sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Tabagismo passivo custa caro ao país.


Além das milhares de mortes ao ano, o tabagismo passivo custa ao Brasil milhões de reais. Segundo uma pesquisa solicitada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), o tratamento de saúde dos 2.655 não-fumantes que morrem, anualmente, em conseqüência de doenças provocadas pelo tabagismo passivo, significa uma despesa de R$ 19,15 milhões ao Sistema Único de Saúde. E o impacto das mortes destas vítimas no pagamento de pensões ou benefícios pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) é de R$ 18 milhões anuais. Os dados são da pesquisa Impacto do Custo de Doenças Relacionadas com o Tabagismo Passivo no Brasil, estudo econômico em saúde, solicitado pelo Inca. A pesquisa levantou os custos das três principais doenças relacionadas ao tabagismo passivo: doenças isquêmicas do coração (como infarto do miocárdio), acidentes vasculares cerebrais e câncer de pulmão. Uma das bases do estudo foi a estimativa de mortalidade atribuível ao tabagismo passivo na população urbana do Brasil, realizada recentemente por pesquisadores do Inca e do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da UFRJ. A população estudada vive nos centros urbanos, tem em torno de 35 anos e é formada por fumantes passivos expostos involuntariamente à fumaça do cigarro em suas residências. As doenças isquêmicas do coração, que provocam anualmente a morte de 1.224 não-fumantes, são responsáveis por gastos de R$ 12,2 milhões. Esse é o custo médio do tratamento anual dos fumantes passivos que morrem por infarto, que corresponde a 64% dos R$ 19,15 milhões gastos do SUS com mortes atribuíveis ao tabagismo passivo somente com essas três doenças. O custo médio com as pensões ou benefícios gerados pelas doenças isquêmicas do coração é de R$ 8,4 milhões por ano. No caso dos 1.359 fumantes passivos vítimas de acidente vascular cerebral (derrame), o custo médio de procedimentos médico-hospitalares do tratamento anual é de R$ 6,65 milhões. O custo médio anual estimado para a seguridade social com a cobertura de pensões ou benefícios em decorrência dessa doença é de R$ 9,35 milhões. Já para o câncer de pulmão, o estudo mostrou que o custo médio do tratamento de 72 fumantes passivos que morreram em conseqüência da doença soma R$ 302 mil. O pagamento de pensões ou benefícios neste caso é de R$ 500 mil por ano. O estudo foi desenvolvido pela Coordenação do Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) e financiado pelo Projeto Iniciativa Bloomberg Brasil. Seu autor principal foi o médico pneumologista e sanitarista Alberto José de Araújo, que coordena o Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo do Instituto de Doenças do Tórax da UFRJ. A pesquisa, além de fontes de trabalhos anteriormente publicados, usou informações disponíveis na literatura científica internacional e dados do governo (DataSus).

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Contra a crise, aumento de gastos públicos

Christian Chavagneux
Christian Chavagneux é redator-chefe de
Alternatives Economiques , site dedicado ao crédito alternativo e cooperativo.
Nesta entrevista, Paul Krugman analisa a contradição entre a sociedade aberta que os Estados Unidos pretendem ser e a política de favorecimento dos ricos posta em prática pelo governo Bush. Ao mesmo tempo, o colunista do New York Times expõe suas idéias sobre as medidas que deveriam ser tomadas para assegurar uma retomada do crescimento econômico e social pós-crise: um modelo muito próximo do que, conceitualmente, deveria imperar no Brasil... a começar, por um SUS universal, em dimensão americana. “Nos Estados Unidos a realidade nunca esteve à altura do sonho americano”.
Christian Chavagneux: Os Estados Unidos experimentaram recentemente um importante ciclo de expansão econômica. Entretanto as desigualdades e a pobreza aumentaram. Como explicar isso?
Paul Krugman: Isto se dá, em grande parte, diante de uma mudança nas relações políticas de força. A massa dos assalariados perdeu muito de seu poder de negociação, e como explico em meu último livro (A América que Queremos, Ed. Flammarion, 2008), as condições políticas têm uma influência essencial na distribuição da renda.
Christian Chavagneux: Qual foi o papel das políticas implementadas pelo governo Bush?
Paul Krugman: Bush fez duas coisas. Mudou o sistema fiscal num sentido muito regressivo, com reduções muito fortes nos impostos sobre as rendas mais altas, os dividendos e os lucros do capital. Ele beneficiou os mais ricos e ao mesmo tempo reduziu os fundos disponíveis para as políticas públicas e para a ajuda aos mais necessitados. Podemos fazer uma estimativa: entre 30% e 40% das reduções de impostos de Bush beneficiaram as pessoas que ganham mais de 300 mil dólares por ano [mais ou menos 600 mil reais], o que representa uma redistribuição [de renda] em favor daqueles que estão em melhor condição de pagar impostos. O governo Bush, por outro lado, acelerou a perda de poder de negociação dos assalariados, reduzindo em muito toda possibilidade de organização sindical.
Christian Chavagneux: Qual é o papel da globalização no aumento das desigualdades?
Paul Krugman: Ela deveria, em princípio, contribuir, mas embora as forças da globalização afetem todos os países desenvolvidos da mesma forma, a distribuição de renda é diferente de país para país. Os Estados Unidos fazem parte daqueles países em que as desigualdades cresceram muito. Isso não acontece do mesmo modo no Canadá, que está tão aberto quanto nós, e menos ainda na Europa continental. As desigualdades cresceram muito no Reino Unido, embora isso tenha acontecido, sobretudo, nos anos de Thatcher. Predominam as condições nacionais sobre a globalização, e foi nos Estados Unidos que se criou um aumento maciço das desigualdades.
Christian Chavagneux: Podem os americanos contar com uma forte mobilidade social para combater as desigualdades?
Paul Krugman: Não. Alguns indivíduos conseguem subir na escala social, mas não tanto quanto a gente gostaria de imaginar. As histórias das pessoas que saem da pobreza e se tornam muito ricas são poucas. Só 3% das pessoas que nascem entre os 20% da população mais pobre terminam a vida entre os 20% mais ricos. Entre os países desenvolvidos, os EUA parecem ter o grau menor de mobilidade social.
Christian Chavagneux: Então o sonho americano morreu?
Paul Krugman: Não. De qualquer modo, a realidade jamais esteve à altura do que o sonho americano almejava. Mas nós estamos acordando!
Christian Chavagneux: Que políticas seriam necessárias para lutar contra essa situação social degradada?
Paul Krugman: Em princípio instaurar um sistema de seguro-saúde que seja universal, que cubra toda a população. Todos os países desenvolvidos têm algo parecido. E a falta de cobertura social representa uma das primeiras causas da desigualdade e da perda de mobilidade social. Aí, é necessário estabelecer um sistema educativo melhor, o que exige reformas, mas também recursos. Por fim, é necessário aumentar o poder de negociação dos assalariados, facilitando a formação de sindicatos. O declínio do movimento sindical não resulta de uma tendência inevitável a longo prazo. Mais da metade da perda de poder dos sindicatos ocorreu durante a era Reagan. Tudo isso [o aumento do poder dos sindicatos] permitiria aumentar o número de empregos e a renda destinada à classe média. Poderíamos fazer uma longa lista de medidas, mas penso que pôr de pé uma cobertura universal da saúde, que é algo factível, é uma prioridade e seria um grande passo a frente.
Christian Chavagneux: Como financiar tudo isso?
Paul Krugman: Não é tão caro como se pensa. Nós temos hoje um sistema um tanto especial. Dizemos não ter uma cobertura médica pública, mas todas as pessoas com mais de 65 anos recebem uma ajuda financeira pública, e também os mais pobres. Se tomarmos o total dos aportes disponíveis, mais da metade da cobertura em saúde já está assegurada pelo Estado. As pessoas que não dispõem de seguro hoje são os jovens e as famílias jovens, aquelas que pela situação precária de seus empregos e por sua renda insuficiente não podem ter os benefícios de um seguro privado. Essas pessoas não custam muito caro, em termos de uma cobertura de saúde: assegurar uma visita médica regular, um controle dental etc., não é muito oneroso. No total, isso vai representar menos de 1% do PIB.
Christian Chavagneux: Em seu livro, o Sr. pede uma nova política fiscal...
Paul Krugman: De um modo geral, precisamos de mais entradas financeiras. É preciso reverter a queda nos impostos do governo Bush, porque sabemos que isso é inútil. Tivemos uma economia muito próspera com o governo de Clinton, com um imposto sobre as rendas de mais de 39,6%, e uma economia menos próspera com Bush, apesar de um imposto de 35%. Não há argumento racional que sustente esse caminho. Por outro lado, não há por que aceitar paraísos fiscais e os desvios que eles permitem. Por fim, há uma margem para aumentar a carga de impostos sobre os mais ricos. O objetivo não é penalizar os ricos, mas sim fazê-los pagar sua parte do financiamento das políticas públicas que o resto da população precisa.
Christian Chavagneux: Apesar dessa inércia social, os Estados Unidos continuam sendo a primeira potência econômica mundial. Como se explica isso?
Paul Krugman: Os Estados Unidos continuam sendo um lugar privilegiado para os 5% dos mais ricos. Os rendimentos dos dirigItálicoentes são altos. Os EUA são uma sociedade aberta. Tratamos muito bem nossas elites. Como acadêmico, sempre me surpreendeu a abertura, a competitividade do mundo intelectual americano em relação ao mundo relativamente mais fechado da Europa. Isso melhorou nos últimos tempos. Mas também vivemos de nossas glórias. Os EUA foram, de há muito, os primeiros a se adaptarem a novas tecnologias. Isso hoje mudou. Estamos atrasados em relação a outros países. Uma grande parte da força econômica dos EUA é hoje uma ressonância do avanço que tivemos nos anos 90.
• Entrevista publicada em
Sin Permiso e reproduzida pela Agência Carta Maior(22/10/08); Paul Krugman é professor de Economia da Universidade de Princeton, colunista do New York Times e ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008 (tradução para o espanhol, Carlos Abel Suárez; para o português, Flávio Aguiar)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

CFM cirtica proposta de que o governo seja indutor da oferta de residência médica.


Os ministérios de Saúde e da Educação apresentaram, no início de julho, uma proposta de mudanças na definição de vagas para residência médica de acordo com as necessidades regionais do Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo do governo é solucionar, a curto prazo, desequilíbrios na distribuição de especialistas na rede pública.
As estratégias para esse fim ainda estão sendo traçadas. De acordo com o secretário executivo da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), José Carlos de Souza Lima, a Comissão Interministerial de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde já tem o resultado preliminar de um estudo que está sendo feito por universidades de todo o País, cujo objetivo é justamente fazer um mapeamento que leve em conta as necessidades de profissionais das regiões. De acordo com o estudo, as principais carências regionais do sistema público de saúde estão nas especialidades de cancerologia, medicina intensiva, neurologia, anestesiologia, pediatria e medicina da família e comunidade. José Carlos cita ainda as áreas de neonatologia, geriatria, psiquiatria (saúde mental de modo geral) e área do trauma – sobretudo agora com índices de violência elevados.
Os esforços da Comissão Interministerial – composta por representantes do Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) – estão voltados também para outras profissões da área da saúde como fisioterapia, fonoaudiologia, psicologias, assistência social e enfermagem, com o propósito definido de estimular a residência multiprofissional em saúde. No que diz respeito à residência médica, especificamente, o plano ainda está sendo traçado, mas Lima adianta que se está pensando em formas políticas e meios de fomentar a formação nessas áreas.
O secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Sgtes), Francisco Campos, por sua vez, elenca as possíveis propostas e resume a intenção do governo: “Há muita vaga que não é ocupada e pode ser re-ofertada e reocupada; podemos fazer consórcios com instituições de grande notoriedade; ou propor um ano adicional de residência em regiões carentes de determinadas especialidades; bem como estimular as universidades a abrir vagas nessas áreas. Faremos trabalho indutivo com universidades e hospitais”, explica. Ainda de acordo com Campos, o Ministério da Educação também já tem a primeira versão da proposta voltada ao programa de Financiamento Estudantil (Fies). A idéia é que a pessoa que tomou empréstimo educacional para cursar medicina em escola privada poderia servir em locais onde há carência de médicos (estima-se que sejam 400 com ausência absoluta) e ter a dívida renegociada se ficar oito anos no local.
Críticas
Para o vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto d’Avila, o equívoco está no foco ao qual o governo se volta para resolver o problema. Segundo ele, não adianta o governo e os ministérios ficarem elaborando teses sobre a formação, sobre necessidades de recursos humanos para o SUS, porque o indutor é o mercado de trabalho. “Não há uma carreira que estimule o profissional a trabalhar pelo serviço público. O governo federal não faz concurso para médicos do SUS e joga a responsabilidade para os estados e município que, tradicionalmente, usam contratos precarizados, ou, quando fazem concurso, oferecem salários pouco atrativos, não demonstrando interesse em dar uma dignidade ao profissional médico”, rebate.
Para d’Avila, um Plano de Cargos Carreiras e Salários (PCCS) que oferecesse estabilidade e perspectiva aos médicos, resolveria, por conseqüência, o problema da carência de profissionais e determinadas áreas. “É instável, é precário, não tem atrativo”, define o panorama atual. Ele exemplifica sua posição mencionando concursos recentes que despertaram pouco interesse dos médicos.
O presidente da ANMR (Associação Nacional dos Médicos Residentes), Paulo Amaral, questiona se as entidades médicas estão participando devidamente das discussões. De acordo com Amaral, a ANMR não foi consultada, embora tenha representatividade na Comissão Nacional de Residência Médica.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Novo Capitalismo ?


Outubro 28, 2008 by José Saramago
Há uns dias atrás, várias pessoas de diversos países e diferentes posições políticas, subscrevemos o texto que reproduzo abaixo. É uma chamada de atenção, um protesto, a expressão do alarme que sentimos diante da crise e das possíveis saídas que se afiguram. Não podemos ser cúmplices.
“Novo capitalismo?”
Chegou o momento da mudança à escala pública e individual. Chegou o momento da justiça.
A crise financeira aí está de novo destroçando as nossas economias, desferindo duros golpes nas nossas vidas. Na última década, os seus abanões têm sido cada vez mais frequente e dramáticos. Ásia Oriental, Argentina, Turquia, Brasil, Rússia, a hecatombe da Nova Economia, provam que não se trata de acidentes conjunturais fortuitos que acontecem na superfície da vida económica mas que estão inscritos no próprio coração do sistema.
Essas rupturas, que acabaram produzindo uma contracção funesta da vida económica actual, com o argumento do desemprego e da generalização da desigualdade, assinalam a quebra do capitalismo financeiro e significam o definitivo ancilosamento da ordem económica mundial em que vivemos. Há, pois, que transformá-lo radicalmente.
Na entrevista com o presidente Bush, Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, declarou que a presente crise deve conduzir a uma “nova ordem económica mundial”, o que é aceitável, se esta nova ordem se orientar pelos princípios democráticos – que nunca deveriam ter sido abandonados – da justiça, liberdade, igualdade e solidariedade.
As “leis do mercado” conduziram a uma situação caótica que levou a um “resgate” de milhares de milhões de dólares, de tal modo que, como se referiu acertadamente, “se privatizaram os ganhos e se nacionalizaram as perdas”. Encontraram ajuda para os culpados e não para as vítimas. Esta é uma ocasião única para redefinir o sistema económico mundial a favor da justiça social.
Não havia dinheiro para os fundos de combate à SIDA, nem de apoio para a alimentação no mundo… e afinal, num autêntico turbilhão financeiro, acontece que havia fundos para que não se arruinassem aqueles mesmos que, favorecendo excessivamente as bolhas informáticas e imobiliárias, arruinaram o edifício económico mundial da “globalização”.
Por isto é totalmente errado que o Presidente Sarkozy tenha falado sobre a realização de todos estes esforços a cargo dos contribuintes “para um novo capitalismo”!… e que o Presidente Bush, como dele seria de esperar, tenha concordado que deve salvaguardar-se “a liberdade de mercado” (sem que desapareçam os subsídios agrícolas!)…
Não: agora devemos ser resgatados, os cidadãos, favorecendo com rapidez e valentia a transição de uma economia de guerra para uma economia de desenvolvimento global, em que essa vergonha colectiva do investimento de três mil milhões de dólares por dia em armas, ao mesmo tempo que morrem de fome mais de 60 mil pessoas, seja superada. Uma economia de desenvolvimento que elimine a abusiva exploração dos recursos naturais que tem lugar na actualidade (petróleo, gás, minerais, carvão) e que faça com que se apliquem normas vigiadas por uma Nações Unidas refundadas – que envolvam o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial “para a reconstrução e desenvolvimento” e a Organização Mundial de Comércio, que não seja um clube privado de nações, mas sim uma instituição da ONU – que disponham dos meios pessoais, humanos e técnicos necessários para exercer a sua autoridade jurídica e ética de forma eficaz.
Investimento nas energias renováveis, na produção de alimentos (agricultura e aquicultura), na obtenção e condução de água, na saúde, educação, habitação… para que a “nova ordem económica” seja, por fim, democrática e beneficie as pessoas. O engano da globalização e da economia de mercado deve terminar! A sociedade civil já não será um espectador resignado e, se necessário for, utilizará todo o poder de cidadania que hoje, com as modernas tecnologias de comunicação, possui.
Novo capitalismo? Não!
Chegou o momento da mudança à escala pública e individual. Chegou o momento da justiça !!!
Federico Mayor ZaragozaFrancisco AltemirJosé SaramagoRoberto SavioMário SoaresJosé Vidal Beneyto
Publicado em
O Caderno de Saramago

As exigência para hospitais privados mudam a partir de novembro


A partir de novembro, os principais hospitais privados do país que oferecem tratamentos de ponta não terão mais de garantir 60% dos atendimentos pelo sistema público de saúde para manter o certificado de filantropia e a isenção de tributos e contribuições previdenciárias, anunciou ontem, em São Paulo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Segundo o ministro, para manter os benefícios, as unidades habilitadas pelo ministério poderão oferecer, em vez do percentual de atendimentos, um pacote de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), como pesquisas de interesse da saúde pública, treinamento de profissionais do sistema e avaliações para a incorporação de tecnologias. No início, serão beneficiadas principalmente unidades privadas de São Paulo, como os hospitais Albert Einstein, Sírio-Libanês, HCor e Samaritano. O Hospital OItálicoswaldo Cruz, que não tinha o certificado de filantropia, também será beneficiado. O Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, é outro incluído na mudança, que ocorre com base em decreto editado no fim de 2006 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e regulamentado no ano passado. "São os melhores hospitais brasileiros, de excelência, e são unidades sem fins lucrativos, filantrópicas. Elas irão oferecer ao SUS, em vez da estratégia tradicional, que são exames, consultas, internações, o que têm de mais importante: conhecimento, capacidade técnica, capacidade de gestão, capacidade de realizar pesquisas, desenvolvimento tecnológico. É uma inovação e tenho esperança de que a gente inicie um novo padrão de relacionamento com o sistema privado", disse Temporão, depois de um almoço com mais de 300 empresários associados ao Grupo de Líderes Empresariais (Lide), entre eles representantes dos hospitais beneficiados. Fonte: Correio Braziliense

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Hospital e médica são condenados a indenizar bebê.


Fornecedor responde por erro independentemente da culpa. A regra, prevista no Código de Defesa do Consumidor, foi aplicada pela juíza Delma Santos Ribeiro, da 1ª Vara Cível de Ceilândia, para condenar o Hospital São Francisco e uma pediatra a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais, R$ 11 mil por danos materiais e pensão vitalícia de dois salários mínimos a uma recém-nascida que teve paralisia cerebral por excesso de bilirrubina no sangue. A decisão foi mantida pela 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e não cabe mais recurso.
A menina nasceu no dia 8 de janeiro de 2002, com 49 cm e 2,9 Kg e com todas as funções vitais normais. Após cinco dias teve febre e amarelão na pele, retornou ao hospital na companhia dos pais para avaliação médica. A pediatra do plantão constatou febre de 39º e icterícia e, ao ver o desespero dos pais, acalmou-os dizendo que era uma pequena cólica com icterícia fisiológica.
A médica receitou dipirona para o bebê. Solicitou alguns exames e, como o hospital não tinha laboratório de plantão, recomendou que eles fossem para casa e retornassem no dia seguinte. Durante a madrugada, o quadro se agravou. Ao chegarem ao hospital, os pais foram avisados que o estado da filha era grave e que a recém-nascida deveria ser levada ao Hospital Materno Infantil (HMIB), pois lá havia UTI e recursos para salvá-la.
Ao chegar no HMIB, a bebê foi encaminhada à UTI, submetida à transfusão de sangue, entubada, posta em banho de luz e medicada. Foi diagnosticada infecção, com suspeita de meningite, e iniciado tratamento com antibióticos. Ficou internada por 11 dias. Os pais foram informados que a filha sofrera paralisia cerebral em razão do aumento expressivo da taxa de bilirrubina no sangue provocada pela infecção. Enquanto os níveis normais de bilirrubina em bebês de até 5 dias são menores que 12 mg/dl, os da recém-nascida estava 39,5 mg/dl.
Segundo o laudo da perícia médica, a não realização dos exames solicitados foi determinante para a evolução do quadro. De acordo com o perito, os exames poderiam ter sido providenciados com mais agilidade mediante a internação hospitalar, o que proporcionaria, também, uma observação mais cuidadosa da paciente. O tratamento a que foi submetida no HMIB serviu apenas para dominar a infecção, pois a Hiperbilirrubinemia já havia afetado o sistema nervoso central da paciente.
O laudo constata, também, que para oferecer serviço de urgência 24 horas, o hospital deveria contar com os pré-requisitos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina que determina a necessidade de um médico de plantão e estrutura de diagnóstico e tratamentos mínimos.
Tanto a pediatra quanto o hospital contestaram a ação. Ambos alegaram diligência no atendimento e apontaram o HMIB como responsável pelas conseqüências desastrosas. Segundo a pediatra, os pais foram avisados da necessidade de urgência nos exames e foram alertados para que procurassem outro laboratório. O hospital alegou ilegitimidade passiva e afirmou que a pediatra estava no plantão para substituir outro colega, mas que não pertencia ao quadro de médicos da instituição. Ambos os recursos foram negados.
De acordo com a sentença da juíza, o Código de Defesa do Consumidor estabelece no artigo 14, parágrafo 1º que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Para a juíza, “a conduta da pediatra de mandar para casa um recém-nascido com 39º de febre sem que um diagnóstico preciso fosse determinado demonstra negligência médica”.
Quanto ao hospital, o caput do artigo 14 do CDC dispõe que os fornecedores de serviços respondem, independentemente da existência de culpa, por conta da responsabilidade objetiva. A decisão foi mantida pela 4ª Turma Cível do TJ-DF.
Processo 2004.03.1.003394-7
Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2008

domingo, 26 de outubro de 2008

Boas vindas ao novo Prefeito de Joinville


Chegamos à parte final do caminho que escolheu um novo cidadão que irá administrar o destino do município de Joinville durante os próximos quatro anos. Habemus praefectus, o Sr. Carlito Mers.
Prefeito que em bom latim significa “posto como chefe”. E nesse caso, posto pelo voto direto, pela vontade da maioria e desejo do povo, como deve ser em toda Democracia séria. Sem discussões, sem disposições em contrário, sem contestações desnecessárias e sem mais nada. Os amantes da Democracia devem dar a ele as boas vindas, e rogar para que ele seja realmente bem vindo e se direcione no sentido de melhorar a vida dos que, no isolamento da urna, o elegeu, muitas vezes despretensiosamente.
Vai administrar uma Joinville, construída com o suor de seus trabalhadores. Pois da minha parte seja bem vindo senhor Prefeito. Rendo-lhe meus respeitos, mesmo não sendo do seu partido. Mesmo assim, seja bem vindo. Desejo de todo coração que o seu mandato seja grandioso. Iluminado por Deus!
Desejo que sua Excelência pense duas vezes antes de construir hospitais fantásticos, repletos de tecnologia e com fartura de leitos e profissionais altamente especializados. Cuidado com as obras desnecessárias e que não se sustentam, pois o seu custeio é alto demais para os cofres públicos, e aí poderemos ter um elefante branco levando os poucos recursos públicos pelo ralo abaixo. Mas desejo que as Unidades Básicas de Saúde espalhados pela periferia, onde vive a grande população de baixa renda, sejam reequipadas, sem esquecer os recursos humanos, peça chave na construção de um SUS de qualidade, que resolve aproximadamente 80% dos problemas que lá chegam, evitando gastos maiores com as internações hospitalares. E que a fragilidade do momento insano da doença seja amparada por mãos cidadãs, propondo dignidade e respeito a quem precisa. Não se esqueça da sua promessa de campanha no tocante a construção de esgotos e saneamento que é Básico, e faz muita diferença para a saúde da nossa população.
Desejo que sua Excelência pense em vias asfaltadas e sinalizadas, em canteiros floridos que venham a embelezar ainda mais nossa cidade, e assim equipara-la à grandeza da alma dos que moram nela. Desejo também que a sua sensibilidade não deixe em segundo plano o transporte coletivo de nossa cidade, tema muito caro para mais de 140 mil usuários/dia. O povo exige mais linhas, em especial nos horários de pico e um preço justo para as passagens.
Como funcionário público que sou desejo que sua excelência promova capacitações de altíssimo nível para os seus comandados, de carreira ou não. E que isso os transformem em pessoas bem humoradas que honrem o título de funcionários públicos, ou seja, funcionários do povo. Gente especializada, que de uma hora pra outra, entenda que o salário que recebe vem daqueles que precisam desses inestimáveis serviços. Cuidado com os cabides de empregos, tão severamente criticado por este Brasil afora.
Desejo que nossas crianças sejam recebidas por professores alegres e felizes, comprometidos com a educação dos nossos futuros cidadãos. Sim, Senhor Prefeito. Sem um professor não existiria nossos atuais gestores e ilustres brasileiros, tais como Machado de Assis, José de Alencar, Raquel de Queiroz e nem ninguém, até mesmo Vossa Excelência, que sabe muito bem o que é ser um professor.
Seja bem vindo futuro Prefeito de Joinville. Que as lições da vida tenham ensinado à sua Excelência humildade e gentileza para com o próximo. Espero que ao final do seu mandato eu e todos os joinvilenses, estejamos aqui prontos para elogiar tudo o que foi feito em nome de todos e para todos, como bem dizia em sua campanha eleitoral.
Assim como estarei de pé para aplaudi-lo, também estarei atento para os possíveis erros no uso do nosso rico dinheiro público, e não pouparei as críticas que se façam necessárias.

Executiva bem sucedida.


Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal. Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.Todas vestindocândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o queestava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes: - Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenhoum meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano,porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo maisum pronto-socorro. Onde é que nós estamos?- No céu.- No céu?...- É.- Tipo assim... o céu, CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas dogênero?- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.Apesar das óbvias evidências nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguémusando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco aadmitir que havia mesmo apitado na curva.Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveistécnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual, além deestar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho deadministração da empresa.E foi aí que o interlocutor sugeriu:- Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.- Assim? (...)- Pois não?A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente,segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situaçõesinesperadas e reagiu rapidinho:- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedidae...- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo. Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridadeali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas degestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, aexecutiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assimdizer, celestial ali na organização. - Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando atoa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um up grade na produtividade sistêmica.- É mesmo?- Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem fazo quê?- Ah, não sabemos.- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão geradesmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Masnós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simplesprograma de targets individuais e avaliação de performance.- Que interessante...- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e umorganograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfispsicológicos não consigam resolver. - !!!...???...!!!...???...!!! - Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar adefinir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metasfactíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimentodo Grande Acionista... Ele existe, certo? - Sobre todas as coisas. - Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo,encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir omarketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos dealto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me pareceextremamente atrativo.- Incrível!- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear umboard de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro.Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits emordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenhocerteza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pelafrente vai resultar em um Turnaround radical.- Impressionante!- Isso significa que podemos partir para a implementação?- Não. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalhar como nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, comofunciona o Inferno...
Max Gehringer (Revista Exame)

Aquecimento Global.




sábado, 25 de outubro de 2008

A política é a busca do "bem comum"?


“A política tem como objetivo a realização do bem comum”.

Eis a definição mais comum sobre a política. Será que ela dá conta da complexidade que envolve a esfera da ação política? O que é o “bem comum”?A sociedade é cindida em grupos e classes sociais com interesses contraditórios e antagônicos. A característica principal da nossa sociedade é a competição pautada no individualismo. Será possível harmonizar demandas tão díspares? Na verdade, é a desarmonia, os conflitos, as diferença e as desigualdades sociais que tornam a política necessária. São diversos interesses econômicos, sociais etc., em permanente colisão. A política é um recurso, uma tentativa de garantir a ordem e impedir a desagregação da sociedade enredada, como diria Thomas Hobbes, na guerra de todos contra todos.A idéia de que a política objetiva o bem comum, a justiça, o bom governo etc., remonta à tradição aristotélica e ao pensamento cristão medieval. Trata-se de uma concepção política que indica o ideal. Também tem caráter republicano: res publica significa “coisa pública”. Esta põe em relevo a comunidade, o bem comum e afirma sua predominância em relação aos interesses particulares. O Estado é visto como a expressão da “coisa pública”.É sensibilizante a idéia de que dedicamos nossa vida ao bem comum, para que todos possam viver dignamente. Mas a realidade é cruel e mostra o antagonismo entre os diversos interesses. A universalização produzida pelo Estado é uma tentativa de ocultá-la. Já Maquiavel observou que a política é sobretudo a arte de conquistar, dominar e manter o poder político. E este se caracteriza pela coerção e uso legitimado da violência. A visão ingênua sobre a política desconsidera que esta pressupõe não apenas meios persuasivos, mas também violentos. O Estado tem como fundamento a violência, a capacidade da coação física. A idéia do bem comum não contradiz esta lógica, antes a legitima.Como nota Bobbio, as definições teleológicas sobre a política são prescritivas, isto é, referem-se a como deveria ser o bom governo, o bem comum e a justiça. Não é uma concepção realista. Bobbio considera que os fins, os objetivos da política, são definidos de acordo com os interesses dos grupos e classes dominantes: “Os fins da política são tantos quanto as metas que um grupo organizado se propõe, de acordo com o tempo e as circunstâncias”. Ele questiona a noção de bem comum, um conceito de “extrema generalidade, pela qual pode significar tudo ou nada”. O bem comum, “se quisermos atribuir um significado plausível, ele nada poderá designar senão aquele bem que todos os membros de um grupo partilham e que não é mais do que a convivência ordenada, numa palavra, a ordem”.*Assim, o bem comum cumpre função retórica e é meio ideológico de que se servem tanto os idealistas quanto os grupos econômica e politicamente dominantes na sociedade. Estes procuram nos fazer acreditar que seus interesses particulares são universais e que também nos dizem respeito. Vivenciamos isto através da ilusão do Estado enquanto guardião dos interesses comuns, como se este fosse neutro na luta política entre as classes e grupos sociais. É o mito do Estado! Se na religião o vinho e o pão se transubstanciam no sangue e carne de Jesus Cristo e constitui o mistério da fé; na política, o Estado se transubstancia em universal que expressa o bem comum, fazendo com que nos identifiquemos e nos submetamos. A representação política é parte deste processo pelo qual nos reconhecemos no Estado, enquanto indivíduos com direitos políticos, mas em permanente conflito de interesses exclusivistas. Porém, temos o status de cidadãos. Eis o mistério da política!
__________
* Ver BOBBIO, Norberto. Política. In: BOBBIO, N., MATTEUCCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1992, Vol. 2, p.957-958.
Postado por Antonio Ozaí da Silva.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O médico e o título de Bacharel


Justificar
Por Cláudio Franzen*

Se, por um lado, o médico alcança os mais elevados índices de credibilidade em pesquisas junto à sociedade, por outro, tem sido alvo de uma série de iniciativas formuladas em gabinetes de Brasília que buscam atingir a sua imagem, mesmo que isso custe a perda de qualidade na assistência de saúde à população, sobretudo a mais carente, aquela que não dispõe de recursos para bancar um plano privado de saúde. Um segmento que, aliás, cresce cada vez mais, em decorrência do investimento insuficiente do governo federal no Sistema Único de Saúde. Dentro do ambicioso programa brasileiro de saúde pública, o médico, nos últimos anos, tem sido cada vez mais desprestigiado. Os valores a ele destinados como remuneração de consultas e procedimentos cirúrgicos são irrisórios; não existe um plano de carreira que incentive o profissional a trabalhar no Interior, e as condições de trabalho muitas vezes são precárias. Como entender, ainda, que uma ação de atenção primária, preventiva, como o Programa de Saúde da Família, prescinda de um médico pediatra? Um programa que deveria ter, também, um geriatra, diante da elevação da taxa de longevidade da população em todo o país. O que dizer, então, da abertura indiscriminada de escolas de medicina? Só neste século, nos últimos oito anos, foram 75, a maioria sem as condições adequadas para oferecer um ensino de qualidade. Hoje, o Brasil é o segundo país no mundo em número de faculdades – 175 -, que formam anualmente mais de 12 mil médicos. Assim, depois de abrir as comportas para a formação excessiva de médicos, o governo, em vez de atacar o problema na origem, ou seja, fechando as faculdades ruins, pensa em criar um exame de proficiência no final do curso, para avaliar se o médico formado está realmente apto a exercer a profissão. O primeiro passo nesse sentido é, sem dúvida, a extinção do histórico e consagrado título de ‘Médico’, substituído pelo diploma de ‘Bacharel em Medicina’. Além de uma tentativa de diminuir a importância do médico, trata-se de uma injustiça. Afinal, o jovem formado por faculdades de medicina só pode exercer uma atividade: a de médico. Diferente, por exemplo, do egresso de um curso de Direito, que, mesmo sem o grau de Advogado, poderá trabalhar em áreas afins. Apesar de todas as dificuldades que lhe são impostas por políticas equivocadas de saúde, o médico segue inabalável em sua arte, em seu ofício, certo de que contará sempre com o reconhecimento que lhe é mais importante: o do paciente.
(*) Cláudio Franzen é presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. Artigo publicado no Portal Médico, dia 23/10/08.

Transfusão de sangue


Permitir escolha de tratamento é respeitar dignidade
por Sebastião Alves Junqueira
As camadas de rocha registram a história da terra. Estudar esses registros é estudar Geologia. Similarmente, as decisões judiciais registram a história do Direito. Estudar essas decisões é estudar o Direito e a evolução do pensamento jurídico.
Recentemente, os Tribunais de Justiça dos estados do Mato Grosso e de Minas Gerais1 demonstraram que o juiz, em alguns casos, para dizer o que é o Direito, precisa levar em conta a esfera mais íntima de um ser humano, sua consciência. Não é uma tarefa simples para os burocráticos tribunais brasileiros, cujos conflitos são muitas vezes solucionados pelo simples apego ao formalismo e à ritualização de certos atos, em alguns casos orientados por preconceitos.
É sabido que a posição dos pacientes Testemunhas de Jeová quanto à escolha de tratamento médico sem sangue é um assunto rodeado pelo espectro do preconceito, mesmo nos meios jurídicos, gerando, ainda, muita polêmica.
Entretanto, os acórdãos do TJ-MT e do TJ-MG endossam, sob o enfoque do princípio constitucional da “dignidade da pessoa humana” (artigo 1.º, III, da CF), o direito do paciente Testemunha de Jeová de receber tratamento médico sem transfusão de sangue.
No estado do Mato Grosso, em 2006, um paciente com 70 anos, necessitando submeter-se a uma cirurgia cardíaca, procurou os serviços públicos de saúde locais. Por ser Testemunha de Jeová, o paciente desejava que a cirurgia fosse realizada sem o uso de hemocomponentes. Todavia, como salientado no corpo do acórdão do TJ-MT, “o único médico a fazer cirurgia cardíaca pelo SUS – Sistema Único de Saúde, não domina a técnica de realizá-la sem o risco de se utilizar transfusão de sangue”.
No estado de São Paulo, a mesma cirurgia era realizada, também pela rede do SUS, sem o uso da terapia transfusional, razão pela qual o paciente iniciou procedimento administrativo na Secretaria de Saúde a fim de obter sua transferência. Indeferido o pedido, o paciente promoveu ação de obrigação de fazer, com pedido de tutela antecipada, solicitando sua transferência a fim de que o procedimento cirúrgico fosse realizado em outro estado da Federação. Negada a tutela antecipatória, interpôs recurso de agravo de instrumento ao Tribunal de Justiça.
O desembargador Orlando de Almeida Perri, analisando as circunstâncias do caso, delimitou o âmbito da matéria ressaltando que “impõe-se esclarecer que não se está a debater ética médica ou confrontação entre o direito à vida e o de liberdade de crença religiosa. O que se põe em relevo é o direito à saúde e a obrigação de o Estado proporcionar ao cidadão tratamento médico que não implique em esgarçamento à sua liberdade de crença religiosa”. Derrubada, portanto, uma tese comumente utilizada sobre conflito entre direitos fundamentais do paciente (vida X liberdade religiosa), pois não era o caso.
Sem dúvida, seria estranho sustentar tal tese, porquanto o paciente estava procurando preservar sua vida, tanto que iniciou dois procedimentos (administrativo e judicial) para garantir seu acesso à saúde, porém, levando em consideração suas convicções pessoais. Em nenhum momento as convicções religiosas do paciente colocaram em perigo o seu “direito à vida”.
Focalizando a discussão no princípio da “dignidade da pessoa humana”, o julgador salientou que “não cabe à Administração Pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los.(...) Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispensem-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. (...) Ora, havendo método cirúrgico substitutivo na comunidade médica, tem o recorrente o direito de obter da administração pública o fornecimento de meios para que possa realizar o procedimento fora de seu domicílio.”
No mesmo sentido, em 2007, o Tribunal de Justiça do de Minas Gerais cassou uma decisão de concessão de tutela antecipada que autorizava a realização de transfusão de sangue forçada em paciente adulto e capaz. O caso envolvia um paciente de 19 anos, internado em hospital público para tratamento de câncer no sistema linfático. Realizado o procedimento quimioterápico padrão, a equipe médica prescreveu suporte transfusional. Diante de suas convicções religiosas, o paciente aceitou o tratamento quimioterápico com suporte não-transfusional. O procedimento solicitado seria constituído de cuidados médicos à base de Eritropoetina, hormônio que atua na produção de glóbulos vermelhos, o que evitaria a terapia transfusional.
A equipe médica contatou o Ministério Público que, por sua vez, deflagrou ação civil pública com tutela antecipatória, alegando basicamente que o paciente correria risco de vida caso não fosse ministrada transfusão de sangue e, em havendo conflito de direitos fundamentais, in casu, vida X liberdade religiosa, o direito à vida deveria prevalecer, sendo a transfusão realizada sem o consentimento do paciente. Concedida a antecipação da tutela pelo juízo de primeiro grau, o paciente recorreu ao TJ-MG.
Mais uma vez o estado veio em favor do paciente, protegendo sua dignidade como ser humano. Reputando como legítimo o direito do paciente de escolher seu tratamento médico e ciente da existência de tratamento que poderiam evitar o uso de hemocomponentes, o Tribunal entendeu que “ (...) o direito à vida não se exaure somente na mera existência biológica, sendo certo que a regra constitucional da dignidade da pessoa humana deve ser ajustada ao aludido preceito fundamental para encontrar-se convivência que pacifique os interesses das partes. Resguardar o direito à vida implica, também em preservar os valores morais, espirituais e psicológicos que se lhe agregam. (...) É conveniente deixar claro que as Testemunhas de Jeová não se recusam a submeter a todo e qualquer tratamento clínico, desde que não envolva a aludida transfusão;”
Notável a sensibilidade destes tribunais ao respeitarem a posição dos pacientes Testemunhas de Jeová. Ao consagrarem a dignidade da pessoa humana como o fundamento dessas decisões, os direitos fundamentais envolvidos (vida, liberdade religiosa e acesso à saúde) permaneceram intactos.
Essas decisões demonstram que é preciso repensar a aplicação da teoria a respeito da colisão de direitos fundamentais e a prevalência do bem jurídico maior.
O direito de escolher tratamento médico isento de sangue, motivado por questões religiosas, é uma projeção da dignidade da pessoa humana, qualquer que seja a instituição hospitalar onde o paciente se encontra internado, pública ou privada. Os acórdãos citados esclarecem que os pacientes Testemunhas de Jeová não estavam abdicando de seu direito de viver. Estavam procurando tratamento médico que estivesse em harmonia com sua consciência. E estes tratamentos estavam disponíveis.
Além disso, com o advento do artigo 15 do Código Civil, a autonomia do paciente deve ser privilegiada, principalmente quando o procedimento recomendado gerar riscos para a vida ou a saúde. A terapia transfusional não é um procedimento isento de riscos, portanto, deveria ser ministrada somente com o consentimento do paciente.
Destituir o paciente de sua autonomia, nos casos em comento, significaria reduzi-los à condição de mero objeto do Estado ou de terceiros.
Desta forma, os acórdãos comentados lançaram um novo paradigma, uma nova “camada de rocha” na história do Direito. Diante de uma sociedade pluralista, o Poder Judiciário não pode ficar alheio à realidade do reconhecimento dos plenos direitos fundamentais dos cidadãos. Declará-los é o mesmo que postar-se na “camada” mais elevada em que se encontra atualmente o Direito. Fechar os olhos a isso equivaleria a reter o Direito sob diversas “camadas de rocha” do passado, o que é inadmissível.
Texto publicado no jornal Carta Forense na edição de julho 2008
Nota de rodapé:
1. TJ/MT - Agr. Inst. n.º 22395/2006, 5ª Câmara Cível, julg. 31/05/2006.
TJ/MG – Agr. Inst. n.º 1.0701.07.191519-6/001. 1.ª Câmara Cível, julg. em 14/08/07.
Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2008

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A epidemia dos partos cirúrgicos

Justificar22/10/2008 - de Gilberto Dupas
Nos últimos meses, a comunidade médica dos obstetras agitou-se em razão das medidas tomadas pela Associação Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) procurando incentivar as mães a optarem pelo parto normal. Corporativismo e onipotência à parte, estamos cansados de saber que a aliança entre interesses financeiros dos hospitais, conforto dos médicos e comodismo ou receio mal esclarecido das mães têm feito dos partos cirúrgicos, com seus riscos de intervenção de grande porte, uma verdadeira epidemia no Brasil.

É interessante lembrar que a hospitalização para o parto foi fato histórico-social traumático e prepotente. Ainda antes da anestesia e das técnicas mais elementares de assepsia - quando a internação tentou ser imposta como norma, rompendo uma tradição de milênios de partos feitos em casa e assistidos por mulheres experientes - as gestantes tiveram de ser "forçadas" à internação hospitalar e reagiram duramente.

A razão principal era a "percepção" de violência e perda de intimidade. Mas havia outra razão importante: a propagação das infecções produzidas pelos médicos ao manipularem as mulheres "em série" nos hospitais, sem que sequer lavassem as mãos, o que aumentava em muito o índice de mortalidade nos partos. Na verdade, ao se liberar de maneira radical das crenças metafísicas, a medicina contemporânea operou uma verdadeira má revolução ética e uma ruptura do seu compromisso de estar a serviço do doente, e não da doença. Separando o doente - subjetivado na relação consigo mesmo e com seu médico - do combate à doença, o discurso médico não é mais capaz de levar em conta na sua prática o drama imaginário, a determinação simbólica e o aspecto ético do sofrimento na relação medicina-doença. O médico não pergunta mais "como você está se sentindo", mas "passe-me seus exames". E são muitos, e muito caros, os exames. O sofrimento fica restrito à doença e a dor, à neurofisiologia.

Para essa medicina tecnocientífica, o doente não é mais que o porta-voz dos sinais da sua doença através dos seus sintomas. Um exemplo importante são os procedimentos ligados ao nascimento de uma criança. A medicina transformou-o de uma função fisiológica - para a qual o organismo da mulher esteve desde sempre preparado - num evento fundamentalmente cirúrgico-hospitalar. Como lembra Vera Iaconelli, o corpo humano passa a ser considerado incapaz e necessitado de "constantes correções de seus desvios biológicos". Todo aparato hospitalar, diretamente ligado à história da industrialização e do capitalismo, vem sendo criticado há décadas e, no entanto, encontra incríveis resistências para ser modificado. Proliferam hospitais modernos e equipamentos sofisticados, mas o "médico da família" desaparece.

No Brasil, quase 80% dos partos no serviço privado são feitos por cesariana, quando a Organização Mundial da Saúde a recomenda em apenas 10% a 15% dos casos. A redução desse índice tem encontrado enormes resistências, a principal delas é o aparato médico-hospitalar e seus interesses econômicos e de conforto. Na rede pública brasileira, esses índices caíram quando o reembolso do parto cirúrgico passou a ser reduzido em relação ao normal. Maternidade é vista como fábrica; parturiente, como máquina; e bebê, como produto. O parto, transformado em evento cirúrgico, vê na mulher meramente um recipiente a ser esvaziado. A ênfase na rapidez e no controle - que predominam nos partos - atrapalha os pais em se apoderarem de seu novo papel, levando-os a duvidar de sua capacidade futura de cuidar dos seus filhos. Vera Iaconelli lembra que o atendimento à gestante é um dos "exemplos mais notáveis da forma pela qual se lida com as questões da subjetividade, pois o espaço das elaborações do vivido mostra-se subtraído e evitado", imprimindo ao parto - início de uma nova vida - a marca registrada tecnológica contemporânea de lidar com o corpo, com a sexualidade e com a morte: banalização ou ocultamento.

Curioso notar que, quando as maternidades de hospitais de luxo querem "modernizar" seu atendimento de parto, introduzem pequenas concessões, como permitir ao bebês ficarem no quarto com a mãe ou serem colocados sobre seu colo, por alguns instantes, ainda na sala de parto. Só muito recentemente as normas hospitalares reconheceram as óbvias advertências de que crianças saram mais depressa em ambiente hospitalar quando a mãe pode ficar com elas nas internações, ou quando têm acesso a salas com jogos e pequenas diversões eventuais, como os chamados "médicos da alegria". Décadas de lutas se passaram para que os lobbies dos grandes fabricantes mundiais de leite em pó fossem parcialmente vencidos e médicos mais responsáveis voltassem a insistir no papel essencial do aleitamento materno exclusivo, para a saúde do bebê. Na realidade, são todos resquícios de um saber milenar que a medicina moderna havia rejeitado.

Enquanto isso, hospitais de periferia carentes de recursos substituem com enorme vantagem as caríssimas, invasivas e "frias" incubadoras pelos hábitos consagrados das "mães-canguru". Ou seja, arrogância e intolerância sempre embalaram as importantes e evidentes conquistas da medicina contemporânea.

Donald Woods Winnicott, famoso pediatra e psicanalista, já dizia sobre o parto que médicos são muito necessários quando algo dá errado. Mas "não são especialistas nas questões relativas à intimidade, vitais tanto para a mãe quanto para o bebê", que precisam apenas de "recursos ambientais que estimulem a confiança da mãe em si própria". É o oposto do que faz, infelizmente, o aparato médico-cirúrgico contemporâneo.

Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional (IRI-USP), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), é autor de vários livros, entre os quais, O Mito do Progresso e o recém-lançado romance O Incidente

Morra.....




*Num artigo muito interessante, Paulo Angelim, que é arquiteto, pós-graduado em marketing, dizia mais ou menos o seguinte:

Nós estamos acostumados a ligar a palavra 'morte' apenas a ausência de vida e isso é um erro.rrExistem outros tipos de 'morte' e precisamos 'morrer' todo dia. A 'morte' nada mais é do que uma passagem, uma transformação. Não existe planta sem a 'morte' da semente, não existe embrião sem a 'morte' do óvulo e do esperma, não existe borboleta sem a 'morte' da lagarta, isso é óbvio. A 'morte' nada mais é que o ponto de partida para o início de algo novo. A fronteira entre o passado e o futuro. Se você quer ser um bom universitário, 'mate' dentro de você o secundarista aéreo que acha que ainda tem muito tempo pela frente. Quer ser um bom profissional ?Então 'mate' dentro de você o universitário descomprometido que acha que a vida se resume a estudar só o suficiente para fazer as provas. Quer ter um bom relacionamento ?Então 'mate' dentro de você o jovem inseguro, ciumento, crítico, exigente, imaturo, egoísta ou o solteiro solto que pensa que pode fazer planos sozinho, sem ter que dividir espaços, projeto e tempo com mais ninguém. Quer ter boas amizades ? Então 'mate' dentro de si a pessoa insatisfeita e descompromissada, que só pensa em si mesmo. 'Mate' a vontade de tentar manipular as pessoas de acordo com a sua conveniência. Respeite seus amigos, colegas de trabalho e vizinhos. Enfim todo processo de evolução exige que 'matemos' o nosso 'eu' passado, inferior. E qual o risco de não agirmos assim ?O risco está em tentarmos ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o nosso foco, comprometendo essa produtividade, e, por fim prejudicando nosso sucesso. Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, não se projetam para o que serão ou desejam ser. Elas querem a nova etapa, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam. Acabam se transformando em projetos acabados, híbridos, adultos infantilizados. Podemos até agir, às vezes, como meninos, de tal forma que não mantemos as virtudes de criança que também são necessários anos, adultos, como: brincadeira, sorriso fácil, vitalidade, criatividade, tolerância, etc. Mas, se quisermos ser adultos, devemos necessariamente 'matar' atitudes infantis, para passarmos a agir como adultos. Quer ser alguém (líder, profissional, pai ou mãe, cidadão ou cidadã, amigo ou amiga) melhor e evoluído ? Então, o que você precisa 'matar' em si, ainda hoje, é o 'egoísmo' é o 'egocentrismo', para que 'nasça' o ser que você tanto deseja ser. O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis. Pense nisso e 'morra'. Mas, não esqueça de 'nascer' melhor ainda.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Agonia da Saúde


Edmundo Machado Ferraz*
Vivemos um momento de grande expectativa e cobrança da sociedade sobre a atividade médica em nosso país, que ainda não superou alguns problemas estruturais básicos. Fomos capazes de criar, gerir e manter um país continental de uma riqueza e potenciais invejáveis, mas não fomos ainda capazes de integrá-lo em uma cidadania plena para todos os seus cidadãos.
No entanto, criamos um sistema público único de saúde de concepção modelar e não fomos capazes de dotá-lo e atualizá-lo, ao longo do tempo, de um plano de financiamento que garantisse a sua prestação de serviços a 145 milhões de brasileiros usuários.
Desenvolvemos centros de excelência médica comparáveis aos melhores do mundo em algumas metrópoles brasileiras, mas não fomos capazes de assegurar um atendimento mínimo de dignidade e de respeito à cidadania da grande maioria dos pacientes usuários de mais de 6.000 hospitais brasileiros.
Formamos mais de 10.000 médicos por ano e somos incapazes de distribuí-los pela maioria de nosso território continental, por não termos desenvolvido uma política salarial pública adequada.
Algumas escolas médicas são exemplares, mas não fomos capazes de conter a proliferação desenfreada de escolas médicas - o maior número do mundo - que lançam no mercado grande contingente de médicos despreparados técnica e, sobretudo, eticamente para o desempenho dessa atividade abençoada que é ser médico, criando sérios problemas para as nossas entidades médicas, entre as quais nos incluímos com a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Fomos capazes de criar praticamente todas as sociedades cirúrgicas, de todas as especialidades, mas não fomos capazes de unir nossa imensa força política de persuasão que poderia mudar a face do atendimento público de saúde no Brasil, porque ainda privilegiamos a querela, a disputa de pequenas vantagens, irrisórias e insignificantes, em detrimento de uma identificação de objetivos comuns que resultaria em atendimento melhor de nossa população.
Ultrapassamos um PIB de cerca de 1 trilhão de dólares, mas não fomos capazes de atingir uma aplicação mínima de recursos por habitante (menos de 300 dólares por habitante, quando a Organização Mundial de Saúde considera adequado cerca de 500 dólares por habitante).
Os hospitais públicos estão superlotados e, entretanto, em regime falimentar e de grande sucateamento, sendo fácil imaginar que essa deterioração irá exigir um grande esforço e aporte de recursos para ser recuperada. Um grande exemplo desta afirmativa é o que vem presentemente ocorrendo no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, hospital voltado para o atendimento de alta complexidade no Rio de Janeiro e que perdeu a sua capacidade financeira com repercussão imediata no atendimento dos pacientes e nos programas de treinamento de cirurgia avançada.
Contudo, a constatação dessa realidade não constitui uma afirmativa pessimista. A mudança depende de cada um de nós.
* Presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões; publicado no Globo de 06/10/08.

domingo, 19 de outubro de 2008

Ninguém é insubstituível

Sala de reunião de uma multinacional o CEO nervoso fala com sua equipe de gestores. Agita as mãos mostra gráficos e olhando nos olhos de cada um ameaça: 'ninguém é insubstituível'. A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio. Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça. Ninguém ousa falar nada.De repente um braço se levanta e o CEO se prepara para triturar o atrevido: - Alguma pergunta? - Tenho sim. E o Beethoven? - Como? ? o CEO encara o gestor confuso. - O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substitui o Beethoven? Silêncio. Ouvi essa estória esses dias contada por um profissional que conheço e achei muito pertinente falar sobre isso. Afinal as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos, mas, no fundo continuam achando que os profissionais são peças dentro da organização e que quando sai um é só encontrar outro para por no lugar. Quem substitui Beethoven? Tom Jobim? Ayrton Senna? Ghandi? Frank Sinatra? Dorival Caymmi? Garrincha? Michael Phelps? Santos Dumont? Monteiro Lobato?Faria Lima ? Elvis Presley? Os Beatles? Jorge Amado? Paul Newman? Tiger Woods? Albert Einstein? Picasso? Todos esses talentos marcaram a História fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem ? ou seja ? fizeram seu talento brilhar. E portanto são sim insubstituíveis. Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direcionado para alguma coisa. Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe focando no brilho de seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar 'seus gaps'. Ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi preguiçoso, Kennedy egocêntrico, Elvis paranóico. O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos. Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto. */Se você ainda está focado em 'melhorar as fraquezas' de sua equipe corre o risco de ser aquele tipo de líder que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo e Gisele Bundchen por ter nariz grande./* E na sua gestão o mundo teria perdido todos esses talentos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Violência custa ao menos US$ 15 bi ao país.


O Brasil gasta pelo menos US$ 15,8 bilhões ao ano com os efeitos da violência armada, segundo um relatório divulgado pelo PNUD. A estimativa, que abrange tanto custos diretos (serviços médico-hospitalares, policiais e judiciários) quanto indiretos (como perda de produtividade, de capital social e de qualidade de vida), é baseada em metodologia recomendada pela Organização Mundial da Saúde e pelo projeto Small Arms Survey para países que não estão em guerra. O método foi testado para três países: Jamaica e Tailândia, além do Brasil, como informa o relatório feito com apoio do PNUD, chamado Global Burden of Armed Violence (O Ônus Global da Violência Armada). Desses, é no Brasil que o custo é maior — os gastos somam US$ 415 milhões na Jamaica e US$ 473 na Tailândia. Em todos os casos, o custo indireto supera o direto. Neste, estão contabilizados itens como diárias hospitalares, médicos, transporte de pacientes, remédios, consultas, policiamento, prisões em razão de crimes decorrentes de uso de armas, processos judiciais e segurança privada. No Brasil, o custo direto foi de US$ 235 milhões em 2004 (mais de três quartos desse número se deveram a agressões entre pessoas do sexo masculino). Os custos indiretos abarcam perda de produtividade (em ganhos monetários e tempo), de capital social, seguro de vida, proteção indireta e perda de qualidade de vida ligadas a ferimento por pequenas armas (dores e sofrimento, redução das oportunidades de trabalho, acesso a serviço público e dificuldade de participar da vida pública). No Brasil, a estimativa é que esses custos tenham chegado a US$ 9,2 bilhões, também em 2004. “Os custos médicos diretos das agressões [por pequenas armas] representaram 0,4% do orçamento de saúde, enquanto os custos indiretos chegaram a 12% de todas as despesas com saúde, ou 1,2% do PIB”, afirma o estudo. O próprio relatório menciona outras metodologias, que levam a números diferentes. Um estudo do IPEA, por exemplo, estima em US$ 56,5 bilhões o custo da violência no Brasil — um terço do valor é ligado a despesas do sistema público de saúde. “O efeito danoso da violência armada inclui itens como incapacidade física e mental, ferimentos no cérebro ou em órgãos internos, contusões e queimaduras, síndrome do pânico crônica e uma série de problemas sexuais e reprodutivos”, observa o relatório. “A violência armada também corrói o tecido social, semeia medo e insegurança, destrói capital humano e social e mina os investimentos sociais e a eficiência da ajuda humanitária”, acrescenta. Apresentado em Genebra durante conferência ministerial organizada pelo PNUD, em setembro, o relatório aponta ainda que os gastos com segurança tendem a ser mais elevados nos países pobres. "Uma revisão de estudos [sobre violência] sugerem que, nos países em desenvolvimento, gastos públicos na aplicação da lei consomem de 10 a 15% do PIB [Produto Interno Bruto], enquanto no países desenvolvidos o valor é de 5% ", diz o texto. Fonte: Pnud Brasil

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Pós eleição...


Artigo do presidente do Cossems - CE sobre a transição eleitoral nos municípios
Fim das eleições municipais. Uns perdem, outros ganham. Serão três meses de transição nos municípios, período em que o grupo que foi derrotado ainda permanecerá no poder. Aí é que mora o perigo. Equipes demitidas, sucateamento dos carros, destruição de documentos.

O desmonte, momento de vingança. O povo, que nas eleições derrotou os atuais detentores do poder, acaba sendo punido. Todo esforço realizado em anos de investimento e trabalho, de repente, vira pó. Este quadro tem sido a regra no estado do Ceará em toda sua história. Uma vergonha. Mas a sociedade tem reagido. Os Conselhos Municipais de Saúde denunciam, o Ministério Público aciona os gestores responsáveis. Na transição passada foi instaurada uma CPI pela Assembléia Legislativa para apurar as irregularidades.

Nós secretários, que dedicamos nossas vidas para construirmos o SUS no nível municipal, não podemos admitir que esta situação se repita este ano. Devemos nos recusar a destruir tudo que realizamos com tanta dificuldade e esforço.

O Cossems-CE não compactuará com nenhum companheiro secretário que contribua com qualquer violência contra o SUS e, consequentemente, contra a população. Somos uma entidade criada para defender a saúde pública e não secretários que usam sua posição para agredir e provocar retrocessos.

Neste período (outubro, novembro, dezembro) estaremos atentos. Mobilizaremos toda nossa estrutura para proteger o Sistema. Não vacilaremos em nenhum momento em acionar a justiça contra os que violarem os princípios de legalidade, probidade e respeito ao SUS.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Ministério admite evasão de médicos

O Sistema Único de Saúde (SUS), que acaba de completar 20 anos, corre risco de um colapso no atendimento médico. Segundo representantes da categoria, os profissionais estão migrando da rede pública para a iniciativa privada devido aos baixos salários, às condições de trabalho e à ausência de plano de carreira. Mil municípios brasileiros não têm médicos e alguns centros urbanos carecem de atendimento, principalmente nas emergências. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, está preocupado com a situação e vai chamar a representantes do setor para uma audiência. A negociação ainda não tem data marcada, mas foi anunciada ontem pela diretora de Gestão e Regulação do Trabalho da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Maria Helena Machado, durante audiência pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. Na reunião, representantes dos médicos, parlamentares e governo discutiram sobre plano de carreira, piso salarial e valorização da classe no SUS. "O déficit é grave e responsável pela enorme crise que hoje nós temos instituída", afirmou Maria Helena Machado. Segundo ela, o governo estuda a instituição de uma carreira com vínculo federal para minimizar a crise. "Não vamos recentralizar o sistema, mas complementar o SUS com profissionais que possam estar em um município, mas com perspectiva de carreira", adiantou. A proposta está em discussão, mas a previsão é de que os profissionais estejam vinculados diretamente à pasta ou a instituições como Fiocruz e Funasa. De acordo com ela, os médicos federais seriam destinados para atendimento em regiões inóspitas e para a população indígena. Enquanto a proposta não se concretiza, Maria Helena sugere paliativos. "O Ministério da Saúde, em conjunto com o Ministério da Defesa, estuda medidas compensatórias para aqueles médicos e dentistas que se engajam no serviço militar, que teriam acesso facilitado à especialização e salário diferenciado", diz. Mais jovens Durante a audiência, a diretora citou as dificuldades enfrentadas pelo Programa Saúde da Família (PSF) em Belo Horizonte(MG), que convive com 60% de evasão de médicos. "Os dados são da Secretaria de Saúde do estado e não estamos falando em Amazônia Legal", ressaltou. De acordo com o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), autor do requerimento que deu origem à audiência, o problema é mais grave nos estados de Alagoas, Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. "O SUS começa a ficar com os médicos mais jovens e, à medida que ficam conhecidos, vão para o serviço privado", afirmou. O médico clínico Geraldo Luiz Moreira Guedes, coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS do Conselho Federal de Medicina, lembra que, em Minas, cerca de 300 municípios no Vale do Jequitinhonha não têm médico residente. Guedes acredita que a situação deve se agravar até o fim do ano diante do risco de epidemia de dengue no verão de 2009. "Vamos nos defrontar com carência de especialistas e profissionais de saúde nas emergências como no início deste ano, quando faltou pediatra no Rio de Janeiro", exemplificou. O especialista defende a criação de carreira de estado para os médicos, com possibilidade de transferência como ocorre com profissionais federais no Judiciário, Ministério Público e na Segurança Pública, além de um piso salarial para a categoria de R$ 7.503,18.

domingo, 12 de outubro de 2008


Coisas que a vida ensina depois dos 40

Amor não se implora, não se pede não se espera...Amor se vive ou não. Ciúmes é um sentimento inútil. Não torna ninguém fiel a você. Animais são anjos disfarçados, mandados à terra por Deus paramostrar ao homem o que é fidelidade. Crianças aprendem com aquilo que você faz, não com o que você diz. As pessoas que falam dos outros pra você, vão falar de você para os outros. Perdoar e esquecer nos torna mais jovens. Água é um santo remédio. Deus inventou o choro para o homem não explodir. Ausência de regras é uma regra que depende do bom senso. Não existe comida ruim, existe comida mal temperada. A criatividade caminha junto com a falta de grana. Ser autêntico é a melhor e única forma de agradar. Amigos de verdade nunca te abandonam. O carinho é a melhor arma contra o ódio. As diferenças tornam a vida mais bonita e colorida. Há poesia em toda a criação divina. Deus é o maior poeta de todos os tempos. A música é a sobremesa da vida. Acreditar, não faz de ninguém um tolo. Tolo é quem mente. Filhos são presentes raros.De tudo, o que fica é o seu nome e as lembranças a cerca de suas ações. Obrigada, desculpa, por favor, são palavras mágicas, chaves queabrem portas para uma vida melhor. O amor... Ah, o amor...O amor quebra barreiras, une facções,destrói preconceitos,cura doenças...Não há vida decente sem amor! E é certo, quem ama, é muito amado. E vive a vida mais alegremente...

© Artur da Távola

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Valores e ideais.

Por Jorge Carlos Machado Curi(*)
O associativismo é um valor fundamental para a sociedade e para nós, os médicos, nos dias de hoje. Desde a Constituição de 1988 enfrentamos no Brasil uma dificuldade extrema para estabelecer uma política consistente de financiamentos para a saúde; uma política que seja coerente com a proposta avançada do SUS de equidade, universalidade, integralidade e controle social. Lamentavelmente o discurso de que saúde, educação e segurança são prioridades, muito comum nos períodos eleitorais, não se torna realidade. Apesar de grande parte dos municípios destinar à saúde recursos além do mínimo estabelecido pela Emenda 29, muitos estados não o fazem. Ou desviam parte dessas verbas para outras rubricas necessárias, mas em detrimento da saúde. Mais uma agravante é que o contingenciamento federal é insuficiente. Isso faz com que o Brasil detenha uma das menores quantias per capita, por ano, para a saúde, perdendo para inúmeros países da América do Sul, como Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia. Obviamente esse contexto prejudica incrivelmente a gestão da saúde e a implantação de uma política que realmente valorize o paciente e os profissionais, que, aliás, hoje não têm um Plano de Cargos, Carreira e Salário (PCCS) consistente. O médico, por exemplo, sofre, pois não há um instrumento que lhe garanta estabilidade, a educação continuada fundamental para absorver as novidades cientificas, entre outros pontos. É verdade que houve avanços como o Programa Saúde da Família, as áreas de transplante, tratamento da Aids, vacinação. Porém, no contexto geral, a saúde é atualmente a primeira preocupação do brasileiro. Infelizmente, no setor público, existe grande dificuldade de acesso por parte da população. Tal falha acaba por contaminar também o setor de saúde suplementar, pois favorece a proliferação de vários planos de saúde que nem deveriam funcionar, já que dificultam a assistência ao paciente, desvalorizam e vilipendiam o profissional da saúde retirando-lhe a autonomia e oferecendo-lhe pagamento vil. Não é à toa que contigentes da população com as novidades científicas nesse momento, temos muito para avançar e chegaremos às pesquisas sobre mercado de trabalho médico, assim como as sobre a rede de saúde no Brasil, que continuam a demonstrar insatisfação dos pacientes e dos profissionais de medicina. Estes últimos manifestam desesperança e incerteza em relação ao futuro, apesar de não abandonar a profissão. No aparelho formador as preocupações são gigantescas: continua a farra de abrir faculdades de medicina sem qualidade e condições mínimas para o ensino. O que será desses novos médicos e de seus pacientes? É altamente preocupante o futuro, e tende a piorar se não tomadas medidas efetivas e urgentes para se fechar algumas faculdades de medicina e para qualificar outras. Por outro lado, a residência médica não atende a metade do contingente dos formados. Temos de entender que em nosso país as desigualdades são marcantes, o mesmo vale para os contrastes. A despeito de todos os problemas, possuímos uma medicina de referência, com algumas instituições organizadas, públicas e privadas, e médicos qualificados na assistência à população. Para que as virtudes prevaleçam, é necessária a coesão de entidades médicas, de saúde, além da conscientização e da mobilização da sociedade. Precisamos ainda de residência médica de qualidade e da defesa da boa prática médica no público e no privado, com respeito aos colegas, boas condições de trabalho e valorização. Trata-se de uma luta dura, mas com certeza seremos felizes nessa empreitada, se não perdermos o foco da importância que tem para todo o movimento médico paulista e nacional. Portanto, mãos à obra.
(*) Jorge Carlos Machado Curi é presidente da Associação Paulista de Medicina. Artigo publicado no Jornal de Brasília, na edição do dia 09/10/08.

Quais os nossos valores?

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Câncer - por que a luta ainda é tão difícil ?

A cura do câncer é uma das maiores aspirações da humanidade. Quanto mais a ciência aprende sobre a doença, no entanto, menos realista esse objetivo parece. Sabe-se hoje que câncer é um nome genérico para mais de 200 doenças diferentes, com formas de disseminação peculiares e diversos graus de agressividade. É improvável que surja uma solução única, capaz de eliminar todas as formas do mal. Ele é um inimigo antigo - em 1600 a.C., a luta contra um tumor de mama ficou registrada num papiro egípcio. A partir do século XIX, a ciência conseguiu reunir um arsenal capaz de fazer frente a ele. Os médicos o atacam com emissões de raios X, com coquetéis de drogas, com bisturis e agulhas. Ainda assim, o câncer resiste. No Brasil, a mortalidade por câncer aumenta, em vez de recuar. Em 2008, pelo menos 466 mil casos novos surgirão no país. E 141 mil famílias deverão sofrer a perda de um parente. A multiplicação de descobertas sobre a doença enche a sociedade de esperanças. E há mesmo o que comemorar. Em alguns tipos de câncer, como o de mama, é possível salvar a maioria das pacientes. Mas receber o diagnóstico é o passaporte para uma realidade duríssima. O combate exige persistência, disposição, recursos - como revela a luta do vice-presidente, José Alencar. O rosto pálido e o incômodo provocado pelo corte cirúrgico de 40 centímetros no abdome eram, há duas semanas, os únicos sinais evidentes da mais recente batalha de Alencar contra o câncer. Quando me recebeu em seu apartamento, em São Paulo, ele era o mesmo de sempre. Expedito, objetivo, otimista. Não parecia ter enfrentado dias antes uma complicada operação de seis horas para extirpar três novos tumores. Eram do tipo sarcoma, câncer que ocorre em tecidos como músculo, gordura, nervos. Estavam alojados numa membrana perto das alças intestinais. É a sétima vez em dois anos que Alencar enfrenta esse tipo de tumor. Dois dias depois de deixar o hospital, Alencar governava o país de seu ensolarado escritório residencial. O presidente Lula estava em Nova York. O vice decidiu não se licenciar do cargo. De casa, sancionou algumas leis. Uma delas é a que proibiu letras miúdas em contratos. "Sancionei com grande satisfação. Agora, só com corpo 12". Com uma simplicidade cativante, o vice-presidente adoçou meu café e me serviu. Dona Mariza estava às voltas com a máquina de lavar. As empregadas já haviam saído porque logo o casal fecharia a casa e voaria para Brasília. Nos pensamentos de Alencar, a doença está em segundo plano. Mas está lá. O primeiro sarcoma foi extraído numa cirurgia realizada em julho de 2006. A análise do tumor revelou que não fora possível retirá-lo completamente. Haviam sobrado células malignas às margens dele. Após alguns meses indetectável, o câncer sempre reaparece. Alencar já tentou de tudo, inclusive o que há de mais moderno: sucessivas cirurgias, quimioterapia, radiofreqüência (um método para destruir o tumor por meio de uma fonte de calor), novas drogas. De alguma forma, esses recursos contribuíram para retardar a progressão da doença. Mas não há garantia de cura. "Perguntei ao médico qual é minha chance de ficar curado. Ele disse que é de 50%. Isso para mim é uma beleza", afirma. Prever quanto tempo um paciente de câncer vai viver é uma das tarefas mais inglórias da medicina. É possível estimar a sobrevida média com base no acompanhamento de determinado número de casos. Estatísticas, porém, são freqüentemente contrariadas por histórias individuais de sucesso ou insucesso. A longa convivência de Alencar com o câncer parece tê-lo deixado mais confiante. Ele luta contra a doença desde 1997, quando descobriu um tumor no rim direito. Nos anos seguintes, teve câncer no estômago e na próstata. Livrou-se de todos eles enquanto construiu uma carreira política. Elegeu-se senador em 1998, chegou à Vice-Presidência quatro anos depois e reelegeu-se em 2006. Para vencer o sarcoma recorrente, Alencar diz estar disposto a enfrentar outras cirurgias, quimioterapia e o que mais for necessário. "O inimigo é poderoso. É preciso enfrentá-lo com grossos calibres", diz. É difícil apontar outros brasileiros com câncer que tenham recebido tantos cuidados médicos e tratamentos modernos quanto ele. Alencar tem acesso a tudo. É um milionário que nasceu pobre na Zona da Mata mineira e, com muito trabalho, fundou a Coteminas, um dos maiores grupos têxteis do país. Tem todo o direito de gastar quanto quiser na tentativa de se livrar da doença. É difícil, até para a família, calcular quanto já foi gasto em 11 anos de luta contra o câncer. Segundo o vice-presidente, a maior parte das despesas é coberta pelo seguro-saúde Amil, que custa R$ 4.100 mensais ao casal Alencar e Mariza. O plano de saúde paga quase todos os remédios e o atendimento no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Despesas extras são pagas pela família. Uma delas foi a cirurgia para extração de um dos sarcomas realizada em novembro de 2006 no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York. Custou US$ 88 mil. O plano de saúde reembolsou metade do valor. Freqüentemente Alencar é surpreendido por gentilezas que talvez não recebesse caso não fosse vice-presidente. Em outubro de 2007, o médico Murray Brennan, considerado o maior especialista do mundo em cirurgias de sarcoma, que já o havia operado em Nova York, veio ao Brasil atendê-lo no Sírio-Libanês. Estava em Dubai, nos Emirados Árabes, e veio a São Paulo com as despesas pagas pela família. Depois da operação, Alencar quis pagar pelo procedimento. Brennan não aceitou receber pagamento. Disse que gostaria de levar para o neto de 8 anos uma camisa da Seleção Brasileira autografada por um craque. Alencar telefonou para Ricardo Teixeira, da Confederação Brasileira de Futebol, e ele providenciou uma camisa autografada por vários jogadores. Enquanto me contava essa história, o vice-presidente chorou. "Até hoje não sei por que o doutor Brennan não cobrou. Acho que foi uma demonstração de apreço muito grande pelo meu país", disse, enquanto enxugava o rosto num lenço branco. A mesma atenção especial Alencar recebeu quando precisou do remédio Yondelis, importado da Espanha, em julho. Trata-se de um quimioterápico novo. Cada aplicação custa cerca de R$ 12 mil. O vice-presidente pediu a um funcionário da embaixada brasileira em Madri que comprasse o remédio. O fabricante não aceitou pagamento e ainda mandou duas cientistas a São Paulo para acompanhar as aplicações. A droga não deteve a doença. Um novo tumor apareceu. Se nem uma pessoa com tantos recursos como o vice-presidente consegue se livrar da doença, que dizer dos outros milhares de pacientes? As histórias de sofrimento despertam um sentimento de insatisfação. Embora a ciência do câncer tenha avançado muito nas últimas quatro décadas, o conhecimento não tem levado ao surgimento de tratamentos eficazes na velocidade que a sociedade espera e necessita. Nos Estados Unidos, essa sensação desencadeou a criação de um movimento que pretende repensar o combate à doença. Desde que o presidente americano Richard Nixon declarou guerra ao câncer, em 1971, o governo dos Estados Unidos, fundações privadas e empresas gastaram cerca de US$ 200 bilhões em busca de curas. O dinheiro produziu cerca de 1,5 milhão de artigos científicos e permitiu o surgimento de tratamentos mais poderosos e ao mesmo tempo mais toleráveis em termos de reações adversas. Os pacientes vivem mais e com maior qualidade de vida. Em inúmeros casos, porém, nem os recursos mais avançados impedem que eles morram de câncer pouco tempo depois. Em algumas formas da doença, os índices de cura continuam muito baixos. O câncer de pulmão, provocado pelo cigarro em nove de cada dez casos, é o mais comum no mundo e um dos mais letais. Cerca de 10% dos pacientes estão vivos cinco anos depois do diagnóstico. No caso de tumores cerebrais, também há pouca coisa a oferecer. O tratamento-padrão é composto de cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Como é difícil debelar o câncer com esses métodos, há várias alternativas em teste, como radiocirurgia, novas drogas e vacinas para estimular o sistema imune a lutar contra a doença. A maioria dos pacientes, no entanto, vive poucos meses depois do diagnóstico. O câncer de pâncreas é outro desafio. Não existe um exame específico para detecção precoce. Por isso, apenas 7% dos casos são descobertos no início. A quimioterapia e a radioterapia não costumam surtir o efeito desejado. Há pouco conhecimento sobre os mecanismos que levam a esse tipo de câncer. Por isso, até as drogas mais modernas têm se mostrado pouco eficazes. Embora seja encorajador contar histórias de sobreviventes do câncer - e dos progressos que tornaram isso possível -, não se deve perder de vista o outro lado dessa equação: muita gente ainda morre de câncer. Chances de sobreviver A cada ano, ocorre uma morte a cada três novos casos de câncer no Brasil. Alguns tumores são mais agressivos e difíceis de tratar • Pulmão - 1 morte a cada 1,5 caso • Esôfago - 1 morte - a cada 1,5 caso • Estômago - 1 morte a cada 1,8 caso • Leucemia - 1 morte a cada 1,8 caso • Colorretal - 1 morte a cada 2,6 casos • Pele (do tipo melanoma) - 1 morte a cada 4,3 casos • Mama - 1 morte a cada 4,5 casos • Próstata - 1 morte a cada 4,6 casos • Pele (do tipo não-melanoma) - 1 morte a cada 77,8 casos Nos Estados Unidos, o câncer firmou-se como a primeira causa de morte, ultrapassando as doenças cardiovasculares. Neste ano, 565 mil americanos deverão ser mortos pela doença. Os casos de câncer (mais comuns em idades avançadas) aumentam porque a população está tendo a chance de envelhecer, em vez de morrer precocemente de males do coração ou de doenças infecciosas. De certa forma, essa é uma boa notícia. Não é aceitável, porém, que a mortalidade continue tão elevada mesmo com tanto investimento em pesquisa, diagnóstico e tratamento. Em 1975, morriam de câncer 199 pessoas a cada 100 mil habitantes nos Estados Unidos. Em 2005, a taxa havia caído para 184 mortes por 100 mil. Quando analisamos especificamente alguns tipos de câncer, a situação piorou. A taxa de mortalidade por câncer de pulmão, por exemplo, subiu de 43 para 53 por 100 mil pessoas entre 1975 e 2005. No Brasil, o câncer é a segunda causa de morte (atrás das doenças cardiovasculares). Ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, a média de mortalidade por câncer (considerando-se todos os tipos) cresceu no país. Em 1979, 86 homens a cada 100 mil morriam de câncer. Em 2005, houve 108 mortes a cada 100 mil pessoas do sexo masculino (26% a mais). Entre as mulheres, o índice era de 63 por 100 mil em 1979. Subiu para 76 em 2005 (20% a mais). O que explica os números brasileiros? A mortalidade por câncer aumenta porque há pouca atenção às medidas de prevenção, falta diagnóstico precoce e acesso a tratamentos adequados. "Há muitas falhas no sistema de saúde. Quando o cidadão não consegue fazer um exame simples na unidade mais básica, perde a chance de descobrir o câncer precocemente e se tratar", diz Luiz Antonio Santini, diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer. "Isso vai sair caro para o sistema e trazer um enorme prejuízo para a pessoa". Além de garantir o básico - diagnóstico e tratamento no caso de tumores contra os quais já existem recursos eficazes -, é possível fazer com que a ciência ande mais rápido e salve quem atualmente tem poucas esperanças? O que fazer para que o conhecimento adquirido na bancada dos laboratórios se transforme rapidamente em soluções aplicáveis à beira do leito? Para alguns críticos do funcionamento-padrão da maioria dos projetos, é preciso arriscar mais. As principais pesquisas sobre câncer são financiadas nos Estados Unidos pelo National Cancer Institute (NCI). O órgão é estruturado para agir com muita cautela. A verba da instituição para pesquisa ficou estacionada em US$ 4,8 bilhões nos últimos três anos. "Quando o dinheiro é escasso, tudo se torna mais conservador", afirma Curtis Harris, pesquisador do NCI. A colaboração entre os cientistas fica prejudicada porque os pesquisadores guardam seus trabalhos em segredo enquanto entram na longa fila do financiamento. Uma nova forma de fazer pesquisa está sendo proposta por grupos organizados de pacientes e empresários que apóiam a causa do câncer. Um deles é o movimento Stand Up to Cancer (SU2C). Em português, algo como Enfrente o Câncer. Trata-se de um grupo fundado por executivos de Hollywood e apoiado pelas principais empresas de mídia. No início de setembro, o grupo organizou um programa de TV para arrecadar dinheiro para pesquisa. Num único dia, chegou-se à soma de US$ 100 milhões. A idéia é financiar apenas projetos que poderão render tratamentos dentro de um período de tempo definido. Os projetos serão selecionados por um comitê dirigido pelo Nobel de Medicina Philip Sharp, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Cerca de 20% dos fundos irão para projetos muito inovadores e de alto risco. Um dos inspiradores da SU2C foi Judah Folkman, morto no início do ano. Folkman afirmava que a criação de novos vasos sanguíneos (angiogênese) ao redor do tumor era o que o alimentava e fazia crescer. Para matar o câncer seria necessário evitar a formação desses novos vasos. A teoria dele foi vista com descrédito durante décadas. Recentemente, a idéia foi reabilitada e tornou-se a base da droga Avastin, usada principalmente contra o câncer colorretal. O grupo quer evitar que outros Folkmans deixem de inovar por falta de dinheiro.
Por que a mortalidade não cai no Brasil • O envelhecimento da população produz mais casos de câncer • Os brasileiros dão pouca atenção à prevenção • O cigarro provoca 30% das mortes • Alimentação saudável, atividade física e proteção solar reduzem o risco • O diagnóstico precoce ocorre na minoria dos casos • A espera por uma mamografia no SUS pode levar meses • O acesso ao tratamento é desigual no país • Cerca de 90 mil pacientes não conseguirão fazer radioterapia em 2008 • As drogas modernas raramente são oferecidas pelo SUS O SU2C não é o único grupo independente que decidiu propor uma nova forma de fazer pesquisa. A Fundação para a Pesquisa do Mieloma Múltiplo financia trabalhos conduzidos cooperativamente por vários grupos. Em quatro anos, surgiram quatro novas drogas contra a doença, um câncer raro que afeta a medula. A instituição está desenvolvendo outras 30 drogas, metade delas já em fase de estudos clínicos. É compreensível que as pessoas - doentes ou parentes de doentes - tenham urgência de resultados, mas não é justo culpar a ciência pelo fato de ainda não ter surgido a cura do câncer. "Um tumor é mais inteligente que cem cientistas brilhantes", diz Otis Brawley, da American Cancer Society. A pesquisa precisa melhorar. Mas não significa que esteja no caminho errado. "Idéias absolutamente originais não aparecem com freqüência. A maioria dos projetos é baseada em dados preliminares. É assim que a ciência caminha", diz Luiz Fernando Lima Reis, diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Vem ganhando força, por exemplo, uma hipótese antiga sobre o papel das células-tronco no desenvolvimento do câncer. Elas são responsáveis pela formação de todos os tecidos do organismo. Ao se dividir, cada célula-tronco dá origem a duas novas células. Uma é a do tecido necessário para determinado órgão. A segunda é uma nova célula-tronco. A malformação dessas células durante a divisão parece originar o câncer. Se a hipótese for confirmada, poderão surgir drogas capazes de matar a célula matriz e assim impedir a formação de descendentes malignas. Apesar da expectativa por mais recursos contra o câncer, é inegável que avanços importantes foram conquistados nas últimas décadas. Eles reduziram o sofrimento dos pacientes e salvaram muita gente. Devem ser lembrados e servir de inspiração para a melhoria das tantas carências que ainda temos. O combate à leucemia infantil e outros cânceres hematológicos avançou extraordinariamente. Nos anos 60, as crianças sobreviviam poucos meses. Hoje, mais de 70% dos casos são curáveis. Apenas 10% das crianças com tumores cerebrais sobreviviam na década de 70. Atualmente o índice é de 45%. O câncer de mama deixou de ser sinônimo de mutilação e morte. A maioria das pacientes pode ser salva quando o tumor é descoberto precocemente. O maior pesadelo masculino - o câncer de próstata - também pôde ser amenizado. Cirurgias modernas, tratamento com hormônios e métodos como a braquiterapia (implante de sementes radioativas que destroem as células malignas) elevaram as chances de cura e reduziram o risco de efeitos colaterais devastadores como impotência e incontinência urinária. A quimioterapia complementar, depois da cirurgia, permitiu ampliar as chances de cura do câncer de pulmão, embora ele continue sendo um dos maiores desafios dos oncologistas. Histórias de sucesso começam a se tornar menos raras. É o caso do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Dias atrás um empresário foi ao escritório dele e estranhou a presença de pedreiros reformando o imóvel novo. Não era uma reforma, era uma ampliação. Thomaz Bastos comprara o escritório vizinho, para dobrar o tamanho do seu. "Dobrar o escritório aos 73 anos?", perguntou o cliente. Resposta de Thomaz Bastos: "Nasci de novo. Para mim, a vida começou depois dos 70". A notícia do câncer no pulmão surpreendeu Thomaz Bastos em maio do ano passado, 40 dias depois de sua saída do governo Lula, e acabou com o sonho de uma vida preguiçosa que pretendia levar. "Meu plano era vadiar: ficar mais tempo na praia, trabalhar pouco". Quando recebeu o diagnóstico, a primeira reação foi de raiva. Segundo Drauzio Varella, seu médico, a culpa foi dos mais de 20 anos de cigarro. Uma cirurgia extirpou-lhe a metade superior do pulmão esquerdo. Ele enfrentou 16 sessões de quimioterapia. "Tomava aquele veneno uma semana sim, duas não". Recebeu alta no fim do ano passado. Emagreceu 6 quilos, usa carro o mínimo possível e fez cirurgia para corrigir o astigmatismo que o acompanhava desde os 15 anos de idade - hoje precisa de óculos só para ler. Abandonou a idéia de pendurar a toga. "Agora eu quero trabalhar muito, ganhar dinheiro, pegar grandes causas", diz. "É por isso que estou dobrando o escritório e comprei uma cobertura de 700 metros quadrados que só ficará pronta daqui a quatro anos. Meus planos são todos de longo prazo". Thomaz Bastos tornou-se um antitabagista ferrenho. O comportamento individual tem uma enorme importância na luta global contra o câncer. Não adianta esperar milagres da ciência se cada cidadão não fizer o que está a seu alcance para prevenir a doença. A maior parte dos casos é evitável. Não fumar e evitar o fumo passivo é a melhor medida para reduzir o risco de câncer (confira o que você pode fazer para prevenir a doença na página seguinte). Quando viaja pelo Brasil, freqüentemente o vice-presidente, José Alencar, é abordado por cidadãos que cobram melhorias no atendimento ao câncer. Alencar conhece os problemas, mas não tem soluções prontas. Pediu ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que estudasse a possibilidade de oferecer em cada capital um equipamento PET, aquele que faz um escaneamento completo do corpo e detecta alterações metabólicas que podem ser indícios de câncer. Embora seja sofisticado, o equipamento falha em 30% dos casos. Não parece ser a solução para um país cheio de carências básicas no atendimento ao câncer. Converse com qualquer médico e ele vai contar histórias de quem esperou meses por uma endoscopia e, quando conseguiu realizar o exame, tinha um câncer avançado no estômago. Ou de mulheres que só conseguiram fazer uma mamografia depois que o tumor já era grande o suficiente para ser notado até mesmo sem o exame. A classe média, atendida por planos de saúde menos abrangentes que o do vice-presidente, até consegue realizar os exames num prazo adequado. Quando precisa de tratamento, porém, a situação se complica. A maioria dos planos de saúde não paga as formas mais modernas de radioterapia nem quimioterapia oral. Muitas das drogas mais novas, no entanto, são em forma de comprimido. O custo do tratamento pode chegar a R$ 50 mil por mês e elas não são oferecidas pelo SUS. As economias de uma vida inteira, os imóveis que seriam herdados pelos filhos desaparecem em poucos meses. É por isso que cada vez mais doentes exigem na Justiça que o Estado arque com o tratamento. Mesmo quando não há nenhuma indicação de que o remédio solicitado fará efeito naquele paciente. Às vezes, o doente morre alguns dias depois de o Estado ter arcado com gastos enormes e a Secretaria de Saúde deixa de usar o dinheiro de uma forma mais inteligente. "Está muito difícil praticar oncologia no Brasil", diz André Murad, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele diz entender que o SUS não possa pagar tratamentos experimentais ou drogas caríssimas que prolongam a vida por poucas semanas. "Mas o SUS não está oferecendo nem mesmo remédios que comprovadamente aumentam a sobrevida dos pacientes". Não há comprovação de que a droga oral que o vice-presidente José Alencar vai começar a tomar funcione em casos como o dele. O remédio foi desenvolvido para bloquear a formação de vasos sanguíneos que alimentam os tumores (a idéia essencial de Folkman). Diante da falta de opções, Alencar está disposto a correr o risco. Diz não ter medo da morte. "Ninguém sabe o que é a morte. E se for uma coisa boa? E se eu puder encontrar meus pais?" Alencar é uma pessoa notável. Como tantos brasileiros, torço por ele. Fonte:
Revista Época