quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Contra a crise, aumento de gastos públicos

Christian Chavagneux
Christian Chavagneux é redator-chefe de
Alternatives Economiques , site dedicado ao crédito alternativo e cooperativo.
Nesta entrevista, Paul Krugman analisa a contradição entre a sociedade aberta que os Estados Unidos pretendem ser e a política de favorecimento dos ricos posta em prática pelo governo Bush. Ao mesmo tempo, o colunista do New York Times expõe suas idéias sobre as medidas que deveriam ser tomadas para assegurar uma retomada do crescimento econômico e social pós-crise: um modelo muito próximo do que, conceitualmente, deveria imperar no Brasil... a começar, por um SUS universal, em dimensão americana. “Nos Estados Unidos a realidade nunca esteve à altura do sonho americano”.
Christian Chavagneux: Os Estados Unidos experimentaram recentemente um importante ciclo de expansão econômica. Entretanto as desigualdades e a pobreza aumentaram. Como explicar isso?
Paul Krugman: Isto se dá, em grande parte, diante de uma mudança nas relações políticas de força. A massa dos assalariados perdeu muito de seu poder de negociação, e como explico em meu último livro (A América que Queremos, Ed. Flammarion, 2008), as condições políticas têm uma influência essencial na distribuição da renda.
Christian Chavagneux: Qual foi o papel das políticas implementadas pelo governo Bush?
Paul Krugman: Bush fez duas coisas. Mudou o sistema fiscal num sentido muito regressivo, com reduções muito fortes nos impostos sobre as rendas mais altas, os dividendos e os lucros do capital. Ele beneficiou os mais ricos e ao mesmo tempo reduziu os fundos disponíveis para as políticas públicas e para a ajuda aos mais necessitados. Podemos fazer uma estimativa: entre 30% e 40% das reduções de impostos de Bush beneficiaram as pessoas que ganham mais de 300 mil dólares por ano [mais ou menos 600 mil reais], o que representa uma redistribuição [de renda] em favor daqueles que estão em melhor condição de pagar impostos. O governo Bush, por outro lado, acelerou a perda de poder de negociação dos assalariados, reduzindo em muito toda possibilidade de organização sindical.
Christian Chavagneux: Qual é o papel da globalização no aumento das desigualdades?
Paul Krugman: Ela deveria, em princípio, contribuir, mas embora as forças da globalização afetem todos os países desenvolvidos da mesma forma, a distribuição de renda é diferente de país para país. Os Estados Unidos fazem parte daqueles países em que as desigualdades cresceram muito. Isso não acontece do mesmo modo no Canadá, que está tão aberto quanto nós, e menos ainda na Europa continental. As desigualdades cresceram muito no Reino Unido, embora isso tenha acontecido, sobretudo, nos anos de Thatcher. Predominam as condições nacionais sobre a globalização, e foi nos Estados Unidos que se criou um aumento maciço das desigualdades.
Christian Chavagneux: Podem os americanos contar com uma forte mobilidade social para combater as desigualdades?
Paul Krugman: Não. Alguns indivíduos conseguem subir na escala social, mas não tanto quanto a gente gostaria de imaginar. As histórias das pessoas que saem da pobreza e se tornam muito ricas são poucas. Só 3% das pessoas que nascem entre os 20% da população mais pobre terminam a vida entre os 20% mais ricos. Entre os países desenvolvidos, os EUA parecem ter o grau menor de mobilidade social.
Christian Chavagneux: Então o sonho americano morreu?
Paul Krugman: Não. De qualquer modo, a realidade jamais esteve à altura do que o sonho americano almejava. Mas nós estamos acordando!
Christian Chavagneux: Que políticas seriam necessárias para lutar contra essa situação social degradada?
Paul Krugman: Em princípio instaurar um sistema de seguro-saúde que seja universal, que cubra toda a população. Todos os países desenvolvidos têm algo parecido. E a falta de cobertura social representa uma das primeiras causas da desigualdade e da perda de mobilidade social. Aí, é necessário estabelecer um sistema educativo melhor, o que exige reformas, mas também recursos. Por fim, é necessário aumentar o poder de negociação dos assalariados, facilitando a formação de sindicatos. O declínio do movimento sindical não resulta de uma tendência inevitável a longo prazo. Mais da metade da perda de poder dos sindicatos ocorreu durante a era Reagan. Tudo isso [o aumento do poder dos sindicatos] permitiria aumentar o número de empregos e a renda destinada à classe média. Poderíamos fazer uma longa lista de medidas, mas penso que pôr de pé uma cobertura universal da saúde, que é algo factível, é uma prioridade e seria um grande passo a frente.
Christian Chavagneux: Como financiar tudo isso?
Paul Krugman: Não é tão caro como se pensa. Nós temos hoje um sistema um tanto especial. Dizemos não ter uma cobertura médica pública, mas todas as pessoas com mais de 65 anos recebem uma ajuda financeira pública, e também os mais pobres. Se tomarmos o total dos aportes disponíveis, mais da metade da cobertura em saúde já está assegurada pelo Estado. As pessoas que não dispõem de seguro hoje são os jovens e as famílias jovens, aquelas que pela situação precária de seus empregos e por sua renda insuficiente não podem ter os benefícios de um seguro privado. Essas pessoas não custam muito caro, em termos de uma cobertura de saúde: assegurar uma visita médica regular, um controle dental etc., não é muito oneroso. No total, isso vai representar menos de 1% do PIB.
Christian Chavagneux: Em seu livro, o Sr. pede uma nova política fiscal...
Paul Krugman: De um modo geral, precisamos de mais entradas financeiras. É preciso reverter a queda nos impostos do governo Bush, porque sabemos que isso é inútil. Tivemos uma economia muito próspera com o governo de Clinton, com um imposto sobre as rendas de mais de 39,6%, e uma economia menos próspera com Bush, apesar de um imposto de 35%. Não há argumento racional que sustente esse caminho. Por outro lado, não há por que aceitar paraísos fiscais e os desvios que eles permitem. Por fim, há uma margem para aumentar a carga de impostos sobre os mais ricos. O objetivo não é penalizar os ricos, mas sim fazê-los pagar sua parte do financiamento das políticas públicas que o resto da população precisa.
Christian Chavagneux: Apesar dessa inércia social, os Estados Unidos continuam sendo a primeira potência econômica mundial. Como se explica isso?
Paul Krugman: Os Estados Unidos continuam sendo um lugar privilegiado para os 5% dos mais ricos. Os rendimentos dos dirigItálicoentes são altos. Os EUA são uma sociedade aberta. Tratamos muito bem nossas elites. Como acadêmico, sempre me surpreendeu a abertura, a competitividade do mundo intelectual americano em relação ao mundo relativamente mais fechado da Europa. Isso melhorou nos últimos tempos. Mas também vivemos de nossas glórias. Os EUA foram, de há muito, os primeiros a se adaptarem a novas tecnologias. Isso hoje mudou. Estamos atrasados em relação a outros países. Uma grande parte da força econômica dos EUA é hoje uma ressonância do avanço que tivemos nos anos 90.
• Entrevista publicada em
Sin Permiso e reproduzida pela Agência Carta Maior(22/10/08); Paul Krugman é professor de Economia da Universidade de Princeton, colunista do New York Times e ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2008 (tradução para o espanhol, Carlos Abel Suárez; para o português, Flávio Aguiar)

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