terça-feira, 27 de março de 2012

Estado de Corrupção consentida ( 2 )

Gilson Carvalho [1]



Há mais de dez anos atrás escrevi uma crônica sobre corrupção onde fiz a assertiva: “vivemos num estado de corrupção consentida”. Volto a falar do tema diante do estado de “comoção social” pela fraude na área de saúde envolvendo fornecedores e gestores.

Acho que continuamos ingênuos. E, demais! Quem imagina que este fato seja único, raro e inusitado? Não é assim. Podemos até fechar os olhos mas, esta corrupção está entranhada em nós brasileiros durante pelo menos os últimos quinhentos anos.

Quando surgem denúncias sobre corrupção no SUS, me abordam dizendo: “Viu a corrupção no SUS?”. Ora, por que esta venda nos olhos? Não existe corrupção sem os dois pólos, o passivo e o ativo.Só há corrupção no público com a conivência prazerosa do privado. Não podemos pensar no privado angelical e o público diabólico.

Será que não imaginamos como funcionam as milionárias campanhas políticas? São poucas as campanhas políticas onde não haja uma face suja. Ou o dinheiro é sujo ou arrecadado de maneira suja. Quantos, na mais reta intenção, enfiariam a mão nos bolsos para doar 100, 500, 1000 reais para uma campanha? Contam-se nos dedos (só das mãos limpas!). Se este dinheiro vem de empresas podem ter certeza que após a posse do eleito estarão às portas cobrando a fatura. Ou a benevolência de que não se contrariem seus interesses ou mesmo a subserviência de fazer negócios escusos. Vão corrigir e dizer: mas não é assim sempre. Podem ter certeza de que, quando não for assim, raramente serão eleitos. Mas, e a venda dos botons, bonés e camisetas? Não arrecada? Me enganem que gosto! Em que proporção estas quinquilharias ajudam no financiamento?  Mais, até o ato admirado do primeiro escalão panfletar e tremular bandeiras nas esquinas, pode ser uma moeda de troca na hora de manter cargos. Podemos pensar nos grandes escândalos público-privados como a construção de Brasilia, as grandes obras da ditadura militar, a privataria tucana, o mensalão (epa, não foi mensalão foi quadrimestral!). Vampiragem. Sanguesugas. Ambulâncias etc. etc.

A mesma coisa, só conferir a mídia, acontece no privado e com muito mais intensidade que no público. Que o digam os setores de compras das empresas. Tem uma questão: as empresas não têm interesses em se expor perante a sociedade e, muitas vezes, o funcionário ou gerente corrupto sabe o quanto o são os que estão hierarquicamente acima deles. No mesmo ou em outro negócio.

Resumindo podemos falar que o equivalente a um terço de nosso PIB está no caixa dois, provado por vários pesquisadores, inclusive do Instituto de Planejamento Tributário, uma empresa privada. Nosso PIB que fechou em R$ 3,7 tri em 2011 poderia ter sido de cerca de R$5 tri! A carga tributária que é em média de 35% do PIB poderia ser bem menor se todos pagassem e declarassem a renda. Uns pagam pelos que não pagam?

Acostumei-me a fazer um cálculo simplista: O PIB oficial de 2011 foi de R$3,7 tri. Tomando os 35% da carga tributária teremos R$1,3 tri de recolhimento pelo público. O público, que só pode roubar de mãos dadas com o privado, tem estimada uma corrupção possível de R$260 bi - 20% deste total. (Ética do mercado! Frase da semana dita pela Renata representante da Rufolo).  Se o privado está metido no meio da corrupção pública e ainda tem todo o caixa dois escondido, podemos dizer que o privado tem um potencial de trabalhar com um montante de corrupção de R$5 tri (R$3,7 tri do PIB declarado + R$1,3 bi de caixa dois!). O horizonte de teto de corrupção pública é de R$1,3 tri e do privado R$5 tri!!!  E ainda há inocentes que digam que a corrupção é pública e só ou mais na saúde (SUS)!!!  Ingenuidade ou má fé?

A corrupção nossa de cada dia, o mais das vezes, não se materializa em moeda. É um estado de comportamentos e atitudes que jamais associamos com a corrupção. Na área de saúde podemos citar: usar indevidamente os serviços de saúde; exigir indevidamente medicamentos, exames e procedimentos desnecessários; receber % para prescrição ou uso de medicamentos, procedimentos, próteses; descumprir carga horária contratual de trabalho; perder material de saúde  por mau uso; passar parentes e amigos na frente da fila dos atendimentos, de exames etc. etc.... 

Todos conhecem a corrupção e todas as suas mais diferentes formas. Mas, a tendência nossa é terceirizá-la para os outros. Responsabilidade, culpa e solução é dos outros. A dificuldade é transformar conhecimento em ação e assumí-la. Da intenção ao ato  existe  um grande fosso. É necessária uma grande força interior para assumirmos nossa parcela de responsabilidade para transformar a realidade a partir de nós próprios.



 
[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - carvalhogilson@uol.com.br. O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização.Textos disponíveis:  www.idisa.org.br

2 comentários:

Tiago disse...

Parabéns pelo blog, Douglas.
Ótima iniciativa
Abraço

Unknown disse...

Muito obrigado.....!
Tentamos apenas difundir o que existe de construtivo nesse mundo da Saúde !!!