Marcos Franco – Médico Sanitarista
No dia 02 de fevereiro de 2012 aconteceu o julgamento da ADI feita pela Associação dos Magistrados do Brasil contra as ações do Conselho Nacional de Justiça. No julgamento do STJ assistimos um importante debate, rico em considerações que citavam a história pendular brasileira desde sua independência e promulgação da primeira constituição brasileira. Muito interessante o debate elucida muito da situação que vivenciamos atualmente no SUS.
No dizer dos Ministros do Supremo, o que estava em julgamento não era a ação do CNJ, mas a recentralização em detrimento da descentralização federativa, maragatos versus chimangos...
Não há que se colocar um questionamento a necessidade de se ter um judiciário idôneo e controlado adequadamente, nem a garantia das atribuições constitucionais do CNJ, não é disto que se trata a ideia de parear este momento vivido no SUS.
Este movimento pendular brasileiro de centraliza descentraliza tem defensores apaixonados de ambos os lados e considero que ao longo da história brasileira nunca houve uma maioria absoluta de um grupo sobre o outro. O resultado da votação no Supremo pode até ser reflexo disto, 6X5 a favor da centralização.
O último grande momento dos centralistas foi o golpe militar de 1964. Houve então um desagregar da descentralização e uma centralização autoritária, a ponto de intervenção na federação, aniquilando seus direitos políticos. Foi neste caldo de cultura que me formei, defendendo os direitos democráticos, que se vinculavam a descentralização em direção a participação da população. A simples expressão“direitos democráticos” era considerada crime político. - Que bom que meu filho não vive este momento.
O nascer do SUS a partir da reforma sanitária brasileira foi marcado por estes dois grandes princípios. A descentralização e a participação, que no enfrentar do “Centrão” conseguiu-se apenas que fosse “participação da comunidade”.
A estas duas grandes pilastras foram somadas a necessidade de promoção da saúde pelo enfrentamento dos determinantes sociais, da integralidade das ações e saberes nas produções das ações e serviços do SUS. Neste sentido o sistema deveria ser universal ou não conseguiria de fato implementar estes ganhos democráticos. Era óbvio. E vimos crescer uma proposição de modelo de atenção muito interessante, se contrapondo a tendência mundial excludente e com ações focadas aos pobres como determinava o WB. A nossa atenção primária não era pobre para pobre era universal, daí a chamamos de atenção básica.
Justificando o voto, um dos Ministros do Supremo cita claramente que “o Brasil é uma república federativa e não uma federação republicana, o que demonstra a supremacia do aspecto republicano sobre o federativo e rés publica significa controle dos agentes públicos e suas ações”. Para o bem e para o mal esta interpretação. Controle sim, mas considerar soberania de uma dimensão do estado brasileiro sobre a outro? Principalmente quando a recentralização mais recente brasileira lembra as destruições democráticas de 64.
E a similaridade com o SUS?
Neste caso considero que há uma grande mudança em alguns gestores federais do SUS ao rever a concepção de promoção da saúde e considera-la apenas uma questão de opção individual e excluí-la do processo de determinação social. O foco do indivíduo como o único responsável pela promoção da saúde é uma orientação do CDC de Atlanta/USA e tem uma paridade apenas com a concepção de estado pelos norte americanos. É uma opção de organização estruturalista da sociedade e da ciência. Mas a política nacional de promoção da saúde não se expressa assim. Considera os determinantes sociais como mais importantes e nossas ações devam promover o desenvolvimento sustentável, entre outros eixos não menos importantes. Inclui, é claro, as ações de promoção que também consideram a opção pessoalpela promoção da saúde (não fume, faça exercício). A opção brasileira não é apenas uma questão acadêmica, é antes de tudo uma questão política. E a nossa opção não é apenas pelo individualismo. O centralismo no individualismo se expressa em “escute o que o estado está te falando cidadão, faça apenas boas coisas...” que é bem diferente de descentralizar, organizar a comunidade, empoderar ou como melhor se diz atualmente, emancipar uma comunidade e ela determinar seus destinos, mas isto é perigos no ver dos centralistas ou, no dizer dos Ministros do STJ relembrando a história, os regressistas.
Outra similaridade?
Considerar a integralidade apenas como uma questão de referência e linhas de cuidados organizadas em rede é reduzir pela metade sua dimensão. É uma leitura da constituição e da lei orgânica. Mas será que não estamos recompartimentalizando os saberes. Esquecer a dimensão da integralidade que determina o compartilhar saberes indicando que nossas ações devessem ser integradas, principalmente no âmbito da atenção básica recentraliza os saberes programáticos. O problema é que ao compartimentalizar estes saberes, recriamos guetos técnicos Dque tendem a se agregar centralizadamente. Mesmo os técnicos municipais se vinculam aos compromissos programáticos e institucionais centralizados, esquecendo a sua natureza básica que é subsidiar o planejamento e as necessidades municipais. Fortalece as normativas centralizadoras, tanto assistenciais como de proteção.
Bem intencionados que defendem a desconsideração da dupla dimensão da integralidade acabam defendendo a recentralização. Isto é regressismo.
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