
A história de um homem que perdeu a família diante de seus olhos nas chuvas em Jaraguá do Sul.
Branco tinha três amores – a mulher e as duas filhas. E foi carregando saco de cimento nas costas que construiu os sonhos da família. Ele nunca teve tempo para reclamar dos problemas da vida.Ergueu uma casa. Pequena, bem simples, feita em prestações de R$ 300 no alto de um morro de Jaraguá do Sul. “O nosso cantinho.”O sonho que Branco realizou sobre o lote 12 da rua Irineu Franzler, no bairro Tifa Martins, desabou por causa das chuvas. Quando caiu, levou para debaixo da terra seus três amores.Perder a mulher e as duas filhas deixa no homem aquela dor eterna. Pior é quando se viu tudo. Pior é quando se lutou até o fim para salvá-las e saiu derrotado. Pior é se sentir culpado por desgraça tão grande. “Se eu tivesse jogado elas pela janela, sei lá... Agi por impulso e acho que escolhi o jeito errado de sair da casa.”A verdade é que a história de Branco até a noite de 22 de novembro não foi nada fácil. Mas ele sempre deu um jeitinho. Só que desta vez, o golpe doeu demais.Uma família bem unida Branco era só Carlos Alberto Manske há 12 anos. Foi aí que conheceu Silvana – que em 1998 virou uma Manske. Ele loiro e ela morena. Os apelidos Branco e Preta deixaram o casal mais charmoso. Bruna nasceu em 2000. Maria Eduarda chegou cinco anos depois. Família unida. Era no trabalho pesado que o casal encontrava um pouco de conforto para as filhas. Ele como caminhoneiro de uma loja de material de construção. Ela na costura de uma malharia. Quando saíam para o batente, logo cedo, era com os avós que as duas meninas fi cavam. Provavam a cada amanhecer que a felicidade de uma família existe mesmo no meio de uma rotina pesada. Não precisavam de luxo. Era das pequenas coisas que arrancavam a alegria e os sorrisos verdadeiros. Nas tardes de domingo, eles iam até o parque da cidade. Festa garantida. As meninas adoravam. Elas desciam o escorregador dando gargalhadas. Pergunte a qualquer pai ou a qualquer mãe o quanto tudo isso vale. O sonho realizadoSó tinha uma coisa que deixava Branco incomodado. Ter de pagar aluguel, morar uma hora aqui, a outra lá. — Todo mundo quer um cantinho só seu. E como foi duro para que eles tivessem um. Branco teve de fazer acordo na empresa. Preta juntou férias e décimo terceiro. Conseguiram dar entrada no terreno. O restante pagaram em 36 prestações de R$ 300. Na loja de material de construção, Branco sempre foi querido por todos. Por isso, o patrão o ajudou a erguer a casa. Deu todo o material de construção para ele pagar “quando sobrasse um dinheirinho”. Mas, Branco não achava justo. E, em todos os meses, primeiro pagava o patrão e vivia com o pouco que sobrava. — Às vezes, com R$ 100 a gente se virava. Dava para pagar as contas e comer.No dia 22 de dezembro de 2004, o sonho estava de pé. Uma casa de madeira com 6 metros de largura por 6 metros de comprimento. Foi o melhor presente de Natal que Preta poderia receber. Para Branco, “era uma coisa de Deus”. A noite da tragédiaNa noite do sábado de uma semana atrás, Bruna e Maria Eduarda dormiram cedo torcendo pelo sol. Queriam ir no parque no dia seguinte. Branco e Preta rezavam para que a chuva fosse embora, mas por outro motivo. Em fevereiro, uma casa vizinha havia desabado. Fazia dois meses que a chuva não dava uma trégua e, naquela noite, ela castigava Jaraguá do Sul. O medo fez Branco dormir no sofá da sala. Acordaria mais fácil no primeiro sinal de perigo. Foi Preta quem levantou primeiro ao ouvir um estalo. Eles já estavam com as crianças no colo – Branco com a maior e Preta com a menor – quando o estouro se repetiu. Desta vez, bem mais forte. Branco tentou abrir a porta. Não dava. Estava presa à estrutura da casa já fora do lugar. Ele usou toda a força que um pai desesperado poderia ter. A maçaneta quebrou. Ele decidiu pular a janela e puxar seus três amores para fora. Quando esticou os braços para alcançar primeiro a Maria Eduarda, a casa toda desceu o morro. — Eu ainda toquei na mãozinha dela.A luz que sobrouBranco diz que sempre sonha com seus três amores. Às vezes é muito ruim. Todo aquele horror se repete. Mas tem horas que as três aparecem entrando no Fusca branco – ele comprou também com a ajuda do patrão por R$ 3,5 mil, depois de quitar as parcelas do terreno. Nos bons sonhos de Branco, Preta está sempre arrumando as crianças. Bruna fi ca contanto que tirou 35 notas dez na escola. Maria Eduarda vai tomando café com leite na mamadeira, como fazia todas as manhãs. E vão juntos para o parque. Na casa dos pais, Branco falou que nas lembranças eles sempre vão continuar juntos. E chorou. Dói muito. E o que seria capaz de diminuir um pouco esse sofrimento, só faz aumentá-lo. Porque nada é fácil na vida desse caminhoneiro. Branco tem um outro filho, de um primeiro relacionamento. Emerson tem 12 anos. A mãe Ivonete morreu num acidente de trânsito. Os avós maternos ganharam o direito de fi car com o garoto. Branco nunca pôde se aproximar. Há dez anos não se falam. — Só queria dar um abraço. Uma abraço de pai mesmo.
Branco tinha três amores – a mulher e as duas filhas. E foi carregando saco de cimento nas costas que construiu os sonhos da família. Ele nunca teve tempo para reclamar dos problemas da vida.Ergueu uma casa. Pequena, bem simples, feita em prestações de R$ 300 no alto de um morro de Jaraguá do Sul. “O nosso cantinho.”O sonho que Branco realizou sobre o lote 12 da rua Irineu Franzler, no bairro Tifa Martins, desabou por causa das chuvas. Quando caiu, levou para debaixo da terra seus três amores.Perder a mulher e as duas filhas deixa no homem aquela dor eterna. Pior é quando se viu tudo. Pior é quando se lutou até o fim para salvá-las e saiu derrotado. Pior é se sentir culpado por desgraça tão grande. “Se eu tivesse jogado elas pela janela, sei lá... Agi por impulso e acho que escolhi o jeito errado de sair da casa.”A verdade é que a história de Branco até a noite de 22 de novembro não foi nada fácil. Mas ele sempre deu um jeitinho. Só que desta vez, o golpe doeu demais.Uma família bem unida Branco era só Carlos Alberto Manske há 12 anos. Foi aí que conheceu Silvana – que em 1998 virou uma Manske. Ele loiro e ela morena. Os apelidos Branco e Preta deixaram o casal mais charmoso. Bruna nasceu em 2000. Maria Eduarda chegou cinco anos depois. Família unida. Era no trabalho pesado que o casal encontrava um pouco de conforto para as filhas. Ele como caminhoneiro de uma loja de material de construção. Ela na costura de uma malharia. Quando saíam para o batente, logo cedo, era com os avós que as duas meninas fi cavam. Provavam a cada amanhecer que a felicidade de uma família existe mesmo no meio de uma rotina pesada. Não precisavam de luxo. Era das pequenas coisas que arrancavam a alegria e os sorrisos verdadeiros. Nas tardes de domingo, eles iam até o parque da cidade. Festa garantida. As meninas adoravam. Elas desciam o escorregador dando gargalhadas. Pergunte a qualquer pai ou a qualquer mãe o quanto tudo isso vale. O sonho realizadoSó tinha uma coisa que deixava Branco incomodado. Ter de pagar aluguel, morar uma hora aqui, a outra lá. — Todo mundo quer um cantinho só seu. E como foi duro para que eles tivessem um. Branco teve de fazer acordo na empresa. Preta juntou férias e décimo terceiro. Conseguiram dar entrada no terreno. O restante pagaram em 36 prestações de R$ 300. Na loja de material de construção, Branco sempre foi querido por todos. Por isso, o patrão o ajudou a erguer a casa. Deu todo o material de construção para ele pagar “quando sobrasse um dinheirinho”. Mas, Branco não achava justo. E, em todos os meses, primeiro pagava o patrão e vivia com o pouco que sobrava. — Às vezes, com R$ 100 a gente se virava. Dava para pagar as contas e comer.No dia 22 de dezembro de 2004, o sonho estava de pé. Uma casa de madeira com 6 metros de largura por 6 metros de comprimento. Foi o melhor presente de Natal que Preta poderia receber. Para Branco, “era uma coisa de Deus”. A noite da tragédiaNa noite do sábado de uma semana atrás, Bruna e Maria Eduarda dormiram cedo torcendo pelo sol. Queriam ir no parque no dia seguinte. Branco e Preta rezavam para que a chuva fosse embora, mas por outro motivo. Em fevereiro, uma casa vizinha havia desabado. Fazia dois meses que a chuva não dava uma trégua e, naquela noite, ela castigava Jaraguá do Sul. O medo fez Branco dormir no sofá da sala. Acordaria mais fácil no primeiro sinal de perigo. Foi Preta quem levantou primeiro ao ouvir um estalo. Eles já estavam com as crianças no colo – Branco com a maior e Preta com a menor – quando o estouro se repetiu. Desta vez, bem mais forte. Branco tentou abrir a porta. Não dava. Estava presa à estrutura da casa já fora do lugar. Ele usou toda a força que um pai desesperado poderia ter. A maçaneta quebrou. Ele decidiu pular a janela e puxar seus três amores para fora. Quando esticou os braços para alcançar primeiro a Maria Eduarda, a casa toda desceu o morro. — Eu ainda toquei na mãozinha dela.A luz que sobrouBranco diz que sempre sonha com seus três amores. Às vezes é muito ruim. Todo aquele horror se repete. Mas tem horas que as três aparecem entrando no Fusca branco – ele comprou também com a ajuda do patrão por R$ 3,5 mil, depois de quitar as parcelas do terreno. Nos bons sonhos de Branco, Preta está sempre arrumando as crianças. Bruna fi ca contanto que tirou 35 notas dez na escola. Maria Eduarda vai tomando café com leite na mamadeira, como fazia todas as manhãs. E vão juntos para o parque. Na casa dos pais, Branco falou que nas lembranças eles sempre vão continuar juntos. E chorou. Dói muito. E o que seria capaz de diminuir um pouco esse sofrimento, só faz aumentá-lo. Porque nada é fácil na vida desse caminhoneiro. Branco tem um outro filho, de um primeiro relacionamento. Emerson tem 12 anos. A mãe Ivonete morreu num acidente de trânsito. Os avós maternos ganharam o direito de fi car com o garoto. Branco nunca pôde se aproximar. Há dez anos não se falam. — Só queria dar um abraço. Uma abraço de pai mesmo.
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