30 a 59 anos se reduziu de 7,4 para 6,6 por 10 mil habitantes, o que poderia estar associado a mais informação dos indivíduos, à detecção precoce de casos ou simplesmente à maior oferta de serviços de média complexidade que em geral são mais apropriados do que hospitais para atender a maioria dos casos de crises de diabetes que não podem ser atendidos ou acompanhados pelo primeiro nivel de atenção. Mas as taxas de internação por acidente cérebro vascular (AVC) permaneceram no mesmo patamar (ao redor de 6,6 por 10 mil, para a mesma faixa etária) entre 2007 e 2010, o que mostra que outros fatores de risco, associados a uma nutrição inadequada ou não balanceada e à vida sendentária, podem não estar sendo suficientemente monitorados dentro das populações de risco .
Além do mais, existe grande inequidade de acesso aos programas como o PSF que sequer atinge a metade dos brasileiros, deixando de fora do programa parte significativa dos mais pobres. Se a inequidade está no acesso ao PSF, que dirá no que se refere aos tratamentos mais sofisticados onde os medicamentos e equipamentos só estão disponíveis em centros urbanos e as filas nas portas de entrada são de grandes proporções.
O aumento da expectativa de vida leva ao aumento das pessoas propensas a ter doenças crônicas não transmissíveis e, dessa forma, novos desafios como aqueles associados a promoção de uma vida saudável e a prevenção devem estar presentes no cotidiano dos brasileiros. Parte da tarefa dos sistemas de saúde é conscientizar as populações de risco sobre como se evitar ou mitigar os fatores de risco. Dado que muitas doenças crônicas não tem cura, é necessário aprender a conviver com elas, controlando suas causas e evitando suas consequencias associadas a mortalidade precoce. Estilos de vida mais saudáveis dependem, no entanto, de políticas e ações intersetoriais, as quais não poderão ser feitas sem uma forte coordenação entre atores privados (operadoras de planos, empresas e indivíduos) e diferentes políticas públicas e esferas de Governo.
Notas
(1) Estatístico, residente no Rio de Janeiro (RJ), Brasil, professor e pesquisador da Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e da Fundação CESGRANRIO.
(2) O Banco Mundial divide o mundo de acordo com uma mistura de níveis de desenvolvimento e pertinência regional. As Regiões utilizadas pelo Banco Mundial são: a) Países Ricos (independentemente de onde estejam) - HIC, b) Ásia Oriental e Pacífico - EAP; c) Europa Oriental e Ásia Central - ECA; d) América Latina e Caribe - LAC; e) Oriente Médio e Norte da África - MENA; f) Ásia Meridional – SA, e; g) África Sub-Sahariana – SSA.
(3) As doenças do Grupo III são as chamadas causas externas (acidentes, guerras, homicídios, suicídios, etc.)
Referências
Cotlear, D. “Population Aging: Is Latin America Ready?”, The World Bank, Washington DC, 2011. (ver especialmente capítulo 4 - How Ages Influence the Demand on Health Care in Latin America. O livro se encontra disponível eletronicamente em: http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2011/01/07/000356161_20110107011214/Rendered/PDF/588420PUB0Popu11public10BOX353816B0.pdf
Kotlikoff, L. J., and C. Hagist. 2005. Who Is Going Broke? Comparing Health CareCosts in Ten OECD Countries. National Bureau of Economic Research,Working Paper No. 11833, Cambridge, MA