Gestores da Saúde precisam construir um plano de ação viável e factível, avalia Silvio Fernandes.
A atuação de muitos gestores do SUS tem sido julgada de maneira negativa, sendo alvo de duras críticas, que passam desde a má avaliação dos serviços de saúde pela população até a incapacidade de gerir os recursos disponíveis. Para comentar este assunto e os desafios que os gestores enfrentam na área da saúde, o Cebes ouviu a opinião de Silvio Fernandes da Silva, que é membro do Conselho Consultivo do Cebes e participante do Núcleo de Relações Internacionais do CONASEMS. Veja a entrevista a seguir. Blog do Cebes: A atuação de muitos gestores do SUS vem sendo julgada, por diferentes áreas, em geral, de maneira negativa. Em sua opinião, quais são as principais causas que colaboram para este cenário? Silvio Fernandes: A percepção que muitos setores da sociedade têm do SUS resulta, geralmente, de uma avaliação simplificada e incompleta. Além de não reconhecer avanços importantes que o SUS tem alcançado, essas avaliações habitualmente não levam em conta aspectos conjunturais e estruturais que estão relacionados às dificuldades que persistem e tem tendência em atribuir todas as dificuldades a problemas de gestão. Evidentemente, a ineficiência de gestão, quando existe, é um fator agravante e deve ser criticada e corrigida. Porém, a falta crônica de recursos públicos para a saúde, por exemplo, não é um tema devidamente considerado. Um país que tem uma Constituição avançada no que diz respeito à saúde e que estabelece que a atenção integral é um direito de todos precisa enfrentar suas contradições. Há uma incoerência entre a reforma setorial da saúde – avançada, moderna e inclusiva – e a configuração do conjunto do Estado brasileiro. Faltam algumas condições objetivas para que a saúde púbica, setorialmente falando, avance mais, não só no que diz respeito ao financiamento, mas também na política de recursos humanos, na descentralização de atribuições para as esferas subnacionais, na política de investimentos e de regulação estatal, entre outras. Blog: Há quem julgue que os Tribunais de Contas têm sido usados como um instrumento político para investigar os gestores públicos. Qual é sua opinião sobre esta visão? Fernandes: Os fatores que motivam a ação dos Tribunais de Conta são diversos e esse – ser usado como instrumento político e partidário muitas vezes – acontece em muitas situações e realidades. Parece-me, no entanto, que há também por parte dos Tribunais de Conta uma interpretação muito diversificada sobre a legislação e normas do SUS, o que tem levado a análises nem sempre corretas da aplicação dos recursos da saúde. Muitos são os exemplos em que os pareceres são equivocados, especialmente na interpretação que se dá às terceirizações de alguns serviços e processos e à utilização dos recursos dos fundos de saúde. Para piorar essa situação, no SUS observa-se frequentemente contradição entre a legislação maior, constitucional, e a legislação e normas infraconstitucionais oriundas, por exemplo, de numerosas portarias ministeriais. Os pareceres questionam detalhes da utilização dos recursos – tais como, dando exemplos bem prosaicos mas freqüentes, gastos com lanches oferecidos a conselheiros de saúde, utilização de recursos do PAB para capacitação de profissionais de saúde, gastos com campanhas de saúde –, mostrando desconhecimento do funcionamento do SUS, generalizando suspeições sobre a gestão da saúde e contribuído para burocratizar e dificultar ainda mais o processo de gestão. Blog: Muitas vezes os gestores têm de enfrentar fragilidades técnicas, políticas e financeiras; falta de recursos e de autonomia no exercício de suas atividades. Como devem proceder frente a estas condições? Fernandes: A conjuntura atual não é das melhores. Ser gestor da saúde não é uma tarefa das mais fáceis, exatamente pelos motivos que foram apontados. Além de procurar ser um ator político com maior protagonismo para – articulado com outras forças políticas – tornar essa conjuntura mais favorável, no espaço singular da gestão do seu município ou estado os gestores devem procurar ampliar sua governabilidade e aproveitar as máximo as oportunidades que surgirem. Isso implica em constituir uma boa equipe técnica, elaborar diagnósticos adequados e precisos das condições de saúde da população de sua área de abrangência, e utilizar o planejamento como uma ferramenta estratégica para amenizar as fragilidades e avançar no processo de gestão da saúde. Os gestores precisam construir um plano de ação viável e factível no curto, médio e longo prazo. Como os recursos são escassos e existem várias instituições de saúde – públicas e privadas – que interagem no processo de gestão, as diretrizes de ação propostas pelos gestores devem ser coerentes com a construção de uma boa governança. Isso quer dizer que além de administrar bem as instituições e equipamentos públicos, gerenciando adequadamente a rede própria, os gestores devem, também, promover uma boa articulação com os outros atores visando garantir a direcionalidade das mudanças e o interesse público, construindo inovações no modelo de atenção, bons sistemas de regulação pública e uma gestão colegiada e participativa. Blog: Como os gestores lidam com as ameaças que a justiça e os mecanismos de controle social podem representar? Fernandes: Penso que a justiça e os mecanismos de controle social não constituem propriamente ameaças para os gestores. A justiça no estado democrático de direito tem como uma de suas atribuições garantir os direitos constitucionais e, no caso da saúde, é um poder indispensável para assegurar os direitos individuais para o acesso a serviços e terapias. O que acontece é que a justiça tem sido acionada frequentemente para acesso a procedimentos terapêuticos que não fazem parte da rotina do SUS e nem sempre constituem terapias apoiadas pelas melhores evidências científicas. Quando isso acontece, muitas vezes, estão por trás das demandas judiciais interesses de corporações empresariais ou de pessoas inescrupulosas visando obtenção de lucros, ou ainda pessoas de maior capacidade de influência na sociedade, e não propriamente o interesse dos usuários. Aliás, concedo esta entrevista no mesmo dia em que uma quadrilha que agia usando pacientes portadores de psoríase foi presa pela polícia de São Paulo pelos motivos que já elencamos. É preciso, portanto, diferenciar as demandas judiciais necessárias – que visam assegurar direitos legítimos – dessa “indústria” de demandas, que por sinal cresceu muito nos últimos anos. Cabem alguns comentários sobre outros mecanismos de controle social que estão sendo legitimados no SUS. Sobre o Ministério Público, por exemplo, penso que a atuação dos promotores parece muito diversificada e a avaliação de sua prática não é passível de generalização. Observam-se desde ações criteriosas que denotam uma compreensão adequada do seu papel de defesa do cidadão em um contexto complexo como a saúde; até outras que se caracterizam por uma interpretação, a meu ver, equivocada da legislação. Isso pode ocasionar uma relação desnecessariamente conflituosa com os gestores sem que contribua para uma melhor qualidade na saúde e atenção ao usuário. Para ilustrar essa percepção, não é raro presenciar ações voluntariosas visando acabar com filas de espera ou melhorar acesso a serviços desconectadas de qualquer possibilidade concreta de serem implementadas. Por outro lado, existem medidas absolutamente necessárias para assegurar direitos legítimos e fiscalizar os agentes públicos. Nós vivemos, enfim, um processo de aprendizagem nessa área e espero que, futuramente, isso leve a um aperfeiçoamento desse mecanismo de controle. Sobre os conselhos de saúde, a atuação tem sido muito importante para dar transparência ao processo de gestão, fiscalizar a utilização dos recursos públicos e ampliar a accountability na saúde. Por uma série de motivos os conselhos não têm interferido como seria desejável na direcionalidade da gestão e no processo decisório, podendo-se dizer ser este uma desafio a ser alcançado. Outro mecanismo que pode ser classificado de controle social, característico dos nossos tempos, é a mídia. Sua ação, infelizmente, espetaculosa e acrítica, tem sido também utilizada para pautar o processo de gestão, seja no sentido de extravasar reclamações sobre dificuldade de acesso ou ressaltar problemas diversos na qualidade dos serviços. É necessária uma avaliação mais aprofundada sobre a configuração assumida pelos mecanismos de controle social no SUS em nossa complexa sociedade. Não acredito que deva haver contraposição entre gestores e esses mecanismos. Ao contrário, devemos ampliar nossa compreensão sobre essa temática para avançar na qualificação das políticas de saúde.
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