domingo, 30 de novembro de 2008

Os 3 amores de Branco


A história de um homem que perdeu a família diante de seus olhos nas chuvas em Jaraguá do Sul.
Branco tinha três amores – a mulher e as duas filhas. E foi carregando saco de cimento nas costas que construiu os sonhos da família. Ele nunca teve tempo para reclamar dos problemas da vida.Ergueu uma casa. Pequena, bem simples, feita em prestações de R$ 300 no alto de um morro de Jaraguá do Sul. “O nosso cantinho.”O sonho que Branco realizou sobre o lote 12 da rua Irineu Franzler, no bairro Tifa Martins, desabou por causa das chuvas. Quando caiu, levou para debaixo da terra seus três amores.Perder a mulher e as duas filhas deixa no homem aquela dor eterna. Pior é quando se viu tudo. Pior é quando se lutou até o fim para salvá-las e saiu derrotado. Pior é se sentir culpado por desgraça tão grande. “Se eu tivesse jogado elas pela janela, sei lá... Agi por impulso e acho que escolhi o jeito errado de sair da casa.”A verdade é que a história de Branco até a noite de 22 de novembro não foi nada fácil. Mas ele sempre deu um jeitinho. Só que desta vez, o golpe doeu demais.Uma família bem unida Branco era só Carlos Alberto Manske há 12 anos. Foi aí que conheceu Silvana – que em 1998 virou uma Manske. Ele loiro e ela morena. Os apelidos Branco e Preta deixaram o casal mais charmoso. Bruna nasceu em 2000. Maria Eduarda chegou cinco anos depois. Família unida. Era no trabalho pesado que o casal encontrava um pouco de conforto para as filhas. Ele como caminhoneiro de uma loja de material de construção. Ela na costura de uma malharia. Quando saíam para o batente, logo cedo, era com os avós que as duas meninas fi cavam. Provavam a cada amanhecer que a felicidade de uma família existe mesmo no meio de uma rotina pesada. Não precisavam de luxo. Era das pequenas coisas que arrancavam a alegria e os sorrisos verdadeiros. Nas tardes de domingo, eles iam até o parque da cidade. Festa garantida. As meninas adoravam. Elas desciam o escorregador dando gargalhadas. Pergunte a qualquer pai ou a qualquer mãe o quanto tudo isso vale. O sonho realizadoSó tinha uma coisa que deixava Branco incomodado. Ter de pagar aluguel, morar uma hora aqui, a outra lá. — Todo mundo quer um cantinho só seu. E como foi duro para que eles tivessem um. Branco teve de fazer acordo na empresa. Preta juntou férias e décimo terceiro. Conseguiram dar entrada no terreno. O restante pagaram em 36 prestações de R$ 300. Na loja de material de construção, Branco sempre foi querido por todos. Por isso, o patrão o ajudou a erguer a casa. Deu todo o material de construção para ele pagar “quando sobrasse um dinheirinho”. Mas, Branco não achava justo. E, em todos os meses, primeiro pagava o patrão e vivia com o pouco que sobrava. — Às vezes, com R$ 100 a gente se virava. Dava para pagar as contas e comer.No dia 22 de dezembro de 2004, o sonho estava de pé. Uma casa de madeira com 6 metros de largura por 6 metros de comprimento. Foi o melhor presente de Natal que Preta poderia receber. Para Branco, “era uma coisa de Deus”. A noite da tragédiaNa noite do sábado de uma semana atrás, Bruna e Maria Eduarda dormiram cedo torcendo pelo sol. Queriam ir no parque no dia seguinte. Branco e Preta rezavam para que a chuva fosse embora, mas por outro motivo. Em fevereiro, uma casa vizinha havia desabado. Fazia dois meses que a chuva não dava uma trégua e, naquela noite, ela castigava Jaraguá do Sul. O medo fez Branco dormir no sofá da sala. Acordaria mais fácil no primeiro sinal de perigo. Foi Preta quem levantou primeiro ao ouvir um estalo. Eles já estavam com as crianças no colo – Branco com a maior e Preta com a menor – quando o estouro se repetiu. Desta vez, bem mais forte. Branco tentou abrir a porta. Não dava. Estava presa à estrutura da casa já fora do lugar. Ele usou toda a força que um pai desesperado poderia ter. A maçaneta quebrou. Ele decidiu pular a janela e puxar seus três amores para fora. Quando esticou os braços para alcançar primeiro a Maria Eduarda, a casa toda desceu o morro. — Eu ainda toquei na mãozinha dela.A luz que sobrouBranco diz que sempre sonha com seus três amores. Às vezes é muito ruim. Todo aquele horror se repete. Mas tem horas que as três aparecem entrando no Fusca branco – ele comprou também com a ajuda do patrão por R$ 3,5 mil, depois de quitar as parcelas do terreno. Nos bons sonhos de Branco, Preta está sempre arrumando as crianças. Bruna fi ca contanto que tirou 35 notas dez na escola. Maria Eduarda vai tomando café com leite na mamadeira, como fazia todas as manhãs. E vão juntos para o parque. Na casa dos pais, Branco falou que nas lembranças eles sempre vão continuar juntos. E chorou. Dói muito. E o que seria capaz de diminuir um pouco esse sofrimento, só faz aumentá-lo. Porque nada é fácil na vida desse caminhoneiro. Branco tem um outro filho, de um primeiro relacionamento. Emerson tem 12 anos. A mãe Ivonete morreu num acidente de trânsito. Os avós maternos ganharam o direito de fi car com o garoto. Branco nunca pôde se aproximar. Há dez anos não se falam. — Só queria dar um abraço. Uma abraço de pai mesmo.

A NOTÍCIA

sábado, 29 de novembro de 2008

Agradecimentos !


JustificarMeus amigos,

Hoje 27 de novembro de 2008 o sol saiu e conseguimos voltar a trabalhar. A despeito de brincadeiras e comentários espirituosos normais sobre esta "folga forçada" a verdade é que nunca me senti tão feliz de voltar ao trabalho. Não somente pelo trabalho, pela instituição e pela própria tranqüilidade de ter aonde ganhar o pão, mas também por ser um sinal de que a vida está voltando ao normal aqui na nossa Itajaí.
As fotos que circulam na internet e os telejornais já nos dão as imagens claras de tudo que aconteceu então não vou me estender narrando e descrevendo as cenas vistas nestes dias. Todos vocês já sabem de cor. Eu quero mesmo é falar sobre lições aprendidas.

Por mais que teorias e leituras mil nos falem sobre isso ainda é surpreendente presenciar como uma tragédia desse porte pode fazer aflorar no ser humano os sentimentos mais nobres e os seus instintos mais primitivos. As cenas e situações vividas neste final de semana prolongado em Itajaí nos fizeram chorar de alegria, raiva, tristeza e impotência. Fizeram-nos perder a fé no ser humano num segundo, para recuperar-la no seguinte. Fez-nos ver que sempre alguém se aproveitará da desgraça alheia, mas que também é mais fácil começar de novo quando todos se dão as mãos.

Que aquela entidade superior que cada um acredita (Deus, Alá, Buda, GADU etc.) e da forma que cada um a concebe tenha piedade daqueles:

- Que se aproveitaram a situação para fazer saques em Supermercados, levando principalmente bebidas e cigarros
- Que saquearam uma farmácia levando medicamentos controlados, equipamentos e cofres e destruindo os produtos de primeira necessidade que ficaram assim como a estrutura física da mesma.
- Que pediam 5 reais por um litro de água mineral.
- Que chegaram a pedir 150 reais por um botijão de gás.
- Que foram pedir donativos de água e alimentos nas áreas secas pra vender nas áreas alagadas.
- Que foram comer e pegar roupas nos centros de triagem mesmo não tendo suas casas atingidas.
- Que esperaram as pessoas saírem das suas casas para roubarem o que restava.
- Que fizeram pessoas dormir em telhados e lajes com frio e fome para não ter suas casas saqueadas.
- Que não sentiram preocupação por ninguém, algo está errado em seu coração.
- Que simplesmente fizeram de conta que nada acontecia, por estarem em áreas secas.

Da mesma forma, que essa mesma entidade superior abençoe:

- Aqueles que atenderam ao chamado das rádios e se apresentaram no domingo no quartel dos bombeiros para ajudar de qualquer forma.
- Os bombeiros que tiveram paciência com a gente no quartel para nos instruir e nos orientar nas atividades que devíamos desenvolver.
- A turma das lanchas, os donos das lanchinhas de pescarias de fim de semana que rapidamente trouxeram seus barquinhos nas suas carretas e fizeram tanta diferença.
- À equipe da lancha, gente sensacional que parecia que nos conhecíamos de toda uma vida.
- Aos soldados do exército do Paraná e do Rio Grande do Sul.
- Aos bravos gaúchos, tantas vezes vitimas de nossas brincadeiras que trouxeram caminhões e caminhões de mantimentos.
- Aos cadetes da Academia da Polícia Militar que ainda em formação se portaram com veteranos.
- Aos Bombeiros e Policias locais que resgataram, cuidaram , orientaram e auxiliaram de todas as formas, muitas vezes com as suas próprias casas embaixo das águas.
- Aos Médicos Voluntários.
- Às enfermeiras Voluntárias.
- Aos bombeiros do Paraná que trabalharam ombro a ombro com os nossos.
- Aos Helicópteros da Aeronáutica e Exercito que fizeram os resgates nos locais de difícil acesso.
- Aos incansáveis do SAMU e das ambulâncias em geral, que não tiveram tempo nem pra respirar.
- Ao pessoal do Helicóptero da Polícia Militar de São Paulo, que mostrou que longo é o braço da solidariedade.
- Ao pessoal das rádios que manteve a população informada e manteve a esperança de quem estava isolado em casa.
- Aos estudantes que emprestaram seus físicos para carregar e descarregar caminhões nos centros de triagem.
- Às pessoas que cozinharam para milhares de estranhos.
- Ao empresário que não se identificou e entregou mais de mil marmitex no centro de triagem.
- A todos que doaram nem que seja uma peça de roupa.
- A todos que serviram nem que seja um copo de água a quem precisou.
- A todos que oraram por todos.
- Ao Brasil todo, que chorou nossos mortos e nossas perdas.
- Aos novos amigos que fiz no centro de triagem, na segunda-feira.
- A todos aqueles que me ligaram preocupados com a gente.
- A todos aqueles que ainda se preocupam por alguém.
- A todos aqueles que fizeram algo, mas eu não soube ou esqueci.

Há alguns anos, numa grande enchente na Argentina um anônimo escreveu isto:

COMEÇAR DE NOVO

Eu tinha medo da escuridão
Até que as noites se fizeram longas e sem luz
Eu não resistia ao frio facilmente
Até passar a noite molhado numa laje
Eu tinha medo dos mortos
Até ter que dormir num cemitério
Eu tinha rejeição por quem era de Buenos Aires
Até que me deram abrigo e alimento
Eu tinha aversão a Judeus
Até darem remédios aos meus filhos
Eu adorava exibir a minha nova jaqueta
Até dar ela a um garoto com hipotermia
Eu escolhia cuidadosamente a minha comida
Até que tive fome
Eu desconfiava da pele escura
Até que um braço forte me tirou da água
Eu achava que tinha visto muita coisa
Até ver meu povo perambulando sem rumo pelas ruas
Eu não gostava do cachorro do meu vizinho
Até naquela noite eu o ouvir ganir até se afogar
Eu não lembrava os idosos
Até participar dos resgates
Eu não sabia cozinhar
Até ter na minha frente uma panela com arroz e crianças com fome
Eu achava que a minha casa era mais importante que as outras
Até ver todas cobertas pelas águas
Eu tinha orgulho do meu nome e sobrenome
Até a gente se tornar todos seres anônimos
Eu não ouvia rádio
Até ser ela que manteve a minha energia
Eu criticava a bagunça dos estudantes
Até que eles, às centenas, me estenderam suas mãos solidárias
Eu tinha segurança absoluta de como seriam meus próximos anos
Agora nem tanto
Eu vivia numa comunidade com uma classe política
Mas agora espero que a correnteza tenha levado embora
Eu não lembrava o nome de todos os estados
Agora guardo cada um no coração
Eu não tinha boa memória
Talvez por isso eu não lembre de todo mundo
Mas terei mesmo assim o que me resta de vida para agradecer a todos
Eu não te conhecia
Agora você é meu irmão
Tínhamos um rio
Agora somos parte dele
É de manhã, já saiu o sol e não faz tanto frio
Graças a Deus
Vamos começar de novo.

Anônimo


É hora de recomeçar, e talvez seja hora de recomeçar não só materialmente. Talvez seja uma boa oportunidade de renascer, de se reinventar e de crescer como ser humano.
Pelo menos é a minha hora, acredito.

Que Deus abençoe a todos.

Luis Fernando Gigena

Itajaí e mudança climática


Escrito por Roberto Malvezzi
Quando um fenômeno extremo acontece isoladamente, não dá para dizer que é resultado das mudanças climáticas. Quando eles acontecem em várias partes do mundo quase que simultaneamente, é sinal evidente que o planeta está mudando. Essa é a sabedoria que se vai acumulando em relação à questão.

O que acontece no vale do Itajaí, trágico e triste em todos os sentidos, deveria ser um sinal vermelho para as autoridades brasileiras. Qualquer estadista reconheceria que os rumos da civilização brasileira – devastando suas matas, ocupando morros etc. – só podem colher como resultado a tragédia.

Por enquanto, olhamos a cidade devastada de longe. As águas do Itajaí não entraram aqui pelas nossas portas do Nordeste. É provável que não tenha morrido nenhum parente ou amigo. Então, é possível contemplar o fato com lamentações, mas sem experimentar o que é ter a vida devastada de um minuto para o outro.

O que nos indicam é que estamos apenas no começo. Os tais fenômenos extremos deverão se repetir com mais freqüência e mais violência. Talvez, quando um dia se abaterem sobre nossas casas, lhes daremos o devido significado.

Mesmo assim insistimos em derrubar as florestas a troco de uns quilos de soja e meia dúzia de dólares. Devastação financiada pelo BNDES e outros bancos oficiais. Dívidas monumentais de predadores perdoadas. Legislação alterada para que o agro e hidronegócio avancem sobre as áreas de fronteiras, sobre o Cerrado, sobre a Amazônia, Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas. Sem falar na conivência das autoridades locais com o avanço das imobiliárias sobre as áreas de risco e preservação, inclusive com condomínios de luxo.

Parece ser impossível para os brasileiros construir uma economia que não seja predadora, que seja inteligente, que aponte para o século XXI e não para o passado.

O exemplo de Itajaí, como já mostrou Nova Orleans, indica que não serão apenas os pobres – embora o sejam sempre – as vítimas exclusivas da vingança de Gaia.

Roberto Malvezzi, o Gogó, é coordenador da CPT – Comissão Pastoral da Terra.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

20 anos do SUS


CELEBRAR O CONQUISTADO. REPUDIAR O INACEITÁVEL.

Nos 20 anos da Constituição Brasileira e do Sistema Único de Saúde - SUS, o Cebes celebra a grande conquista da sociedade brasileira, que mudou a história da política social no país ao instituir a saúde como direito de todos os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza, e como dever do Estado. Nessas duas décadas, profissionais, gestores, movimentos sociais, serviços e a população vêm travando uma dura batalha para fazer com que esse direito seja concreto, contínuo e seguro. O SUS mudou de forma radical a configuração da atenção à saúde no Brasil. É, sem dúvida, uma das políticas sociais mais abrangentes e distributivas da história nacional, ao tornar o acesso universal e incluir milhões de brasileiros na condição de usuários de saúde. Com o SUS criou-se um sistema nacional e único, abrangendo todas as áreas relativas ao cuidado em saúde. O SUS reordenou a prestação de serviços, criando uma complexa e ousada estrutura onde união, estados e municípios trabalham em conjunto. Criou e expandiu instâncias de pactuação e participação social inéditas na história do país. O SUS aumentou a rede de serviços públicos; criou e implementou inúmeros programas de atenção e promoção avançados e abrangentes. A população conhece e usa o SUS todos os dias, seja direta ou indiretamente. Os números do SUS impressionam, demonstram a potência desse jovem sistema e confirmam a importância da instituição do direito à saúde na Constituição. O SUS é mais que um sistema de saúde. Ele faz parte do pacto social presente na Constituição de 1988, que visa a construir uma sociedade democrática e solidária. Por isso foi inscrito na seguridade social; para, junto com assistência social e previdência, garantir proteção social em condições de igualdade a todos os cidadãos, através de políticas eqüitativas e sistemas universais, públicos e financiados por toda a sociedade. Esses são preceitos que valorizam a vida, a dignidade e o direito ao futuro como bens inalienáveis de todos. Não há paz e desenvolvimento onde a vida é um valor menor, onde a saúde é considerada uma mercadoria, que mais terá quem mais puder pagar. Não há justiça social onde a atenção à saúde dependa da capacidade e do esforço individual de cada um. Não há futuro para uma sociedade sem bens coletivos sólidos e perenes. Os governos têm continuamente adiado sua integral responsabilidade com a seguridade social e o SUS, restringindo financiamento, recursos humanos, permitindo a expansão do setor privado em áreas estritamente públicas e sendo permissivo com práticas clientelistas e patrimonialistas. Em 20 anos de SUS, a saúde tem sido negligenciada em prol de uma de política econômica restritiva e de acordos políticos particularistas. Esse não é o projeto dos brasileiros. O projeto dos brasileiros é que se cumpra a Constituição. E aos governos cabe não somente ‘respeitá-la’; eles têm a obrigação de implementá-la. E é exatamente o reconhecimento a todos os avanços do SUS que faz com que o Cebes, neste momento de justa celebração, venha registrar sua indignação com a permanência de um conjunto de problemas que atinge de forma cruel a população e ameaça os princípios conquistados. Nossa indignação faz com que venhamos registrar o que consideramos inaceitável no SUS hoje.Inaceitável porque ultrapassa os limites do respeito à dignidade humana. Inaceitável porque fere os direitos da cidadania e da democracia. Inaceitável porque corrompe os princípios do que é público, bem de todos, e não pode ser usado em favor de alguns. Inaceitável porque conhecemos as soluções e porque dominamos as condições necessárias para implementá-las. A sociedade brasileira investiu trabalho e esperanças na construção de um SUS para todos. É inaceitável que governos e gestores, representantes do Estado responsáveis pelo SUS, deixem de cumprir suas diretrizes elementares. Não podemos mais esconder ou justificar as tragédias cotidianas que afligem a população e que podem ser resolvidas já. O SUS é um projeto nacional, solidário, justo e, acima de tudo, possível. Por isso consideramos INACEITÁVEL, passados 20 anos: 1 Que ainda não exista uma fonte estável para o financiamento do SUS. 2 Que o gasto público em saúde ainda seja de menos de 1 real por habitante/dia, muito aquém de países menos ricos na América Latina.3 Que permaneçam as condições precárias de atendimento nos serviços do SUS. O SUS pode e deve prestar serviços dignos aos cidadãos. A população tem direito a saber em que condições será atendida, quanto tempo tardará o atendimento e como proceder em caso de expectativas não cumpridas.4 Que serviços do SUS ainda não funcionem como uma rede integrada, com porta de entrada única, deixando ao usuário a responsabilidade de buscar por conta própria os serviços de que necessita.5 Que ainda não tenham sido implementados, em todo o território nacional, mecanismos elementares de gestão de filas que eliminem o sofrimento diário dos usuários. 6 Que na reorganização da atenção seja dada prioridade às UPAs e AMAs, modelo ultrapassado e imediatista de instalação focada de unidades, e que a atenção básica não seja até hoje o eixo estruturante de todo o sistema. 7 Que ainda não tenha sido implantado o cartão SUS, com informações seguras sobre o histórico de cuidados dos usuários, fonte de planejamento, transparência e combate à corrupção. 8 Que a população não tenha ainda acesso seguro e regular aos medicamentos e exames vinculados ao ato terapêutico. 9 Que serviços do SUS ainda hoje não garantam às mulheres grávidas a referência segura de onde vão parir. 10 Que se mantenham discriminações de classe social, gênero, orientação sexual e raça em serviços do SUS. 11 Que serviços e profissionais de saúde continuem maltratando as mulheres que fazem aborto, com negligência no atendimento, ajuizamento moral, denúncias e outras formas de violação de direitos. 12 Que serviços desautorizados pela vigilância sanitária continuem funcionando. 13 Que hospitais lucrativos continuem sendo considerados como filantrópicos e recebendo subsídios públicos. 14 Que se mantenha a dupla porta de entrada nos hospitais públicos e contratados. 15 Que os profissionais de saúde sejam desvalorizados, tenham suas condições de trabalho e salariais aviltadas. 16 Que o SUS permaneça sem uma política nacional de formação e capacitação de recursos humanos. 17 Que, a título de redução do gasto público, se mantenha a farsa dos vínculos precários de trabalho, dependendo de convênios e contratos temporários. 18 Que profissionais usem a precariedade das condições de trabalho como justificativa para ausências e não cumprimento de horários. 19 Que o SUS continue sendo usado como moeda política. É preciso criminalizar o uso político de cargos de direção e dos setores de compras de hospitais do SUS, que estimulam a corrupção, drenam recursos e comprometem a qualidade dos serviços. 20 Que se mantenham transferências e subsídios do setor público para o setor privado de planos e seguros, através da compra de planos para funcionários públicos e da dedução do pagamento de planos no imposto de renda. É injusto que o conjunto da população financie o acesso diferenciado das camadas médias e a sobrevivência e crescimento do setor privado. 21 Que o SUS ainda não estabeleça metas e responsabilidades sanitárias claras a serem cumpridas pelos gestores e governos. 22 Que ainda não haja mecanismos legais de responsabilização de governos e gestores pelos serviços não cumpridos. Essa ausência estimula e encobre a alarmante corrupção no setor. 23 Que as transferências financeiras intergovernamentais ainda sejam feitas de forma verticalizada, em “caixinhas”, engessando o planejamento e a lógica sanitária. 24 Que as políticas sociais sejam ainda hoje, e cada vez mais, fragmentadas e setorializadas. É urgente o estabelecimento de políticas que integrem as distintas áreas sociais, para garantir os direitos instituídos no título VIII da Constituição. 25 Que o país ainda careça de uma política saudável para o meio ambiente, que afaste os riscos do cultivo de transgênicos, do abuso de agrotóxicos, da poluição dos mananciais, do desflorestamento, e também de uma política que assegure condições saudáveis de trabalho no campo e nas indústrias. 26 Que governo e sociedade se recusem a discutir o aborto que praticamos, o consumo de álcool que nos vitima, os acidentes de trabalho que nos aleijam. 27 Que se ignore a importância do complexo produtivo da saúde como forma de afirmação da soberania nacional, como combate á subordinação da produção industrial à lógica de preservação de patentes e domínios de conhecimento, como possibilidade de associar o desenvolvimento industrial à política de proteção social, gerando um exemplar modelo de desenvolvimento nacional. 28 Que não se efetive a concepção de Seguridade Social prevista na Constituição de 88, como condição imprescindível para a coesão social. Essa efetivação passa hoje pela convocação da Conferência Nacional de Seguridade Social. Transformar o direito à saúde em direito em exercício é dever do Estado e não pode mais ser retardado, sob alegações de qualquer ordem. Não existe valor superior à vida, muito menos aqueles propugnados pelos defensores de políticas voltadas para o pagamento de juros e produção de superávits fiscais que restringem o investimento social inadiável. O Cebes conclama a todos a celebrar nossas conquistas, refletir sobre os impasses e desafios e não transigir com o que é inaceitável. Depois de 20 anos, já temos condições de exigir a sua superação imediata!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Leptospirose - Orientações Técnicas


Na ocorrência de inundações emerge a preocupação com aparecimento de doenças. Nesse sentido, a presente nota técnica visa orientar quanto as possíveis conseqüências das enchentes relacionadas à ocorrência de doenças transmissíveis, e quanto a medidas de controle pertinentes a cada situação.
A leptospirose é uma doença (zoonose) transmitida pelo contato com a água ou lama contaminada pela urina de animais portadores, principalmente roedores (ratos). Este contato ocorre principalmente nos períodos de enchente e também imediatamente após estas, quando é procedida a limpeza de residências.
O período de incubação da Leptospirose vai de 3 a 20 dias após o contado com o agente infeccioso e os sintomas variam desde febre, cefaléia, dores musculares, principalmente nas panturrilhas, podendo ou não ocorrer icterícea.
Os agentes comunitários devem visitar áreas atingidas pela inundação com o objetivo de detectar aqueles casos que não procuraram ainda os serviços de saúde, de forma a evitar diagnóstico e tratamento tardio. Dar atenção a pacientes febris, podendo ocorrer este sintoma até quase 30 dias após o contato.
Cuidados com a limpeza da lama residual das enchentes. A Lama tem alto poder infectante e nestas ocasiões fica aderida aos móveis, paredes e chão. A recomendação é que durante a limpeza a pessoa deve proteger-se com luvas e botas de borracha, lavando o local com solução de água sanitária (hipoclorito de sódio a 2,5%) na seguinte proporção :
- Para um balde de 20 litros de água, adicionar 4 xícaras (de café) de água sanitária.
Cuidados com a água para uso doméstico. Fazer a limpeza da caixa d'água lavando e esfregando a parede e o fundo. Utilizar 1 litro de água sanitária para cada 1000 litros de água do reservatório. Não esquecer de usar luvas e bota de borracha.
Cuidados com a água para consumo humano direto. Quando há suspeita da contaminação da água a ser bebida, utilizar duas gotas de água sanitária (hipoclorito de sódio a 2,5%) para cada litro de água e aguardar 30 minutos para consumir, ou ferver a água a 100º C por alguns minutos.
Pessoas com ferimentos devem receber os cuidados necessário de assepsia. Avaliar a necessidade de vacinação anti-tetânica.

Suspeitos de Leptospirose.

Pessoas que entraram em contato com água e/ou lama da enchente e apresentarem sintomas como febre (principalmente), mialgia, dor de cabeça e icterícea, são suspeitos de leptospirose, lembrando que o período de incubação da doença varia de 3 a 20 dias após o contato com o ambiente contaminado.
Não existe protocolo de tratamento profilático para pessoas que entraram em contato com a enchente.
Casos suspeitos devem ser avaliados por um médico, observando situação de risco na anamnese e sintomatologia. Cabe ao médico prescrever o tratamento indicado e solicitar os exames necessários.
Dar atenção a essa situação por até 30 dias após a exposição .

Ítalo Osmar Lenzi
Médico Veterinário – CRMV-SC 1456
Vigilância Epidemiológica
Informações: Secretaria Municipal de Saúde - Telefones: 3431.4601 - 3421 4604

Chuvas, irresponsabilidades e tragédias.


"A formulação de um problema é, muitas vezes, mais importante que uma resolução, a qual depende simplesmente de uma habilidade matemática ou experimental. Fazer novas perguntas e considerar novas possibilidades para enfocar velhos problemas através de um novo ângulo exige imaginação criadora e indica o verdadeiro progresso da ciência". Einstein
"A situação em SC é preocupante".
O número de desabrigados e desalojados aumenta e beira, hoje, os 35.000, 1.500.000 pessoas foram atingidas, direta e indiretamente.
Desde ontem a solidária, porém precária, Defesa Civil, batia cabeça e já admitia não poder dar conta da situação. 31 pessoas já morreram.
As pontes sobre os Rios Itajaí-Açú e Tijucas estão interditadas, o que significa que quase 50 km de litoral, de Navegantes a Tijucas estão isolados. Não se pode usar a BR-1001 para chegar ao RS, cidades encontram-se isoladas.
Parou de chover nesse momento, mas a previsão é de que as chuvas continuem até terça.
Foi bom ver que, no meio do caos, ainda contamos com a solidariedade humana entregando roupas e alimentos nas escolas e postos de coleta.
A idéia dos "refugiados ambientais" como resultado das "mudanças climáticas" ao que parece já é uma realidade, e nós humanos vamos ter que aprender a conviver com ela.
Quem puder ajudar faça contato com a defesa civil de seu estado e cidade.
"Paz e Bem"
O texto acima, modificado de Guerra, companheiro da REASUL, demonstra uma visão dos problemas ambientais e suas vítimas, que gostaria de abordar por outro ângulo.
Passam os vendavais, chuvas e enchentes, renasce a solidariedade marcante do povo Catarinense. Porém, fica no ar uma pergunta - quem são os responsáveis pela quase totalidade destas desgraças anunciadas?
Ocupações irregulares de encostas e APP’s de margem de rios, remoção de vegetação em áreas críticas, de risco anunciado. Fiscalização? Onde? Quando?
Hoje uma família de baixa renda (até 3 ou 4 salários mínimos) somente consegue constituir moradia, própria ou alugada, que caiba em seu parco orçamento com alguma combinação entre as seis seguintes variáveis: distância, periculosidade, insalubridade, desconforto ambiental, precariedade construtiva e irregularidade fundiária.(Santos, 2007)

Essa condição orçamentária leva inexoravelmente a população pobre a três alternativas: favelas, zonas periféricas de expansão urbana e APP’s.
Especialmente nessa última condição a população de baixa renda tem sido protagonista ativa e passiva da grave tragédia geotécnica que incide generalizadamente em áreas de relevo mais acidentado e margens de córregos, tragédia que põe a perder por erosão, escorregamentos, assoreamento e enchentes a já precária infra-estrutura urbana, as próprias habitações, patrimônios públicos e privados e, não raramente, vidas humanas.
Assim, a expansão urbana periférica vem se processando, via de regra, através de intensas e extensas terraplenagens implicando em exposições cada vez maiores e mais prolongadas dos solos de alteração (mais profundos, menos argilosos, mais erodíveis) aos processos erosivos.
Uma prática nociva e nada criativa do ponto de vista técnico, pela qual persistentemente se privilegia a adaptação dos terrenos aos projetos ao invés de adequar os projetos às características naturais dos terrenos.
Essa expansão urbana, principalmente de populações de baixa renda, baseia-se em dois tipos principais de ocupação habitacional: os "loteamentos regulares", com projetos aprovados pelas administrações municipais, e as ocupações irregulares (invasões) de terrenos privados e públicos.
Via de regra os "loteamentos regulares" são implantados através de extensas terraplenagens, arrasando morros e encostas e aterrando vales, com a venda e início de ocupação dos lotes normalmente antecedendo a instalação completa da infra-estrutura urbana básica (ruas pavimentadas, sistemas de drenagem de águas pluviais, saneamento básico, proteção de taludes contra a erosão).
As invasões, por seu lado, têm ocupado especialmente encostas de grande declividade, com a implantação de arruamento precário, sem proteção alguma, e ocupação lote a lote, cada qual encaixado por escavação na encosta, lançando-se o material resultante da escavação morro abaixo.
Na mesma ordem de total anarquia técnica, as invasões acontecem também em fundos de vale e margens de córregos.
Ambas as formas de ocupação, "loteamentos regulares" e invasões em terrenos de alta declividade e margens de córregos, são catastróficas do ponto de vista geotécnico, expondo enormes superfícies de solo aos processos erosivos e colaborando para o assoreamento das drenagens.
Nos terrenos ocupados por invasão há a agravante da produção sistemática de áreas de riscos; nas encostas de alta declividade, por escorregamentos, nos fundos de vale e margens de córregos, por solapamento e enchentes.
Os processos erosivos em terrenos de alta declividade têm assim uma dupla perversidade geotécnica: degradam a infra-estrutura urbana nas áreas onde ocorre a erosão - área fonte dos sedimentos, com destruição de ruas, edificações, sistemas de drenagem e produção de áreas de risco, e provocam o intenso assoreamento das drenagens naturais (córregos e rios) e construídas (bueiros, galerias, canais) - áreas de destino dos sedimentos, constituindo hoje uma das principais causas das enchentes que assolam as cidades.
Centenas de milhões de reais são anualmente consumidos na perda total e em custos de reconstrução de patrimônios públicos e privados nas áreas submetidas à erosão, nas despesas com os faraônicos e intermináveis serviços de desassoreamento das drenagens e nas graves conseqüências econômicas e sociais das enchentes decorrentes de todo esse terrível processo.
Adicionalmente, nas ocupações irregulares de fundos de vale e margens de córregos, o lixo urbano não recolhido e o entulho de construção civil lançado ou reutilizado irregularmente colaboram para a agravação do fenômeno de assoreamento das drenagens.
De várias ordens são as providências necessárias a reduzir a nível mínimo essa verdadeira catástrofe geotécnica: legal, técnica, educacional, administrativa, política e assistencial.
Porém há uma providência que se não equacionada e resolvida, tornará ineficaz qualquer outro tipo de ação.
Trata-se da necessidade de implementação de uma política habitacional que resulte de fato em uma substancial redução da pressão de ocupação sobre a zona periférica das cidades, considerados aí, especialmente, os fundos de vale e as encostas com alta declividade (Santos, 2008).
Existem, na maioria das cidades onde assistimos as tragédias, a faixa compreendida entre o início da zona de expansão urbana e o limite dos bairros periféricos já consolidados um grande número de "vazios urbanos", pequenos, médios ou grandes terrenos apropriados fisicamente para a ocupação habitacional.
Nestes terrenos que, por motivos diversos, especialmente a especulação imobiliária, ainda não foram ocupados, caberia repensar-se a instalação desta política habitacional.
Um programa de compra ou desapropriação desses terrenos, por interesse social, geraria em somatória área suficiente a abrigar grandes contingentes humanos que hoje estão instalados em áreas degradadas da zona periférica, muitas vezes sob a anuência da Resolução 369/06 do próprio CONAMA.
Porem, a meu ver existe o mais nefasto dos crimes que afloram nestas situações de crise, obras públicas de papel, mal feitas, não fiscalizadas, ou quando muito, fiscalizadas de forma burocrática, longe da necessária fiscalização técnica. Tem Licença, ART e "projeto"? Tudo bem, então!!!
Os vários acidentes que infelizmente vêm ocorrendo em obras públicas em todo o país, alguns poucos chegando ao noticiário de mídia, têm trazido à baila a íntima relação dessas obras com os terrenos geológicos em que são construídas e a ineficaz fiscalização destas "obras".
E, por conseguinte, a enorme importância que as investigações geológicas e sua fiscalização técnica contínua têm para o êxito técnico desses empreendimentos.

Necessário, nesse contexto, que todos os profissionais de Engenharia tenham um exato e uniforme entendimento sobre o significado e as características conceituais e metodológicas dessas investigações.
Nas investigações geológico-geotécnicas que necessariamente antecedem o Projeto, o Plano de Obra e a Licença e se prolongam no período de obra e na própria operação do empreendimento, essa responsabilidade maior do corpo fiscalizatório deve ser voltado a Geologia de Engenharia, entendida essa geociência aplicada como a responsável pela interface tecnológica do Homem com o meio físico geológico.
Para tanto é preciso que fique muito claro a todos que a missão da Geologia de Engenharia não se reduz a entregar ao projetista um arrazoado sobre a geologia local, um punhado de perfis e seções geológicas e resultados de ensaios com os índices de comportamento geotécnico dos diversos materiais presentes.
O trabalho da Geologia de Engenharia transcende essa limitada visão meramente descritiva e parametrizadora, ainda infelizmente bastante comum entre profissionais e empresas executantes, órgãos públicos demandantes e na fiscalização técnica de órgãos competentes, inexistente.
No meu retorno de Lages, ontem 23/11, deparei-me com uma destas "obras públicas", BR-282, "reformada", recém entregue a população e que já apresentava, ao longo de quase todo o seu percurso, buracos em remendos recém feitos. Pavimento sério este!!!
"Serviços" de drenagens mal, ou subdimensionadas lançavam água sobre a pista, remetendo a possibilidade de aquaplanagem dos veículos, cortes de taludes mal feitos ou de declividade acentuada, com solos fixados por hidrossemeaduras ineficazes, transformavam-se em quedas de barreiras de todas as dimensões e colocavam em risco a vida de quem, por ironia, com impostos, pagou a obra mal feita !!!
Para completar, fundamentalmente no trecho Águas Mornas - Rancho Queimado, o plantio de exóticas (pinus eliotis) em encostas e taludes angulosos, mal dimensionados, localizados nas faixas de domínio da estrada, se desmanchavam e recobriam a já precária rodovia.
Nos próximos dias, restará a falta de água, por rompimento de tubulações e economia de polissulfato necessária para flocular o sedimento em suspensão que escorreu para nossas drenagens, das encostas erodidas pela falta de vegetação que a sustente.
Precisamos, de forma séria, técnica e contundente repensar mais esta tragédia e agregar, com responsabilidade e projetos sustentáveis, mais segurança a vida das populações atuais e futuras deste Estado.
João Guilherme Wegner da Cunha.
Geólogo – Conselheiro CREA/SC

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A Malícia

A malícia está em quem sabe ler. Quem sabe escrever, sabe! O que posso fazer?
Só os verdadeiros gênios. como Drumond, são capazes de fazer com simplicidade algo assim tão genial.
Num momento de descontração, o grande poeta Carlos Drumond de Andrade escreveu: "Satânico é meu pensamento a teu respeito e ardente é o meu desejo de apertar-te em minhas mãos, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares.
Eu adormeci.
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão. Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite.
Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama te esperar...
Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos.
Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo.
Só assim, livrar-me-ei de ti.....
mosquito Filho da Puta!" Este é o grande gênio chamado de Carlos Drumond de Andrade.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Reprodução Humana


Carta aberta: Lula assinará acordo com Vaticano? A imprensa em nível internacional está divulgando nos últimos dias que o presidente Lula, em visita à Itália, assina quinta-feira (13 de novembro) um acordo com o Vaticano. É certo que as religiões ocupam lugar de importância entre a população brasileira. É também uma característica das sociedades democráticas o respeito à diversidade de crenças e de filosofias, inclusive àquelas que não se remetem a qualquer religião. Uma das exigências para a realização da democracia é o debate público, aberto e transparente sobre as questões que implicam o conjunto da sociedade. Todavia, o conteúdo do documento que está em vias de ser assinado é completamente desconhecido da população brasileira. Sabe-se, no entanto, que se trata de um acordo que implicará, entre outros aspectos, o ensino religioso na rede de educação do país. Manifestamos nossa preocupação diante da possibilidade de que os termos desse acordo firam o princípio constitucional da separação Estado/Igreja. Preocupa-nos ainda que uma proposição de ensino religioso venha a infringir tanto o princípio de laicidade quanto a cultura de respeito à pluralidade religiosa e a manifestação pública de não adesão à qualquer crença. No contexto democrático brasileiro não se justifica que o Estado e o Vaticano estejam em vias de assinar um documento, cujos termos não são públicos. A realização da democracia exige que as questões de interesse público sejam amplamente debatidas pela sociedade. É, pois, urgente que o conteúdo desse acordo seja conhecido antes de sua assinatura.

A luta contra os racismos também é um ritual doloroso


Consciência Negra
A luta contra os racismos também é um ritual doloroso
por César Augusto Baldi
Findo o período colonial, a sociedade brasileira imaginou-se dotada de uma cultura evidentemente européia, à qual teriam contribuído, em “parcelas”-específicas e, pois, “pontuais”— negros e índios, sem, contudo, perder a centralidade branca, européia, heterossexual e católica. Vista em espelho muito particular teve a si mesma refletida como “mestiça”, reveladora de uma “democracia racial” exemplar para o mundo (em contraposição com a segregação dos EUA ou o apartheid da África do Sul), isenta de “racismos”, preconceitos de todas as espécies e profundamente “religiosa” (respeitado o Estado “laico”). À sua maneira.
A Constituição de 1988, pela primeira vez, reconhece uma diversidade étnico-cultural em patamar distinto das anteriores e rompe, em parte, com uma influência grande da Igreja. Vinte anos depois seria necessário verificar até que ponto esta imagem refletida em espelho rompeu ou não com os padrões do colonialismo. Ou seja: repensar estes parâmetros agora num espelho “pós-colonial”, vendo, pois, até que ponto ficaram mantidas as estruturas anteriores, agora sob o manto de um “colonialismo interno”. Alguns projetos esboçados e outros sequer iniciados merecem destaque.
Primeiro, porque, tendo sido incompleto o pretendido processo de “embranquecimento”, iniciado no século XIX ( com o endeusamento da ascendência européia, paralelo ao processo de “higienização”), a “democracia racial”, que lhe seguiu, sendo teoria, permaneceu um funesto processo disfarçado de racismo. Assim, quando a Constituição cominou ao “racismo” tanto o cumprimento mais severo da pena (a reclusão) quanto as características de inafiançabilidade e imprescritibilidade, reforçou a necessidade de combatê-lo em todas as suas formas, incluídas as modernas — a xenofobia, o anti-semitismo, a islamofobia, a negrofobia e outras formas correlatas de intolerância racial.
A Conferência de Durban reforçou, no plano internacional, estas mesmas preocupações e compromissos, ao reconhecer que “a escravidão e o tráfico de escravo” foram “tragédias terríveis na história da humanidade”, ao mesmo tempo em que afirmou que “o colonialismo levou ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata” (itens 12 e 13 da Declaração).
Segundo, porque entendido o racismo nesta visão alargada que compatibiliza conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos e biológicos, nos exatos termos em que salientado pelo STF no julgamento do HC 82.424-RS (relator ministro Mauricio Correa), que estendeu a reprimenda ao “anti-semitismo”, afasta-se a noção de “sangue” (não é o “sangue” índio ou negro que dá ou retira direitos), fortalecendo o combate às representações sociais heterodefinidas. Daí porque pouco sentido tem o discurso do “DNA negro” para combater as ações afirmativas (o que, ao final, equivaleria a dizer que se todos são negros, não existe “racismo”, não é verdade?) ou “sangue” índio para desqualificar as pretensões territoriais, inclusive dos chamados “índios ressurgentes” (como se todos aceitassem viver com os usos, costumes, tradições e cosmologias indígenas).
A insistência no critério de autodefinição (como previsto na Convenção 169-OIT) é outro elemento questionador do etnocentrismo da sociedade: os critérios de “classificação social” são, em geral, fruto de “heterodefinição”, e daí, pois, as resistências para o reconhecimento das autoclassificações de indígenas, negros e quilombolas. Em sociedades plurais, como salienta Deborah Duprat, nenhuma comunidade detém o monopólio das “definições”.
Terceiro, porque isto implica a necessidade, no aspecto negativo, de impedir qualquer conduta, prática ou atitude que incentive, prolifere ou constitua racismo e, no aspecto positivo, um mandamento constitucional de tomar as medidas cabíveis e possíveis para erradicação de tal prática, dentro da previsão de promover o bem de todos, "sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (artigo 3º, inciso IV, CF).
Corresponde, portanto, à necessidade de iniciativas pró-ativas de igualdade e inibitórias de discriminação por parte dos poderes constituídos, na linha, aliás, da teoria constitucional de direitos fundamentais prestacionais e de defesa.
Quarto, porque a “mestiçagem” incentivada só o é enquanto reforce os tipos caucasóides e obscureça características indígenas ou negras. São os “caboclos” a invisibilizar processos de etnogênese indígena, e os “mulatos” a embranquecer, de uma forma ou outra, as classificações sociais. Um racismo tão sutil que pode conviver com fachadas de anti-racismo e, conforme a mudança de ambiente — universidade, família, laços de parentesco — ser absolutamente invisibilizado. Isto é que possibilita que um manifesto “anti-racista” possa ser escrito em linguagem “racista”, sem parecer sê-lo, e questione, ao mesmo tempo, a importação de “teorias estrangeiras dos EUA”, ainda que, para isto, tenha que citar jurisprudência daquele mesmo país, ignorando, sem o dizer, a realidade racial absolutamente distinta.
É o esquecimento das lições de Oracy Nogueira, já nos anos 50, de que, aqui, o preconceito é de “marca” e não de “origem” (nos EUA basta uma “gota de sangue negro” para a classificação), que é possível “embranquecer-se” pela ascensão social (como mostraram os estudos de Florestan Fernandes) e que mesmo a sociologia brasileira tem que ser descolonizada, como já ensinava Guerreiro Ramos. O que não implica, contudo, a impossibilidade de coligações transnacionais contra os distintos racismos (a luta antiracista deve ser plural).
Daí se segue que algumas situações ainda carecem de melhor equacionamento:
1. O processo civil, de perfil individualista e atomizado, tem dificuldade de lidar com coletividades como comunidades indígenas (quando lhe reconhece capacidade titulatória) ou as distintas “comunidades tradicionais” (ribeirinhos, quebradeiras de coco de babaçu, faxinalenses, quilombolas e outras) e mais ainda com as próprias formas específicas de organização social e política (incentivando uma matriz “associativa”).
2. A diversidade lingüística do país (são mais de 180 línguas indígenas, por exemplo) não se reflete na sua utilização em documentos oficiais, exceção feita a São Gabriel da Cachoeira/AM, que declarou co-oficiais o tucano, o baniwa e o nheengatu. Há, pois, que “descolonizar” a linguagem oficial dos poderes constituídos, como forma de maior transparência e possibilidade participativa, reconhecendo, em determinadas situações, a necessidade de paridade lingüística (que também abrange a educação), ao mesmo tempo em que se faz necessária uma discussão a respeito da “norma culta” e dos distintos falares brasileiros ( o preconceito lingüístico é, em parte, também um “racismo lingüístico”, como salienta Marcos Bagno).
3. Os saberes indígenas e negros foram ignorados, suprimidos e silenciados, porque tidos como irrelevantes, não-científicos ou primitivos. A introdução de história africana e indígena (Leis 10.639/2003 e 11.645/2008) é intento parcial de recuperação das memórias silenciadas e realizado ainda com muita resistência. É por aí que passam a revisão historiográfica da “revolta dos malês”(a luta de negros islamizados contra a escravidão pode ressignificar nossas visões preconceituosas do Islã como religião “bárbara”), da Frente Negra Brasileira (1931-1937), do Teatro Experimental do Negro (criado em 1944, por Abdias do Nascimento), das contestações indígenas e da visão colonial “frigorificada” dos quilombos (rompendo-se o modelo “palmarino” de sublevação e toda a legislação colonial repressiva), ao mesmo tempo em que as políticas públicas precisam também incorporar ou dialogar com os conhecimentos tradicionais (discussão que fica evidente na questão da saúde das comunidades indígenas ou das pesquisas envolvendo medicina tradicional das comunidades quilombolas de Oriximiná). Não existe justiça social sem justiça cognitiva, como recorda Boaventura Santos.
4. O declarado “laicismo” estatal conviveu, sem maiores percalços, com o estabelecimento de feriados municipais religiosos de matriz cristã, ignorando, invisibilizando ou mesmo menosprezando as religiões de matriz africana (festas de Oxum, Oxóssi, Ogum, Xangô, etc) ou indígenas (o torém dos Tremembé, o kuarup da região xinguana). Há, pois, que revisar a matriz dos feriados religiosos (que, salvo exceções, são sempre municipais) e mesmo das datas comemorativas, que devem refletir a diversidade cultural (artigo 215, 2º, CF).
O “Dia da Consciência Negra” é, em parte, uma resistência à matriz etnicamente dominante, em contraposição à celebração laudatória da abolição concedida, afirmando, por um lado, a própria escolha étnica de um dos heróis da Pátria (Zumbi dos Palmares, Lei 9.315/1996) e, por outro, a incompletude do próprio processo de abolição. Significativo, ainda, que, a data, declarada feriado em alguns municípios, tenha sido questionada judicialmente em outras localidades (caso de Alvorada, Pelotas e Porto Alegre, todas no Rio Grande do Sul), porque, sendo “feriado civil”, feriria a Lei 9.093/95, que atribui aos municípios apenas “feriados religiosos”. Em todos os casos citados, o questionamento partiu dos setores comerciantes, alegando perdas financeiras, e nunca foi reconhecido como uma demanda de cunho racista e discriminatório.
5. Os atores jurídicos ainda continuam a tratar comunidades tradicionais e indígenas dentro do perfil assimilacionista das Constituições anteriores e da Convenção 107-OIT, trabalhando com “integração” na “comunhão nacional”. Pouco importa se “aculturados”, “isolados” ou “puros” indígenas, nestes casos devem ser levadas em conta suas cosmologias e a adoção de medidas que possibilitem sejam compreendidos e se façam compreender em procedimentos legais, de forma eficaz (artigo 12 da Convenção 169-OIT). Um “tradutor cultural” se faz necessário em todas as hipóteses, em especial quando envolvidos conflitos com as visões de mundos ocidentais (o que se verifica, hodiernamente, com os crimes envolvendo indígenas) e quando necessária a produção de depoimento pessoal e testemunhal. O que se pergunta, como se pergunta e o que se responde são cruciais para determinar-se a judicialização das demandas indígenas e quilombolas, e mesmo de comunidades negras faveladas.
6. As terras indígenas são sempre de propriedade da União, ainda que às comunidades seja assegurada a posse permanente. Estão em jogo, sempre, terras públicas e não “apropriação” por “poucos indivíduos”: os poderes constituídos devem, pois, inverter o raciocínio de sua atuação. No caso das terras quilombolas, por sua vez, é a própria Constituição que reconhece a propriedade definitiva (artigo 68-ADCT), pondo a nu o caráter discriminatório e racista da Lei de Terras de 1850, que ficara obscurecido, quando esta transformou as terras em mercadoria e excluiu, legalmente, a possibilidade de aquisição para libertos e escravos, ainda que estes tenham mantido a posse de seus territórios (não a propriedade). Em muitas hipóteses, houve uma verdadeira “apropriação privada” de terras públicas, com sobreposição de títulos (o estado do Pará é um exemplo clássico) e também a absoluta invisibilização das comunidades negras rurais que cultivavam e mantinham o espaço territorial, mantendo “verdes” as mesmas terras hoje cobiçadas por mineradoras, indústrias de celulose e monoculturas da cana e soja.
7. Em muitos casos, as comunidades são afastadas de territórios que reivindicam sob pretexto de que os moradores da região são contrários à presença (como se viu em Gaspar/SC com os índios guaranis e no Morro do Osso/RS, com os kaingangs) ou porque são necessárias obras para o desenvolvimento nacional (caso da ampliação da BR-101 atingindo comunidade quilombola de Morro Alto e os índios guaranis ou mesmo de várias obras do PAC). Nestas hipóteses, há que:
a) se incentivar adoção de providências no sentido de trabalhar os necessários valores constitucionais de repúdio ao racismo (artigo 4º, VII e artigo 5ª, XLII), pluralismo de idéias (artigo 206, III), defesa e valorização da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (artigo 216), valorização da diversidade étnica e cultural (artigo 215, §3º, V) e promoção do bem de todos, sem preconceitos de raça e cor e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, IV), seja por meio de “termos de ajustamento de condutas”, seja por meio de ações do Poder Legislativo, seja por meio de cursos;
b) respeitar o instituto da “consulta prévia, livre e informada”, reconhecido como direito das comunidades envolvidas, mesmo para países não-signatários da Convenção 169-OIT ( CIDH, Decisão Saramaka vs. Suriname), como corolário tanto da “democracia participativa” quanto da “gestão democrática da cidade”. Neste último caso, aliás, deve-se afastar a visão de que tal procedimento é “novo” empecilho para licenciamento ambiental: trata-se de estender às comunidades quilombolas, indígenas e “tradicionais” os mesmos cuidados que seriam tidos se alguma obra afetasse, por exemplo, o entorno, a “vizinhança” ou mesmo o “direito de propriedade” de moradores de bairros nobres de uma cidade.
8. A sociodiversidade não é, em princípio, antagônica com a biodiversidade. Por trás de alegações de defesa ambiental, muitas vezes está escondido um “racismo ambiental”, de tal forma que injustiças sociais e/ou ambientais ou os “custos do desenvolvimento” recaem de forma desproporcional sobre etnias vulnerabilizadas, independentemente de sua intencionalidade, numa verdadeira “apropriação”, pelos mais abastados, de um “bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida” ( artigo 225, CF) . Uma revisão da aplicação ou mesmo da legislação de unidades de conservação quando incidentes sobre áreas indígenas e de “comunidades tradicionais” é premente. Muitos “territórios verdes” assim se mantiveram porque foram “territórios negros” ou “territórios indígenas”, ou seja, porque estas comunidades lá habitavam e não porque a natureza, idilicamente, restava “intacta” como um “santuário”. Trata-se, pois, da defesa de um etno-socioambientalismo, reconhecendo concepções plurais de preservação ambiental, “fertilizadas” por outras cosmologias e conhecimentos (aqui, é a própria luta por justiça ambiental que se faz como luta por justiça cognitiva). Mais que isto: as lutas contra o colonialismo, o machismo e o racismo não podem se dar de forma isolada, mas sim em forma de redes de solidariedades.
Na cosmologia “Saterê Maué”, do Pará e do Amazonas, os jovens introduzem as mãos numa luva de fibras onde estão inseridas formigas, que lhes aplicam ferroadas (“waumat”). A luta contra os racismos também é um ritual doloroso. Mas é preciso que seja iniciada. O vinte de novembro é uma boa ocasião para reafirmar este compromisso, às vésperas dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada, paradoxalmente, quando muitos dos países africanos ainda eram colônias européias.
Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2008

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Reunião do Conselho Municipal de Saúde - Joinville

ASSUNTO IMPORTANTE!!!!!!!!!! VENHA PARTICIPAR....D
Dia 24 de novembro às 18:30 horas no Ipreville - Praça Nereu Ramos / Centro

Apresentação da Prestação de Contas do Hospital Municipal São José referente ao ano de 2007 e de janeiro à outubro de 2008
Dr. Ary Sant'angelo

Hospital Municipal São José de Joinville agoniza sem nenhuma assistência.

"O prefeito Tebaldi vai pra cadeia e eu também".Ary Giovanni Santangelo, Diretor do Hospital São José
O governo do prefeito Marco Antonio Tebaldi (PSDB) está prestes a apagar as luzes de sua gestão, porém, surpresas desagradáveis poderão surgir quando o prefeito eleito Carlito Merss assumir as rédeas da administração municipal no dia 1º de janeiro. Provavelmente, a pior avalanche virá rolando do Hospital Municipal São José e cairá como um imenso abacaxi no colo do novo prefeito. Em duas entrevistas exclusivas para essa Gazeta, uma no dia 7, e outra no dia 12 desse mês, o diretor do hospital, o odontólogo Ary Giovanni Santangelo, deixou de lado as tradicionais maquiagens e descreveu a real situação do São José. Além de uma dívida milionária, o principal hospital da cidade está com a maioria dos equipamentos quebrados por falta de manutenção. O credenciamento de transplantes também está seriamente comprometido em virtude de problemas com a Vigilância Sanitária. Materiais básicos como esparadrapos, agulhas e sondas já estão começando a faltar. O sistema está problemático, economicamente o hospital está se tornando inviável, alertou Ary. E, como se não bastasse, o moribundo São José ainda tem que abrigar indicados políticos em cargos estratégicos, o que pode comprometer ainda mais seu precário funcionamento.Uma dívida milionáriaSomente com fornecedores, o hospital tem hoje uma dívida de quase R$ 10 milhões e que deve aumentar significativamente com o passar dos meses. Ary explica que o Hospital São José não vem recebendo da Secretaria Municipal de Saúde os recursos integrais pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) referentes aos serviços prestados. O diretor cita como exemplo o mês de setembro, quando o hospital faturou R$ 3,3 milhões e recebeu apenas R$ 1,9 milhão da Secretaria Municipal de Saúde. O valor de R$ 3,3 milhões foi pago pelo SUS para a Secretaria de Saúde, e esse dinheiro o Hospital São José precisa, porque os encargos com a folha são de responsabilidade do hospital. Em outubro, a folha do hospital custou R$ 3,27 milhões e o hospital recebeu R$ 2,27 milhões. Eu vou ter que tirar R$ 1 milhão do SUS para pagar os encargos, pró-labore, sobre aviso e plantões. De acordo com Santangelo, somente em 2008, o hospital perdeu R$ 6 milhões do SUS. A Secretaria Municipal recebeu esse dinheiro que equivale ao faturamento do hospital. O SUS paga, e quem administra é a secretaria. É aí que está o problema., lamenta. Ary Santangelo. Próximo governo encontrará hospital quebrado O diretor alerta também para o descaso com os equipamentos. Hoje nós estamos sem cautério na sala cirúrgica, sem eletrocardiograma, que é o mais simples dos equipamentos, sem endoscópio para endoscopia digestiva, sem artroscópio e sem colonoscópio. Falta também um outro equipamento respiratório utilizado pelos pneumologistas que eu não me recordo o nome. Mas a lista do descaso não para por aí. O hospital está sem eletrocardiógrafo e nas salas cirúrgicas falta cautério e bisturis eletrônicos. Equipamentos mais complexos, como o tomógrafo, também não estão funcionando. O motivo da quebradeira é a ausência de manutenção revelou o diretor. A situação se torna crítica pelo fato de o hospital não possuir nenhum equipamento extra. Materiais básicos como agulhas, sondas uretrais, cânulas de aspiração e até esparadrapo estão começando a faltar. Eu já estou tendo problema com esse tipo de material, e eles são muito utilizados na UTI e nas cirurgias. Isso tá causando um grande problema. RECURSOS MALGERIDOS. Ele atribui essas deficiências à falha na administração dos recursos. O diretor alega que o obstáculo na manutenção e na aquisição de materiais existe também em função de uma determinação do prefeito, que não quer que se faça empenho e nem licitações por causa da transição de governo. Essa ordem soa no mínimo estranha, já que o Executivo enviou a Câmara de Vereadores, um projeto de lei complementar que cria níveis e altera tabelas de salários dos servidores. O impacto financeiro deste projeto é de R$ 855 mil para este ano e para 2009 de aproximadamente R$ 5 milhões. Hoje, o responsável pela administração dos recursos do hospital São José, é o diretor-executivo Osmar Arcanjo de Oliveira. Sobre ele, Ary deixou escapar o clima que impera no hospital pós-eleições. Agora com o resultado da eleição, da derrota definitiva do Darci, esse menino (Osmar Arcanjo) mudou do preto para o branco. Você tem que ver como ele está desesperado.? E adianta, Ele não vai conseguir fechar o balanço esse ano. O prefeito vai pra cadeia e eu também, relata Ary. Sobre sua responsabilidade em relação ao estado do hospital, Ary admite: Eu fatalmente vou ser penalizado porque eu não consegui fazer com que meu subordinado fizesse o serviço correto. A culpa vai ser minha, eles sabem disso. A assinatura deles junto com a minha não vale nada, só a minha é que é responsável. Transplantes podem ficar comprometidos O São José também corre o risco de perder o credenciamento do SUS para transplantes de fígado. Desde o credenciamento, o hospital ainda não realizou nenhum. O diretor destacou que se até o final de 2008 não for realizado o procedimento o descredenciamento será inevitável. . Eu tenho que fazer ainda esse ano um transplante de fígado, nem que seja na marra. Porque o hospital pode perder a credencial deste tipo de transplante. Isso porque está faltando um material líquido que custa R$ 15 mil . O São José também está sob fiscalização da Vigilância Sanitária, que diagnosticou cem irregularidades que necessitam serem revistas. Sem revermos todas essas situações nós não vamos conseguir o alvará, e se não conseguirmos o alvará, perdemos todas as nossas credenciais de transplante. É um risco muito grande?, alertou Santangelo.Saem técnicos, entram apadrinhados. Ary Santangelo diz que varias exonerações estão sendo solicitadas. As exonerações que estão sendo feitas são de cargos políticos. Eu não aceitei e não posso aceitar cargos técnicos sendo usados para cargos políticos. O diretor também afirma que os pedidos de exoneração partiram da prefeitura, e que quando tomou conhecimento de uma lista apresentada pelo Osmar Arcanjo ligou pra o chefe de gabinete do prefeito, Carlos Roberto Caetano, do qual, ouviu a seguinte resposta. Estão exonerados. Restou a Ary solicitar a oficialização do pedido a Caetano. Eu disse : Tá bom, você me manda por fax isso.? Equipamentos perdidosOs equipamentos da unidade de queimados e os equipamentos para a UTI que seriam fornecidos pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) foram perdidos por falta de interesse do município. A ficha técnica foi feita em janeiro, só que Brasília alegou falta de interesse de nossa parte em continuarmos o projeto atualizando os dados e complementando os documentos. Nós ficamos sem essa parte, revelou Ary. Esses equipamentos custariam R$ 2,72 milhões. Outra situação grave é na construção da casamata, do setor oncológico ? para que seja instalado o acelerador linear ? que foi orçada em R$ 1,3 milhão. O estado entrou com R$ 700 mil mas a falta da contrapartida da prefeitura impediu o projeto original. Agora é que a prefeitura complementou. Na verdade, ela não complementou, ela reduziu o projeto. O projeto inicial era o dobro do tamanho do que vai ser construído. Ary Santangelo também revela que um outro equipamento deixou de ser adquirido. Eram dois equipamentos, um era o acelerador linear propriamente dito e o outro era o de braquiterapia, que é usado no tratamento do câncer ginecológico. Nesse caso, com o equipamento que nós possuímos, a mulher fica exposta à radiação durante 36 horas ininterruptas, deitada sem poder se mover, enquanto que com o equipamento que nós perdemos ela ficaria apenas 10 minutos?, explicou.

Charge da Crise


Iniciativa é tudo....

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O SUS e o momento político

Ficou muito claro para todos os candidatos a prefeito de Joinville, a importância da atenção à saúde neste atual momento, inclusive por todas as criticas que acompanhamos diariamente na imprensa falada, escrita e televisada. Se fôssemos analisar detalhadamente, as críticas, elas se concentram basicamente na dificuldade de acesso. Acesso aos serviços, em especial as consultas em clínica médica e algumas especialidades, tais como ortopedia e neurologia, a alguns exames. Além disso, sobram dúvidas quanto a efetividade de alguns desses serviços.
Mais, no momento em que comemoramos 20 anos de SUS, precisamos divulgar também o lado bom desse sistema tão mal falado. São milhões de pessoas que, anualmente, são atendidas em todo o país em serviços da mais simples a mais alta complexidade. Centenas de transplantes de órgãos são realizados por equipes especializadas. Joinville inclusive é referência no transplante renal com muito orgulho.
Sabemos que a crítica deve ser feita sem dúvida, porém esta permanente e algumas vezes, parcial exposição das mazelas do sistema de saúde tem um efeito importante de denúncia de situações intoleráveis que devem ser eliminadas para permitir o pleno exercício do direito à saúde, mas, por outro lado, terminam identificando o SUS com aquilo que é a sua ausência ou com a precariedade das condições de seu funcionamento seja por falta de condições financeiras, materiais ou de gestão adequadas. Isso porém não é a regra geral. Não podemos esquecer que essa exposição negativa acaba por trazer o tema SUS, como mote de propaganda política enganosa por parte de alguns, sem defenderem o SUS como uma Política Pública de Estado. O SUS foi o instrumento concreto de exemplos da democratização de nosso país. Espero que essa visibilidade do SUS não acarrete propostas enviesadas e sem viabilidade a longo prazo, apenas de caráter eleitoreiro, tais como a criação de mais Pronto Atendimentos 24 horas, relegando a segundo plano o investimento na rede de ambulatórios, principalmente em determinados bairros da cidade. É preciso alerta para os riscos da criação de Pronto Atendimentos como a panacéia da saúde. Precisamos superar o atual modelo fragmentado e tendo as unidades trabalhando isoladamente. “Afinal são as equipes de saúde da família que têm vínculos efetivos com as pessoas e as famílias”. No SUS o cidadão é atendido no gozo de seu direito, e não o de mais um consumidor de um plano de saúde. Esse é o SUS escrito na nossa constituição.
Para a futura administração do PT em Joinville, fica o desafio para que garanta “atenção básica a saúde através do fomento as equipes de saúde da família”. Porém não podemos ficar só nisso, a função de gestor municipal incluem a gestão plena do sistema ou a gestão plena da atenção primária, sempre em articulação com a rede local sem esquecer a região. O gestor não pode certamente concentrar-se apenas na atenção primária. Não é apenas um equívoco técnico, é uma opção política pela focalização em detrimento de sua articulação no interior de sistemas universais e integrais, únicos capazes de garantir a plenitude dos direitos sociais.
O SUS é, sem dúvida alguma, uma solução para a construção de uma sociedade democrática com coesão social e mais justa.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Partidos, governo e os equívocos sobre o SUS.

Por Sonia Fleury*
As eleições municipais em 2008 trouxeram à tona a importância da atenção à saúde para a população brasileira, mais especialmente, a enorme preocupação com as dificuldades de acesso a serviços, exames, medicamentos e também com a falta de qualidade e efetividade de alguns serviços prestados pelo SUS. Impossível desconhecer os dramas cotidianos pelos quais passam pacientes e familiares e, fundamentalmente, a insegurança da maioria da população em relação à garantia efetiva de uma atenção integral, que realize o direito à saúde que foi garantido na Constituição de 1988. Esta insegurança tem fundamentos concretos em vários municípios brasileiros, cuja implantação do SUS se deu de forma imperfeita e truncada, mas também é fruto da ausência de informações sobre milhões de pessoas que, anualmente, são atendidas em todo o país em serviços da mais simples a mais alta complexidade. Só para tomar um exemplo, a mídia passou dias noticiando o drama no qual terminou sendo morta a adolescente Eloá em São Paulo, mas, em nenhum momento, se referiu que todos os transplantes dos seus órgãos doados pela família foram realizados pelo sistema público, por equipes altamente especializadas, para pacientes que esperavam em uma fila pelo seu direito. Esta permanente e parcial exposição das mazelas do sistema de saúde tem um efeito importante de denuncia de situações intoleráveis que devem ser eliminadas para permitir o pleno exercício do direito à saúde, mas, por outro lado, terminam identificando o SUS com aquilo que é a sua ausência ou com a precariedade das condições de seu funcionamento seja por falta de condições financeiras, materiais ou de gestão adequadas. Outra conseqüência tem sido política, ou seja, afeta a relação do governo e dos partidos políticos com o SUS. Se, por um lado, os partidos da base governista sempre disputaram com ardor a direção dos órgãos e serviços da saúde, eles têm sido totalmente omissos na defesa do SUS, como política pública. Haja vista a quase total ausência de celebrações por parte dos governos – nacional, estaduais e municipais – na celebração dos 20 anos do SUS, uma dos baluartes da inclusão social da nossa recente democracia. Diante desta conjuntura é importante observar, em uma rápida coleta de dados na imprensa, como diferentes Partidos Políticos estão se posicionando em relação à política de saúde e quais as conseqüências deste posicionamento para o SUS. O PMDB, partido que se orgulha de ser o maior na base governista, venceu as eleições no Rio de Janeiro, onde a questão da atenção saúde polarizou os debates entre os candidatos, já que sua organização é reconhecidamente caótica, provocando grandes sofrimentos para a população. Ao invés de propor a articulação entre os níveis de governos, com definição de responsabilidades explícitas na organização dos serviços de forma a criar uma rede única com atenção de qualidade em todos os níveis, desde a atenção primária até a média e alta complexidade, o PMDB optou por criar um ícone, a UPA – Unidade de Pronto Atendimento. Em recente artigo no jornal O Globo (11/11/08), o Secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais, Marcus Pestana, alerta para os riscos de se tomar uma solução como a UPA como inovadora quando ela existe há muitos anos, e, pior ainda, como um modelo para alternativo ou substitutivo ao SUS, já que a UPA não terá efetividade se for vista de forma isolada: “Se desejamos honrar o sonho dos fundadores do SUS, não há outro caminho senão trabalhar para a superação do modelo de atenção piramidal, passivo, fragmentado. Daí nascerá uma rede horizontal integrada de serviços de saúde (unidades básicas, policlínicas, UPAs, laboratórios, farmácias, hospitais gerais, hospitais especializados) orquestrada por uma qualificada atenção primária. Afinal são as equipes de saúde da família que têm vínculos efetivos com as pessoas e as famílias”. É interessante assinalar que, enquanto o governo se omite na celebração do SUS, a oposição saiu em sua defesa e, o governo estadual de São Paulo, do PSDB, realizou um grande evento internacional para celebrar seus 20 anos. Trata-se, evidentemente, de uma conjuntura muito apropriada para comparações internacionais, já na América Latina, apenas o SUS, o sistema de saúde da Costa Rica e o os países do Caribe inglês, tributários de outra tradição em políticas sociais, foram capazes de resistir aos ditames das agências internacionais para transformação dos sistemas públicos em seguros privados de saúde e previdência. Neste momento de crise do sistema financeiro desregulamentado, é necessário perguntar quem vai pagar a conta da subordinação das políticas sociais à acumulação financeira! No entanto, a defesa do SUS pelo maior partido da oposição revela muitas contradições, pois, em artigo recente na Folha de São Paulo (10/11/08), o secretário de estado da saúde de São Paulo, Luiz Roberto Barradas, afirma que o SUS é “um plano de saúde que atende a qualquer cidadão, sem distinção de classe social ou idade.” Mesmo reconhecendo que o SUS atende a toda a população por meio das ações de vigilância e prevenção, ao identificá-lo como um plano de saúde, fica claro que a sua parte pública é o financiamento, podendo a atenção se prestada por entes privados contratados ou entes públicos com gestão privatizada, deixando de lado a concepção original do SUS como um sistema público de saúde. Além disso, o SUS também se afasta da sua doutrina originária, na qual é visto como um sistema único de saúde, passando a ser um dos planos que estão disponíveis no mercado. Esta concepção vem ganhando adeptos entre aqueles que passam a usar o termo SUS-dependentes para identificar os usuários que recorrem aos serviços públicos como sendo aqueles que têm um vínculo de dependência com o sistema. Não se trata mais de um cidadão no gozo de seu direito, mas de um consumidor coberto por um plano público de saúde! Ou seja, esta é a defesa de um SUS que não é o SUS inscrito na Constituição Federal de 1988 e na legislação ordinária, portanto, faz parte de uma disputa de significados para esta política pública. As tentativas de tornar o SUS um sistema suplementar ao mercado privado em saúde têm se intensificado, por exemplo, buscando formas de redução das obrigações constitucionais das entidades filantrópicas com a atenção aos pacientes do SUS, para compensar sua isenção fiscal, em um caminho inverso ao que ocorreu na educação que subordinou este benefício fiscal aos interesses públicos. Por fim, em análise sobre as eleições municipais de 2008 e os desafios para as novas administrações municipais do PT, o ministro Tarso Genro, ideólogo do PT, identifica uma lista destes desafios, sendo um deles o de prover “atenção básica a saúde através do fomento as equipes de saúde da família”. Novamente percebemos quão distante esta proposta está do SUS, já que a única referência à saúde é esta, quando, legalmente, as funções do gestor municipal incluem a gestão plena do sistema ou a gestão plena da atenção primária, sempre em articulação à rede local e/ou regionalizada. Concentrar-se apenas na atenção primária não é apenas um equívoco técnico, é uma opção política pela focalização em detrimento de sua articulação no interior de sistemas universais e integrais, únicos capazes de garantir a plenitude dos direitos sociais. 20 anos depois de criado o SUS é hora de refazer o pacto político que permitiu sua criação, os avanços alcançados e que possa viabilizar o aprofundamento desta política solidária, única solução para a construção de uma sociedade democrática com coesão social.

(*) Sonia Fleury é doutora em Ciência Política, Presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes, Professora Titular da EBAPE/FGV.

domingo, 16 de novembro de 2008

Humanizar é preciso.....


Quem faz a opção por trabalhar na área de saúde automaticamente começa a sentir no seu dia-a-dia as dimensões com as quais deveremos ficar comprometidos, que são: prevenir, cuidar, proteger, tratar, recuperar, promover, enfim, produzir saúde e no final de tudo, a busca constante da Felicidade....No SUS muitos são os desafios que aceitamos enfrentar pois não podemos esquecer que estamos lidando com a defesa da vida do outro e com a garantia do direito à saúde, isso não tem preço...., pois a Vida não tem preço !.
No percurso da construção do Sistema Único de Saúde (SUS), acompanhamos avanços que nos alegram, novas questões que demandam outras respostas, mas também problemas ou desafios que persistem, impondo a urgência seja de aperfeiçoamento do sistema, seja de mudança de rumos ou de prática pessoais e institucionais. O padrão de acolhida aos cidadãos usuários e aos cidadãos trabalhadores da saúde, nos serviços de saúde, é um desses desafios. O acolhimento humanizado como postura e prática nas ações de atenção e gestão nas unidades de saúde favorece a construção de uma relação de confiança e compromisso dos usuários com as equipes e os serviços, contribuindo para a promoção da cultura de solidariedade e para a legitimação e fortalecidmento do sistema público de saúde. Favorece, também, a possibilidade de avanços na aliança entre usuários, trabalhadores e gestores da saúde em defesa do SUS como uma política pública de Estado, essencial para a população brasileira, portanto humanizar é preciso......

sábado, 15 de novembro de 2008

Meu nome é crise!


Justificar
Escrito por Frei Betto

Há tempos não se falava tanto de mim como agora. Tudo por causa de uma crise no sistema financeiro. A África anda, também há tempos, em crise crônica – de democracia, de alimentos, de recursos; quem fala disso?
Existe ameaça de crise do petróleo; governantes e empresários parecem em pânico frente à possibilidade de não poder alimentar 800 milhões de veículos automotores que rodam sobre a face da Terra.
No último ano, devido ao aumento do preço dos alimentos, o número de famintos crônicos subiu de 840 milhões para 950 milhões, segundo a FAO. Mas quem se preocupa em alimentar miseráveis?
Meu nome deriva do grego krísis, discernir, escolher, distinguir, enfim, ter olhos críticos. Trago também familiaridade com o verbo acrisolar, purificar. Ao contrário do que supõe o senso comum, não sou, em si, negativa. Faço parte da evolução da natureza.
Houve uma crise cósmica quando uma velha estrela, paradoxalmente chamada supernova, explodiu há 5 bilhões de anos; seus cacos, arremessados pelo espaço, deram origem ao sistema solar. O Sol é um pedaço de supernova dotado de calor próprio. A Terra e os demais planetas, cacos incandescentes que, aos poucos, se resfriaram. Daqui 5 bilhões de anos o Sol, agonizante, também verá sua obesidade dilatada até se esfacelar nos abismos siderais.
Todos nós, leitores, passamos pela crise da puberdade. Doeu ver-nos expulsos do reino da fantasia, a infância, para abraçar o da realidade! Nem todos, entretanto, fazem essa travessia sem riscos. Há adolescentes de tal modo submersos na fantasia que, frente aos indícios da idade adulta, que consiste em encarar a realidade, preferem se refugiar nas drogas. E há adultos que, desprovidos do senso de ridículo, vivem em crise de adolescência.
Resulto da contradição inerente aos seres humanos. Não há quem não traga em si o seu oposto. Quantas vezes, no trânsito, o mais amável cidadão arremessa o carro sobre a faixa de pedestres? A gentil donzela enfia a mão na buzina? O aplicado estudante acelera além da conveniência?! Não é fácil conciliar o modo de pensar com o modo de agir.
Estou muito presente nas relações conjugais desprovidas de valores arraigados. Sobretudo quando a nudez de corpos não traduz a de espíritos e o não-dito prevalece sobre o dito. Felizmente muitos casais conseguem me superar através do diálogo, da terapia, da descoberta de que o amor é um exercício cotidiano de doação recíproca. O príncipe e a fada encantados habitam o ilusório castelo da imaginação.
Agora, assusto o cassino global da especulação financeira. Acreditou-se que o capitalismo fosse inabalável, sobretudo em sua versão neoliberal religiosamente apoiada em dogmas de fé: o livre mercado, a mão invisível, a capacidade de auto-regulação, a privatização do patrimônio público etc.
Dezenove anos após fazer estremecer o socialismo europeu, eis-me aqui a gerar inquietação ao mercado. A lógica do bem-estar não lida com o imprevisto, o fracasso, o inusitado, essas coisas que decorrem de minha presença. Os governantes se apressam em tentar acalmar os ânimos como a tripulação do Titanic: enquanto a água inundava a quilha, ordenou à orquestra prosseguir a música.
Tenho duas faces. Uma, traz às minhas vítimas desespero, medo, inquietação. Atinge aquelas pessoas que não acreditavam em minha existência ou me encaravam como se eu fosse uma bruxa – figura mitológica do passado que já não representa nenhuma ameaça.
Minha outra face, a positiva, é a que a águia conhece aos 40 anos: as penas estão velhas, as garras desgastadas, o bico trincado. Então ela se isola durante 150 dias e arranca as penas, as garras, e quebra o bico. Espera, pacientemente, a renovação. Em seguida, voa saudável rumo a mais 30 anos de vida.
Sou presença freqüente na experiência da fé. Muitos, ao passar de uma fé infantil à adulta, confundem o desmoronar da primeira com a inexistência da segunda; tornam-se ateus, indiferentes ou agnósticos. Não fazem a passagem do Deus "lá em cima" para o Deus "aqui dentro" do coração. Associam fé à culpa e não ao amor.
Acredito que este abalo na especulação financeira trará novos paradigmas à humanidade: menos consumismo e mais modéstia no padrão de vida; menos competição e mais solidariedade entre pessoas e empreendimentos; menos obsessão por dinheiro e mais por qualidade de vida.
Todas as vezes que irrompo na história ou na vida das pessoas, trago um recado: é hora de começar de novo. Quem puder entender, entenda.

Frei Betto é escritor, autor de "Cartas da Prisão" (Agir), entre outros livros.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Alguns desfios a serem enfrentados na saúde em Joinville e região.


A busca da concretização das propostas de governo do novo prefeito municipal de Joinville, Sr. Carlito Mers para o Setor Saúde, passa necessariamente em primeiro lugar pelo enfrentamento de alguns desafios estruturais e elementares existentes no Sistema Único de Saúde, que não se encontram plenamente resolvidos tais como; a integralidade, a acessibilidade, a intersetorialidade, a regulação do sistema, a gestão e a qualidade dos serviços prestados, tanto pelos serviços públicos como pelos contratados. Esses problemas acabam na prática, deixando a prestação de serviços aos usuários, fragmentada e sem a resolutividade desejada.
Precisamos lembrar que o arcabouço legal do SUS partiu do princípio da igualdade das responsabilidades federativas, isto é, nenhum ente federado, União, Estado e Município, poderia concentrar poder, em especial e principalmente, o econômico, pois dessa forma já iniciávamos, com a histórica obrigatoriedade das idas e vindas dos prefeitos e secretários municipais de saúde com o chapéu na mão, até Brasília em busca de mais recursos financeiros.
Outra preocupação que o novo prefeito tem que observar urgentemente é a dificuldade da Atenção Primária de se efetivar como o principal lugar do acolhimento inicial e de coordenação do cuidado ao usuário no processo de organização da atenção à saúde, e não mais na busca desenfreada pelos Pronto Atendimentos e Pronto Socorros, onde vivemos uma realidade de superlotação de forma indevida e nem sempre resolutiva.
Apesar da Constituição de 88 ter estabelecido que a saúde é o resultado de diversas ações articuladas com outras políticas sociais, tais como a educação, o meio ambiente, o transporte, o emprego e a habitação, isso pouco avançou nesses últimos anos, portanto os gestores precisam ampliar o campo de visão quando for pensar em solucionar os problemas do setor saúde. Precisamos buscar urgentemente um conjunto de interfaces dessas outras áreas, afim de potencializar seus resultados, e minimizar os problemas vinculados e que podem refletir positiva ou negativamente na saúde.
Pensando numa nova gestão não podemos deixar de falar também no quesito, gestão e qualidade dos serviços, para tanto se faz necessário aprofundar e reforçar os instrumentos de monitoramento e avaliação dos serviços de saúde ( próprios e/ou terceirizados ), e em especial os mecanismos concretos de definição de metas/resultados. Para isso precisamos fortalecer e ter uma equipe de trabalho motivada e comprometida, isso nos remete aos temas esquecidos e só lembrados esporadicamente, como a justa remuneração dos trabalhadores da saúde por desempenho, realização periódicas de auditorias clínicas e o estabelecimento de planos de metas factíveis, enfim, uma gestão moderna, em busca de resultados, como encontramos em muitas empresas de renome nacional.
A participação da sociedade também precisa ser fortalecida, apesar de estabelecida em lei, ainda existem inúmeras dificuldades em promover a plena vocalização e inserção dos interesses e necessidades da cidadania.
Enfim, como Joinville, no meu entendimento, não poderá resolver seus problemas de saúde, pensando isoladamente como município, fica claro também que a discussão dos novos gestores, prefeitos e secretários de saúde de nossa região, deverão se despir das ideologias e cores partidárias, e de forma supra e pluripartidária, buscar soluções conjuntas, tendo a região como pano de fundo, principalmente porque Joinville, enquanto município sede de região, e possuindo um adensamento tecnológico e de acesso de serviços especializados, deve pensar solidariamente nos pequenos municípios vizinhos. Isso nos remete a atual proposta do Ministério da Saúde, no novo modelo de atenção baseado em Redes Integradas e Regionalizadas de Saúde.
Entendo que dessa forma estaremos buscando alguns pressupostos importantes tais como, a economia de escala, a alocação racional dos recursos financeiros, a cooperação e a co-gestão regional, minimizando as dificuldades de todos os municípios, resultando sem dúvida na facilidade de acesso de nossa população.
É com essa forma moderna de administrar a saúde, que espero ter a partir de janeiro de 2009, novos gestores a frente de tão árdua tarefa que é garantir saúde para todos de forma equilibrada e com atitudes coerentes, como o que os eleitores de certa forma tentaram mostrar nos resultados das urnas nessa última. eleição.
Enfim o desafio é grande, porém possivelmente compatível de ser resolvido. Precisamos apenas de pessoas de boa vontade e comprometidas com a causa pública, e isso nós facilmente encontramos no nosso dia-a-dia.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Para entender o Mercado de Ações.


PARA COMPLETAR A DISCUSSÃO TÉCNICA DA CRISE MUNDIAL VALE ESTA EXPLICAÇÃO DIDÁTICA E CLARA:Uma vez, num vilarejo do interior, apareceu um homem anunciando aos aldeões que compraria burros por R$10,00 cada. Os aldeões sabendo que havia muitos burros na região, logo iniciaram a caça. O homem comprou centenas de burros a R$10,00 e então os aldeões diminuíram seu esforço na caça. Então o homem anunciou que agora pagaria R$20,00 por cada burro e os aldeões renovaram seus esforços e foram novamente à caça. Logo, os burros foram escasseando cada vez mais e os aldeões foram desistindo da busca. A oferta aumentou para R$25,00 e a quantidade de burros ficou tão pequena que não houve interesse na caça. O homem então anunciou que agora compraria cada burro por R$50,00 ! Entretanto, como iria à cidade grande, deixaria seu assistente cuidando da compra. Na ausência do homem, seu assistente disse aos aldeões : - Estão vendo todos estes burros que o homem comprou?. Eu posso vendê-los por R$40,00 a vocês e quando o homem voltar da cidade, vocês podem vendê-los de volta por R$50,00 cada. Os aldeões, espertos, pegaram todas as suas economias e compraram todos os burros de volta. Eles nunca mais viram o homem ou seu assistente, somente burros por todos os lados. gora você entendeu como funciona o mercado de ações...

Devagar com a Unidade de Pronto Atendimento


Artigo do secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais, Marcus Pestana, publicado no jornal O Globo, em 11/11/08

O Sistema Único de Saúde completou vinte anos. Entre vitórias e derrotas, o saldo é positivo. Os constituintes arquitetaram uma proposta ousada e generosa: um sistema público de saúde baseado nos princípios da universalidade (ninguém pode ser discriminado) e da integralidade ( acesso ao conjunto de linhas de cuidado necessárias ao longo de toda a vida). Hoje a saúde pública é muito melhor que no passado.
Os sanitaristas que lideraram a reforma sanitária apontavam a necessidade de superarmos o modelo hospitalocêntrico. Ou seja, era preciso cuidar da saúde e não da doença. O desafio seria construir um sistema público que abordasse as demandas de saúde da população na raiz, com estratégias próativas, na promoção, prevenção e na atenção primária qualificada.
Fora isso, ficaríamos "enxugando gelo" passivamente, recebendo demandas nos balcões de farmácia e nas portas de hospitais.
Recente pesquisa do Ministério da Saúde demonstra o acerto do diagnóstico. Em 2005, diz a pesquisa, 32, 2Ús mortes foram derivadas de doenças do aparelho circulatório, 16, 7% emfunção do câncer e 14, 5% derivadas da violência contemporâneo no trânsito ou nas ruas.
Diferentemente de 1930, quando 46% das mortes eram por doenças infecciosas, hoje temos um perfil de sociedade moderna. As doenças predominantes são crônicas e têm entre suas causas hábitos de alimentação, alcoolismo, tabagismo, sedentarismo, vida sexual não saudável, exposição solar, além da falta de cultura comunitária que nos faça diminuir a violência.
Ou seja, fica claro que se não atuarmos na raiz, ficaremos imobilizados por uma demanda crescente e desorganizada nas portas de UPAs, prontos-socorros e hospitais. Se não cuidarmos de forma ativa e mobilizadora dos hipertensos, dos diabéticos, das gestantes, dos portadores de sofrimento mental, enfim, de cada cidadão, lá no bairro, na vila, no aglomerado, não haverá dinheiro que chegue e qualidade de vida que permaneça de pé.
Recentemente, a partir das debilidades da atenção primária no município do Rio de Janeiro ( 7, 5% somente de cobertura populacional do PSF) , instalou-se a discussão sobre a multiplicação de Unidades de Pronto Atendimento ( UPAs) . Esta foi a resposta emergencial encontrada pelo governo do estado para responder às demandas reprimidas da população. O presidente Lula se encantou com a agilidade da resposta.
O Ministério da Saúde apresentou, para a discussão, resolução nacional sobre o assunto. Como bom mineiro, diria "devagar com o andor, que o santo é de barro" ou "vamos dar a César o que é de César".
Alguns esclarecimentos:
I) As UPAs não são invenção recente. Existem há décadas como unidades intermediárias de atenção secundária, com funcionamento 24 horas, focadas em urgências e emergências e também em suprir as demandas primárias nos momentos em que as unidades básicas se encontrem fechadas.
II) As UPAs precisam de financiamento e de diretrizes nacionais. Mas única e exclusivamente como pontos de atenção de uma rede integrada de serviços, e não como estratégia substitutiva ou como paradigma alternativo.
Se desejamos honrar o sonho dos fundadores do SUS, não há outro caminho senão trabalhar para a superação do modelo de atenção piramidal, passivo, fragmentado.
Daí nascerá uma rede horizontal integrada de serviços de saúde ( unidades básicas, policlínicas, UPAs, laboratórios, farmácias, hospitais gerais, hospitais especializados) orquestrada por uma qualificada atenção primária. Afinal são as equipes de saúde da família que têm vínculos efetivos com as pessoas e as famílias.
Não é nada fácil construir uma saúde de qualidade nas condições brasileiras. Mas um conjunto de equívocos não pode resultar em modelo de sucesso. A travessia para assegurarmos a universalidade e a integralidade é longa, complexa, difícil. Mas não é um atalho falso que nos levará ao êxito.
MARCUS PESTANA é secretário de Saúde de Minas Gerais e foi presidente do Conass.