domingo, 27 de janeiro de 2013

Desafios de se cumprir as leis da saúde: LC 141 / Dec 7.508 / Lei 8.080 / Lei 8.142


DESAFIOS DE SE CUMPRIR AS LEIS DA SAÚDE: LC 141/ DEC 7.508/ Lei 8080/ Lei 8142

 
Nelson Rodrigues dos Santos & Gilson Carvalho
 

No último dia 13 de janeiro, a LC 141 completou um ano. Em dezembro último, a lei 8.080 fez 22 anos e seu decreto regulamentador 7508 já comemora 18 meses.  

A Lei 8080, emendada algumas vezes por outras leis, continua uma lei atual e básica para a organização do SUS nacional. A LC 141, após quase 12 anos de discussão no Congresso Nacional, nasceu com insuficiências em relação à forma original iniciada na rica e democrática tramitação na Câmara Federal e Senado.

Não inovou no que mais precisava e era esperado: aumentar o financiamento da saúde para garantir um sistema constitucional que determina sejam as ações e serviços de saúde púbicos de acesso universal. Somos quase 200 milhões de pessoas com direito a saúde, muitas vezes mitigado em quantidade, qualidade e tempo adequado pelo subfinanciamento público principalmente federal e por estrutura de repasse e remuneração. A remuneração dos serviços está consolidada sob a lógica do atendimento de demanda e do modelo da oferta. Permanece contrariando o que nos move durante todos esses anos como cidadãos e nos mantém na militância da saúde defendendo o modelo de financiamento por necessidades e garantindo saúde como direito de todos.

Quem sairá vencedor?

Acreditamos que será o sistema público (utopia de processo civilizatório que não nos abandona). As pessoas (como em vários países, incluindo-se os mais desenvolvidos) não conseguem ter renda individual suficiente para sustentar o tratamento de um envelhecimento prolongado com suas patologias a demandarem medicamentos e tecnologias novas. Concomitante a isto, temos a epidemia de causas externas geradas pela violência urbana,  domiciliar e do trabalho.

Nesse sentido urge seja a LC 141, apesar dos seus defeitos, cumprida nos seus exatos termos. O que não dá pra cumprir que seja mudado para que o nosso país viva de fato sob a égide de um estado democrático de direito.

Há 22 anos o Estado brasileiro não cumpre o art. 35 da Lei 8080/90. Digam o que quiserem: economistas, médicos, advogados, gestores que o art. 35 não seria passível de ser cumprido. Ninguém conseguiu provar tal fato.

 Tampouco os Governos fizeram proposta de mudá-lo no Congresso. Contudo, para superar essa dificuldade e completar a Lei 8080, cujos vetos do Governo Collor a prejudicaram, foi debatida e aprovada  a Lei 8142 que dispôs sobre como deveriam ser os repasses até que fosse editado o decreto regulamentando o art.35. (os recursos federais deveriam ser transferidos per capita pela simples divisão do montante pela população).

Conclusão: os critérios de ambas as leis nunca chegaram a ser implementados. O primeiro porque faltava um decreto, que nunca veio; o segundo, diziam, seria impossível de ser executado. E assim nem a lei foi mudada nem o decreto foi editado. A União (tanto quanto os Estados) continua transferindo recursos para os entes federativos mediante portarias (mais de 200 portarias nos dias de hoje sobre repasse de recursos), mantendo a lógica anacrônica referida.

O Governo sempre alegou que a Lei 8142 permitia ao MS editar portarias para implementá-la. Acrescentamos: desde que a cumprisse, é claro! Não ficou, hora nenhuma autorizado que o Ministério da Saúde governasse por portarias ao arrepio ostensivo das leis!!! Cumprí-las significava transferir dinheiro pelo critério per capita (50%) e os outros 50% pelo perfil demográfico, epidemiológico, organização de serviços quali quantitativa dos serviços, recurso investidos nos orçamento estadual e municipal e outros.

Durante todos esses anos foram multiplicadas as formas de se transferir dinheiro por programa, projetos e procedimentos de saúde. Tudo ditado à revelia das leis pelo Ministério da Saúde e suas secretarias, divisões e subdivisões.

Em 2000, a EC 29 exigiu que de todo o dinheiro da União (não apenas os das transferências federativas) 15% fossem destinados à atenção básica, divididos per capita e para aos municípios. Este dispositivo constitucional nunca foi cumprido e menos ainda demonstrado de forma transparente e convincente porque não o foi. A LC 141 revogou esse dispositivo, um dos mais equânimes, justos e transparentes referentes às transferências federais: o critério per capita igual para todos os cidadãos.

Se o sistema de saúde deve se estruturar a partir da atenção básica, resolutiva em 80% das demandas, realmente ela deveria ser fortalecida a partir de um valor suficiente e igual per capita para cada um dos munícipes, uma vez que todos devem ser considerados cidadãos da mesma categoria, independentemente do lugar onde se vive.

Hoje, passado um ano da LC 141, não está definida a metodologia de cálculo para a realização das transferências sob as boas heranças do que já indicavam o substitutivo Guilherme Menezes e o PL de Tião Viana, e nem se tem noticia de quando isso irá acontecer. Pelo contrario. Há uma portaria que trata dos blocos de financiamento (PT 204/2007) sendo alterada (para pouco se alterar) para ser transitória. O transitório das transferências ilegais como estava escrito na PT 204 (que era para ser revogada depois de seis meses), ainda não foi mudado, passados doze anos. Um fosso entre o que as leis preconizam e o que se faz.  Entre o que se promete e se cumpre.

Onde estão as instituições guardiãs da sociedade: Ministério Público, TCU, CGU,SNA e CNS? O CNS que deve (LC 141) aprovar a metodologia de cálculo das transferências: tem feito isto?

Será que até hoje nenhuma destas instituições se aperceberam que a Saúde Pública está há anos sob a égide do descumprimento legal e que estão fazendo suas ações de controle com base em normas ilegais?

 

A lei complementar 141: um ano depois.


A Lei Complementar 141: um ano depois

 

Lenir Santos

 

O tempo é cruel com todos: quando percebemos, os anos já se passaram. Ele é uma visita cruel, como diz Lionel Shirver em seu livro “A visita cruel do tempo”; Permanente, que não nos abandona nunca. Por isso esse sentimento de urgência que se acentua quanto mais o tempo passa.

É surpreendente já ter passado um ano da edição da LC 141. Questões relevantes foram tratadas na LC 141, com todas as críticas que se possam fazer ao seu texto, muitas vezes confuso, com má técnica legislativa etc.

Destacamos aqui o rateio dos recursos da União para Estados e Municípios. Um dos fundamentos do financiamento da saúde diz respeito à partilha de recursos em consequência ao nosso federalismo cooperativo e tridimensional.

A integração das ações e serviços de saúde dos entes federativos imposto pela Constituição exige esse rateio para se conformar um sistema regionalizado (organizado em regiões de saúde), o qual impõe o compartilhamento das ações e serviços em rede com a finalidade de se garantir ao cidadão a integralidade da sua assistência e possibilitar ao ente municipal, em especial, a devida e desejada equidade orçamentária ante as suas assimetrias demográficas, técnicas, geográficas e socioeconômicas.

Por isso importa muito o art. 17 da LC 141, de 2012. É esse artigo, conjugado com o art. 35 da Lei 8080, que dispõe sobre os critérios para o rateio dos recursos federais, determinando, ainda, seja sua metodologia definida na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e aprovada no Conselho Nacional de Saúde (CNS).

O critério-base da LC 141 é o da necessidade de saúde da população considerada sob as dimensões epidemiológicas, demográficas, socioeconômicas, geográfica, de organização de serviços (quantidade, qualidade) que, nos termos do Decreto 7.508, deverá ser feito por região de saúde no âmbito de políticas nacionais plurianuais fundadas nessas necessidades. A metodologia deverá considerar essas dimensões, devendo o desempenho econômico, financeiro e técnico do período anterior ser apurado anualmente e ter um adicional de desempenho.

As referências (entes federativos elevados à categoria de referência para outros entes na execução de determinados serviços na região de saúde e inter-região) devem entrar na categoria do ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo. Isso tudo deve estar acordado no contrato organizativo de ação pública da saúde (Decreto 7.508, recepcionado integralmente pela LC 141), o qual  deverá acordar como se dará a integração dos serviços locais e estaduais configurados na região de saúde.

Importa agora é a CIT definir a metodologia do cálculo (a ser aprovada pelo CNS) para que os montantes de recursos que a União deverá transferir aos demais entes possam ser publicados anualmente, conforme determina o art. 17 da LC 141 em seus novos termos.

O rateio dos recursos, fundados nas necessidades de saúde da população que considere as dimensões aqui mencionadas, há que trazer equidade orçamentária para a região de saúde. A metodologia há que considerar esse ponto como essencial, bem como o fortalecimento da atenção primária em um sistema que a tem como ordenadora.

As formas de transferir recursos que hoje atingem mais de 200 modalidades não fazem mais sentido por não terem sido construídas à luz do art. 35 da Lei 8080, tampouco da recente LC 141.

Os próprios blocos de financiamento, definidos na portaria 204, somente poderão fazer sentido se a sua dança tiver a coreografia do art. 17 da LC 141, art. 35 da Lei 8080 e a determinação do art. 11 do Decreto 7.508 de que as ações e serviços de saúde serão ordenados pela atenção primária.

Se a atenção primária ordena o sistema, deve ela, na metodologia do cálculo do rateio dos recursos da União, ser considerada a rainha da bateria (já que estamos em pré-carnaval), com todas as honras e pompas do financiamento.

Que se reverencie a atenção primária como a mais importante passista do bloco e integrem as políticas de saúde mediante critérios e metodologia que permitam ao gestor da saúde em sua região gerir um sistema integrado, articulado, referenciado, que considere as suas especificidades, com a autonomia que a Constituição lhe confere.

Sabemos que na saúde nada é de fácil execução e de baixo custo, por isso o sentimento de urgência que se deve ter na construção de suas estruturas organizativas e orçamentárias.

 

sábado, 26 de janeiro de 2013

Análise de conjuntura do financiamento público federal de saúde no Brasil

Áquilas Mendes

 
Retrocessos do Projeto de Regulamentação da EC 29 – Nenhum novo recurso federal foi de fato destinado para garantir a universalidade da saúde. O projeto de regulamentação que se encontrava no Senado (PLS127/2001) e não foi aprovado na versão original (aplicação da União em 10%, no mínimo, da receita corrente bruta –RCB) , poderia ter acresentado para o orçamento do Ministério da Saúde de 2011 o correspondente a cerca de R$ 32,5 bilhões. Por sua vez, seria uma forma de resgatar um quadro de responsabilidade da União com o SUS que vem sendo perdido há muito tempo. Os gastos federais com ações e serviços públicos de saúde (SUS) diminuíram em relação ás receitas correntes brutas da União após 1995. Representaram, em média 8,37% da RCB no período de 1995 a 2001, reduzindo-se, no período de 2002 a 2009, para 7,1% da RCB, na média. Infelizmente, se mantiver essa tendência, o SUS permanecerá com recursos insuficientes para assegurar a sua implementação de acordo as necessidades de saúde da população."
– MARÇO DE 2012

GASTO PÚBLICO E PRIVADO EM SAÚDE NO BRASIL EM 2010

Gilson Carvalho

 “É falso e perigoso o embate maniqueísta entre aqueles que defendem que a saúde precisa de mais recursos e aqueles que simplesmente defendem que o caminho é melhorar a eficiência dos gastos. Que a saúde publica brasileira precisa de mais recursos não existe duvida alguma. Podemos fazer uma comparação nacional com o gasto per capita dos planos de saúde. Se tivéssemos no SUS o mesmo per capita deles, o SUS precisaria de mais 162 bilhões de reais anuais!! Outra comparação, esta internacional, seria com o percentual mundial do PIB gasto com saúde publica. Dados da Organização Mundial da Saúde(OMS) trazem 5.5% do PIB com gasto publico médio. O Brasil gasta 3,7%. Se fosse gastar o mesmo percentual do PIB, a saúde publica brasileira precisaria de mais 60 bilhões de reais.”
Qual o gasto público com saúde no Brasil? A cada ano faço uma tentativa, já há mais de uma década, de estimar o gasto geral, público e privado, com saúde no Brasil. Como a maioria das estatísticas de saúde esta também tem suas imperfeições.

O estudo último que foi possível fazer é aquele de 2010 pois os dados de 2011 ainda não estão consolidados. O Ministério da Saúde já foi responsável por 75% do financiamento da saúde na década de oitenta. No ano de 2010 teve reduzida esta participação a 45% (62 bi), os Estados entraram com 27% (37 bi) e os Municípios com 28% (39 bi). O percentual público do PIB foi de 3,8% sendo 1,7% atingido pelos recursos federais e 2,1% pelos recursos somados de Estados e Municípios. Nesta comparação o público foi responsável por 47% do financiamento da saúde no Brasil e o privado 53%. No gasto privado são 48% (do gasto de planos e seguros de saúde. O gasto com desembolso direto das famílias foi de 16% (25 bi) o gasto com medicamentos diretamente adquiridos pelas famílias representa 36% do gasto privado (55 bi). São R$153 bi de gasto público total com saúde.
Num estudo mais aprofundado estes dados “viram” e predomina o público sobre o privado. Basta fazer a interpretação da renúncia fiscal de 2010 com despesas descontadas no imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas; de instituições filantrópicas e sobre medicamentos. Não existe cálculo de valores mas existem os planos de saúde de parlamentares, juízes e servidores públicos financiados com dinheiro público. Se computados todos estes valores o gasto público supera o privado.
Temos do início de 2012 o estudo do IBGE que trata das contas nacionais entre 2007-2009. Esta pesquisa mostra que o gasto no Brasil com saúde do privado é maior que o do público. Bem acima do que aquele com que trabalhamos acima.
Dizem os entendidos em estudos e pesquisas em geral e especificamente de financiamento que estes podem seguir vários caminhos, sendo que nenhum deles, seja, a priori errado. Basta que se explicite sua metodologia. Podem existir resultados diferentes a partir de fonte de dados e metodologia diferente de apuração e interpretação dos dados.
Esta é a segunda vez que o IBGE gera esta pesquisa que teve a cooperação do IPEA e da FIOCRUZ. O primeiro estudo grande produzido sobre as contas nacionais em saúde pelo IBGE foi a pesquisa de 2005-2007. Esta pesquisa faz o cálculo do gasto com saúde per capita/ano. O gasto público foi de R$645,27 e a do privado R$835,65 por pessoa. Um gasto quase 30% a maior. Se tomarmos os números absolutos, o público, em 2009, teria gasto R$123,5 bi e o privado R$157,1 bi de um gasto total de R$283,6 bi.
A metodologia de cálculo é diferente entre meus estudos preliminares e o estudo do IBGE das contas satélites saúde. O IBGE inclui despesas que normalmente não utilizamos nos gastos com saúde ou as atribui ao privado como gasto com família quando é das empresas que financiam planos de saúde para seus trabalhadores. Existem controvérsias e dúvidas, se podem ser computadas desta maneira.
Acima inclui os dados de 2010, mas trago os de 2009 para efeito de comparação. Meus estudos referentes a 2009 chegaram a um gasto público de R$127 bi e um privado de R$143 bi, num total de R$270 bi. Já na pesquisa do IBGE, da conta satélite saúde, o total de 2009 foi de R$283,6 sendo R$123,5 públicos e R$157,1 privados.
 
ORÇAMENTO FEDERAL DA SAÚDE EM 2012 E SEU CONTINGENCIAMENTO
 
Muitos desinformados ou de má fé estão alardeando que o Ministério da Saúde acabou tendo no orçamento de 2012 mais recursos do que teria direito pelo crescimento nominal do PIB. Em 23 de novembro, na antevéspera do recesso parlamentar, foi aprovado o orçamento da União para 2012. Nesta lei consta que o MS terá R$ 92,1 bi. No dia 19 de janeiro foi sancionada a LOA (Lei Orçamentária Anual) do orçamento federal, sem nenhum veto presidencial.
Ainda não fiz a análise do orçamento definitivo por falta de acesso a dados mais detalhados do Decreto, que restam sem divulgação. Minha impressão é de que o que houve foi a reestimativa de receitas pelo Congresso , o que levou a aumento do orçamento do Ministério da Saúde. Em primeiro lugar os recursos totais com saúde do Ministério da Saúde têm incluído nos mínimos, como prática inconstitucional, o pagamento de inativos da saúde. Inconstitucional, pois, segundo a CF, a seguridade se constitui em saúde, previdência e assistência social. Ao inflar o orçamento da saúde com inativos, além de falsear o gasto com saúde falseia igualmente o da previdência.
Muitos tomam destes dados gerais e dizem que a saúde tem muito dinheiro e esquecem-se de subtrair os inativos. Neste valor podemos ter um crescimento do gasto com inativos pela correção anual e pelo aumento do número deles. O que importa é o montante de recursos destinados às ações e serviços de saúde segundo a EC-29 e segundo a recente Lei Complementar 141.
Outra consideração a ser feita é que não podemos fazer comparações a partir do crescimento nominal dos orçamentos. Temos que deflacionar os recursos e atribuí-los segundo a população (per capita). Assim poderemos ver a tendência se para mais ou para menos. Dizer apenas que aumentaram tantos por cento em relação ao ano anterior pode ser no mínimo incorreto pois não se aplicou a inflação do período, nem tão pouco o aumento da população.
A comemoração do Governo e seus porta-vozes internos e externos é que neste ano de 2012 o Governo Federal havia alocado para a saúde mais recursos do que a que era obrigado. Isto carece de uma análise desapaixonada e principalmente, científica. Aumentaram ou não os recursos federais referentes à saúde pública em 2012? Temos que conhecer os pensamentos que se escondem nas notícias. Quando da promulgação do orçamento comemoraram as vozes oficiais o que havia aumentado na saúde. Depois de cerca de 1 mês, o decreto presidencial tirou 5 bi da saúde e ficou elas por elas. Aí não se tinha nada mais a comemorar a não ser que estavam sendo cumpridos os limites mínimos constitucionais.
O contingenciamento decretado é uma prática orçamentária que pode ocorrer a cada ano em toda a administração pública. Em geral, mas nem sempre, quando o executivo manda a proposta orçamentária ao legislativo adota uma postura mais conservadora em relação às receitas. O Legislativo, também geralmente, infla o orçamento a partir de estimativas de maior arrecadação, já que não pode criar despesas orçamentárias que não tenham fundamentação em receitas e ele sempre quer ter o poder de criar despesas, pelo menos para as emendas parlamentares.
Ao contingenciamento dos recursos federais tem-se sempre dado, já há anos, a conotação e interpretação de se fazer dinheiro para criar o superavit primário para pagamento da dívida e dos encargos financeiros da União. Este tem sido o grande sumidouro de recursos que tem suas interpretações econômicas. A maior crítica não é ter dívidas, mas a opção de gastar com seus encargos principalmente ao invés de investir mais no social.
Para este contingenciamento do orçamento federal de 2012 foi usada como base a reestimativa de R$29,5 bi de arrecadação que será frustrada (IR,CIDE, COFINS, IOF, PIS-PASEP) e R$ 7,1 bi de dividendos e outras. O total esperado de frustração é de R$36,4 bi. A receita bruta reprogramada para 2012 é de R$1,1 tri.
A redução de despesas foi de R$55 bi sendo R$20,512 de despesas consideradas obrigatórias (benefícios previdenciários, subsídios, FGTS, Fundos etc) e R$ 35 bi de despesas denominadas de discricionárias. Neste rol está a saúde com perda de R$5,475 dos 35 (15,6%) ou 10% dos R$55 bi do contingenciamento geral. A quase totalidade deste contingenciamento na saúde refere-se a investimentos das Emendas Parlamentares.
Na Lei Orçamentária 12.595 de 19/1/2012 as ações e serviços de saúde tiveram assegurados R$77,582 bi e com o contingenciamento R$72,11 bi.
Fazendo uma análise retrospectiva quero lembrar que a União, a rigor, não pode contingenciar os recursos mínimos da saúde sob pena de descumprir a CF. Em geral, ao final de cada ano, o contingenciamento da saúde cai e até se alocam mais recursos que não são gastos. É bem verdade que colocam dentro do mínimo, despesas não devidas segundo a CF e a Lei, e não reinvestem os restos a pagar cancelados de anos anteriores.
A União não pode contingenciar os mínimos da saúde pois o paradigma de gasto com saúde, expresso na CF é de que a cada ano se gaste em saúde o mesmo do empenhado no ano anterior, aplicada a variação do PIB do ano da elaboração da PLOA. Portanto, o gasto com saúde independe da arrecadação: com muita ou pouca, com superavit ou frustração o dinheiro mínimo da saúde deve ser mantido neste patamar mínimo e isto está na CF e agora na LC 141. É triste, entretanto, que o que constitucionalmente era o mínimo em saúde, passou a ser o teto. Pior: sempre em defesa da própria saúde!
Outra coisa, entretanto, que aconteceu aqui neste ano de 2012 é que o Congresso aprovou um recurso a mais para a saúde através de emendas parlamentares todas elas relativas a investimentos. Foi este dinheiro a mais que foi contingenciado como dito acima. Inclue-se aí a inovação das emendas populares que foram destinadas à saúde no campo dos primeiros cuidados com saúde (atenção básica) e no do saneamento básico.
A saúde perdeu? Sim, é mais uma perda já anunciada. Perda não dos mínimos obrigatórios, mas daquilo que foi oferecido como a mais para cobrir a necessidade crônica de recursos da saúde. O subfinanciamento da saúde pública é fato consumado, descrito em prosa e verso e não apenas deste governo mas de todos que o precederam, principalmente no pós constituição de 1988.
A luta de todos os cidadãos é para que a saúde tenha mais dinheiro e melhor eficiência de gasto para que seja preservada sua vida-saúde.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Equação insustentável !!!


Equação insustentável
Uma bomba-relógio ameaça a saúde brasileira. Até 2030, haverá mais cidadãos acima de 60 anos do que entre 18 e 49 anos. Com o envelhecimento da população, o número de portadores de doenças crônicas deve aumentar, com inevitável impacto nas contas do SUS. As despesas médicas da rede pública podem crescer até 149% nos próximos 20 anos. Quadro que deve se agravar com a manutenção da atual tendência.
O País passa por um processo de "americanização" de seu sistema de saúde, com a perda de controle dos gastos causada pela hiperespecialização médica, pela pressão da indústria para o custeio de tecnologias de eficácia duvidosa e a falta de regulamentação do mercado privado.

O sombrio diagnóstico é do sanitarista José Gomes Temporão, ex-ministro de Lula e coordenador-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), criado há dois anos pela Unasul. "Além de ampliar os recursos para a saúde pública, é preciso acabar com os subsídios do governo ao mercado, incluído o abatimento de despesas médicas do Imposto de Renda", propõe, em entrevista a CartaCapital.
"Hoje, estima-se que a soma das isenções fiscais e dos gastos do governo com planos privados para funcionários públicos chegue a 15 bilhões de reais por ano. E muita coisa, diante do sufoco financeiro da rede pública."
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CartaCapital: Durante a sua gestão, o Ministério da Saúde deu grande ênfase ao Programa Saúde da Família. Por quê?

José Gomes Temporão: Há um consenso entre os especialistas de que não é possível ter um sistema de saúde universal, equitativo e sustentável sem uma grande base de atenção primária. A classe média imagina que um sistema bom é aquele no qual ela pode escolher seus especialistas por conta própria. O cidadão sente uma palpitação e procura um cardiologista, sem antes passar por um clínico geral. Só que talvez o problema não seja cardíaco, então o paciente transita entre vários especialistas até acertar o diagnóstico, com um custo elevadíssimo para o sistema.

CC: A atenção primária evita o desperdício?

JGT: Os clínicos gerais funcionam como uma espécie de filtro antes de o paciente ser encaminhado aos níveis mais especializados. No Brasil, é comum um paciente não saber qual é o seu médico. Pelo Programa Saúde da Família (PSF), cada equipe fica responsável por um conjunto de pessoas que passam a ser monitoradas pelo mesmo médico. Por acompanhá-los há muito tempo, o profissional não pede exames desnecessários, sabe se o paciente tem diabetes ou hipertensão, quando é necessário um especialista. O PSF cobre 55% da população. Mas, grosso modo, ainda está restrito aos pequenos e médios municípios.

CC: Alguma explicação para esse fenômeno?


JGT: Primeiro, as faculdades não formam médicos preparados para essa visão. Há uma hiperespecialização precoce. No Canadá, as bolsas e vagas para residência médica são definidas pelo governo. Em 2012, a grande maioria das vagas disponíveis era para clínicos gerais. Em número bem menor, havia vagas para cardiologistas, neurologistas e outras especialidades. Há também uma visão ideológica, alimentada pelo lobby da indústria, de que o importante são as inovações tecnológicas, o aparelho mais moderno de ressonância magnética. Precisamos nos decidir. Vamos seguir o caminho trilhado pelo Canadá ou o modelo dos EUA, esse laissez-faire que leva à perda de controle dos gastos?
CC: Hoje o SUS atende 75% da população. Mas o mercado de planos de saúde cobre 48 milhões de brasileiros. Esse modelo híbrido, público e privado, não ameaça a equidade?


JGT: Esse é o ponto central da discussão: o risco de americanização do sistema de saúde brasileiro. A partir do mesmo momento que a Constituição garantiu a saúde como um direito de todos, os sucessivos governos negaram os recursos necessários para garanti-lo. Isso começa no início dos anos 1990, quando o então ministro da Previdência, Antônio Britto, retira a saúde da Seguridade Social e joga para o Orçamento fiscal da União.
CC: A Constituição ampliou o acesso à saúde para todos. Mas os recursos da Previdência deixaram de financiar o setor.
JGT: Sim, e os trabalhadores que antes contribuíam para o extinto Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) migraram para os planos privados. Aí vem o Adib Jatene na briga pela aprovação da CPMF. O ministro consegue aprovar o novo tributo, mas boa parte da arrecadação é desviada para outros setores. A regulamentação da Emenda 29 estabelece cotas de investimento em saúde para estados e municípios, mas a regra não vale para a União. O gasto porcentual do governo federal está em queda. Além disso, há uma série de iniciativas que sugam recursos do SUS, como a autorização para abater despesas com saúde privada no Imposto de Renda da classe média. Hoje, estima-se que a soma das isenções e dos gastos do governo com planos privados para funcionários públicos chega a 15 bilhões de reais por ano. E muita coisa, diante do sufoco da rede pública.

CC: Mas os planos de saúde não desafogam o SUS?

JGT: É um processo idêntico ao que aconteceu com a escola pública. Amplia-se o acesso à educação, falta dinheiro e a qualidade do ensino cai. A classe média foge para as escolas privadas, que são sustentadas com uma série de renúncias fiscais. O processo de fragilização do sistema público tem sido construído ao longo de décadas. Na Inglaterra, 85% do gasto em saúde é público, no Brasil, cerca de 60% é privado.

CC: E qual é a solução?

JGT: Convém analisar os grandes números do Orçamento fiscal da União. Do total da arrecadação, superior a 1 trilhão de reais no ano passado, 46% foi usado para honrar os compromissos da dívida interna. Depois, há as despesas fixas, como pagamento da máquina pública e os gastos da Previdência Social. Para a saúde, sobram apenas 4%. Precisamos de um novo imposto? Acho que não. Há recursos suficientes, só que é necessária uma mudança política de apropriação e distribuição dos recursos gerados pelos cidadãos.
CC: O senhor puxou essa discussão dentro do governo?
JGT: Sim, mas há uma visão muito presente, sobretudo na área econômica do governo, de que a saúde já tem muito dinheiro, mas o sistema é ineficiente. Todos defendem o SUS no discurso, mas a burocracia estatal tem planos privados custeados pelos nossos impostos. E simbólico ver o presidente Lula, ao adoecer, procurar o melhor hospital particular do País, e não um da rede pública.

CC: O que pode ser feito?

JGT: Além de ampliar os recursos para a saúde pública, é preciso acabar com os subsídios do governo ao mercado, incluído o abatimento de despesas médicas no Imposto de Renda. Hoje, se a dona Maria, moradora de Copacabana, acordar um dia, olhar para o espelho e achar que o seu busto precisa ser aumentado, ela faz uma cirurgia estética e abate 100% do valor devido no Imposto de Renda. Depois, vem o Congresso e aprova uma lei que obriga iniciar o tratamento do paciente com câncer em até 60 dias...

CC: Não é uma boa medida?

JGT: É uma lei carregada de boas intenções. Mas o mesmo Parlamento que aprovou essa lei é aquele que nega ao SUS recursos para que ela seja cumprida. Para que todos os pacientes diagnosticados com câncer tenham o seu tratamento iniciado imediatamente, precisamos dobrar ou triplicar a capacidade instalada, o número de hospitais e centros de tratamento.

CC: Muitos pacientes tentam fazer valer seus direitos na Justiça, quando um trata?mento de alto custo é negado pelo SUS.


JGT: A questão é: esse tratamento é necessário? Hoje é muito comum o cidadão se consultar com o Dr. Google. Ele acorda de manhã, entra na internet, descobre a sua doença e vai ao médico cobrar uma providência. Muitas vezes o que está manifestado nos processos judiciais é um desejo do paciente, e não uma necessidade. Trata-se de um desejo fabricado pelas campanhas de marketing, pelas reportagens que anunciam curas milagrosas, pela cultura moderna de ter acesso ao medicamento mais moderno, mesmo que a eficácia dele não tenha sido comprovada.
CC: O que fazer?


JGT: A presidenta Dilma Rousseff sancionou uma lei importante, que cria a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (Conitec). A partir de agora, esse comitê determinará se uma tecnologia será incorporada ao SUS ou não. Antes disso, serão realizados estudos de custo-efetividade. É preciso ter uma estrutura de regulação, com critérios rígidos, para que essas tecnologias atendam todos, e não somente uma parcela da população.
CC: O Brasil está preparado para a transição demográfica pela qual estamos passando?
JGT: Em 2030, vamos ter mais brasileiros acima de 60 anos do que entre 18 e 49 anos. A população envelhece de maneira muito rápida. O que levou um século para acontecer na França, demorou 50 anos para ocorrer no Brasil. Hoje, os casais têm poucos filhos, as pessoas tendem a viver mais tempo. Aumentará o número de pessoas com doenças crônicas e os custos do sistema.
CC: Segundo o Instituto de Estudos sobre Saúde Suplementar (IESS), os custos do SUS aumentarão 149% até 2030.
JGT: Esse novo perfil demográfico vai exigir uma profunda mudança na organização do sistema de saúde. A Organização Mundial da Saúde estima que, nos próximos 20 anos, demências senis, Alzheimer, depressão e distúrbios neuropsíquicos serão as doenças que mais vão impactar os sistemas de saúde. A assistência médica no Brasil ainda é muito focada no atendimento de casos agudos, urgência e emergência. Precisaremos nos reorganizar.

CC: E o Brasil ainda é um grande consumidor de tecnologia estrangeira, não?


JGT: Sim, e felizmente o governo deu continuidade a um projeto iniciado na minha gestão, o fortalecimento do complexo industrial da saúde. Tivemos a ampliação do mercado de genéricos, as parcerias público-privadas para a internalização da produção de medicamentos e outras tecnologias. Nos próximos cinco anos, o Brasil vai incorporar 50 novos equipamentos de radioterapia. Tradicionalmente, seria feita uma licitação internacional. O País compra os equipamentos, instala e opera. Como está sendo feito? O Brasil chama a multinacional, mas exige a construção de uma planta em seu território, a transferência de tecnologia.

CC: As políticas de redistribuição de renda tiveram algum impacto na saúde?

JGT: Veja o exemplo da redução da mortalidade infantil. É evidente que o PSF, o acesso ao pré-natal e o programa nacional de imunização tiveram um impacto significativo. Mas também a mudança no acesso à alimentação, a ampliação da rede de saneamento, o maior grau de escolaridade da mãe e o Bolsa Família. Uma vida mais saudável não depende só de um bom sistema de atenção médica. É preciso olhar para as causas das doenças. E muitas delas residem na distribuição da riqueza, no acesso à educação, ao saneamento, à segurança pública.

CC: Cerca de 50 mil brasileiros morrem anualmente por causas violentas, homicídios, sobretudo.

JGT: O Brasil sofre o que chamamos de tríplice carga sobre a mortalidade. Morremos de moléstias do mundo desenvolvido, como problemas cardiovasculares e câncer. Mas ainda há muitas mortes causadas por doenças tropicais, como tuberculose, dengue, malária, hanseníase. A terceira carga é a violência. Homicídios, agressões interpessoais. É preciso introduzir políticas públicas para famílias em situação de vulnerabilidade social, para garantir o pleno desenvolvimento da criança ao lado da mãe. É o que chamamos de cuidados com a primeira infância. Recentemente, a presidenta Dilma ampliou o programa Brasileirinhos e Brasileirinhas Saudáveis. Nasceu como uma coisa pequena em minha gestão, e agora ganhou dimensão nacional. É um caminho virtuoso, pois a criança abandonada está mais vulnerável à violência.

CC: Como o senhor avalia o trabalho do seu sucessor no Ministério da Saúde?

JGT: Percebo grande grau de continuidade, com as marcas do governo Lula, que foram a implantação do Samu, da Farmácia Popular, do Programa Saúde da Família, o fortalecimento do complexo industrial da saúde. Mas há novidades, a começar pela maior ênfase na gestão. Houve, por exemplo, a regulamentação de um dos artigos da lei do SUS que cria a possibilidade de contratos de gestão entre União, estados e municípios, para a implantação de redes integradas de atenção. Pela primeira vez, será possível fazer uma espécie de contratualização de metas e recursos entre os entes públicos. Padilha também conseguiu avançar na criação de um ranking para avaliar o desempenho de estados e municípios.

CC: No que consiste o seu trabalho na Unasul?

JGT: A Unasul surgiu em 2009, com o objetivo de promover a integração dos países da América do Sul na área econômica, de defesa, comunicações, transporte. E, desde o início, a saúde colocou-se de maneira muito forte. Aprovamos um plano com cinco prioridades: determinantes sociais da saúde, sistemas universais, vigilância sanitária e epidemiológica, acesso a medicamentos e formação de recursos humanos. A proposta é colocar à disposição dos governos as melhores evidências para resolver problemas práticos, formar quadros, coordenar estudos e pesquisas.

CC: Algum resultado prático?

JGT: Em 2011, durante a Conferência Internacional sobre Determinantes Sociais na Saúde, a Unasul apresentou uma posição conjunta diante de 160 países. Houve também o caso de uma carga para a produção de genérico no Brasil que foi retida em um porto na Holanda ilegalmente, sob a desculpa de que era produto falsificado. A Unasul apresentou uma queixa na Organização Mundial do Comércio. Há muitos projetos em andamento, como o esforço para estruturar organismos de vigilância sanitária na América do Sul. O Brasil está avançado e pretende ajudar os seus vizinhos com a experiência da Anvisa.
Fonte: Carta Capital

domingo, 6 de janeiro de 2013

SECRETÁRIO DE SAÚDE: POLÍTICO, TÉCNICO OU HUMANO????


Gilson Carvalho[i]

 

Estamos, mais uma vez, passamos por uma época de descoberta de talentos: quem se ofereceu e quem se escondeu para ser-não-ser Secretário de Saúde nos municípios! Muitos os que se ofertaram e poucos os que se  esquivaram, entre eles os muito, os pouco e os nada competentes. As varáveis de escolha passam ao largo do exclusiva ou principalmente, critério da competência técnica. O mais forte deles é a indicação política partidária ou por escolha do eleito, ou de seus pares ou de seus aliados (até contrariando a vontade do eleito).

Qual é o candidato ideal para ocupar o cargo? Para mim tem-se que atender a uma tríade de critérios essências: o político, o técnico e o humano. Quando estes se fecharem, em maior índice, teremos a pessoa ideal. Já vi escolhas apenas políticas descobrirem excelentes técnicos, mas, o mais comum é desandar na politicagem e politicalha. Já vi escolhas apenas técnicas, lapidarem excelentes políticos, mas o mais comum é desandar na rigidez do tecnicismo. Já vi escolhas de apenas figuras humanas que aprenderam a técnica e humanizaram a política, mas o mais comum é desandar na incompetência técnica e política.

Além disto, existem outras óticas que devem ser analisadas: a legal, a ética e a política. A ótica legal pode limitar a escolha do Secretário de Saúde. No âmbito nacional existem impedimentos expressos na Lei 8080 nos artigos 25,4: “Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no SUS; e no 28, caput: “Os cargos e funções de chefia, direção e assessoramento, no âmbito do SUS, só poderão ser exercidos em tempo integral”.

Há um evidente conflito de interesses em ser dirigente do SUS e de hospitais, clínicas, laboratórios contratados ou conveniados. Quanto ao tempo de dedicação, por mais que o dia tenha 24 horas, a semana 7 dias e o ano 365, o tempo será pouco para que o secretário dê conta das inúmeras demandas de sua função e ainda tenha outras atividades. Todo o cuidado é pouco para que não se deixe de dedicar ao cargo público o tempo legal. Tem-se que ver, na Constituição de cada Estado, na Lei Orgânica do Município e no Código de Saúde se há outras vedações específicas. Existe Estatuto dos Servidores que vedam ao funcionário público, inclusive os comissionados, vínculo ou sociedade em empresas privadas.

Da ordem ética, tem-se que olhar que o dirigente do SUS local é a Autoridade Sanitária que regula, fiscaliza e controla o setor público e privado. Aqui, talvez se delineie um conflito de interesse que pode dar pega para um impedimento de ordem moral. O estar ao mesmo tempo como dirigente público e privado pode gerar conflitos de toda a monta que são do campo da ética e da moral.

Finalmente a ótica política onde o terreno é mais minado ainda. Os ditames da política partidária passam pelos rancores da oposição que vai do ideário, passa pelo grupal e chega ao familiar e ao pessoal.

Da ordem política, tem-se que olhar cada tempo e lugar. Analisar o impacto político local de alguém ser, ao mesmo tempo, operador de uma empresa privada de saúde e do sistema público, SUS, que, pela CF, regula e fiscaliza o privado. No campo político a mais tênue névoa pode virar tornado e tempestade, dependendo do “nervoso” de cada tempo e movimento. Todo cuidado é sempre pouco. E pensar que, muitas vezes, na política, entregam-se valiosos anéis para manter os dedos, mãos e corpo.

Olhar cuidadoso pelas três óticas antes de tomar qualquer decisão e agora quando já decidido e empossado. Andar pelo campo minado da administração política da saúde, mas com o mínimo de segurança. Em caso de aceitação de posição dúbia, ter o permanente cuidado de não pairar dúvida de que haja favorecimentos e conluio de interesses. Sempre ter como norte a missão dos serviços de saúde, públicos e privados de ajudar as pessoas a viverem mais e melhor.

 


[i] Gilson Carvalho – Médico Pediatra e de Saúde Pública – O autor adota a política do copyleft, podendo este texto ser reproduzido, publicado, divulgado, independente de autorização do autor – carvalhogilson@uol.com.br Meus textos encontram-se disponíveis no site www.idisa.org.br – artigos – colaboradores.

A perda de perspectiva do interesse público no país.

J. Carlos de Assis [Carta Maior] - 23/12/12

Gerei contrariedade em alguns leitores ao sustentar na última coluna que greves em serviços públicos essenciais, como saúde e educação, são agressões à sociedade que só se explicam por serem uma espécie de contrapartida dialética à proibição absoluta de greves na ditadura. Também houve quem se contrapôs às minhas críticas às intervenções do TCU no sentido de paralisar obras públicas em andamento sob o pretexto de que isso evita a corrupção. E falei também das prerrogativas exorbitantes do Ministério Público quando invade atribuições específicas da polícia ao assumir diretamente investigações.

Volto ao assunto porque considero essas questões como parte de um processo que afeta o foco dos problemas brasileiros atuais, a saber, o fraco desempenho econômico este ano. Inicialmente, vamos ver a questão da greve no serviço público. Tomemos como referência a greve no setor privado: esta é uma iniciativa que ameaça atingir o interesse econômico do patrão a fim de convencê-lo a ceder numa negociação coletiva. Tudo bem. Mas quem é o patrão do servidor público? Ao que eu saiba, é a sociedade. O Governo é apenas um intermediário. A greve visa a forçar o Governo a destinar recursos orçamentários adicionais para as categorias grevistas. Quem dá a última palavra no orçamento é o Congresso.

Entretanto, a vítima direta da greve é a sociedade. Numa democracia, em tese, só se força o Executivo a fazer alguma coisa mediante uma articulação no Parlamento. Se esta falha, esperam-se as próximas eleições.

Esta é a regra do jogo. Negar à sociedade um serviço público essencial em nome de reivindicações corporativas não tem nada a ver com democracia. É uma agressão ao Estado de bem estar social que se tenta construir a duras penas e cujo instrumento central é o serviço público. Claro, os servidores têm todo direito de recorrer a diferentes instrumentos de pressão, notadamente os políticos. Mas greve é um excesso - mesmo porque, na prática, raramente é eficaz. Vide as últimas.

Vamos aos controles contra a corrupção, inclusive pelo TCU: a coisa mais ingênua, para não dizer a mais idiota para combater a corrupção são os chamados controles preventivos superpostos. Isso não existe. Você não pode criar instrumentos legais e procedimentos administrativos que evitem toda a prática de corrupção mesmo que construa uma máquina burocrática gigantesca para isso. Sempre haverá quem contorne os controles. O resultado, quando se insiste nisso, é fazer com que a ação em geral descoordenada e não raro comandada pela vaidade de múltiplos órgãos controladores e fiscalizadores esmague a capacidade de execução de obras e projetos pelo Executivo. Só existe controle a posteriori.

Em todo o mundo, as obras públicas são fiscalizadas (na maioria das vezes por amostragem) depois de concluídas. Se houver suspeita de corrupção, denunciam-se e prendem-se os responsáveis, promovendo o devido processo de ressarcimento. No nosso caso, o TCU tem-se arrogado o direito de mandar parar obras e anunciar isso publicamente antes de enviar seu relatório ao Congresso (com o presidente da Câmara Marco Maia, parece que isso vai mudar, e o TCU voltaria a ser um órgão de assessoria do Congresso, e não um órgão judicial, como ele pensa que é).

Os espertos que pensam que fiscalizar obras em execução é uma forma de evitar a corrupção se informem com as empreiteiras sobre o que é negociar com o TCU a formatação dos editais de concorrência. E não foi justamente no TCU que os irmãos Vieira, da operação Porto Seguro, foram encontrar alguém para dar um parecer encomendado? Não gosto de fazer acusações genéricas, mas posso assegurar, com minha experiência de jornalista econômico de quarenta anos, que não é no TCU que se encontram os funcionários mais honestos da administração pública brasileira.

Quanto ao Ministério Público, é sobretudo um problema de afirmação e de vaidade de jovens promotores e procuradores que querem mostrar serviço. É impressionante a precariedade dos fundamentos de muitas de suas iniciativas para paralisar obras. Como têm poder de iniciativa legal, e como costumam encontrar juízes movidos pelos mesmos sentimentos de afirmação e vaidade, tornaram-se um instrumento de bloqueio da administração pública e de prejuízo para o bem-estar geral por puro exibicionismo.

O pífio crescimento da economia este ano deve-se, em grande parte, a esse bloqueio. Todo mundo tenta e consegue parar obras em andamento –portanto, depois da licitação, das audiências públicas e dos acordos com os interessados. É o Ministério Público, é o TCU, é a própria Corregedoria da União, são os índios e quilombolas, é o pessoal da arqueologia (eles consideram como de valor arqueológico sítios de 100 anos de idade, o que é uma barbaridade), todos se acham no direito de negar à sociedade as obras que o Executivo propôs e o Congresso aprovou no sentido de melhorar as condições de vida dos brasileiros.

Um ponto adicional: Façam o seguinte exercício – ponham numa coluna o valor estimado da corrupção para um conjunto de obras paralisadas, e na outra o valor real e moral da perda pela sociedade relativa às mesmas obras paralisadas pelo mesmo tempo. Verão que o valor da perda por paralisação é maior!

(*) Economista e professor da UEPB, presidente do Intersul, autor junto com o matemático Francisco Antonio Doria do recém-lançado “O Universo Neoliberal em Desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às terças também no site Rumos do Brasil e no jornal carioca Monitor Mercantil.