quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Disputas eleitorais e direitos reprodutivos.


Por Margareth Arilha e Sandra Garcia*

A oferta de cirurgias de esterilização feminina tem sido, historicamente, moeda de troca em campanhas eleitorais. Embora a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde registre a existência, em 2006, de 22% de mulheres esterilizadas, contra 27% 10 anos antes, quando a Lei do Planejamento Familiar foi sancionada, essa ainda é uma opção anticonceptiva muito desejada pela população feminina. A novidade desta eleição municipal é que o senador Marcelo Crivella vem trazendo para a capital do Rio de Janeiro a mesma proposta que muitas vezes seduziu mulheres sem acesso à informação ou a outras opções de métodos contraceptivos: promete levar aos pobres a cirurgia que já é gratuita na rede pública de saúde, usando um discurso populista e equivocado que pretende associar combate à pobreza ao controle da fecundidade. Ao visitar uma comunidade pobre na Zona Norte da cidade em que pretende ser prefeito, Crivella fortemente identificado com os neopentecostais, associou pobreza com ausência de controle da fecundidade, em uma clara tentativa de se colocar em posição oposta à da Igreja Católica, que há 40 anos condena - desde a encíclica Humanae Vitae - o uso de métodos contraceptivos. O direito que os cidadãos e cidadãs deste país têm no planejamento e controle da própria reprodução assume assim caráter religioso, somando-se a outras questões de igual importância no cenário dos direitos humanos e de âmbito federal, tais como a legalização da interrupção voluntária da gravidez, contracepção de emergência e união civil para pessoas do mesmo sexo. Tem sido assim sempre, em disputas eleitorais locais, nacionais ou internacionais, ou seja, a questão aparece menos para que se tomem medidas efetivas, e mais para definir o matiz ideológico do candidato ou da candidata. É pena que seja assim, porque em nosso caso atual, os prefeitos têm importante contribuição a dar na implementação das políticas definidas no âmbito federal. Pensando na Lei do Planejamento Familiar, por exemplo, caberá ao sucessor de Cesar Maia decidir pela implementação da distribuição da contracepção de emergência, prevista pelo Ministério da Saúde, mas dependente da iniciativa municipal para ser posta em prática. A entrada dos neopentecostais na política se deu, há 20 anos, principalmente em questões relacionadas à família, ao casamento e à sexualidade. Distinguem-se dos católicos pelo fato de seguirem a orientação religiosa no que se refere às praticas e comportamentos sexuais e reprodutivos. No entanto, vincular pobreza ao controle da fecundidade com pinceladas religiosas não é pior do que a atuação da Igreja Católica neste campo. Um bom exemplo foi a influência da diocese local de Jundiaí sobre os poderes locais para vetar, com a aprovação de uma lei, o uso da contracepção de emergência na cidade de Jundiaí, interior de São Paulo. Em continuidade, a Igreja Católica local vem expressando seu desejo de que os candidatos a cargos eletivos municipais evidenciem em seus programas de ação seu compromisso com posições de 'defesa da vida' - ou seja, suas posições sobre a contracepção de emergência, legalização do aborto e uso de células-tronco - para garantir o voto católico. Preocupação tão intensa com a agenda dos candidatos no campo dos direitos reprodutivos chama a atenção. A sexualidade e a reprodução têm se tornado um campo de disputa política e religiosa, em que forças neopentecostais ou católicas estão defendendo posições morais e dogmáticas cometendo assim o mesmo erro: impor convicções religiosas ao conjunto de uma sociedade que se pretende democrática, inclusiva e laica.
(*) Margareth Arilha é doutora em Saúde Pública e diretora-executiva da Comissão de Cidadania e Reprodução. Sandra Garcia é pesquisadora do Cebrap e coordenadora do GT População e Gênero da Abep. Artigo publicado no jornal Correio Braziliente, na edição de 19/08/08.

Nenhum comentário: