Mais uma vez
estamos colhendo os primeiros frutos das eleições municipais. A cada dia testando a
capacidade do cidadão de aprimorar suas escolhas com clareza e chance de
acerto. Em mais um período de transição entre governos novos ou reeleitos, minha
proposta é levantar algumas questões da área de saúde para serem discutidas
neste período prévio às posses e no de início de governo.
Felizmente, a
Constituição Federal de 1988, mudou o status de nós pessoas, de, apenas
pedintes da caridade alheia, agora transformados em cidadãos portadores de
direito à saúde. Garantiu-se a todos o
Direito à Saúde como Dever do Estado. Foi criado o Sistema Único de Saúde que eleva
a saúde à condição de direito universal de cada cidadão. O SUS tem como
objetivo: identificar e divulgar os condicionantes e determinantes da saúde; planejar
para modificá-los, diminuindo o risco de agravos à saúde; realizar ações e
serviços no campo da promoção da saúde
(trabalhar com as causas das doenças), da proteção da saúde (trabalhar com os
riscos de adoecer) e recuperação (trabalhar com as pessoas já adoecidas). Este SUS tem que ser para todos
(universalidade) e garantir o tudo em saúde (integralidade) e com igualdade
qualificada com a justiça (equidade). É uma obrigação das três esferas de
governo e não apenas dos Municípios. União, Estados e Municípios devem cuidar
da saúde com igual responsabilidade e com participação financeira trilateral.
Os Municípios devem colocar, em saúde, no mínimo 15% de seus impostos, os
arrecadados e aqueles de transferências Federal (FPM-ITR) e Estadual
(ICMS-IPVA).
Qual a
responsabilidade em saúde é de competência municipal? Pela CF os Municípios
podem fazer todas as ações de saúde. Entretanto, é claro que este limite da
possibilidade, está ligado à capacidade do município que depende se seu porte,
de sua receita etc. Sendo
responsabilidade das três esferas de governo deve existir um documento de
compromisso entre, União, Estados e Municípios hoje denominado de COAPS –
Contrato Organizativo da Ação Pública em Saúde.
Os princípios
organizativos do SUS: descentralização com rede de ações e serviços de saúde regionalizada
e hierarquizada, de complexidade crescente.
DIAGNOSTICAR E PLANEJAR SAÚDE JUNTO COM OS
CIDADÃOS
O que penso
para os municípios para este e outros governos que virão? Sugiro alguns passos
que tenho por hábito indicar em minhas conferências e consultorias. Primeiro, fazer
um bom diagnóstico dos problemas de saúde enfrentados pela população do
município. Este processo deve ser permanente e mais intensivo em época de
elaboração dos planos de governo municipal previstos para o próximo ano. Uma pesquisa
simples e ampla com apenas três perguntas: 1) quais os maiores problemas de
saúde da população; 2) a que causas podem ser atribuídos estes problemas; 3)
quais propostas para resolver estas
causas e problemas? Estas três perguntas devem ser feitas a toda a sociedade a
começar pelas escolas propondo como tarefa às crianças para
trazerem a resposta de casa; ONGs, Associações, Clubes de Serviço,
Maçonaria, Igrejas (todas denominações), Pastorais, Partidos Políticos,
Associações de moradores de Bairro, Clubes, Sindicatos patronais e de
trabalhadores, Associação Comercial e Industrial etc. Juntar o máximo de
opiniões e sugestões para ajudar a fazer o planejamento de saúde ideal para cada
cidade.
Como
profissional de saúde há já cinco décadas e com 4 décadas de médico e tendo
vivenciado a questão de saúde nas três
esferas de governo, como profissional e gestor,
tenho algumas sugestões a dar.
CUMPRIR A LEGISLAÇÃO DO SUS
O SUS é o maior
Sistema de Saúde do Mundo e tem feito muito pelos cidadãos brasileiros nestes
mais de 20 anos de existência constitucional. Só quem viveu antes do SUS sabe
por quantas passou o brasileiro à cata da caridade e filantropia. Sabemos,
entretanto, que existem sérios e vários problemas que precisam ser resolvidos.
Em síntese podem ser classificados em problemas de insuficiência e de
ineficiência. Existe insuficiência de dinheiro determinante de uma série de outras.
Mas existem também problemas de ineficiência levando ao mau uso e uso errado
dos poucos recursos existentes. Neste particular, entre os princípios do SUS
está a obrigatoriedade da Participação da Comunidade na Saúde através do Conselho
e da Conferência de Saúde que devem decidir o que a administração municipal
deve fazer. Nada pode ser feito na saúde pública que não esteja no orçamento.
Nada pode ir ao orçamento que não esteja no Plano de Saúde e nada pode ir ao
Plano, sem a aprovação do Conselho de Saúde. Minha preocupação é sobre o papel que
vem desempenhando o este Conselho Municipal de Saúde em cada município em que é
obrigatório existir. Realmente ele é representativo da sociedade? Reúne-se
periodicamente? Ajuda e aprova o plano de saúde e o relatório de gestão?
Acompanha e fiscaliza (preceito constitucional) o Fundo Municipal de Saúde onde
deve estar todo o dinheiro da saúde?
INVESTIR NO TRABALHADOR DE SAÚDE
Tenho
reafirmado que o “PONTO G DA SAÚDE É A GENTE DA SAÚDE”. Só conseguiremos fazer
uma revolução na saúde se investirmos nos trabalhadores da saúde. Nenhum outro
investimento será capaz de mudar a saúde para melhor. Melhores prédios e
equipamentos, mais remédios e mais exames só são capazes de impactar a saúde se
bem utilizados por gente preparada técnica e humanamente, comprometida com a
sociedade e assistida em condições de trabalho, salário e educação permanente.
Tenho
defendido a aplicação, em todos os serviços de saúde, públicos e privados, da “LEI
DO PONTO G DA SAÚDE OU A LEI DOS CINCO Gs EM SAÚDE”: 1) PRIMEIRO G de GENTE com
preparo técnico, capacitada a desenvolver as funções nas quais se habilitou; 2)
SEGUNDO G de GENTE com preparo humano para cuidar bem das pessoas na relação
interpessoal; 3) TERCEIRO G de GENTE comprometida com a sociedade na
responsabilidade social que todos seres humanos e cidadãos temos que ter uns
com os outros; 4) QUARTO G de GENTE cuidada pelo empregador com condições dignas
e humanas de trabalho e salário; 5) QUINTO G de GENTE cuidada pelo empregador
com oportunidade garantida de educação permanente.
EDUCAÇÃO EM SAÚDE
A maior
ferramenta para melhorar a saúde é a Educação. Educação para a vida de todos nas
escolas e nos vários espaços da sociedade. Criei, para facilitar a memorização,
a “LEI DOS 5 Es”, como ferramenta para melhorar
as condições de saúde da população. “Educação
de administradores e políticos, Educação
de prestadores de serviços de saúde, Educação
dos profissionais de saúde, Educação
dos cidadãos usuários, Educação do
Ministério Público, do Judiciário, da Mídia etc..” Temos que fazer uma
revolução na educação brasileira muita mais ampla do que apenas na saúde. Aqui, o foco na ligação entre educação e saúde.
É o trabalho conjunto da intersetorialidade, prevista nos princípios do SUS.
Discutir cidadania e saúde em todos os ambientes e principalmente nas Escolas.
Conhecimentos do corpo, das doenças e dos meios de promoção e proteção à saúde.
O único meio efetivo de enfrentar determinados problemas de saúde é através da
consciência e atitude individual e coletiva: alimentação correta, exercícios
físicos, sexualidade, educação para o combate ao dengue, DST-AIDS, alcoolismo e
fumo e uso indevido de outras drogas, gravidez indesejada (inclusive na adolescência),
cárie dentária, prevenção de acidentes do trânsito, do trabalho etc.
INVESTIMENTO EM “ATENÇÃO PRIMEIRA” À SAÚDE
Os municípios
precisam dar destaque aos primeiros cuidados de saúde, a atenção primeira, primária
ou básica em saúde que pode mesmo ter o nome de PSF – Programa de Saúde da
Família. Investir nestes cuidados primeiros: promoção da saúde, proteção da
saúde e recuperação da saúde. Educação, vacinação, acompanhamento de
crescimento e desenvolvimento das crianças, pré-natal, acompanhamento de
hipertensos, diabéticos e de outras doenças crônicas, atendimento aos problemas
agudos de febre, dor, cansaço, machucados. O primeiro contato nos bairros, nas
casas das pessoas relacionando meio e saúde, trabalhando a intersetorialidade.
Perto delas. Todos os municípios que investiram em cuidados primeiros de saúde,
como com o PSF, tiveram evidente melhora na saúde de sua população. Os
municípios têm que priorizar os primeiros cuidados com saúde (PSF ou similar),
de preferência readequando suas Unidades Básicas de Saúde, na filosofia e principalmente na prática. Os
primeiros cuidados devem ser focados na integralidade da atenção em seus três
componentes: ações de promoção da saúde
(mexer com as causas do adoecer), de proteção da saúde (mexer com os riscos de
adoecer) e de recuperação da saúde (tratar dos agravos e doenças já
instalados).
Destaco a
necessidade desta integralidade mexer com as CINCO ZONAS CINZENTAS DA SAÚDE: 1)
alimentação; 2) exercícios físicos; 3) sexualidade; 4) saúde mental, incluindo uso indevido de
álcool, drogas, fumo; 5) envelhecimento
e morte. Chamo estas zonas de cinzentas dada a dificuldade e negação histórica
dos serviços de saúde se envolverem de forma integral, comprometido com estas
áreas. São nebulosas, cinzentas mesmo e quase se tornam tabu na saúde. Somos
mal preparados para entendê-las e menos ainda para abordá-las e fazer a
intervenção. Aqui temos que trabalhar sem a arrogância de donos da
resposta pois, são situações onde a resposta tem que ser
multisetorial e multiprofissional. Tem-se que definir competências e
responsabilidades para que todos possamos trabalhar a intersetorialidade do
saber e ação da educação, cultura, lazer, esporte etc. etc.
Finalmente os
primeiros cuidados com saúde têm que ser organizados de maneira a garantir o
atendimento integral e permanente. O programático agendado e o emergencial
demandado. Não se pode pensar em cuidados primeiros sem dar conta da resposta
aos problemas emergentes de saúde dentro do programa de atenção básica ou
associado na referência nos horários em que as unidades básicas (PSF ou outras)
não estiverem em funcionamento. O Pronto Atendimento às necessidades emergentes
não pode continuar como mais uma nebulosa da saúde. Todos sabem que ela existe,
que é importante e ninguém busca a resposta. Na Atenção Básica dizendo-se que
não se dá conta e tem-se que cuidar dos agendados e dos programas. Na
urgência-emergência fazendo-se um atendimento muitas vezes precário e sempre
criticando os pacientes que “deveriam ter ido às unidades básicas” ou fazendo insinuação
maldosa de incompetência ou descompromisso do pessoal das Unidades Básicas que
“não atenderiam ninguém nem resolveriam nada”. Este é mais um dos nós para o
qual temos que buscar resposta.
ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE
Não basta fazer
os primeiros cuidados de saúde. É necessário ter os demais serviços de
referência. O pronto atendimento do pronto socorro, a internação nos problemas
simples e de maior complexidade, consultas especializadas, exames e terapias. Identificar
em quê, o município é auto-suficiente. Primeiros cuidados, pequenas
emergências, algumas especialidades, internações clínicas e cirúrgicas de
pequena e média complexidade? Serviços especializados ambulatoriais e
hospitalares? Que cuidados só podem ser garantidos na referência de outras
cidades segundo o planejamento regional feito junto com ou outros municípios e a
Secretaria Estadual de Saúde - COAPS?
Tudo tem que ser visto e garantido. Tanto o atendimento local como o
referenciado, incluindo o transporte. Será que esta integralidade está
acontecendo dentro e fora do município?
Tem que haver
uma integração efetiva e profunda entre Prefeitura e Instituições de Saúde,
preferencialmente as filantrópicas, para que seja viabilizada a atenção
integral à saúde dos munícipes, todas as vezes que os serviços públicos não
forem suficientes. Tem-se que integrar o serviço público com o setor privado. Este,
completando o público como previsto na Constituição Federal. Garantir que os cidadãos
de nosso município, quando encaminhados a outros serviços e outras cidades
tenham tratamento digno e humano: transporte, tempo de espera, idas e vindas
etc. Tem-se que aproveitar os recursos de saúde locais instalados em cada
município. Valorizar os profissionais com residência na cidade para que aí
permaneçam.
GESTÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE
Tenho
convicção que é necessário e urgente melhorar a gestão de saúde pública e
privada. A primeira condição é praticar sempre os princípios administrativos da
gestão pública, que, segundo a CF, deve estar alicerçada em: publicidade
(caráter público), eficiência, moralidade, legalidade e impessoalidade. A
eficiência é um dos nós críticos da administração. Uma das saídas passa pela informação-informática.
Informatizar o setor saúde para melhorar a
eficiência produzindo e circulando informações essenciais à gestão.
Informações de saúde (dados de usuários, doenças prevalentes, riscos de agravos
etc. ); atividades administrativas: planejamento, recursos humanos, finanças,
transporte, compra e armazenagem de material e medicamentos etc. . Melhorar a
gestão de pessoal com contratos legais, sem precarização ou terceirização
ilegal. Com educação permanente, sem desvio de funções, com garantias de
salários e condições de trabalho e com cobrança de cumprimento contratual de
horário e produção. Compromisso dos trabalhadores quanto ao saber técnico, de
relação humana e de compromisso com a sociedade. Melhorar o atendimento nas
unidades de saúde com humanização e respeito ao cidadão usuário no tempo mínimo de
atendimento às pessoas e na qualidade da atenção. Melhorar a apresentação dos
serviços de saúde tanto aquelas do prédio como de móveis e equipamentos que
devem estar funcionando bem. Não fazer, nem permitir nenhuma cobrança, total ou
complementar, por fora, nem de atendimento de consulta, nem de exames, nem de
raio x, por ser totalmente inconstitucional.
MUDAR OS CONDICIONANTES E DETERMINANTES DA
SAÚDE ATRAVÉS DO DESENVOLVIMENTO DO MUNICÍPIO
Identificar
as janelas de oportunidade abertas em cada tempo e lugar municipal. Desenvolver,
sustentavelmente, representa garantir emprego e renda para as pessoas de uma
comunidade para que possam ter acesso aos bens imprescindíveis como alimento,
casa, vestuário, lazer, educação, cultura, meio ambiente, saneamento colocados na
CF e na Lei de Saúde como condicionantes e determinantes da saúde. De outro lado temos que continuar com capacidade
de proteger os mais frágeis socialmente como os idosos, os portadores de
deficiência, as crianças e mães e os mais pobres, ainda que lutando para que
superem seu estado de pobreza.
Se cada
cidade melhorar as condições gerais de seu povo há grande chance dos cidadãos
terem mais saúde. Melhor ainda, se estas condições gerais forem completadas por
um sistema de saúde que cuide da pessoa como um todo (integralidade vertical) e
buscando ações de promoção, proteção e recuperação de saúde (integralidade
horizontal).
Mais serviços
de saúde. Melhores serviços de saúde.
Mais
humanidade na atenção à saúde.
[1]
Gilson Carvalho Médico Pediatra e de Saúde Pública adota o copyleft podendo
este texto ser reproduzido independente de autorização e desde que sem fins
lucrativos e comerciais carvalhogilson@uol.com.br outros textos no www.idisa.org.br em artigos , colaboradores.
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