Há
mais de dez anos atrás escrevi uma crônica sobre corrupção onde fiz a assertiva:
“vivemos num estado de corrupção consentida”. Volto a falar do tema diante do
estado de “comoção social” pela fraude na área de saúde envolvendo fornecedores
e gestores.
Acho
que continuamos ingênuos. E, demais! Quem imagina que este fato seja único,
raro e inusitado? Não é assim. Podemos até fechar os olhos mas, esta corrupção
está entranhada em nós brasileiros durante pelo menos os últimos quinhentos
anos.
Quando
surgem denúncias sobre corrupção no SUS, me abordam dizendo: “Viu a corrupção
no SUS?”. Ora, por que esta venda nos olhos? Não existe corrupção sem os dois pólos,
o passivo e o ativo.Só há corrupção no público com a conivência prazerosa do
privado. Não podemos pensar no privado angelical e o público diabólico.
Será
que não imaginamos como funcionam as milionárias campanhas políticas? São
poucas as campanhas políticas onde não haja uma face suja. Ou o dinheiro é sujo
ou arrecadado de maneira suja. Quantos, na mais reta intenção, enfiariam a mão
nos bolsos para doar 100, 500, 1000 reais para uma campanha? Contam-se nos dedos
(só das mãos limpas!). Se este dinheiro vem de empresas podem ter certeza que
após a posse do eleito estarão às portas cobrando a fatura. Ou a benevolência
de que não se contrariem seus interesses ou mesmo a subserviência de fazer
negócios escusos. Vão corrigir e dizer: mas não é assim sempre. Podem ter
certeza de que, quando não for assim, raramente serão eleitos. Mas, e a venda dos
botons, bonés e camisetas? Não arrecada? Me enganem que gosto! Em que proporção
estas quinquilharias ajudam no financiamento?
Mais, até o ato admirado do primeiro escalão panfletar e tremular
bandeiras nas esquinas, pode ser uma moeda de troca na hora de manter cargos.
Podemos pensar nos grandes escândalos público-privados como a construção de
Brasilia, as grandes obras da ditadura militar, a privataria tucana, o mensalão
(epa, não foi mensalão foi quadrimestral!). Vampiragem. Sanguesugas. Ambulâncias
etc. etc.
A
mesma coisa, só conferir a mídia, acontece no privado e com muito mais
intensidade que no público. Que o digam os setores de compras das empresas. Tem
uma questão: as empresas não têm interesses em se expor perante a sociedade e,
muitas vezes, o funcionário ou gerente corrupto sabe o quanto o são os que
estão hierarquicamente acima deles. No mesmo ou em outro negócio.
Resumindo
podemos falar que o equivalente a um terço de nosso PIB está no caixa dois,
provado por vários pesquisadores, inclusive do Instituto de Planejamento
Tributário, uma empresa privada. Nosso PIB que fechou em R$ 3,7 tri em 2011
poderia ter sido de cerca de R$5 tri! A carga tributária que é em média de 35%
do PIB poderia ser bem menor se todos pagassem e declarassem a renda. Uns pagam
pelos que não pagam?
Acostumei-me
a fazer um cálculo simplista: O PIB oficial de 2011 foi de R$3,7 tri. Tomando
os 35% da carga tributária teremos R$1,3 tri de recolhimento pelo público. O
público, que só pode roubar de mãos dadas com o privado, tem estimada uma corrupção
possível de R$260 bi - 20% deste total. (Ética do mercado! Frase da semana dita
pela Renata representante da Rufolo). Se
o privado está metido no meio da corrupção pública e ainda tem todo o caixa
dois escondido, podemos dizer que o privado tem um potencial de trabalhar com
um montante de corrupção de R$5 tri (R$3,7 tri do PIB declarado + R$1,3 bi de
caixa dois!). O horizonte de teto de corrupção pública é de R$1,3 tri e do
privado R$5 tri!!! E ainda há inocentes
que digam que a corrupção é pública e só ou mais na saúde (SUS)!!! Ingenuidade ou má fé?
A
corrupção nossa de cada dia, o mais das vezes, não se materializa em moeda. É
um estado de comportamentos e atitudes que jamais associamos com a corrupção.
Na área de saúde podemos citar: usar indevidamente os serviços de saúde; exigir
indevidamente medicamentos, exames e procedimentos desnecessários; receber %
para prescrição ou uso de medicamentos, procedimentos, próteses; descumprir
carga horária contratual de trabalho; perder material de saúde por mau uso; passar parentes e amigos na frente
da fila dos atendimentos, de exames etc. etc....
Todos
conhecem a corrupção e todas as suas mais diferentes formas. Mas, a tendência
nossa é terceirizá-la para os outros. Responsabilidade, culpa e solução é dos
outros. A dificuldade é transformar conhecimento em ação e assumí-la. Da intenção
ao ato existe um grande fosso. É necessária uma grande
força interior para assumirmos nossa parcela de responsabilidade para transformar
a realidade a partir de nós próprios.
[1]
Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública -
carvalhogilson@uol.com.br. O autor adota a política do copyleft podendo este
texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização.Textos
disponíveis: www.idisa.org.br
2 comentários:
Parabéns pelo blog, Douglas.
Ótima iniciativa
Abraço
Muito obrigado.....!
Tentamos apenas difundir o que existe de construtivo nesse mundo da Saúde !!!
Postar um comentário