Última modificação 28/08/2008 16:07
Para especialistas, partidos tendem a apresentar propostas similares e sobrevalorizam o marketing do que se tornou um “mercado eleitoral”
Renato Godoy de Toledo
da Redação
O início da campanha eleitoral na televisão e nas ruas revela o recrudescimento de um quadro já existente nos últimos pleitos. A proximidade programática entre os partidos favoritos e a despolitização do debate eleitoral – que fica restrito mais à construção publicitária dos candidatos do que de a uma posição política – são as marcas das campanhas para as prefeituras das principais cidades brasileiras. Essas constatações foram unânimes entre especialistas consultados pela reportagem.
Como conseqüência desse debate em torno de aspectos mais relacionados ao marketing do que à política, criou-se o mito do gerente como o bom administrador público, numa analogia com a iniciativa privada, em que o Estado aparece como órgão alheio à política.
Nesse cenário, à luz das experiências históricas das esquerdas, o uso das eleições como um espaço para a elevação do grau de consciência da população é apontado como improvável, ainda que as administrações de perfil democrático e popular possam significar melhorias na qualidade de vida dos mais pobres.
Novo espectro
Para Mauro Iasi, cientista político da Universidade Metodista de São Paulo, parte dos problemas apresentados são fruto da nova configuração do espectro político brasileiro, com a guinada rumo ao centro de setores da esquerda.
“Os diferentes partidos de centro, direita e alguns fundados na tradição de esquerda, confluíram para um ponto programático. Ainda temos uma direita corporificada em partidos que apresentam claramente a proposta do capital, como o DEM e o PSDB, mas formou-se um centro com o deslocamento do PT, e este transitou para uma proposta que aceita o capitalismo com uma gestão democrática, não mais 'democrática e popular', como anteriormente”, constata.
Segundo o cientista político, esse rearranjo de forças criou uma esquerda que se encontra em fase de reconstrução. “Nesse novo campo, há partidos que participam do processo eleitoral visando o acúmulo de forças. Outras correntes enxergam as eleições de forma mais utilitarista, para fazer a propaganda de seu programa”, afirma.
O sociólogo Rudá Ricci enxerga a proximidade entre os grandes partidos como um reflexo de uma estrutura eleitoral importada dos EUA. “Nos últimos dez anos a política eleitoral evoluiu para um modelo "americanizado", ou seja, constituiu-se um "mercado eleitoral". Os partidos passaram a se estruturar como empresa, se tornando partidos-empresa. O peso dos cargos burocráticos passou a ser enorme, maior que o das lideranças e eleitos”, opina.
Ricci elenca como outro componente desse quadro a polarização nacional entre PT e PSDB, que também remete à estrutura política dos EUA, hegemonizada pela disputa entre o Partido Democrata e Republicano. “A direita partidária está gravitando, desde FHC, a partir desses dois partidos (PT e PSDB). Assim, com uma disputa tão acirrada, a tendência é que os marketeiros tenham cada vez mais destaque, esvaziando as diferenças ideológicas-partidárias. O 'risco' de ousadias programáticas é quase eliminado”, explica.
Elevação da consciência
A aproximação dos programas de campos outrora distantes reflete na administração desses partidos, de acordo com o sociólogo Francisco de Oliveira. “As gestões apresentam pequenas variações que não chegam a ser diferenças importantes. Salvo, talvez, na questão da corrupção, que em algumas siglas é mais desavergonhada. Mas, paradoxalmente, alguns setores da população se beneficiam com algumas promessas que são convertidas em realidade”, analisa.
Para o sociólogo, no entanto, em âmbito municipal existem mais possibilidades de se aplicar políticas progressistas do que nacionalmente. “Em nível municipal, dificilmente os partidos se enfrentam com questões decisivas, tais como a distribuição de renda, o poder das empresas, a política monetária, a política cambial, os superávits, etc.”, diz.
O sociólogo se diz pessimista com a possibilidade de as eleições serem utilizadas como instrumento de elevação da consciência dos brasileiros, como acreditou a esquerda por um bom tempo, segundo ele. “Durante décadas alimentamos, principalmente na esquerda, a convicção de que um desenvolvimento econômico levaria também a um desenvolvimento político, e a uma maior conscientização. E infelizmente o exemplo que vem dos países capitalistas mais desenvolvidos confirma o pessimismo da Escola de Frankfurt”, pontua.
Para justificar seu pessismo, Oliveira cita como exemplo a popularidade que Paulo Maluf obteve durante décadas na cidade de São Paulo – “mesmo sendo o político que é” – e o retorno da política russa à “Idade das Trevas” após a experiência socialista, “mesmo com todos os graves defeitos”. “Recomenda-se um pessimismo iluminista ou um otimismo desconfiado com as eleições”, conclui.
De acordo com Rudá Ricci, mesmo com as limitações, o período eleitoral pode ser positivo para a população tomar consciência sobre o seu papel na sociedade. “Toda eleição é positiva pelo simples fato de colocar em debate a política como decisão do cidadão, da vontade do cidadão. Mesmo que seja parcial, o cidadão percebe, naquele momento, que tem um poder que não é tão nítido nos períodos entre eleições. E, com a eleição se aproximando, o eleitor é obrigado a criar algum critério de escolha, se obrigando a pensar a política, o município, as diferenças e possibilidades”, esclarece.
Brechas municipais
Rudá Ricci não vê com otimismo a possibilidade de governantes mais à esquerda implementarem políticas progressistas com perspectivas transformadoras. “Não consigo perceber uma agenda de esquerda nos governos municipais. Há muitos retrocessos, como na área educacional, na qual o sistema de ciclos de formação, uma importante inovação para superar o modelo taylorista de seriação, foi abandonada pelo pragmatismo”, diz.
Mesmo políticas progressistas como o Orçamento Participativo, iniciado em administrações petistas, apresentam ineficiências atualmente, de acordo com Ricci. “O orçamento participativo vem sendo instrumentalizado partidariamente e em algumas localidades as plenárias que cumpriam um papel pedagógico (de articulação e criação de solidariedade entre cidadãos) vão sendo substituídas pelo Orçamento Participativo Digital”.
Para especialistas, partidos tendem a apresentar propostas similares e sobrevalorizam o marketing do que se tornou um “mercado eleitoral”
Renato Godoy de Toledo
da Redação
O início da campanha eleitoral na televisão e nas ruas revela o recrudescimento de um quadro já existente nos últimos pleitos. A proximidade programática entre os partidos favoritos e a despolitização do debate eleitoral – que fica restrito mais à construção publicitária dos candidatos do que de a uma posição política – são as marcas das campanhas para as prefeituras das principais cidades brasileiras. Essas constatações foram unânimes entre especialistas consultados pela reportagem.
Como conseqüência desse debate em torno de aspectos mais relacionados ao marketing do que à política, criou-se o mito do gerente como o bom administrador público, numa analogia com a iniciativa privada, em que o Estado aparece como órgão alheio à política.
Nesse cenário, à luz das experiências históricas das esquerdas, o uso das eleições como um espaço para a elevação do grau de consciência da população é apontado como improvável, ainda que as administrações de perfil democrático e popular possam significar melhorias na qualidade de vida dos mais pobres.
Novo espectro
Para Mauro Iasi, cientista político da Universidade Metodista de São Paulo, parte dos problemas apresentados são fruto da nova configuração do espectro político brasileiro, com a guinada rumo ao centro de setores da esquerda.
“Os diferentes partidos de centro, direita e alguns fundados na tradição de esquerda, confluíram para um ponto programático. Ainda temos uma direita corporificada em partidos que apresentam claramente a proposta do capital, como o DEM e o PSDB, mas formou-se um centro com o deslocamento do PT, e este transitou para uma proposta que aceita o capitalismo com uma gestão democrática, não mais 'democrática e popular', como anteriormente”, constata.
Segundo o cientista político, esse rearranjo de forças criou uma esquerda que se encontra em fase de reconstrução. “Nesse novo campo, há partidos que participam do processo eleitoral visando o acúmulo de forças. Outras correntes enxergam as eleições de forma mais utilitarista, para fazer a propaganda de seu programa”, afirma.
O sociólogo Rudá Ricci enxerga a proximidade entre os grandes partidos como um reflexo de uma estrutura eleitoral importada dos EUA. “Nos últimos dez anos a política eleitoral evoluiu para um modelo "americanizado", ou seja, constituiu-se um "mercado eleitoral". Os partidos passaram a se estruturar como empresa, se tornando partidos-empresa. O peso dos cargos burocráticos passou a ser enorme, maior que o das lideranças e eleitos”, opina.
Ricci elenca como outro componente desse quadro a polarização nacional entre PT e PSDB, que também remete à estrutura política dos EUA, hegemonizada pela disputa entre o Partido Democrata e Republicano. “A direita partidária está gravitando, desde FHC, a partir desses dois partidos (PT e PSDB). Assim, com uma disputa tão acirrada, a tendência é que os marketeiros tenham cada vez mais destaque, esvaziando as diferenças ideológicas-partidárias. O 'risco' de ousadias programáticas é quase eliminado”, explica.
Elevação da consciência
A aproximação dos programas de campos outrora distantes reflete na administração desses partidos, de acordo com o sociólogo Francisco de Oliveira. “As gestões apresentam pequenas variações que não chegam a ser diferenças importantes. Salvo, talvez, na questão da corrupção, que em algumas siglas é mais desavergonhada. Mas, paradoxalmente, alguns setores da população se beneficiam com algumas promessas que são convertidas em realidade”, analisa.
Para o sociólogo, no entanto, em âmbito municipal existem mais possibilidades de se aplicar políticas progressistas do que nacionalmente. “Em nível municipal, dificilmente os partidos se enfrentam com questões decisivas, tais como a distribuição de renda, o poder das empresas, a política monetária, a política cambial, os superávits, etc.”, diz.
O sociólogo se diz pessimista com a possibilidade de as eleições serem utilizadas como instrumento de elevação da consciência dos brasileiros, como acreditou a esquerda por um bom tempo, segundo ele. “Durante décadas alimentamos, principalmente na esquerda, a convicção de que um desenvolvimento econômico levaria também a um desenvolvimento político, e a uma maior conscientização. E infelizmente o exemplo que vem dos países capitalistas mais desenvolvidos confirma o pessimismo da Escola de Frankfurt”, pontua.
Para justificar seu pessismo, Oliveira cita como exemplo a popularidade que Paulo Maluf obteve durante décadas na cidade de São Paulo – “mesmo sendo o político que é” – e o retorno da política russa à “Idade das Trevas” após a experiência socialista, “mesmo com todos os graves defeitos”. “Recomenda-se um pessimismo iluminista ou um otimismo desconfiado com as eleições”, conclui.
De acordo com Rudá Ricci, mesmo com as limitações, o período eleitoral pode ser positivo para a população tomar consciência sobre o seu papel na sociedade. “Toda eleição é positiva pelo simples fato de colocar em debate a política como decisão do cidadão, da vontade do cidadão. Mesmo que seja parcial, o cidadão percebe, naquele momento, que tem um poder que não é tão nítido nos períodos entre eleições. E, com a eleição se aproximando, o eleitor é obrigado a criar algum critério de escolha, se obrigando a pensar a política, o município, as diferenças e possibilidades”, esclarece.
Brechas municipais
Rudá Ricci não vê com otimismo a possibilidade de governantes mais à esquerda implementarem políticas progressistas com perspectivas transformadoras. “Não consigo perceber uma agenda de esquerda nos governos municipais. Há muitos retrocessos, como na área educacional, na qual o sistema de ciclos de formação, uma importante inovação para superar o modelo taylorista de seriação, foi abandonada pelo pragmatismo”, diz.
Mesmo políticas progressistas como o Orçamento Participativo, iniciado em administrações petistas, apresentam ineficiências atualmente, de acordo com Ricci. “O orçamento participativo vem sendo instrumentalizado partidariamente e em algumas localidades as plenárias que cumpriam um papel pedagógico (de articulação e criação de solidariedade entre cidadãos) vão sendo substituídas pelo Orçamento Participativo Digital”.
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