1. INTRODUÇÃO
As duas posições extremadas
continuam sendo assumidas no Brasil. Uns dizendo que falta dinheiro e outros,
radicalizando no extremo oposto, falando, alto e bom som, que o problema único ou
maior, é a falta de gestão (entenda-se incompetência gerencial das pessoas e
processos públicos de trabalho obsoletos).
Neste texto quero apenas demonstrar
a falta de recursos, mas reafirmando que existe realmente má gestão que deve
ser corrigida concomitantemente. Sou adepto e defendo a multicausalidade: falta
de dinheiro, falta de condições de vida do brasileiro, falta do novo modelo
SUS, falta de gestão, falta de honestidade.
2. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Em primeiro lugar antes de
defender a busca de mais dinheiro para a saúde precisamos conhecer quais são objetivos
do SUS, o sistema público de saúde brasileiro. Onde pretendemos chegar. Defendo
que o papel, de toda a sociedade e dos serviços de saúde é ajudar as pessoas a
viverem mais e melhor. O direito de todos nós só morrermos bem velhinhos, de
preferência sem nunca ter ficado doentes (quase impossível) e se ficarmos que
saremos logo, de preferência sem sequelas. Saber que a saúde depende de vários
fatores como a carga genética, biológica, estilo de vida, o ambiente físico e
sócio econômico que nos cerca e a suficiência
e boa qualidade dos serviços de saúde. Portanto, é um engano pensar que nossa
saúde só depende dos serviços de saúde. Temos que pensar na multicausalidade da
saúde que passa pelos seus condicionantes e determinantes: salário, trabalho,
casa, comida, vestuário, educação, cultura, transporte, meio ambiente etc.
A partir de 1988, depois de
uma luta de décadas, o Brasil conseguiu garantir na sua Constituição a saúde
como direito de cidadania e obrigação do estado. Foram colocados como objetivos
a identificação dos condicionantes e determinantes da saúde, o planejamento
para melhorar os riscos de agravos e doenças e a execução de ações de promoção,
proteção e recuperação da saúde.
Entre os vários princípios e
diretrizes assistenciais e organizacionais do SUS estão: universalidade,
integralidade, igualdade, intersetorialidade, direito à informação, autonomia das
pessoas, resolutividade, uso da epidemiologia para planejar e alocar recursos,
descentralização, regionalização, hierarquização, gestor único por esfera,
complementariedade e suplementariedade do privado, financiamento da União, Estados
e Municípios e participação da comunidade.
O cidadão tem direito e
obrigação de participar pois o dever do estado não exclui a responsabilidade
das pessoas, famílias, empresas e sociedade (Lei 8080,2,2). Isto se junta ao
preceito de participação da comunidade e gera o dever de participar. O grande
desafio é conseguir das pessoas adesão e compromisso de cuidar de sua própria saúde
e de seus concidadãos. É necessária uma participação individual onde cada um
cuide de sua higiene, alimentação, exercícios, preservação da saúde mental, uso
correto de ações e serviços de saúde (medicamentos, exames, procedimentos
especializados). Agir com prevenção. Cuidar de si próprio e de outros. Coletivamente os cidadãos podem participar
dos conselhos e conferências de saúde e de suas várias comissões. O poder dos
Conselhos de Saúde é muito maior do que imaginam. Nada pode acontecer na saúde
pública sem estar no orçamento e nada pode ir ao orçamento sem estar no plano e
nada pode ir ao plano, sem a aprovação do conselho.
Este SUS, propriedade do
cidadão brasileiro, minha e sua, produz a cada dia, mês e ano, o inimaginável.
No ano de 2010 foram realizados 3,6 bi de procedimentos. Só na atenção básica
1,6 bi e na média e alta complexidade 2 bi. As ações de vigilância à saúde
foram 535 mi. Vacinas, 138 mi. Consultas e atendimentos 1,5 bi. Internações
11,7 mi. Exames bioquímicos 435 mi. Exames de imagens 92 mi. Ações de saúde
bucal 220 mi.
Ainda que queiram dizer que
são os governos que financiam a saúde do cidadão existe aqui um erro de origem.
Somos nós cidadãos que a tudo financiamos através do pagamento de impostos e
contribuições. O cidadão espera com isto, receber de volta ações e serviços de
saúde suficientes e de boa qualidade, sem nenhum outro pagamento. Os cidadãos
garantiram através dos governos, no ano de 2010 R$138 bi sendo R$62 bi da
União, R$37 bi dos Estados e R$39 bi dos Municípios. Paralelamente a isto os
cidadãos também pagaram sistemas privados de saúde como planos e seguros (R$73
bi) pagamento privado direto (R$25 bi) e gasto direto com medicamentos (R$55
bi). O dinheiro público dividido pela população e pelos 365 dias do ano resulta
num gasto de R$ 1,98 por habitante/dia. Dispensa comentário!
3. O SUBFINANCIAMENTO FEDERAL COM A SAÚDE
A responsabilidade de
financiar a saúde continua do cidadão que o faz como pré-pagamento aos governos.
Daí para frente a responsabilidade de financiar passa a ser das 3 esferas de
governo. Isto está definido na CF, depois reforçado na EC-29 e agora na LC 141.
Financiamento Municipal: Os Municípios devem destinar
no mínimo 15% de seus recursos próprios para a saúde. Nem todos os municípios
ainda cumprem os mínimos mas a perda é insignificante. A quase totalidade
cumpre e o faz com mais recursos que os mínimos. Em 2009 os municípios estavam
colocando 21,9% de sua receita própria, em saúde. Em 2009 os municípios
colocaram R$11,5 bi a mais que os mínimos legais, corrigidos pelo IGPM em
dezembro de 2010.
Financiamento Estadual: Os
Estados devem colocar no mínimo 12% de seus recursos próprios em saúde. Nem todos os estados ainda cumprem os mínimos. A
maioria dos que restam não cumprindo, representam pouco dinheiro a mais. De
outro lado vários estados gastam mais que o mínimo. Entre 2000 e 2009 os Estados
que não cumpriram o mínimo devem para a saúde R$31,8 bi, corrigidos pelo IGPM
para dezembro de 2010.
Financiamento Federal: a União deve aplicar, desde
2000, em ações e serviços públicos de saúde os recursos mínimos correspondentes
ao valor apurado no ano anterior, aplicada a variação nominal do PIB. A União
nunca aplicou o mínimo da CF e usou de vários artifícios para contabilizar
errado, dando como cumprido. Pagou com dinheiro da saúde: o Bolsa Família, os
planos de saúde dos funcionários, a farmácia popular que tinha co-pagamento do
cidadão e cancelou restos a pagar sem
compensá-los. Isto fez com que a União entre os anos de 2000 e 2009 devesse
cerca de R$20 bi ao SUS corrigido pelo IGPM em dezembro de 2010.
Existem três evidências do desfinanciamento federal
para a saúde desde a CF de 1988 e da EC-29 de 2000. Nada foi suficiente para
que a União cumprisse seu compromisso legal considerando que ela é a única
esfera de governo que pode arrecadar dinheiro para a saúde (impostos e
contribuições) e que tem que repartir entre as três esferas de governo
responsáveis pela execução de ações e serviços de saúde.
1ª
EVIDÊNCIA DO BAIXO GASTO DA UNIÃO COM SAÚDE
O gasto da União em 1997 foi de R$294 por hab.; em 2003
foi R$234 por hab.; em 2008 R$289 por hab. Diminuiu e muito a cada ano. A
partir de 2009 aumentou devido à gripe suína que demandou recurso extra.
2ª
EVIDÊNCIA DO BAIXO GASTO DA UNIÃO COM SAÚDE
O gasto da União como percentual de sua receita vem
caindo desde 1995. Gasto da União como % da receita em 1995 foi de 11,72% e em
2011 de apenas 7,3%. Hoje a saúde, que já teve 11,72% reivindica apenas o
mínimo de 10% da Receita Corrente Bruta.
3ª
EVIDÊNCIA DO BAIXO GASTO DA UNIÃO COM SAÚDE
O gasto da União com saúde vem caindo
proporcionalmente com o aumento do financiamento dos estados e dos municípios.
A União foi deixando a responsabilidade do financiamento para Estados e
Municípios, com a carga máxima sobre os Municípios.
ANO
|
UNIÃO
|
ESTADOS
|
MUNICÍPIOS
|
1980
|
75%
|
18%
|
7%
|
1991
|
73%
|
15%
|
12%
|
2001
|
56%
|
21%
|
23%
|
2010
|
45%
|
27%
|
28%
|
4.
NECESSIDADE DE MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE
Recorrentemente afirmam que o dinheiro da saúde é
suficiente e que o problema é só de gestão. Existem evidências que demonstram a
falta de recursos públicos para financiar a saúde. Abaixo estão algumas
evidências da necessidade de mais recursos públicos para a saúde.
1ª
EVIDÊNCIA DA NECESSIDADE DE MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE
Os custos da saúde aumentam a cada ano, mais que qualquer índice
inflacionário
Destacando-se como causa de aumento vertiginoso de
custo da saúde
transições em que vivemos:demográfica,epidemiológica,
nutricional, tecnológica
e cultural e que levam a maiores custos que nada têm
a ver com os índices
inflacionários.
a)
Transição demográfica:
A mortalidade infantil vem diminuindo.
1980 – 69,12/mil nv - 2000 – 30,04/mil nv - 2009 –
22,47/mil nv
(Japão 3 – Cuba 5 – Chile 8)
A expectativa de vida ao nascer aumentando.
1980 – 62,57 anos - 2000 – 70,46 anos - 2009 – 73,17
anos
(Japão 81,12 – Cuba 77,49 – Chile 77,3)
b)
Transição epidemiológica
Hoje o mundo e o Brasil convivem com um
perfil de doenças antigas com novas. Domínio de mais doenças
crônico-degenerativas ou doenças e agravos não transmissíveis. Uso indevido de
drogas. Causas externas como homicídios e tentativas, acidentes de trânsito e
do trabalho. Novas epidemias como AIDS, dengue e outras e a convivência com
doenças endêmicas como Tuberculose, Hanseníase, Malária e outras. Juntam-se
doenças velhas e novas convivendo ao mesmo tempo.
c) Transição
nutricional
Nunca se comeu tanto e tão mal.
De um lado o consumo excessivo de alimentos com alto
teor de: sal, açúcar,
gorduras saturadas animais.
De outro o baixo consumo de frutas-verduras–legumes
que, segundo a OMS
OPAS, matou 2,7 milhões de pessoas em 2003.
d)
Transição tecnológica
Incorporação desordenada de novas tecnologias, por
vezes sem critérios científicos. Por exemplo: Procedimentos: (transplantes –
cirurgias minimamente invasivas...). Imagens: RX, US, TOMO, RM, PETSCAN. Novos
exames: bioquímicos e hematológicos. Medicamentos: mudanças de radicais e novas
descobertas. Acomodações: novas condições e exigência da Vigilância Sanitária.
Lembrando: na saúde o novo não aposenta o velho, mas o sobrepõe.
e)
Transição cultural
Cultura de prescrição e cultura de consumo. Mais
informação. Mais propaganda.
Mais desejos e necessidades de consumo de serviços
de saúde. Mais acesso a
ações e serviços de saúde. Além disto a medicina
defensiva dos profissionais
premidos pela mídia e pela própria clientela.
2ª
EVIDÊNCIA DA NECESSIDADE DE MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE
Comparar os gastos com saúde pública da União, Estados
e Municípios em 2010,
com o gasto do valor por usuário dos planos e
seguros de saúde (R$1560,00), o
Brasil precisaria de mais R$160 bi públicos para equiparar-se
ao mesmo valor
dos planos de saúde.
Obs. Vale lembrar que os planos não oferecem o que o
SUS tem obrigação de
oferecer
3ª
EVIDÊNCIA DA NECESSIDADE DE MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE
Comparar os gastos da União, Estados e Municípios
com saúde pública em 2010 em relação a média do % do PIB gasto com saúde por
todos os países do mundo.
No Brasil o PIB 2010 foi de R$ 3,6 tri. Gasto com
saúde pública em 2010 foi de R$138 bi ou seja 3,8% do PIB. Se aplicado os 5,5% do
gasto médio dos países do mundo o Brasil teria necessidade de mais R$ 198 bi. O
percentual do PIB em países do mundo, dados de 2007 da OMS, foram de: Mundo
(5,5%); Países de Baixa Renda (2,2%); Países de média renda (3,5%) e Países de
Alta Renda (6,7%). São dados da OCDE.
4ª.EVIDÊNCIA
DA NECESSIDADE DE MAIS RECURSOS PARA A SAÚDE
Se o gasto brasileiro com saúde, em 2010 por
habitante/ano for comparado com outros exemplos de grupos de países podemos
encontrar os dados seguintes. São dados da OMS.
Países de maior renda: US$ 2.589 - Brasil
necessitaria de R$742 bi
Países da Europa: US$ 1.520 – Brasil Necessitaria de
R$ 435 Bi
Países das Américas: Us$ 1.484 - Brasil Necessitaria
de R$ 425 Bi
RESUMO ESTIMATIVAS NECESSIDADES
RECURSOS PARA GARANTIR COBERTURA À SAÚDE UNIVERSAL E INTEGRAL - BRASIL-2010
|
HIPÓTESES
|
TOT.
EM R$BI
|
O QUE FALTA À SAÚDE PÚBLICA BR R$BI
|
USANDO O MESMO PC PLANOS
|
298
|
160
|
USANDO A MÉDIA DE 5,5% PIB – USADO NO MUNDO COM SAÚDE
PÚBLICA
|
198
|
60
|
PC-PÚBLICO DOS PAÍSES DE MAIOR RENDA – 2.589 US PPP-2008
|
742
|
604
|
PC-PÚBLICO DA EUROPA – 1520 US-PPP
|
435
|
297
|
PC-PÚBLICO AMÉRICAS – 1484 US-PPP
|
425
|
287
|
FONTE: OMS -2011; IBGE-PIB; ANS MARÇO:2011; ESTUDOS GC
|
6.
PROPOSTAS DE RECUPERAR RECURSOS FEDERAIS DECRESCENTES
Não se perde nunca a esperança de conseguir mais
recursos para a saúde. A única esfera de governo que precisa, por justiça,
colocar mais recursos é a União. Uma dívida histórica de quem já colocou mais
dinheiro em saúde. Em 1995 foi 11,7% de sua Receita Corrente Bruta e agora 7%.
Logo depois de termos perdido uma batalha com a
votação equivocada da LC 141 em 7 de dezembro, já se estava pensando em ressurgir
das cinzas e apresentar novas propostas de conseguir mais dinheiro para a
saúde.
Logo surgiu a idéia de fazer um projeto de
iniciativa popular pretendendo exercer maior pressão no legislativo de tal modo
que não fosse rejeitado. Este projeto está em fase de coleta dos 1,6 milhões de
assinaturas de apoio. E, tendo o apoio da população e da sociedade organizada
em inúmeras instituições.
No início da legislatura dois projetos, no mesmo
sentido de defesa de no mínimo 10% da Receita Corrente Bruta da União para a
Saúde, foram apresentados.
O primeiro deles do Deputado Darcício Perondi,
médico pediatra do PMDB gaucho: PLP 123/2012 do qual já se indicou o realtor
Deputado Saraiva Felipe, médico do PMDB mineiro.
Em seguida o projeto do Deputado Eleuses de Paiva,
médico do DEM paulista: PLP 124/2012.
Estes projetos, se aprovados, poderão trazer
recursos a mais para a saúde pública de origem federal. Pelas estimativas são
R$33,5 bi a mais.
Para finalizar. Temos a certeza
de que não será apenas mais dinheiro capaz de resolver os problemas de saúde do
Brasil. Não resolve sozinho e também não se resolve sem dinheiro. Além de mais
dinheiro tem-se que usá-lo no modelo constitucional de fazer saúde, o SUS. Tem-se
que evitar todas as perdas tanto com a ineficiência, quanto com a corrupção.
Finalmente o povo não terá saúde de não tivermos um Brasil mais justo com
acesso de todos aos mínimos necessários à sua sobrevivência e à qualidade de suas
vidas.