sexta-feira, 6 de abril de 2012

Estado de corrupção consentida - capítulo IV

Gilson Carvalho[1]



Segundo nos acostumamos a ouvir “não somos nem mais nem menos corruptos que os cidadãos de outros países no mundo”.

Novamente estamos tendentes a aceitar a corrupção como fato consumado. Incorrigível. É assim no mundo inteiro!!! Esta é uma posição indesejável.

Nunca tive tolerância ou leniência aceitando a corrupção como “tolerável” característica humana presente em todas as civilizações e países.

Quando escrevo mostrando atos e atitudes de corrupção, quero apenas fazer um demonstrativo para aqueles que reiteradamente, por ignorância ou má fé, dizem e repetem que no Brasil a corrupção é exclusivamente no público. Quero mostrar que a corrupção, no público, sempre está de braços dados com o privado. Já a corrupção privada acontece independente da presença do público. Um agravante é que nós, que criticamos uma e outra, no dia a dia podemos estar cometendo pequenas “inocentes” falcatruas. Nossos pecadinhos de corrupção como, por exemplo, usando ou facilitando o tráfico de influência para nós ou para favorecer a outros; privatizando o público sob nossos interesses; descumprindo horas de trabalho contratual ou usando-as mal.

Sou plena e totalmente contra toda e qualquer forma de corrupção: no público e no privado, individual ou coletiva, por motivos nobres anunciados ou pelos sórdidos, escondidos.

Em pleno período eleitoral em 5564 municípios, temos que saber identificar outra forma de corrupção que hoje grassa é a do financiamento de campanhas. Por este “motivo nobre” defendem que se pode buscar dinheiro sujo na fonte ou no processo para financiar campanhas políticas. Neste caso não é corrupção e tudo passa a ser lícito. Se os desvios de recursos não forem para proveito próprio, mas do coletivo como financiamento de partidos e campanhas está tudo legitimado.

Estou sempre muito ligado à questão saúde, área em que milito há mais de cinquenta anos. Vejam o dilema em que nos encontramos onde vários fatores se juntam e facilitam erros e impropriedades administrativas.

Vejamos:

1)    Fazer saúde é uma das atividades mais artesanais de trabalho humano. Só se faz saúde com o trabalho multiprofissional mas com um componente individual e privado que foge de qualquer estereotipo de linha de montagem controlável.

2)   As ações e serviços de saúde são feitos em todos os recantos de um Brasil continental. Temos, simultaneamente, exemplos de todas as fases de desenvolvimento do mundo, presentes num único país. Existem em 2012, microrregiões ainda submissas ao modelo de civilização da pedra lascada e outras de altíssimo desenvolvimento com produção científica de ponta.

3)   Saúde se faz num modelo dual onde temos juntos dois grupos de categorias profissionais: os de saúde e os de outras profissões que dão apoio de toda ordem, das mais simples ações às mais complexas.

4)   A complexidade da legislação contábil e de saúde não é absorvida com facilidade, nem por peritos. Ainda existem inúmeros municípios onde a contabilidade municipal é operada por escritórios privados que se localizam nas capitais.

Dentro destas peculiaridades é que devam ser buscadas maneiras mais eficientes e menos corruptas de se fazer administração de saúde cujos bons exemplos no público e no privado são raros. Criar cultura de profissionalização da administração em saúde, com recursos gerencias de metodologia científica é dos maiores desafios. A gestão medicocêntrica e médico centrado em direções clínicas é um desastre numa área em que nem no público, nem no privado existe cultura de maneiras mais eficientes e científicas de administrar.

A falta de recursos financeiros e de melhores processos administrativos atinge de maneira diferente os gestores de saúde. De um lado, aqueles que conseguem estar acima de média na gestão e operação do sistema e que o fazem com eficiência e efetividade e que sofrem de falta de recursos negados a todos sob alegação de corrupção endêmica no setor. Já aqueles que, assumida ou simuladamente são corruptos, não sofrem pois, seu objetivo de desvio de recursos da saúde será sempre conseguido. Pior, ainda têm um argumento de falta de recursos, tremulada pelos bons e honestos, e que os protegem daquilo que deixam de fazer.

Como controlar todas as formas de corrupção que imperam no público e no privado, na saúde e em todos os setores. Tenho uma convicção antiga de que os mecanismos de controle da saúde são obsoletos. Novos são criados a cada escândalo, mas sempre na mesma ótica caolha do passado. A prova é que os grandes escândalos públicos não foram detectados, por primeiro, pelos seus órgãos de controle interno e externo. Foram fatos alheios aos processos de auditagem interna e externa que acabaram por desencadear as ações destes órgãos. Aí sim, com olhos aguçados de linces se debruçam sobre as pistas dadas e dissecam os fatos de corrupção.

Temos um caminho árduo a seguir para mudar nosso Brasil e a cada um de nós. Não podemos nos conformar com o estado de corrupção consentida em que vivemos. Temos sim que recobrar forças todos os dias para que a cada um deles a gente possa estar um pouco melhor.         Só vamos conseguir alguma coisa com transparência e visibilidade cujo instrumento essencial é o acesso à informação. Mas, tudo isto surtirá efeito só se os cidadãos individual ou coletivamente quiserem e se esforçar para colocar o estado e a sociedade sob estrito controle.                            



[1] Gilson Carvalho - Médico Pediatra e de Saúde Pública - carvalhogilson@uol.com.br. O autor adota a política do copyleft podendo este texto ser multiplicado, editado, distribuído independente de autorização.Textos disponíveis:  www.idisa.org.br

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