Gilson Carvalho
GASTO PÚBLICO E PRIVADO EM SAÚDE NO BRASIL EM 2010
Qual o gasto público com saúde no Brasil? A cada ano faço uma tentativa, já há mais de uma década, de estimar o gasto geral, público e privado, com saúde no Brasil. Como a maioria das estatísticas de saúde esta também tem suas imperfeições.
O estudo último que foi possível fazer é aquele de 2010 pois os dados de 2011 ainda não estão consolidados. O Ministério da Saúde já foi responsável por 75% do financiamento da saúde na década de oitenta. No ano de 2010 teve reduzida esta participação a 45% (62 bi), os Estados entraram com 27% (37 bi) e os Municípios com 28% (39 bi). O percentual público do PIB foi de 3,8% sendo 1,7% atingido pelos recursos federais e 2,1% pelos recursos somados de Estados e Municípios. Nesta comparação o público foi responsável por 47% do financiamento da saúde no Brasil e o privado 53%. No gasto privado são 48% (do gasto de planos e seguros de saúde. O gasto com desembolso direto das famílias foi de 16% (25 bi) o gasto com medicamentos diretamente adquiridos pelas famílias representa 36% do gasto privado (55 bi). São R$153 bi de gasto público total com saúde.
Num estudo mais aprofundado estes dados “viram” e predomina o público sobre o privado. Basta fazer a interpretação da renúncia fiscal de 2010 com despesas descontadas no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas; de instituições filantrópicas e sobre medicamentos. Não existe cálculo de valores mas existem os planos de saúde de parlamentares, juízes e servidores públicos financiados com dinheiro público. Se computados todos estes valores o gasto público supera o privado.
Temos do início de 2012 o estudo do IBGE que trata das contas nacionais entre 2007-2009. Esta pesquisa mostra que o gasto no Brasil com saúde do privado é maior que o do público. Bem acima do que aquele com que trabalhamos acima.
Dizem os entendidos em estudos e pesquisas em geral e especificamente de financiamento que estes podem seguir vários caminhos, sendo que nenhum deles, seja, a priori errado. Basta que se explicite sua metodologia. Podem existir resultados diferentes a partir de fonte de dados e metodologia diferente de apuração e interpretação dos dados.
Esta é a segunda vez que o IBGE gera esta pesquisa que teve a cooperação do IPEA e da FIOCRUZ. O primeiro estudo grande produzido sobre as contas nacionais em saúde pelo IBGE foi a pesquisa de 2005-2007. Esta pesquisa faz o cálculo do gasto com saúde per capita/ano. O gasto público foi de R$645,27 e a do privado R$835,65 por pessoa. Um gasto quase 30% a maior. Se tomarmos os números absolutos, o público, em 2009, teria gasto R$123,5 bi e o privado R$157,1 bi de um gasto total de R$283,6 bi.
A metodologia de cálculo é diferente entre meus estudos preliminares e o estudo do IBGE das contas satélites saúde. O IBGE inclui despesas que normalmente não utilizamos nos gastos com saúde ou as atribui ao privado como gasto com família quando é das empresas que financiam planos de saúde para seus trabalhadores. Existem controvérsias e dúvidas, se podem ser computadas desta maneira.
Acima inclui os dados de 2010, mas trago os de 2009 para efeito de comparação. Meus estudos referentes a 2009 chegaram a um gasto público de R$127 bi e um privado de R$143 bi, num total de R$270 bi. Já na pesquisa do IBGE, da conta satélite saúde, o total de 2009 foi de R$283,6 sendo R$123,5 públicos e R$157,1 privados.
ORÇAMENTO FEDERAL DA SAÚDE EM 2012 E SEU CONTINGENCIAMENTO
Muitos desinformados ou de má fé estão alardeando que o Ministério da Saúde acabou tendo no orçamento de 2012 mais recursos do que teria direito pelo crescimento nominal do PIB. Em 23 de novembro, na antevéspera do recesso parlamentar, foi aprovado o orçamento da União para 2012. Nesta lei consta que o MS terá R$ 92,1 bi. No dia 19 de janeiro foi sancionada a LOA (Lei Orçamentária Anual) do orçamento federal, sem nenhum veto presidencial.
Ainda não fiz a análise do orçamento definitivo por falta de acesso a dados mais detalhados do Decreto, que restam sem divulgação. Minha impressão é de que o que houve foi a reestimativa de receitas pelo Congresso , o que levou a aumento do orçamento do Ministério da Saúde. Em primeiro lugar os recursos totais com saúde do Ministério da Saúde têm incluído nos mínimos, como prática inconstitucional, o pagamento de inativos da saúde. Inconstitucional, pois, segundo a CF, a seguridade se constitui em saúde, previdência e assistência social. Ao inflar o orçamento da saúde com inativos, além de falsear o gasto com saúde falseia igualmente o da previdência.
Muitos tomam destes dados gerais e dizem que a saúde tem muito dinheiro e esquecem-se de subtrair os inativos. Neste valor podemos ter um crescimento do gasto com inativos pela correção anual e pelo aumento do número deles. O que importa é o montante de recursos destinados às ações e serviços de saúde segundo a EC-29 e segundo a recente Lei Complementar 141.
Outra consideração a ser feita é que não podemos fazer comparações a partir do crescimento nominal dos orçamentos. Temos que deflacionar os recursos e atribuí-los segundo a população (per capita). Assim poderemos ver a tendência se para mais ou para menos. Dizer apenas que aumentaram tantos por cento em relação ao ano anterior pode ser no mínimo incorreto pois não se aplicou a inflação do período, nem tão pouco o aumento da população.
A comemoração do Governo e seus porta-vozes internos e externos é que neste ano de 2012 o Governo Federal havia alocado para a saúde mais recursos do que a que era obrigado. Isto carece de uma análise desapaixonada e principalmente, científica. Aumentaram ou não os recursos federais referentes à saúde pública em 2012? Temos que conhecer os pensamentos que se escondem nas notícias. Quando da promulgação do orçamento comemoraram as vozes oficiais o que havia aumentado na saúde. Depois de cerca de 1 mês, o decreto presidencial tirou 5 bi da saúde e ficou elas por elas. Aí não se tinha nada mais a comemorar a não ser que estavam sendo cumpridos os limites mínimos constitucionais.
O contingenciamento decretado é uma prática orçamentária que pode ocorrer a cada ano em toda a administração pública. Em geral, mas nem sempre, quando o executivo manda a proposta orçamentária ao legislativo adota uma postura mais conservadora em relação às receitas. O Legislativo, também geralmente, infla o orçamento a partir de estimativas de maior arrecadação, já que não pode criar despesas orçamentárias que não tenham fundamentação em receitas e ele sempre quer ter o poder de criar despesas, pelo menos para as emendas parlamentares.
Ao contingenciamento dos recursos federais tem-se sempre dado, já há anos, a conotação e interpretação de se fazer dinheiro para criar o superavit primário para pagamento da dívida e dos encargos financeiros da União. Este tem sido o grande sumidouro de recursos que tem suas interpretações econômicas. A maior crítica não é ter dívidas, mas a opção de gastar com seus encargos principalmente ao invés de investir mais no social.
Para este contingenciamento do orçamento federal de 2012 foi usada como base a reestimativa de R$29,5 bi de arrecadação que será frustrada (IR,CIDE, COFINS, IOF, PIS-PASEP) e R$ 7,1 bi de dividendos e outras. O total esperado de frustração é de R$36,4 bi. A receita bruta reprogramada para 2012 é de R$1,1 tri.
A redução de despesas foi de R$55 bi sendo R$20,512 de despesas consideradas obrigatórias (benefícios previdenciários, subsídios, FGTS, Fundos etc) e R$ 35 bi de despesas denominadas de discricionárias. Neste rol está a saúde com perda de R$5,475 dos 35 (15,6%) ou 10% dos R$55 bi do contingenciamento geral. A quase totalidade deste contingenciamento na saúde refere-se a investimentos das Emendas Parlamentares.
Na Lei Orçamentária 12.595 de 19/1/2012 as ações e serviços de saúde tiveram assegurados R$77,582 bi e com o contingenciamento R$72,11 bi.
Fazendo uma análise retrospectiva quero lembrar que a União, a rigor, não pode contingenciar os recursos mínimos da saúde sob pena de descumprir a CF. Em geral, ao final de cada ano, o contingenciamento da saúde cai e até se alocam mais recursos que não são gastos. É bem verdade que colocam dentro do mínimo, despesas não devidas segundo a CF e a Lei, e não reinvestem os restos a pagar cancelados de anos anteriores.
A União não pode contingenciar os mínimos da saúde pois o paradigma de gasto com saúde, expresso na CF é de que a cada ano se gaste em saúde o mesmo do empenhado no ano anterior, aplicada a variação do PIB do ano da elaboração da PLOA. Portanto, o gasto com saúde independe da arrecadação: com muita ou pouca, com superavit ou frustração o dinheiro mínimo da saúde deve ser mantido neste patamar mínimo e isto está na CF e agora na LC 141. É triste, entretanto, que o que constitucionalmente era o mínimo em saúde, passou a ser o teto. Pior: sempre em defesa da própria saúde!
Outra coisa, entretanto, que aconteceu aqui neste ano de 2012 é que o Congresso aprovou um recurso a mais para a saúde através de emendas parlamentares todas elas relativas a investimentos. Foi este dinheiro a mais que foi contingenciado como dito acima. Inclue-se aí a inovação das emendas populares que foram destinadas à saúde no campo dos primeiros cuidados com saúde (atenção básica) e no do saneamento básico.
A saúde perdeu? Sim, é mais uma perda já anunciada. Perda não dos mínimos obrigatórios, mas daquilo que foi oferecido como a mais para cobrir a necessidade crônica de recursos da saúde. O subfinanciamento da saúde pública é fato consumado, descrito em prosa e verso e não apenas deste governo mas de todos que o precederam, principalmente no pós constituição de 1988.
A luta de todos os cidadãos é para que a saúde tenha mais dinheiro e melhor eficiência de gasto para que seja preservada sua vida-saúde.