Lenir Santos[1]
Muitos são os desafios da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas gostaria de analisar esses desafios sob três dimensões: a dimensão da articulação federativa; a dimensão público-público; e a dimensão público-privada.
A dimensão da articulação federativa talvez seja a mais difícil e complexa de todas elas em razão das partes envolvidas que são os entes federativos e uma institucionalidade equivocada que parece já consagrada nas relações entre União-Estado-Municípios no SUS.
Começaria por abordar a questão das transferências de recursos federais: recursos da União para os Estados e Municípios. O SUS exige sejam realizadas transferências de recursos e isso hoje está constitucionalizado com a EC 29, que por sua vez exige sejam transferidos recursos da União para os Estados e Municipios, de acordo com critérios legais.
Esses critérios já existem e estão na Lei 8.080/90 e na Lei 8.142/90, ainda que não sejam respeitados, uma vez que as transferências são realizadas pelo sistema de incentivos a projetos e programas federais, desconsiderando o planejamento do SUS que deve se fundar nas necessidades de saúde locais, regionais e estaduais.
As transferências federais, além de não observarem critérios legais e serem fracionadas a tal ponto que fica impossível considerar o SUS como um sistema único de saúde, também continuam sendo sempre recursos federais que devem ser aplicados de acordo com as regras federais e não com planos de saúde dos entes federativos.
Nessa dimensão da articulação federativa, a gestão compartilhada do SUS sempre padeceram de adequação. Com o Decreto 7.508 poderemos vencer estas dificuldades. A falta de institucionalidade na organização das comissões intergestoras, também com o Decreto 7.508 poderão ser superadas, tanto quanto a lacuna na formação de vinculo contratual no tocante às responsabilidades definidas entre os entes federativos na gestão do SUS .
Na dimensão público-público trata-se de vencer dificuldades em relação aos modelos jurídicos existentes na Administração Pública que necessitam superar a falta de autonomia dos entes públicos na gestão do SUS, além de haver necessidade de se admitir modelos jurídicos que efetivamente melhorarem a gestão pública, permitam a gestão compartilhada, vençam as dificuldade com a lei de responsabilidade fiscal e seus limites de pessoal e outros pontos fundamentais para uma gestão de qualidade. A Fundação Estatal e o contrato de autonomia precisam ser incorporados na Administração Pública, sendo que o contrato depende ainda de regulamentação legislativa, o que até o presente momento não ocorreu.
Na dimensão público-privada, que no SUS costumamos chamar de participação complementar e parcerias, urge rever alguns institutos como o da Organização Social que tem suscitado inúmeros debates. Além do mais é imperioso esclarecer quando se deve e pode utilizar um instituto como a organização social e quando se deve e pode usar a organização da sociedade civil de interesse público.
Outros institutos poderiam ser pensados no tocante as parcerias com as entidades sem fins lucrativos, como a co-gestão ou a participação do poder público nos órgãos de governança de entidades privadas dependentes da parceria publica.
O mesmo ocorre com os convênios firmados entre entes públicos e privados sem fins lucrativos. O convenio não tem sido a melhor forma de se estabelecer vínculos contratuais. Há que se pensar em novas formas de formalização dos vínculos.
Outro ponto relevante – e que perpassa as três dimensões da gestão – é o controle, a fiscalização e a avaliação dos resultados. Na realidade, o controle visa muito mais analisar processos, meios e não os resultados finalisticos. Controles que se realizam sempre a posteriore não são a melhor maneira de se fiscalizar a execução de contratos, a aplicação de recursos, o alcance de metas. A melhor fiscalização é a que pretende seja o resultado positivo e se faz concomitante à execução, sempre com a vontade de cooperar para que um resultado seja positivo.
Enfim, muitos são os desafios. Aqui apenas alguns pontos para suscitar o debate que está na ordem do dia com a edição do Decreto 7.508/2011.
[1]Coordenadora do Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA; Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Sanitário da UNICAMP-IDISA; ex-procuradora da UNICAMP.
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