sábado, 31 de março de 2012

Análise de conjuntura do financiamento público federal de saúde no Brasil - março de 2012

Gilson Carvalho
GASTO PÚBLICO E PRIVADO EM SAÚDE NO BRASIL EM 2010
Qual o gasto público com saúde no Brasil? A cada ano faço uma tentativa, já há mais de uma década, de estimar o gasto geral, público e privado, com saúde no Brasil. Como a maioria das estatísticas de saúde esta também tem suas imperfeições.
O estudo último que foi possível fazer é aquele de 2010 pois os dados de 2011 ainda não estão consolidados. O Ministério da Saúde já foi responsável por 75% do financiamento da saúde na década de oitenta. No ano de 2010 teve reduzida esta participação a 45% (62 bi), os Estados entraram com 27% (37 bi) e os Municípios com 28% (39 bi). O percentual público do PIB foi de 3,8% sendo 1,7% atingido pelos recursos federais e 2,1% pelos recursos somados de Estados e Municípios. Nesta comparação o público foi responsável por 47% do financiamento da saúde no Brasil e o privado 53%. No gasto privado são 48% (do gasto de planos e seguros de saúde. O gasto com desembolso direto das famílias foi de 16% (25 bi) o gasto com medicamentos diretamente adquiridos pelas famílias representa 36% do gasto privado (55 bi). São R$153 bi de gasto público total com saúde.
Num estudo mais aprofundado estes dados “viram” e predomina o público sobre o privado. Basta fazer a interpretação da renúncia fiscal de 2010 com despesas descontadas no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas; de instituições filantrópicas e sobre medicamentos. Não existe cálculo de valores mas existem os planos de saúde de parlamentares, juízes e servidores públicos financiados com dinheiro público. Se computados todos estes valores o gasto público supera o privado.
Temos do início de 2012 o estudo do IBGE que trata das contas nacionais entre 2007-2009. Esta pesquisa mostra que o gasto no Brasil com saúde do privado é maior que o do público. Bem acima do que aquele com que trabalhamos acima.
Dizem os entendidos em estudos e pesquisas em geral e especificamente de financiamento que estes podem seguir vários caminhos, sendo que nenhum deles, seja, a priori errado. Basta que se explicite sua metodologia. Podem existir resultados diferentes a partir de fonte de dados e metodologia diferente de apuração e interpretação dos dados.
Esta é a segunda vez que o IBGE gera esta pesquisa que teve a cooperação do IPEA e da FIOCRUZ. O primeiro estudo grande produzido sobre as contas nacionais em saúde pelo IBGE foi a pesquisa de 2005-2007. Esta pesquisa faz o cálculo do gasto com saúde per capita/ano. O gasto público foi de R$645,27 e a do privado R$835,65 por pessoa. Um gasto quase 30% a maior. Se tomarmos os números absolutos, o público, em 2009, teria gasto R$123,5 bi e o privado R$157,1 bi de um gasto total de R$283,6 bi.
A metodologia de cálculo é diferente entre meus estudos preliminares e o estudo do IBGE das contas satélites saúde. O IBGE inclui despesas que normalmente não utilizamos nos gastos com saúde ou as atribui ao privado como gasto com família quando é das empresas que financiam planos de saúde para seus trabalhadores. Existem controvérsias e dúvidas, se podem ser computadas desta maneira.
Acima inclui os dados de 2010, mas trago os de 2009 para efeito de comparação. Meus estudos referentes a 2009 chegaram a um gasto público de R$127 bi e um privado de R$143 bi, num total de R$270 bi. Já na pesquisa do IBGE, da conta satélite saúde, o total de 2009 foi de R$283,6 sendo R$123,5 públicos e R$157,1 privados.
ORÇAMENTO FEDERAL DA SAÚDE EM 2012 E SEU CONTINGENCIAMENTO
Muitos desinformados ou de má fé estão alardeando que o Ministério da Saúde acabou tendo no orçamento de 2012 mais recursos do que teria direito pelo crescimento nominal do PIB. Em 23 de novembro, na antevéspera do recesso parlamentar, foi aprovado o orçamento da União para 2012. Nesta lei consta que o MS terá R$ 92,1 bi. No dia 19 de janeiro foi sancionada a LOA (Lei Orçamentária Anual) do orçamento federal, sem nenhum veto presidencial.
Ainda não fiz a análise do orçamento definitivo por falta de acesso a dados mais detalhados do Decreto, que restam sem divulgação. Minha impressão é de que o que houve foi a reestimativa de receitas pelo Congresso , o que levou a aumento do orçamento do Ministério da Saúde. Em primeiro lugar os recursos totais com saúde do Ministério da Saúde têm incluído nos mínimos, como prática inconstitucional, o pagamento de inativos da saúde. Inconstitucional, pois, segundo a CF, a seguridade se constitui em saúde, previdência e assistência social. Ao inflar o orçamento da saúde com inativos, além de falsear o gasto com saúde falseia igualmente o da previdência.
Muitos tomam destes dados gerais e dizem que a saúde tem muito dinheiro e esquecem-se de subtrair os inativos. Neste valor podemos ter um crescimento do gasto com inativos pela correção anual e pelo aumento do número deles. O que importa é o montante de recursos destinados às ações e serviços de saúde segundo a EC-29 e segundo a recente Lei Complementar 141.
Outra consideração a ser feita é que não podemos fazer comparações a partir do crescimento nominal dos orçamentos. Temos que deflacionar os recursos e atribuí-los segundo a população (per capita). Assim poderemos ver a tendência se para mais ou para menos. Dizer apenas que aumentaram tantos por cento em relação ao ano anterior pode ser no mínimo incorreto pois não se aplicou a inflação do período, nem tão pouco o aumento da população.
A comemoração do Governo e seus porta-vozes internos e externos é que neste ano de 2012 o Governo Federal havia alocado para a saúde mais recursos do que a que era obrigado. Isto carece de uma análise desapaixonada e principalmente, científica. Aumentaram ou não os recursos federais referentes à saúde pública em 2012? Temos que conhecer os pensamentos que se escondem nas notícias. Quando da promulgação do orçamento comemoraram as vozes oficiais o que havia aumentado na saúde. Depois de cerca de 1 mês, o decreto presidencial tirou 5 bi da saúde e ficou elas por elas. Aí não se tinha nada mais a comemorar a não ser que estavam sendo cumpridos os limites mínimos constitucionais.
O contingenciamento decretado é uma prática orçamentária que pode ocorrer a cada ano em toda a administração pública. Em geral, mas nem sempre, quando o executivo manda a proposta orçamentária ao legislativo adota uma postura mais conservadora em relação às receitas. O Legislativo, também geralmente, infla o orçamento a partir de estimativas de maior arrecadação, já que não pode criar despesas orçamentárias que não tenham fundamentação em receitas e ele sempre quer ter o poder de criar despesas, pelo menos para as emendas parlamentares.
Ao contingenciamento dos recursos federais tem-se sempre dado, já há anos, a conotação e interpretação de se fazer dinheiro para criar o superavit primário para pagamento da dívida e dos encargos financeiros da União. Este tem sido o grande sumidouro de recursos que tem suas interpretações econômicas. A maior crítica não é ter dívidas, mas a opção de gastar com seus encargos principalmente ao invés de investir mais no social.
Para este contingenciamento do orçamento federal de 2012 foi usada como base a reestimativa de R$29,5 bi de arrecadação que será frustrada (IR,CIDE, COFINS, IOF, PIS-PASEP) e R$ 7,1 bi de dividendos e outras. O total esperado de frustração é de R$36,4 bi. A receita bruta reprogramada para 2012 é de R$1,1 tri.
A redução de despesas foi de R$55 bi sendo R$20,512 de despesas consideradas obrigatórias (benefícios previdenciários, subsídios, FGTS, Fundos etc) e R$ 35 bi de despesas denominadas de discricionárias. Neste rol está a saúde com perda de R$5,475 dos 35 (15,6%) ou 10% dos R$55 bi do contingenciamento geral. A quase totalidade deste contingenciamento na saúde refere-se a investimentos das Emendas Parlamentares.
Na Lei Orçamentária 12.595 de 19/1/2012 as ações e serviços de saúde tiveram assegurados R$77,582 bi e com o contingenciamento R$72,11 bi.
Fazendo uma análise retrospectiva quero lembrar que a União, a rigor, não pode contingenciar os recursos mínimos da saúde sob pena de descumprir a CF. Em geral, ao final de cada ano, o contingenciamento da saúde cai e até se alocam mais recursos que não são gastos. É bem verdade que colocam dentro do mínimo, despesas não devidas segundo a CF e a Lei, e não reinvestem os restos a pagar cancelados de anos anteriores.
A União não pode contingenciar os mínimos da saúde pois o paradigma de gasto com saúde, expresso na CF é de que a cada ano se gaste em saúde o mesmo do empenhado no ano anterior, aplicada a variação do PIB do ano da elaboração da PLOA. Portanto, o gasto com saúde independe da arrecadação: com muita ou pouca, com superavit ou frustração o dinheiro mínimo da saúde deve ser mantido neste patamar mínimo e isto está na CF e agora na LC 141. É triste, entretanto, que o que constitucionalmente era o mínimo em saúde, passou a ser o teto. Pior: sempre em defesa da própria saúde!
Outra coisa, entretanto, que aconteceu aqui neste ano de 2012 é que o Congresso aprovou um recurso a mais para a saúde através de emendas parlamentares todas elas relativas a investimentos. Foi este dinheiro a mais que foi contingenciado como dito acima. Inclue-se aí a inovação das emendas populares que foram destinadas à saúde no campo dos primeiros cuidados com saúde (atenção básica) e no do saneamento básico.
A saúde perdeu? Sim, é mais uma perda já anunciada. Perda não dos mínimos obrigatórios, mas daquilo que foi oferecido como a mais para cobrir a necessidade crônica de recursos da saúde. O subfinanciamento da saúde pública é fato consumado, descrito em prosa e verso e não apenas deste governo mas de todos que o precederam, principalmente no pós constituição de 1988.
A luta de todos os cidadãos é para que a saúde tenha mais dinheiro e melhor eficiência de gasto para que seja preservada sua vida-saúde.

quarta-feira, 28 de março de 2012

O SUS dos senadores !!!

No Senado, um plano de saúde sem limites

Publicado em: 26/03/2012 10:06:53
O Globo - 25/03/2012

Para ex e atuais senadores, saúde sem limites

Nos últimos cinco anos, o Senado gastou R$ 17,9 milhões com ressarcimento de despesas médicas dos senadores e seus dependentes. Não há limite para esses gastos, bastando apenas a apresentação de notas. Para os ex-senadores, o teto é de R$ 32,9 mil por ano, mas há quem gaste o triplo e, mesmo assim, seja ressarcido.

Casa gastou, desde 2007, R$25 milhões com despesas médicas de parlamentares e ex-congressistas



BRASÍLIA. O Senado é pródigo em benefícios a seus parlamentares. Além da verba indenizatória de R$15 mil e do direito de contratar até 72 servidores, os senadores e seus dependentes têm direito a assistência médica pelo resto da vida. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que reembolsos particulares chegam a ultrapassar R$100 mil por ano e que ex-senadores, mesmo aqueles com privilegiada situação financeira ou no exercício de outros cargos, continuam recorrendo ao Senado para ter suas despesas médicas reembolsadas.

De 2007, a última legislatura, até agora, foram gastos R$17,9 milhões com ressarcimentos por despesas médicas com senadores no exercício do mandato. Com os ex-parlamentares, a conta chegou a R$7,2 milhões. E o detalhe é que ninguém precisa pagar nada pelo benefício.

Ex-parlamentares também pediram reembolsos

Os parlamentares no exercício do mandato não têm um teto para o gasto, bastando apenas apresentar notas, caso optem por médicos e clínicas não conveniadas.

Para aqueles que não têm mais cargo, mas permaneceram pelo menos 180 dias corridos como senador - caso dos suplentes - o teto anual é de R$32.958,12. Mas o valor nem sempre é respeitado.

Ainda há vários casos de deputados e prefeitos que, depois de assumirem essas funções públicas, continuaram apresentando a fatura ao Senado. É o caso do ex-prefeito de Porto Alegre José Fogaça. Ele foi senador entre 1995 e 2002 e esteve à frente da prefeitura entre 2005 e 2010. Nesse período, porém, pediu ressarcimentos. Apresentou notas que somam R$12.976 e recebeu as restituições. O GLOBO telefonou para a casa dele, mas sua filha informou que ele não estava.

O limite de R$32.958,12 é um parâmetro que não é levado a sério pelo Senado. O ex-senador Moisés Abrão Neto (PDC-TO) foi reembolsado em 2008 em R$109.267 por despesas médicas - o triplo permitido. Divaldo Suruagy (PMDB-AL), que exerceu o mandato entre 1987 e 1994, recebeu, em 2007, R$41.500 por despesas odontológicas.

A esse mesmo tipo de tratamento submeteu-se a esposa do ex-senador Levy Dias (DEM-MS). Ela gastou, de uma só vez, em 2008, R$67 mil com tratamento dentário. A assessoria de imprensa do Senado informou que a Mesa Diretora é responsável por autorizar gastos acima dos fixados quando acha necessário.

Alguns ex-senadores parecem seguir à risca o valor fixado em R$32.958,12 e apresentam faturas no valor exato, incluindo os centavos. Agiram dessa maneira os ex-senadores Lúdio Coelho, em julho de 2009, Levy Dias, em julho de 2010, Carlos Magno Duque Barcelar, em setembro de 2011, e Antonio Lomanto Júnior, também em setembro do ano passado.

Embora milionários, outros ex-senadores não se intimidam em apresentar faturas para o Senado pagar. João Evangelista da Costa Tenório (PSDB-AL), que em 2007 assumiu a vaga de Teotônio Vilela, eleito governador de Alagoas, é usineiro naquele estado e dono de emissora de TV. No ano passado foi ressarcido em R$25.859.

Roberto Cavalcanti (PMDB-PB), que sucedeu a José Maranhão quando este assumiu o cargo de governador da Paraíba em 2008, é dono do Sistema Correio de Comunicação. Mas em novembro do ano passado recebeu R$1.460 de restituição do Senado.

Na semana passada, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), durante discurso sobre o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que trata da saúde pública, disse que a universalização da saúde ainda é um desafio para o país. No Senado, ela é universal e irrestrita para os seus.

terça-feira, 27 de março de 2012

Estado de Corrupção consentida ( 2 )

Gilson Carvalho [1]



Há mais de dez anos atrás escrevi uma crônica sobre corrupção onde fiz a assertiva: “vivemos num estado de corrupção consentida”. Volto a falar do tema diante do estado de “comoção social” pela fraude na área de saúde envolvendo fornecedores e gestores.

Acho que continuamos ingênuos. E, demais! Quem imagina que este fato seja único, raro e inusitado? Não é assim. Podemos até fechar os olhos mas, esta corrupção está entranhada em nós brasileiros durante pelo menos os últimos quinhentos anos.

Quando surgem denúncias sobre corrupção no SUS, me abordam dizendo: “Viu a corrupção no SUS?”. Ora, por que esta venda nos olhos? Não existe corrupção sem os dois pólos, o passivo e o ativo.Só há corrupção no público com a conivência prazerosa do privado. Não podemos pensar no privado angelical e o público diabólico.

Será que não imaginamos como funcionam as milionárias campanhas políticas? São poucas as campanhas políticas onde não haja uma face suja. Ou o dinheiro é sujo ou arrecadado de maneira suja. Quantos, na mais reta intenção, enfiariam a mão nos bolsos para doar 100, 500, 1000 reais para uma campanha? Contam-se nos dedos (só das mãos limpas!). Se este dinheiro vem de empresas podem ter certeza que após a posse do eleito estarão às portas cobrando a fatura. Ou a benevolência de que não se contrariem seus interesses ou mesmo a subserviência de fazer negócios escusos. Vão corrigir e dizer: mas não é assim sempre. Podem ter certeza de que, quando não for assim, raramente serão eleitos. Mas, e a venda dos botons, bonés e camisetas? Não arrecada? Me enganem que gosto! Em que proporção estas quinquilharias ajudam no financiamento?  Mais, até o ato admirado do primeiro escalão panfletar e tremular bandeiras nas esquinas, pode ser uma moeda de troca na hora de manter cargos. Podemos pensar nos grandes escândalos público-privados como a construção de Brasilia, as grandes obras da ditadura militar, a privataria tucana, o mensalão (epa, não foi mensalão foi quadrimestral!). Vampiragem. Sanguesugas. Ambulâncias etc. etc.

A mesma coisa, só conferir a mídia, acontece no privado e com muito mais intensidade que no público. Que o digam os setores de compras das empresas. Tem uma questão: as empresas não têm interesses em se expor perante a sociedade e, muitas vezes, o funcionário ou gerente corrupto sabe o quanto o são os que estão hierarquicamente acima deles. No mesmo ou em outro negócio.

Resumindo podemos falar que o equivalente a um terço de nosso PIB está no caixa dois, provado por vários pesquisadores, inclusive do Instituto de Planejamento Tributário, uma empresa privada. Nosso PIB que fechou em R$ 3,7 tri em 2011 poderia ter sido de cerca de R$5 tri! A carga tributária que é em média de 35% do PIB poderia ser bem menor se todos pagassem e declarassem a renda. Uns pagam pelos que não pagam?

Acostumei-me a fazer um cálculo simplista: O PIB oficial de 2011 foi de R$3,7 tri. Tomando os 35% da carga tributária teremos R$1,3 tri de recolhimento pelo público. O público, que só pode roubar de mãos dadas com o privado, tem estimada uma corrupção possível de R$260 bi - 20% deste total. (Ética do mercado! Frase da semana dita pela Renata representante da Rufolo).  Se o privado está metido no meio da corrupção pública e ainda tem todo o caixa dois escondido, podemos dizer que o privado tem um potencial de trabalhar com um montante de corrupção de R$5 tri (R$3,7 tri do PIB declarado + R$1,3 bi de caixa dois!). O horizonte de teto de corrupção pública é de R$1,3 tri e do privado R$5 tri!!!  E ainda há inocentes que digam que a corrupção é pública e só ou mais na saúde (SUS)!!!  Ingenuidade ou má fé?

A corrupção nossa de cada dia, o mais das vezes, não se materializa em moeda. É um estado de comportamentos e atitudes que jamais associamos com a corrupção. Na área de saúde podemos citar: usar indevidamente os serviços de saúde; exigir indevidamente medicamentos, exames e procedimentos desnecessários; receber % para prescrição ou uso de medicamentos, procedimentos, próteses; descumprir carga horária contratual de trabalho; perder material de saúde  por mau uso; passar parentes e amigos na frente da fila dos atendimentos, de exames etc. etc.... 

Todos conhecem a corrupção e todas as suas mais diferentes formas. Mas, a tendência nossa é terceirizá-la para os outros. Responsabilidade, culpa e solução é dos outros. A dificuldade é transformar conhecimento em ação e assumí-la. Da intenção ao ato  existe  um grande fosso. É necessária uma grande força interior para assumirmos nossa parcela de responsabilidade para transformar a realidade a partir de nós próprios.



 
[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - carvalhogilson@uol.com.br. O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização.Textos disponíveis:  www.idisa.org.br

domingo, 25 de março de 2012

Senado aprova a aposentadoria por invalidez integral para servidores públicos.

Por unanimidade, o Plenário aprovou nesta terça-feira (20), em sessão extraordinária, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/2012, que garante proventos integrais a servidores públicos aposentados por invalidez. A proposta vai ser promulgada em sessão solene do Congresso Nacional, a ser agendada para os próximos dias. 
Os 61 senadores que registraram presença votaram a favor da proposta. Os dois turnos de discussão e votação, exigidos pela Constituição, foram realizados em sessões extraordinárias abertas em sequência, graças a acordo de líderes. Relator da matéria na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o senador Alvaro Dias, disse que a aprovação da proposta corrige um erro histórico que prejudicava servidores públicos aposentados por invalidez desde a promulgação da Emenda Constitucional 41/2003. 
PEC 5/2012 assegura aos servidores que tenham ingressado no serviço público até 31 de dezembro de 2003 o direito de se aposentar por invalidez com proventos integrais e garantia de paridade. Dessa forma, explicou Alvaro Dias, o servidor público poderá receber proventos equivalentes à sua ultima remuneração, conforme a proposta, que determina vinculação permanente entre proventos de aposentados e a remuneração da ativa, com extensão aos inativos de todas as vantagens concedidas aos ativos. 
Prazo para correções 
A PEC determina que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, com suas respectivas autarquias e fundações, procedam, no prazo de 180 dias da entrada em vigor da emenda, a revisão das aposentadorias e pensões delas decorrentes, concedidas a partir de 1º de janeiro de 2004. As emendas de redação apresentadas pelo relator apenas transferem a matéria das disposições transitórias para os dispositivos permanentes da Constituição. A apresentação de emendas de mérito obrigaria o retorno da proposta à Câmara, o que retardaria a tramitação da proposição, de autoria da deputada Andréia Zito (PSDB-RJ), que acompanhou a votação do Plenário. 
Com base nessa promulgação, o IPREV, através da Gerência de Inativos fará dentro do prazo estabelecido a análise e revisão de todas as aposentadorias por invalidez concedidas a partir de 2003. O relatório desse levantamento demonstrará os impactos nas folhas de pagamento e a revisão dos benefícios previdenciários para todos os servidores que tiverem o direito. 
Fonte: Ministério Previdência Social.

A avalição do desempenho do SUS

Publicado em: 23/03/2012
O documento IDSUS – Índice de Desempenho do SUS, divulgado pelo Departamento de Monitoramento e Avaliação do SUS do Ministério da Saúde, em março de 2012, faz referência ao PROADESS como fundamento teórico do seu modelo de avaliação.

Vale ressaltar que o PRO-ADESS - Projeto Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde - surgiu como decorrência do posicionamento crítico que uma equipe de pesquisadores do ICICT e da ENSP, a convite da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva - ABRASCO, em relação à metodologia proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no Relatório Mundial de Saúde em 2000. Na ocasião, a OMS avaliou os sistemas de saúde dos países membros a partir de 5 indicadores - média e distribuição do nível de saúde, média e distribuição da responsividade e justiça na contribuição financeira -que compunham um indicador final (Overall Health System Performance).

Inicialmente, um grupo de pesquisadores da ENSP e do ICICT identificou uma série de problemas metodológicos e fragilidades conceituais na proposta, além de destacar o fato de que somente 5 países tinham todas as informações necessárias para o cálculo do indicador. As críticas foram apresentadas em um seminário internacional no Rio de Janeiro, sendo referendadas por especialistas da área de avaliação de desempenho de sistemas de saúde e levadas à OMS. Em conseqüência desse movimento acadêmico, a OMS suspendeu a continuidade da proposta tal como apresentada em 2000.

Como resultado dessa discussão, a ABRASCO obteve um financiamento da FINEP, em 2001, para constituir um grupo de trabalho composto por representantes de 7 instituições associadas, que foi incumbido de apresentar uma proposta alternativa para a avaliação do sistema de saúde brasileiro, que resultou no PRO-ADESS.

No projeto foi feita uma revisão da bibliografia e uma análise das principais metodologias de avaliação de sistemas de saúde implantadas em alguns países (Canadá, Austrália, Inglaterra) e as propostas metodológicas de organizações internacionais como a Organização Panamericana de Saúde - OPAS, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico– OCDE e OMS. A partir dessa análise, decidiu-se pelo desenvolvimento de uma matriz cujo foco é o desempenho dos serviços de saúde sob diversos aspectos: acesso, efetividade, eficiência, respeito aos direitos dos pacientes, aceitabilidade, continuidade, adequação e segurança. Esses aspectos deveriam ser analisados levando-se em conta a oferta de serviços de saúde incluindo a gestão, os recursos humanos e financiamento que, por sua vez, estariam definidas segundo as necessidades de saúde e seus determinantes sociais e econômicos. Para cada uma dessas dimensões e sub-dimensões foi elaborada uma lista de indicadores que poderiam ser usados para analisar as desigualdades sociais existentes em cada caso (ver relatório final do PRO-ADESS: http://www.proadess.icict.fiocruz.br/relatoriofinal.pdf ).

De 2003 a 2007, foi desenvolvida,no ICICT/FIOCRUZ,a primeira versão da página eletrônica do PRO-ADESS, na qual foram divulgadas a matriz conceitual, o relatório final do projeto e a bibliografia atualizada sobre avaliação do desempenho de serviços de saúde.

A partir de 2008, com suporte financeiro do FNS/SAS foi possível dar início a uma segunda etapa do projeto, por parte de um grupo de pesquisadores do ICICT e da ENSP, voltada para a seleção, desenvolvimento dos indicadores e elaboração de uma nova página eletrônica (www.proadess.icict.fiocruz.br), na qual os resultados obtidos passaram a ser divulgados cobrindo o período 1998 - 2010. A análise dos indicadoresé norteada pelo conceito de equidade nas quatro dimensões da matriz conceitual do PRO-ADESS, a saber:
• Determinantes da saúde: ambientais, sócio-econômicos e demográficos, comportamentais e biológicos;
• Condições de saúde da população: morbidade, estado funcional, bem estar e mortalidade;
• Estrutura do sistema de saúde: condução, financiamento e recursos, e
• Desempenho dos serviços de saúde: acesso, efetividade, eficiência, respeito aos direitos dos pacientes, aceitabilidade, continuidade, adequação e segurança.

Apesar da referência à matriz conceitual do PRO-ADESS como fundamento teórico do IDSUS, a proposta do PRO-ADESS não é fazer a avaliação no nível municipal, dada à carência de informações nesse nível geográfico, e não se propõe o uso de um único indicador composto para mensurar o desempenho. Além disso, há diferenças importantes nos dois projetos quanto à definição das sub-dimensões do desempenho dos serviços de saúde. Segundo o PRO-ADESS, a análise dessas sub-dimensões deve levar em conta as desigualdades sociais e as inter-relações entre as diferentes dimensões da matriz conceitual.

O IDSUS é um indicador síntese que se propõe a aferir o desempenho do Sistema de Único de Saúde (SUS) a partir de 24 indicadores, que permitiriam avaliar o acesso aos serviços (potencial ou obtido) e a efetividade do sistema de saúde no âmbito municipal em todos os níveis de atenção. Entretanto, os objetivos do projeto não deixam claro se o objeto da avaliação seria o sistema de saúde brasileiro ou apenas o segmento público e privado contratado ao qual se refere a grande maioria dos indicadores.

A análise de componentes principais foi o método estatístico usado para determinar esses dois componentes do indicador final e os pesos que a eles seria atribuído. Os 14 indicadores que medem o acesso nos três níveis de atenção são responsáveis por 72% do peso no indicador final e os 10 indicadores associados à efetividade respondem por 28%. O acesso potencial é medido pela cobertura da Estratégia Saúde da Família e o acesso obtido, avaliado pelas taxas de utilização de serviços. Entre os indicadores considerados para avaliar o acesso à alta complexidade incluem-se alguns relacionados com a proporção de procedimentos e internações de média/alta complexidade realizados para a população não residente no município, o que na verdade não traduz a questão do acesso desse tipo de atenção. No caso da efetividade combinam-se diferentes abordagens conceituais, por um lado relacionadas a metas alcançadas (cobertura com a vacina tetravalente em menores de um ano), por outro à adequação do cuidado (proporção de parto normal) e em alguns casos associadas a resultados alcançados (proporção de cura de novos casos de tuberculose ou hanseníase e incidência de sífilis congênita).

Um desenvolvimento importante foi a preocupação em identificar grupos de municípios homogêneos passíveis de comparação. Verifica-se, entretanto, que alguns indicadores que avaliam o acesso foram utilizados também para a própria definição dos grupos homogêneos, como a proporção de internações de média e alta complexidade para não residentes.

A análise do indicador final levando em conta apenas o resultado do indicador composto, ou o “ranking” dos municípios, desconsiderando até mesmo os municípios homogêneos, pouco contribui para o entendimento da situação do sistema de saúde no nível municipal. Se, por outro lado, os resultados dos componentes relativos à atenção básica ou à de média e alta complexidade, forem analisados separadamente seria possível usar essas informações para conhecer melhor o desempenho do sistema de saúde, acompanhar os indicadores ao longo do tempo e orientar as intervenções.
Entre os aspectos positivos do projeto IDSUS, ressalta-se o esforço realizado pelo MS ao permitir que os gestores possam consultar os indicadores específicos do seu município utilizados para o cálculo do IDSUS, e comparar os dados do seu município com outros municípios pertencentes ao mesmo grupo (foram definidos 6 grupos homogêneos de municípios), ou futuramente ao longo do tempo. Além disso, é possível obter o indicador segundo regionais de saúde, o que parece muito mais adequado do que as análises no nível municipal já que essas áreas são definidas a partir de redes assistenciais compartilhadas por diversos municípios.

A divulgação do IDSUS também mostra a necessidade de investimentos na melhoria da qualidade dos sistemas governamentais de informação para gerar dados mais apropriados à avaliação do desempenho dos serviços de saúde e, sobretudo a carência de informações do setor privado, o que provoca distorções graves nos indicadores, já que os denominadores se referem à população total residente nos municípios.

Francisco Viacava (ICICT/Fiocruz), Silvia Marta Porto (ENSP/Fiocruz), Josué Laguardia (ICICT/Fiocruz) e Alicia Domingues Ugá (ENSP/Fiocruz).

quarta-feira, 21 de março de 2012

Deputados relançam frente em defesa dos profissionais de saúde.

Foi relançada, nesta terça-feira, a Frente Parlamentar em Defesa dos Profissionais de Saúde. O grupo foi criado pela primeira vez em 2007 e representa os interesses de 14 categorias registradas no Ministério da Saúde.

O principal objetivo dos 287 deputados que integram a frente é trabalhar para que médicos, dentistas, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, fonoaudiólogos, parteiras e outras categorias da área de saúde tenham melhores salários e melhores condições para exercer sua profissão.

Os parlamentares defendem a aprovação do projeto que fixa um piso salarial de R$ 7 mil para os médicos que trabalharem 20 horas semanais (PL 3734/08). Também querem a aprovação da proposta que reduz a carga horária de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem 40 para 30 horas semanais (PL 2295/00).

A frente ainda pretende incentivar a capacitação dos profissionais de saúde, como afirma o seu presidente, deputado Damião Feliciano, do PDT da Paraíba:

"A qualificação também desses profissionais, para que esses profissionais não errem tanto. Recentemente uma paciente morreu exatamente porque um técnico de enfermagem, ao invés de soro fisiológico, colocou vaselina na veia da paciente, e ela terminou falecendo".

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, será o presidente do honra da frente. Ele sugeriu a integração desse grupo com as outras frentes parlamentares da saúde, como a das Santas Casas de Misericórdia, para que definam uma agenda em comum.

O ministro também sugeriu que as frentes recebam contribuições dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde:

"Eu sugeri a todas as frentes parlamentares do campo da saúde que a gente possa fazer uma renião conjunta no Ministério da Saúde, o Conas [Conselho Nacional dos Secretários de Saúde], o Conasems [Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde], com todas as frentes parlamentares do campo da saúde, para discutirmos a agenda prioritária no Congresso no campo da saúde".

Segundo o ministro Alexandre Padilha, essa reunião deverá ocorrer logo depois do Carnaval. Ele ainda destacou que não é possível melhorar a saúde no País sem valorizar os trabalhadores do setor.

Outro ministro que participou do relançamento da frente parlamentar foi o da Previdência, Garibaldi Alves Filho. Ele diz ter participado do evento porque, quando a saúde não vai bem, quem "paga o pato" é a Previdência, com o auxílio-doença e verbas destinadas aos idosos desprotegidos, por exemplo:

"A Previdência paga a conta da saúde porque, se a saúde não for eficiente, essa conta vai ser paga pela Previdência em termos de auxílio-doença. E o auxílio-doença tem aumentado muito nos últimos anos. Então é preciso que a saúde - daí a minha esperança no ministro Padilha e na frente - que eles possam imprimir novos rumos à saúde".

Outro tema prioritário da Frente Parlamentar em Defesa dos Profissionais de Saúde é a regulamentação da Emenda Constitucional 29, que define os percentuais mínimos que serão investidos a cada ano na saúde pela União, pelos estados e pelos municípios.

De Brasília, Renata Tôrres

segunda-feira, 19 de março de 2012

Doenças raras: um desafio na agenda do desenvolvimento da saúde infantil.

Nos últimos anos, tem aumentado a preocupação com o tema de desenvolvimento infantil (early child development - ECD) no mundo. Vários governos tem avançado em criar uma agenda que integre os temas da educação, da saúde e do cuidado familiar para buscar soluções que permitam orientar a criança para aproveitar seu pleno e integral potencial como futuros adolescentes e adultos. Estes temas estão na raíz dos novos paradígmas do desenvolvimento econômico e social na medida em que são a base para novos modelos de produtividade e desenvolvimento humano, já presente nas agendas dos países desenvolvidos.

No caso do Brasil, alguns Estados tem avançado nos temas de educação pré-escolar e estimulação precoce nas áreas de educação e nutrição, mas os temas de saúde ainda continuam atrás desse processo.

O Estado de São Paulo, no entanto, pode ser considerado uma exceção. Entre os temas que tem preocupado a Secretaria de Saúde (SES-SP) e a Universidade de São Paulo (USP), está o tema das doenças raras que devem ser identificadas precocemente e tratadas, se possível,a partir da infância. A SES-SP está organizando um Programa de Assistência à Pessoa com doença Rara (DR), vinculado a Triagem Neonatal, com o objetivo de diagnosticar as doenças crônicas, genéticas e incuráveis com manifestação clínica já no primeiro ano de vida.

No dia 29 de fevereiro último - dia internacional da Doença Rara - a SES-SP decidiu que publicará em breve, no Diário Oficial do Estado, os nomes dos 10 médicos, professores universitários e especialistas em doenças raras (Comitê DORA), que irão compor a assessoria técnica desse programa, sob a coordenação da Dra. Carmela M. Gringler, que também coordena o Programa Estadual de Triagem Neo-Natal. Para fundamentar este processo, já se encontra pronto o projeto de uma plataforma eletrônica - um site interativo entre a rede de Atenção Básica, a SES-SP e a Universidade de São Paulo - que foi construído conjuntamente com os professores da Escola Politécnica da USP.

Esta semana publicamos um artigo da Dra. Magda Carneiro-Sampaio, que está fortemente envolvida neste projeto. Ela é Professora Titular de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e Presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da mesma Faculdade. Em 2011, ela propôs à SES-SP e a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado, um programa de assistência aos portadores de doenças raras, que agora se torna realidade. Com a palavra, a Dra. Magda.

Políticas Públicas para as Doenças Raras
Magda Carneiro-Sampaio

Na comunidade européia, uma doença é considerada rara quando tem uma frequência menor de que 1 afetado em cada 2.000 pessoas da população geral. Como as doenças raras (DRs) são inúmeras (entre 5 mil a 6 mil doenças diferentes), o número de pacientes com DRs é alto, chegando a 4% da população européia. Assim, as doenças são consideradas raras, mas os doentes com DRs são numerosos. Entre as DRs, existem algumas não tão raras, como as hemofilias, as distrofias musculares, a fibrose cística do pâncreas ou mucoviscidose, a neurofibromatose, enquanto outras são mesmo raríssimas.

A maior parte das DRs tem origem genética, e cerca de 80% delas decorre da alteração de um único gene e por isso são chamadas de monogênicas. As únicas doenças genéticas não consideradas como raras na nossa população são a síndrome de Down (1 em cada 800 nascidos vivos) e a anemia falciforme, esta última monogênica e mais comum entre descendentes de africanos.

As DRs são quase sempre crônicas, progressivas, degenerativas, comprometem a qualidade de vida e implicam em grande sofrimento para o afetado e para sua família, levando não raro à desagregação familiar. Várias trazem riscos imediatos à vida, tais como as imunodeficiências congênitas graves (como a criança que vivia numa bolha, retratada no filme “O menino da bolha de plástico”, de 1976), das quais me ocupo diretamente. Estas doenças são 100% letais se não forem tratadas com transplante de células hematopoiéticas de medula óssea ou de cordão umbilical, procedimento que pode propiciar ao doente uma vida normal e produtiva, já que não apresenta outros defeitos.

Considerando-se a população de 41 milhões de habitantes no Estado de São Paulo e a frequência de DRs da comunidade europeia, podemos inferir que em nosso Estado vivam aproximadamente 1,5 milhões de pessoas com diferentes DRs, a maior parte das quais certamente ainda não diagnosticadas. Nos hospitais universitários, em particular nos seus serviços de Pediatria, Neurologia e Endocrinologia, mais de 80% dos pacientes são portadores de DRs. Porém até chegar a um centro capaz de estabelecer o diagnóstico e oferecer tratamento adequado, quando disponível, o portador de DR, como regra, já passou por uma verdadeira via crucis em numerosos hospitais, centros de saúde, ambulatórios e laboratórios, sem ter recebido o acolhimento e a atenção necessários.

Com a incontestável melhoria das condições de vida e da assistência à saúde à nossa população, as doenças infecciosas (diarreias, sarampo, tuberculose, tétano, outras), agravadas que eram pela desnutrição, felizmente deixaram de figurar como causas importantes de mortalidade infantil em nosso Estado. Hoje os problemas neonatais e as anomalias genéticas e malformações congênitas representam as 2 causas mais comuns de mortalidade infantil em São Paulo, tendo sido responsáveis, respectivamente, por 57% e 22% de todas as mortes em menores de um ano em 2010. Há de se salientar que, apesar de todo o progresso econômico que nosso Estado e nosso País vêm galgando, nossas taxas de mortalidade infantil - um indicador crítico para o índice de desenvolvimento humano - ainda são altas: 11,9 por mil nascidos vivos em 2010, ou seja, 12 crianças em cada 1.000 nascidas vivas não completam o primeiro aniversário. Vale salientar que no Chile este índice é 7, em Portugal e Espanha, apenas 3!

Acredito que os dados aqui apresentados mais que justificam uma preocupação das autoridades sanitárias com as DRs e consequentemente a proposição de políticas públicas para diagnóstico e assistência adequada aos doentes, aconselhamento genético às famílias para evitar novos casos, registro dos casos e famílias afetadas, apoio à pesquisa para elucidar a origem das diferentes doenças e para o desenvolvimento de formas eficazes de tratamento. A baixa prevalência de cada uma dessas doenças traz como conseqüência dificuldade para a própria construção do conhecimento médico e epidemiológico sobre esses defeitos. Por sua vez, o sistema de saúde acaba tendo um contingente de casos espalhados, diminuindo a possibilidade de desenvolvimento de estratégias para diagnóstico e tratamento efetivos.

O programa nacional de triagem neonatal (conhecido como teste do pezinho) representa sem dúvida um esforço organizado para a detecção precoce de algumas DRs. Recentemente iniciou-se a articulação de uma rede entre os hospitais universitários paulistas públicos e privados (rede DORA – Doenças Raras), que sob a coordenação da Secretaria de Estado da Saúde, começa a planejar a assistência aos portadores de DRs. Especialistas de todas as áreas já se envolveram e em paralelo organizam-se também para realizar investigação científica avançada, sabendo-se que as doenças monogênicas são situações privilegiadas para se entender a Medicina e a Biologia em geral.

Ao lado da Academia e do poder público, estão também as associações de doentes, que recentemente constituíram a FEBER (Federação Brasileira de Enfermidades Raras), atores fundamentais para a implementação deste novo desafio na assistência à saúde que o progresso social e econômico do nosso Estado e do nosso País nos impelem hoje a enfrentar. O tema vem sensibilizando diversos países, o que motivou a criação do Dia Internacional das Doenças Raras, em 29 de fevereiro. É uma oportunidade para que as autoridades, o meio acadêmico e a população em geral reflitam sobre a necessidade de se implementarem políticas públicas para fazer frente a uma realidade que, no conjunto, afeta uma grande parcela da população.

Jornada Catarinense de Enfermagem

terça-feira, 6 de março de 2012

O Índice de Desempenho do SUS ( IDSUS )

André Medici
Introdução

Monitorar e avaliar o desempenho das políticas públicas é uma das funções essenciais do Estado moderno, não só para prestar contas à população sobre como usar os impostos arrecadados dos contribuintes, mas também para saber como e onde aplicar os recursos da forma mais eficiente e equitativa. Neste sentido, a elaboração e publicação do Índice de Desenvolvimento do SUS (IDSUS), apresentado em outubro de 2010 pelo Ministério da Saúde à Comissão Interministerial Tripartite (1), foi uma notícia alvissareira para aqueles que acreditam na transparência e no compromisso do Ministério da Saúde em utilizar informações estratégicas sobre o desempenho do SUS como meio para apoiar os Estados e Municípios na melhoria de seus indicadores de saúde.

O IDSUS foi lançado no dia 1º. de março de 2012, como uma síntese de 24 indicadores que avaliam o desempenho do SUS, atribuindo uma nota (grau) para cada Município, Estado e para o Brasil. A nota varia de zero a dez, onde os menores escores representariam as piores posições na classificação relativa ao desempenho do SUS no Estado ou Município considerado.

A divulgação de índices ou metodologias que procuram classificar o desempenho de políticas governamentais é uma das ferramentas básicas que podem ser utilizadas para identificar necessidades, estabelecer prioridades e alocar de melhor forma os recursos públicos. Todos deveriamos ser a favor deste tipo de esforço porque aumenta a transparência e melhora o funcionamento da máquina pública. Portanto, o Ministério da Saúde demonstrou coragem e determinação na formulação e lançamento do IDSUS.

No entanto, pelo menos dois pre-requisitos devem ser cumpridos para a produção de informações, cálculo e divulgação de índices de desempenho: a) a busca de consistência técnica e metodológica, e; b) a busca de consenso técnico quanto a metodología e variáveis consideradas no cálculo do índice entre acadêmicos que fazem suas próprias avaliações e autoridades que trabalham nas esferas de Governo que são avaliadas.

Muitas instituições de renome na área de saúde já foram objeto de críticas de setores políticos e governos por não cumprirem com estes dois pré-requisitos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou no final dos anos noventa o World Health Survey (WHS), o qual serviu de base para a publicação do Informe de Saúde Mundial de 2000 (2). Com base nos dados coletados, produziu um Indice Global de Resultados em Saúde que classificava os países segundo as seguintes variáveis e pesos de ponderação: esperança de vida saudável (ou ajustada pela discapacidade), com 25%; desigualdade no acesso a saúde (25%); capacidade de resposta dos sistemas de saúde (12,5%); e adequação dos recursos para o financiamento (12,5%) (3).

O índice produzido com os dados do WHS apresentou importantes inovações na métrica de saúde ao nivel mundial. No entanto, muitos contestaram que os dados e a metodologia não eram suficientes e representativos para classificar os países. Além do mais, consideraram que a discussão técnica prévia sobre o índice não foi esgotada para que houvesse um consenso e validação da metodologia (4), levando o índice a ser rechaçado por muitos meios acadêmicos e Ministérios da Saúde em todos os continentes, incluindo no Brasil.

Duas formas de abordar a multidimensionalidade

O uso de índices sintéticos tem sido realizado em distintos contextos internacionais como forma de abordar o tema da multimensionalidade associada a um determinado problema ou setor. Um primeiro esforço nesta linha foi o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), desenvolvido e utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), sob inspiração do Prêmio Nóbel em Economia Amartia Sen, que desenvolveu a família dos índices de carência relativa (5). Vários outros índices sintéticos foram produzidos a partir de então: o índice de pobreza multimensional (IPM), o índice de pobreza humana para países em desenvolvimento (IPH-1) e o Índice de probreza humana para países selecionados da OECD (IPH-2), somente para ficar no universo do PNUD.

Uma segunda abordagem para representar a multidimensionalidade parte do presuposto de que não existe um modelo único para atribuir pesos às variáveis que explicam um determinado problema em distintas regiões, mesmo quando estas variáveis sejam as relevantes de serem observadas e acompanhadas. Neste contexto, em cada município, estado ou região, os pesos associados a estas variáveis poderiam ser diferentes e portanto uma base única de ponderação não se aplicaria dado que estaria se comparando alhos com bugalhos. Neste caso, a opção seria negar o uso de índices sintéticos e acompanhar um conjunto de variáveis relevantes em cada Região através de um dashboard ou painél de controle. Em muitos casos, por exemplo, algumas variáveis (intervinientes) novas deveriam ser incluidas, dado que teriam mais poder explicativo das necessidades de saúde da região do que as existentes.

Um exemplo do tipo de abordagem painél de controle é o conjunto de indicadores acompanhados pelo PNUD que conformam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Neste caso, o importante é que cada indicador é acompanhado de forma independente, de acordo com metas absolutas e objetivas de alcance. Mas em muitos países, outros indicadores associados aos ODM deveriam ser introduzidos dado que os próprios ODM não são os objetivos mais relevantes para todos os países.

Para exemplificar, nos ODM da América Latina, temas como a mortalidade infantil passam progressivamente a ter menos importância do que a mortalidade precoce por doenças crônicas e a desnutrição infantil progressivamente dá lugar à obesidade infantil.

O Processo de Construção e Metodologia do IDSUS

Várias informações sobre o processo de construção do IDSUS estão disponíveis nas páginas web do Ministério da Saúde. Procuraremos fazer uma síntese dos principais aspectos:

a) Bases Conceituais:

O Ministério da Saúde indica que a base teórica para a construção do IDSUS foi a Metodologia de Avaliação de Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro (PRO-ADESS), coordenada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fiocruz (ICICT/Fiocruz). O informe que se relaciona à metodologia mencionada (6) propõe um conjunto de indicadores que leva em consideração os determinantes sociais da saúde, as condições de saúde da população, a estrutura do sistema de saúde e o desempenho do sistema de saúde, analisados transversalmente no que se refere equidade. O IDSUS aparentemente toma estas dimensões, não no indicador de desempenho do SUS, mas nos indicadores que são utilizados para classificar os municípios em extratos homogêneos, em número de seis. Apesar destas congruências metodológicas, o PRO-ADESS não propõe um indicador sintético, mas sim uma metodologia do tipo painel de controle, onde se eliminaria o problema de ter uma estrutura de ponderação unica dos indicadores para cada município ou Região (7).

b) Consultas Técnicas:

O Ministério da Saúde realizou uma consulta pública sobre a metodologia do IDSUS, entre os meses de Abril e Junho de 2011. Recebeu 130 contribuições de 52 participantes, resultando na proposta de 33 novos indicadores. A metodologia também foi consultada com a Comissão Tripartite, composta pelo Ministério e por representantes dos Conselhos dos Secretários Estaduais (CONASS) e Municipais de Saúde (CONASEMS). Os dois Conselhos manifestaram, após a divulgação do índice, a sua adesão à proposta e a relevância de se ter o referido índice. No entanto, o Estado e o Município do Rio de Janeiro, que não tiveram boa performance na comparação da classificação, não ficaram satisfeitos com a divulgação do Índice, tema que abordaremos mais adiante. Mas de acordo com o MS, os indicadores foram escolhidos entre dirigentes e técnicos do MS, a partir das considerações e críticas da academia, gestores, trabalhadores e usuários do SUS;

c) Indicadores que compõe o IDSUS:

O IDSUS se compõe de 24 indicadores associados aos temas de cobertura (acesso potencial ou obtido) com 14 indicadores, e efetividade (resultados esperados) do SUS, com 10 indicadores. Os indicadores de cobertura foram definidos em três áreas assistenciais (atenção básica, atenção ambulatorial e hospitalar de média complexidade e atenção ambulatorial e hospitalar de alta complexidade) enquanto que os indicadores de efetividade tomaram em consideração a atenção básica e a atenção ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidade em conjunto. O Quadro 1 mostra a Composição dos Indicadores do IDSUS enquanto que os Quadros 2 e 3 mostram a lista de indicadores de acesso e de efetividade considerados.





d) Valores dos Indicadores e Cálculo do IDSUS

A cada um dos indicadores é atribuida uma nota que varia de 0 a 10, baseada em parâmetros (absolutos) esperados para cada um deles atribuidos pelos técnicos do Ministério da Saúde. A nota representa a proporção do resultado do Município, Estado ou Região em relação ao parâmetro (8). Mas cada indicador tem um valor diferente na estrutura de ponderação do IDSUS, com base a resultados decorrentes da aplicação de Análise de Componentes Principais (APC), de modo que, de forma agregada, os indicadores de cobertura do SUS tem um peso de 71,25% enquanto que aos indicadores de efetividade do SUS é atribuido um peso de 28,75%. A cada um dos 24 indicadores também é atribuido um peso a partir da aplicação da técnica estatística de APC. Os indicadores podem ser desagregados também em sub-indicadores de acesso e efetividades por níveis de complexidade da atenção à saúde.
e) Outras formas de tratamento estatístico dos indicadores

Dado que os municípios não são homogêneos em relação a suas características demográficas, como tamanho da população, e composição etária da mesma por gênero e idade, foi aplicado ao cáculo de cada indicador individual por município uma padronização indireta por faixa etária e sexo, que elimina a influência das diferenças populacionais de faixas etárias e sexos existentes entre os municípios, e um bayes empírico, que elimina a grande variação eventualmente derivada de indicadores em pequenas populações, como uma morte infantil entre 10 nascidos vivos em um determinado municípios.

f) A Comparabilidade do Indicador entre Municípios

Dadas as características sócio econômicas e demográficas dos Municípios, os valores do IDSUS não podem ser comparados entre todos os municípios. A metodologia utilizada propôs sua desagregação em grupos homogêneos de municípios, baseados em 12 variáveis de contexto, utilizadas para a definição de 6 grupos homogêneos. Estas variáveis são agregadas em tres índices que refletem especificidades e diferenças sócio econômicas (Índice de Desenvolvimento Sócio-Econômico - IDS), perfil de morbimortalidade (Índice de Condições de Saúde - ICS) e suficiência da estrutura do sistema de saúde com base no nível de complexidade da atenção (índice de estrutura do sistema de saúde do município - IESSM). Na construção dos grupos homogêneos foram utilizadas as técnicas estatísticas de ACP e de Clusters K-means. Esta última permite calcular a similaridade dos municípios em relação ao seu valor médio para os 12 indicadores. O Quadro 4 apresenta a lista dos 12 indicadores utilizados para a definição dos 6 grupos homogêneos e o Quadro 5, a classificação dos Municípios segundo os três índices e o número de municípios encontrado em cada grupo.




Resultados Encontrados


Os resultados encontrados mostram uma realidade em certo sentido esperada e se referem aos indicadores mais recentes, coletados entre os anos 2008 e 2010. O Brasil possui um IDSUS equivalente a 5,47. Este resultado reflete as dificuldades recentes que o país tem demonstrado em aumentar a cobertura de programas como o de saúde da família e a baixa densidade tecnológica do setor que aparentemente tem alta valoração na ponderação do índice. A região Sul teve pontuação de 6,12, seguida do Sudeste (5,56), Nordeste (5,28), Centro-Oeste (5,26) e Norte (4,67). Como era de se esperar, os estados da Região Sul possuem índices mais altos - Santa Catarina (6,29), Paraná (6,23) e Rio Grande do Sul (5,90). Em seguida, vêm Minas Gerais (5,87) e Espírito Santo (5,79). As menores pontuações são do Rio de Janeiro (4,58), Rondônia (4,49) e Pará (4,17).

No que se refere aos Municípios, as maiores notas em cada um dos seis Grupo Homogêneo foram: 7,08 para Vitória (ES), no grupo 1; 8,22 para Barueri (SP) no grupo 2; 8,18 para Rosana (SP) no grupo 3; 7,31 para Turmalina (MG) no grupo 4; 8,38 para Arco-Íris (SP) no grupo 5 e 7,76 para Fernandes Pinheiro (PR) no grupo 6 (9). Os gráficos 1 e 2 mostram a classificação dos Estados e dos Municipios das Capitais no Desempenho do IDSUS.




Algumas considerações sobre o Processo de Construção do IDSUS

O processo de construção do IDSUS pode ser comentado a partir dos seguintes aspectos: a) Seleção das variáveis; b) Ponderadores; c) Grupos homogêneos, d) Periodicidade e, e) Interpretação dos dados. Os comentários que se seguem são mais de caráter geral. Um exercício mais detalhado, comentando os indicadores que faltam e a adequação dos indicadores que existem, deveria ser realizado. Abaixo seguem os comentários:

a) Seleção das variáveis

Os indicadores de acesso parecem dar um peso exagerado às variáveis associadas a média e alta complexidade e um peso menor às variáveis de atenção básica. Isto introduz um viés que consagra uma visão que não dá suficiente valor aos temas de atenção básica e às estratégias de promoção e prevenção.

Os indicadores de acesso não refletem os desafios epidemiológicos da próxima década, especialmente no que se refere a cobertura de doenças crônicas não transmissíveis. O processo de envelhecimento da população brasileira faz com que as estratégias de atenção básica tenham que estar voltadas para a promoção e prevenção de doenças crônicas e seus fatores de risco. Portanto indicadores associados ao acompanhamento e monitoramento de casos de diabetes, hipertensão, obesidade deveriam estar incluidos nas variáveis que monitoram a cobertura da atenção básica.

No que se refere aos indicadores mais tradicionais, o número de consultas anuais a crianças menores de um ano (atualmente se fala em 1000 dias de acompanhamento) é outro indicador que, ainda que esteja disponível nas bases de dados do SUS, não se reflete nos indicadores selecionados.

Os indicadores de acesso também não refletem outra importante questão que leva ao abandono dos tratamentos, como a percentagem de consultas com prescrição onde o indivíduo recebe efetivamente o medicamento através do SUS.

Por fim, os indicadores de acesso não incorporam indicadores associados ao tema de regulação do cuidado, referência e contra-referência, deixando de retratar um aspecto de extrema relevância para melhorar os processo de acesso e cobertura, com eficiência e racionalidade no uso dos recursos. Por exemplo, a porcentagem de internações, consultas especializadas e cirurgias ambulatoriais realizadas com referência conhecida deveria ser utilizada como indicador de organização do cuidado. No entanto, se deu preferência a avaliar os processos de internação para não residentes, o que não reflete necessariamente cuidados prestados com base em referências documentadas de outras regiões.

Os indicadores de efetividade também não refletem os novos desafios epidemiológicos. Por exemplo, faltam indicadores como a proporção de mortes ou internações por diabetes em relação ao número de diabéticos acompanhados pelos serviços de atenção básica, ou de número de acidentes cardiovasculares como porcentagem das pessoas registradas com hipertensão arterial nos serviços de atenção básica. Estes são importantes traçadores para acompanhar a efetividade de saúde de um país, como o Brasil, onde mais de 70% da carga de doença se associa ao peso de doenças crônicas.

No entanto, os indicadores de efetividade refletem a situação dos municípios de maior complexidade, deixando pouca possibilidade para avaliar os municípios de menor população ou inseridos em regiões preponderantemente rurais. Estas considerações mostram cada vez mais a dificuldade (e até mesmo a impossibilidade) de comparar, com as mesmas variáveis, municípios com diferentes realidades sócio-econômicas, demográficas e epidemiológicas.

Outro comentário importante se refere aos denominadores populacionais das variáveis. Alguns municípios brasileiros detém uma alta porcentagem de pessoas com acesso a planos privados de saúde, o que faz com que estas populações não necessariamente utilizem os serviços do SUS para atividades de atenção básica e média complexidade, ainda que possam utiliza-los para alguns procedimentos de alta complexidade. Portanto, um exercício interessante, seria retirar, da população de cada município ou Estado, aquela que tem acesso aos planos de saúde e refazer os indicadores. Estou certo de que os resultados e a classificação seriam totalmente diferente.
b) Ponderadores

Na mesma linha dos comentários anteriores, o peso atribuido aos indicadores parece ser excessivo para a média e alta complexidade (70%) em relação a atenção básica (30%) no que diz respeito a dimensão acesso, e ainda pior em relação a dimensão efetividade, onde o peso dos indicadores de média e alta complexidade alcança quase 80%, relegando a atenção básica a apenas 20%. Está provado que uma das grandes deficiências do sistema de saúde brasileiro se encontra no ainda baixo acesso à atenção básica.

Não fica claro na documentação metodológica divulgada pelo Ministério da Saúde, como a técnica de APC foi utilizada. Em geral, índices sintéticos devem se suprir de variáveis que são correlacionadas no mesmo sentido, mas os pesos das variáveis não necessariamente devem ser atribuidos às variáveis que tem maiores correlações. Se supõe que os pesos devem ter base em evidência associada aos indicadores que tem maiores dificuldades de serem cumpridos ou estão melhor correlacionados com a melhoria dos indicadores de saúde da população. Mas isso não está explicado na documentação.

Outro tema importante no que diz respeito a ponderação, é se caberia utilizar uma mesma estrutura de ponderação para todos os municípios. Nos municípios de menor porte, certamente que a atenção básica terá um peso quase absoluto na estrutura de ponderação, e com isso não caberia utilizar as estruturas de ponderação gerais propostas pelo indicador. Isto também se refere as variáveis, dado que outras variáveis de acesso, como a cobertura de combate vetorial para doenças transmissíveis por exemplo, no caso dos municípios de pequeno porte da Amazônia, deveriam ser considerados.
c) Grupos Homogêneos

A análise que gerou a existência de grupos homogêneos considerou somente variáveis de contexto para criar os grupos de municípios. No entanto, as diferenças de contexto também influenciam nas variáveis e nos pesos que deveriam ser utilizados para medir os temas de acesso e efetividade do cuidado, dado que a própria mensuração do desempenho dos sistemas de saúde deve ser diferente segundo as características dos municípios.

Portanto, ao se dividir os municípios em grupos homogêneos, deveriamos ter um conjunto de variáveis distintas, para cada grupo homogêneo, o que impediria, ao fim, de ter uma análise dos municípios em bases semelhantes, com as mesmas variáveis e com um mesmo critério de ponderação como ocorre em um indicador sintético comparável para todos os municípios.

d) Periodiciadade

Segundo o Ministério da Saúde, o IDSUS seria calculado de três em três anos. No entanto, os indicadores que o compõe não estam todos disponíveis de três em três anos ou apresentam defasagens que não permitem alinhá-los para um mesmo ano. A documentação do indicador divulgada pelo Ministério da Saúde não é clara quanto a este ponto, mas ao que parece existe uma mistura de indicadores que vão de 2008 a 2011 para o estabelecimento do IDSUS 2012. Neste sentido, alguns dados relacionados a indicadores municipais se referem a quatro anos atrás, quando boa parte dos prefeitos atuais ainda não tinha iniciado seus governos.

e) Interpretação dos Dados

Dadas as reais diferenças nos níveis de complexidade dos sistemas de saúde existentes nos municípios, minha tendência é considerar que é impossível ter um indicador sintético único que possa medir o desenvolvimento dos sistemas de saúde nos municípios brasileiros. Neste contexto, a interpretação dos dados do IDSUS se torna difícil e complexa, inviabilizando uma comparabilidade real dos indicadores.

Por exemplo, um município como Alta Floresta, no Amazonas, pode ter feito um excelente trabalho na redução dos casos de doenças transmissíveis por vetores, que representavam 70% da carga de enfermidade da Região. No entanto, não conseguiu internar pacientes de alta complexidade nas instalações existentes, dado que o nivel de densidade tecnológca dos serviços não permitiu. O primeiro caso não seria registrado como positivo no IDSUS mas o segundo seria registrado como negativo, rebaixando o índice de um município que afinal conseguiu um tento altamente importante frente ao seu quadro epidemiológico.

Outro tema importante é o fato de que os indicadores não são apresentados (ou ponderados) de acordo com seus respectivos períodos de referencia. Supõe-se que, dado haver distintas fontes de informação estatística, provenientes de vários órgãos públicos federais (DATASUS, MDS, IBGE, etc.), o IDSUS foi construido com dados provenientes dos anos de 2008 a 2011. No entanto, determinadas políticas de saúde podem ter mudanças que se refletem no curto prazo. A cobertura dos programas de atenção básica em um município, por exemplo, poderia aumentar quatro vezes de um ano para o outro se existe assistência técnica adequada, vontade política e recursos para contratar pessoal. Portanto, um indicador defasado e misturado com indicadores de diferentes anos pode refletir uma situação que não é exatamente aquela em que se encontra o município, prejudicando a análise comparativa dos dados.

O IDSUS não reflete, em seu conjunto de variáveis, nenhum indicador de esforço, ou seja, qual a velocidade de mudança no progresso de um dado indicador nos últimos anos? Isto poderia garantir que o município está efetivamente estabelecendo uma relação de progresso na busca de desenvolvimento de seu sistema de saúde, o que seria um fator de incentivo na classificação. Na medida em que isso não é feito, municípios que realizaram um grande esforço mas partem de patamares muito baixos na performance dos indicadores, não veem refletidos seus esforços no IDSUS, o que transmite um certo sentimento de injustiça.

Outro tema é que muitos dos problemas de saúde deveriam ser avaliados através do desempenho de políticas de outros setores transporte (para melhorar o acesso), saneamento e alimentação (para melhorar o quadro de higiene e nutrição), trabalho (reduzindo o risco de acidentes e doenças profissionais), meio ambiente (para reduzir os efeitos da contaminação sobre a saúde dos indivíduos) e controle de fatores de risco externos (criminalidade, tabagismo, alcoolismo, sedentarismo e outros). Alguns indicadores dessa natureza deveriam ser considerados para avaliar os níveis de saúde nos espaços urbanos, seja no contexto, seja na capacidade do município de gerenciar políticas inter-setoriais que afetam o desempenho do setor saúde.

Por fim, como já mencionado, o IDSUS não tratou diferencialmente os resultados do SUS em municípios que tem maior ou menor cobertura dos sistemas de saúde suplementar, o que deveria ser considerado dado que a população que tem plano de saúde, ainda que tenha direitos de ser coberta pelo SUS, somente o utiliza em raras circunstâncias, fazendo com que a avaliação do IDSUS deva se concentrar num universo menor da população daqueles municípios.

O Caso do Rio de Janeiro

Na análise dos dados do IDSUS no Rio de Janeiro, o Estado obteve a terceira pior posição na classificação nacional e o Município do Rio de Janeiro, a pior situação entre os municípios das capitais. Esta realidade deve ser interpretada do ponto de vista das condições históricas do Estado e do Município. Este último, abrangendo 50% da população do Estado, apresentava uma forte participação de pessoas com cobertura de planos de saúde entre sua população (mais de 50%), fazendo com que muitos não utilizassem regularmente o SUS. Ao mesmo tempo, o muniípio apresentava em 2008 uma baixa taxa de cobertura dos programas de atenção básica (ao redor de 6% em 2008), o que o levava a uma situação bastante peculiar.

Sem a existência de serviços de média complexidade de 24 horas de atenção, a população era obrigada a formar imensas filas nas emergências dos hospitais municipais, estaduais e federais que não tinham condições de atender adequadamente a demanda. Os serviços de saúde não se estabeleciam nas favelas, dado os problemas de segurança que impediam, não apenas os profissionais de saúde de frequentarem ou de se estabelecerem perto das mesmas, como também a população de descer ao asfalto para procurar o serviços de saúde.

Nos últimos anos o Município passou a enfrentar esta situação de uma forma bastante eficiente e expedita. A Secretaria Municipal de Saúde criou um modelo arrojado de Clínicas de Família, que potencializa a atenção do Programa de Saúde da Família (PSF), elevando a cobertura da atenção básica para algo ao redor de 27% da população em dezembro de 2011. Complementou esta estratégia com a criação de diversas Unidades de Pronto Atendimento 24 horas (UPAS) em diversas localidades pobres do Município, facilitando o acesso aos serviços de emergência e média complexidade e ao mesmo tempo racionalizando a porta de entrada para a alta complexidade.

A Secretaria Estadual de Saúde, também estabeleceu UPAS em vários locais da Região Metropolitana e do Interior do Estado e criou um programa de apoio aos hospitais do interior (PAHI) que permite racionalizar o uso e aumentar a cobertura e referência dos pequenos hospitais dos municípios do interior, fazendo com que os mesmos se integrem, ou com hospitais regionais de referência, ou com as redes de atenção básica existentes nos municípios.

A Secretaria de Segurança do Estado, por sua vez, implementou um processo de expulsão de traficantes e criminosos e de pacificação nas favelas do Rio de Janeiro, criando nas mesmas, as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que permitem maior segurança para a população local e tranquilidade para descer ao asfalto e utilizar as Clinicas de Família ou UPAS que estão próximas às suas circunvizinhanças.

Estes fatos, dado que ocorreram nos últimos dois anos, não se refletem nos indicadores do IDSUS que retratam a situação existente em 2008. Portanto, em que pese que os indicadores do Estado e do Município ainda podem ser melhorados, o esforço empreendido pelos governos do Estado e Município não está diretamente refletido no indicador.

Considerações finais sobre o uso do IDSUS

Diante de todos os problemas acima mencionados, creio que devemos ter muita cautela na interpretação e uso dos dados do IDSUS. Por enquanto, ele é um instrumento que permite colocar as administrações estaduais e municipais de saúde alinhadas em torno de alguns objetivos de desenvolvimento. Mas algumas perguntas deveriam ser feitas quanto a este ponto: a) Seriam os objetivos implícitos medidos pelo IDSUS os mais corretos a serem perseguidos pelo sistema de saúde? b) Dadas as enormes diferenças regionais e municipais, seria o IDSUS um indicador adequado para comparar os municípios quanto ao desenvolvimento da saúde?

Minha posição pessoal, tenderia a ser a seguinte: Não sou contra a existência de indicadores sintéticos e acho que os mesmos podem e devem ser utilizados para alinhar objetivos, medir resultados, estabelecer incentivos ou distribuir recursos. Mas para tal, o processo de construção destes indicadores sintéticos deve passar por um ciclo longo de testes, pilotos de implementação, substituição e teste de novas variáves e, assim mesmo, marcando as diferenças entre a tipologia de contextos de saúde existentes no interior do país, até que se prove (ou não) a viabilidade e adequação técnica de construir um índice sintético. Em muitos contextos, indicadores sintéticos não são a melhor opção. Em outros, como é o caso da fórmula de distribuição regional de recursos para a saúde utilizada pelo Governo Inglês, se demorou anos (ou décadas) para se estabelecer um consenso técnico.

Portanto, numa primeira fase, ao invés de ter como ponto de partida um indicador sintético, se poderia implementar ao nivel do governo um processo de avaliação dos municípios do tipo painél de controle (dashboard), onde: (a) se consideraria um conjunto até maior de indicadores que seriam testados e adequados aos contextos sócio econômicos, demográficos e epidemiológicos de cada município; (b) se fariam rankings independentes de variáveis como forma de priorizar problemas específicos para serem incorporados nos planos e estratégias de saúde dos governos municipais, se possível com o apoio técnico das Secretarias Estaduais de Saúde e do Ministério da Saúde; (c) se procuraria alinhar os indicadores às prioridades de saúde em cada contexto municipal; (d) se fariam rondas de discussão técnica e consenso permanente entre o Ministério da Saúde, a comunidade acadêmica, o CONASS e o CONASEMS em relação a estes indicadores, e; (e) se fariam agregações tentativas que poderiam criar, no futuro, indicadores sintéticos para cada conjunto de municípios, mantidas suas especificidades.

Dois outros pontos deveriam ser mencionados. Dados os problemas acima descritos, o Ministério da Saúde deveria ser muito cauteloso ao divulgar este indicador em um ano eleitoral, dado que poderá levar a interpretações equivocadas sobre o desempenho e esforço empreendido pelos secretários de saúde e prefeitos na melhoria dos seus indicadores de saúde.

O segundo ponto se refere ao uso do indicador para premiar ou punir municípios na alocação e distribuição dos recursos financeiros repassados pelo SUS. Este processo deverá um dia ser feito, mas não com a configuração atual do IDSUS. O ideal seria utilizar os dados do IDSUS para permitir a programação de políticas, intervenções e incentivos que devem ser dados para adequar investimentos, processos, capacitação técnica, coordenação inter-setorial e o enfoque para resultados dos programas do SUS ao nível local.

Estes comentários não tem nenhuma intenção de desmerecer o grande esforço e compromisso que o Ministério da Saúde tomou ao lançar o IDSUS. Mas acredito que os temas levantados neste artigo poderiam ajudar na construção de uma metodologia de monitoramento e avaliação que permita o avanço do SUS frente aos seus velhos e novos desafios.

Notas

(*) O autor agradece aos comentários de Edmar Bacha, Simon Schwartzman, Thereza Lobo e Hortense Marcier.

(1) Órgão Colegiado do Governo Federal, composto por Representates do Ministério de Saúde, do Conselho dos Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS).

(2) WHO, The World Health Report 2000: Health Systems: Improving Performance, Ed. World Health Organization, Geneva, 2000.

(3) Tandon, A., Murray, C.J.L; Lauer, J.A & Evans, D.B., Measuring Overall Health System Performance for 91 Countries, Ed. WHO, 2000 (Disponível em
http://www.who.int/healthinfo/paper30.pdf).

(4) Em que pese o fato de que o Índice tenha sido objeto de consulta a informantes chave e aos países membros durante sua preparação.

(5) O índice avalia três atributos: saúde, educação e riqueza. As variáveis que compõe o IDH são: para a saúde, esperança de vida ao nascer; para educação a média entre taxa de alfabetização de adultos e a taxa bruta combinada de matrícula na educação primária, secundária e superior e para a variável riqueza, o logarítmo neperiano do PIB per-capita em dólares internacionais. Como índice de carência relativa ele calcula para cada atributo a diferença entre o valor real encontrado e o valor mínimo do indicador dividida pela diferença entre o valor máximo e o valor mínimo encontrado no atributo (ou variável) entre os 150 países que compõe o índice. Desta forma, o índice de cada país estará sempre entre 0 (pior score possível) e um (maior score possível). Desde 2010 o índice passou a ser calculado por uma nova metodologia que introduz pequenas variações no cálculo de cada atributo.

(6) Viacava, F. (coord) et al., PROADESS- Avaliação de Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro: Indicadores para Monitoramento (Relatorio Final), Ed ICICT-Fiocruz, Rio de Janeiro (RJ), julho de 2011. A versão eletrônica deste artigo pode ser obtida na página
http://www.proadess.cict.fiocruz.br/SGDP-RELATORIOFINAL30-7-2011.pdf

(7) Talve por causa destas diferenças metodológicas, técnicos da ENSP-FIOCRUZ (alguns dos quais participaram na equipe que elaborou o PROADESS) realizaram uma série de críticas à metodologia proposta, como pode ser visto na página http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/materia/?matid=29669

(8) Isso faz com que as variáveis do Índice sejam calculadas de forma diferente das variáveis do IDH, por exemplo, onde os valores máximos representam a melhor posição alcançada nesta variável por um determinado país.

(9) Os resultados completos dos valores do IDSUS por indicador podem ser encontrados na página
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1080