sábado, 23 de agosto de 2008

Tratamento para a alma.


Médicos e hospitais começam a adotar a espiritualidade e a esperança como recursos para o combate de doenças

ADRIANA PRADO E GREICE RODRIGUES

Colaborou Cilene Pereira
Há uma revolução em curso na medicina que mudará para sempre a forma de tratar o paciente. Médicos e instituições hospitalares do mundo todo começam a incluir nas suas rotinas de maneira sistemática e definitiva a prática de estimular nos pacientes o fortalecimento da esperança, do otimismo, do bom humor e da espiritualidade. O objetivo é simples: despertar ou fortificar nos indivíduos condições emocionais positivas, já abalizadas pela ciência como recursos eficazes no combate a doenças. Esses elementos funcionariam, na verdade, como remédios para a alma – mas com repercussões benéficas para o corpo. No Brasil, a nova postura faz parte do cotidiano de instituições do porte do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, da Rede Sarah Kubitschek e do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), no Rio de Janeiro, três referências nacionais na área de reabilitação física. Nos Estados Unidos, o conceito integra a filosofia de trabalho, entre outros centros, do Instituto Nacional do Câncer, um dos mais importantes pólos de pesquisa sobre a enfermidade do planeta, e da renomada Clínica Mayo, conhecida por estudos de grande repercussão e tratamentos de primeira linha.
A adoção desta postura teve origem primeiro na constatação empírica de que atitudes mais positivas traziam benefício aos pacientes. Isso começou a ser observado principalmente em centros de tratamento de doenças graves como câncer e males que exigem do indivíduo uma força monumental. No dia-a-dia, os médicos percebiam que os doentes apoiados em algum tipo de fé e que mantinham a esperança na recuperação de fato apresentavam melhores prognósticos. A partir daí, pesquisadores ligados principalmente a essas instituições iniciaram estudos sobre o tema.
Hoje há dezenas deles. Um exemplo é um trabalho publicado na edição deste mês da revista científica BMC Câncer sugerindo que o otimismo é um fator de proteção contra o câncer de mama. “Verificamos que mulheres expostas a eventos negativos têm mais risco de contrair a doença do que aquelas que apresentam maiores sentimentos de felicidade e positivismo”, explicou Ronit Peled, da Universidade de Neguev, de Israel, autor da pesquisa. Na última edição do Annals of Family Medicine – publicação de várias sociedades científicas voltadas ao estudo de medicina da família – há outra mostra do que vem sendo obtido. Uma pesquisa divulgada na revista revelou que homens otimistas em relação à própria saúde de alguma forma ficaram mais protegidos de doenças cardiovasculares. Os cientistas acompanharam 2,8 mil voluntários durante 15 anos. Eles constataram que a incidência de morte por infarto ou acidente vascular cerebral foi três vezes menor entre aqueles que no início estavam mais confiantes em manter uma boa condição física. Provas dos efeitos da adoção da espiritualidade na melhora da saúde também começaram a surgir. Nos estudos sobre o tema, a prática aparece associada à redução da ansiedade, da depressão e à diminuição da dor, entre outras repercussões.
A partir de informações como essas, os cientistas resolveram identificar o que levava a esse impacto. Chegaram basicamente a duas razões. Uma é de natureza comportamental. Em geral, quem é otimista, tem esperança e cultiva alguma fé costuma ter hábitos mais saudáveis. Além disso, essas pessoas seguem melhor o tratamento. “Uma postura positiva leva a gestos positivos. Os pacientes se cuidam mais, alimentam-se bem, fazem direito a fisioterapia, mesmo que ela seja dolorosa”, explica a clínica geral carioca Cláudia Coutinho.
A outra explicação tem fundamento biológico. Está provado que a manutenção de um estado de espírito mais seguro e esperançoso desencadeia no organismo uma cadeia de reações que só trazem o bem. “Se o paciente é otimista, encara um problema de saúde como um desafio a ser vencido. Nesse caso, as alterações ocorridas no corpo poderão ser usadas a seu favor”, explica o pesquisador Ricardo Monezi, do Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo. O bom humor, por exemplo, é capaz de promover o aumento da produção de hormônios que fortalecem o sistema de defesa, fundamental quando o corpo precisa lutar contra inimigos. Além disso, o riso provoca relaxamento de vários grupos musculares, melhora as funções cardíacas e respiratórias e aumenta a oxigenação dos tecidos.
É esse arcabouço de informações que permite hoje o uso, na prática, da espiritualidade, do otimismo, da esperança e do bom humor como recursos terapêuticos dentro da medicina. Nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisadores da Universidade do Alabama preparam-se para começar a aplicar um tratamento batizado de “terapia da esperança”. O sistema consiste em ajudar os pacientes a construir e a manter a esperança diante da doença. “O primeiro passo é auxiliá-los a encontrar um objetivo importante que dê sentido a suas vidas. Depois, aumentar a motivação para alcançá-lo e orientálos sobre os caminhos a serem seguidos”, explicou à ISTOÉ Jennifer Cheavens, da Universidade de Ohio e participante do grupo que desenvolveu a novidade. Essa construção é feita com base em técnicas usadas na terapia cognitivo-comportamental, cujo objetivo é treinar o indivíduo a pensar e a agir de forma diferente para conseguir lidar de modo mais eficiente diante de condições adversas. O treinamento é feito com duas sessões semanais realizadas durante dois meses. A terapia será usada em portadores de deficiências visuais e nas pessoas responsáveis por seus cuidados. “Acreditamos que ela ajudará muito na redução da depressão e de outros problemas associados à perda da visão. Os pacientes ficarão mais motivados a lutar contra as dificuldades e a participar dos trabalhos de reabilitação”, explicou à ISTOÉ Laura Dreer, professora do departamento de oftalmologia da Universidade do Alabama, nos EUA.
Fonte: Revista Isto É (desta semana).

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