sábado, 30 de agosto de 2008

Especialistas sugerem estratégias e diretrizes para melhorar o setor hospitalar no Brasil.




29/08/2008
Os hospitais brasileiros são responsáveis por dois terços dos gastos do setor e também de grande parte da assistência oferecida, liderando a prestação de serviços em saúde. Ao mesmo tempo, a rede hospitalar no Brasil pode ser considerada pluralista, pois está composta por uma ampla gama de arranjos financeiros, organizacionais e de propriedade, abrangendo tanto o setor público quanto o privado. O dinamismo é a característica mais interessante da rede. Este perfil retrata o desempenho hospitalar no Brasil, e faz parte de livro lançado recentemente com o apoio do Banco Mundial e do Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde (IBEDESS). A publicação apresenta um panorama do setor hospitalar brasileiro, analisando os elementos-chave necessários para promover e assegurar a excelência no desempenho deste setor. Tendo em vista este cenário, que estratégias e diretrizes poderiam auxiliar a melhoria do setor hospitalar público no país? O Blog do Cebes reúne a opinião de especialistas em saúde e trata desta importante questão. De acordo com Bernard Couttolenc, doutor e consultor em economia da saúde e co-autor do livro “Desempenho Hospitalar no Brasil”, foi proposta uma estratégia de mudança para o sistema hospitalar bastante abrangente, incluindo ações voltadas para a melhoria da eficiência e qualidade dos hospitais, além de uma mudança nos mecanismos de pagamento e de governança dos hospitais. Esta última mudança, por exemplo, foi apontada por Couttolenc como a principal maneira de garantir o nível adequado de autonomia, já que, segundo sua percepção, os hospitais com baixo nível de autonomia gerencial dificilmente conseguem ser eficientes. O estudo mostrou que há um pequeno número de hospitais que são centros de excelência mundial no Brasil, enquanto a maioria depende de financiamento público e ostenta padrões deficientes de qualidade. Já o pesquisador do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP, Pedro Barbosa, afirma ser preciso reconhecer que o sistema brasileiro está na “contramão” em termos de política e organização da atenção hospitalar. “Embora o SUS tenha propiciado uma verdadeira revolução em termos da atenção básica, com extensão de cobertura sem igual, tecnologias para promoção, prevenção e cuidados básicos, integração em redes; pouca coisa mudou com o SUS na atenção hospitalar”, acredita. Barbosa julga necessário reconhecer a distorção existente na atenção e gestão hospitalar, tanto em termos de inadequação assistencial quanto econômica e de gestão. “Outra diretriz fundamental diz respeito ao fato de o hospital estar sistematicamente integrado e subordinado à rede”, completa. Geralmente a falta de recursos é vista como um dos maiores problemas para o baixo desempenho dos hospitais públicos. Com as pesquisas realizadas, Couttolenc diz que, por um lado, é possível ter bons resultados com os recursos disponíveis, o que passa a ser um dever dos gestores da saúde; por outro, é necessário mais investimentos para poder concretizar uma série de iniciativas. A conjunção dessas duas condições torna-se um fator preponderante para a falta de recursos, analisa Barbosa. O pesquisador avalia que essa falta está associada à complexidade da atenção hospitalar e os custos elevados. “Há nítida escassez ou limitação de recursos, não apenas para a atenção hospitalar, mas também para o cuidado à saúde em geral. Nosso sistema faz milagre com o pouco que dispõe, se comparado a países que gastam muito mais que o Brasil”, argumenta. Em contrapartida, o pesquisador da ENSP leva em consideração a má gestão dos recursos como, por exemplo, na manutenção de leitos e internações desnecessárias e também por conta da ausência de padrões gerenciais e profissionais adequados às exigências de uma gestão extremamente complexa e que se diferencia permanentemente. “É preciso combater a ineficiência, mas é preciso dispor de mais recursos do que os disponíveis atualmente”, ressalta Barbosa. Nestes casos, Barbosa argumenta que uma diretriz eficiente para melhorar o sistema hospitalar público seria fechar os hospitais que não possuem tecnologia e escala econômica. “Isso deve ser feito, ainda que se transforme esse hospital em um centro de cuidados básicos. Só assim não jogaremos dinheiro fora na atenção hospitalar”. O pesquisador lembra que a rede hospitalar no país está diminuindo, ainda que às custas do fechamento de leitos privados. Mesmo assim, existe uma taxa média de 50% de ociosidade nos hospitais. Para o consultor do Banco Mundial, André Médici, do ponto de vista dos gastos hospitalares, seria importante dispensar mais recursos na gestão dos hospitais e na qualificação dos profissionais, para que estes possam trabalhar com boas práticas de gestão, visando reduzir economizar, especificamente, os desperdícios vinculados à assistência hospitalar.Algumas causas do baixo desempenho dos hospitais foram identificadas no livro como decorrência da falta de informação, da baixa qualidade do atendimento, a ineficiência da produtividade e a responsabilização obscura, até mesmo em desacordo com a legislação sanitária brasileira. Dentre estes fatores, Couttolenc destaca que os sistemas de informação vigentes que foram avaliados não permitem saber o destino dos gastos hospitalares e se estes produzem resultados adequados. “Somado a isto, verificamos que pouquíssimos hospitais no Brasil têm sistema de apuração de custos ou uma preocupação com este tipo de informação. Acontece a mesma coisa com a área da qualidade. Esta realidade prejudica o gerenciamento dos hospitais”, acrescenta o especialista. Frente a estas evidências, aparece o desafio de gerir instituições com amplas variações em produtividade, qualidade e custos. Assim, cresce a variedade de propostas de políticas para contornar esse cenário. Para Barbosa, é preciso investir em modelos gerenciais mais descentralizados, com maior autonomia da direção das instituições e mais instrumentos de gestão, tanto administrativa como assistencial. “Óbvio que precisamos também de profissionais habilitados, valorizados, motivados e participando de toda uma construção. Eles constituem parte importante para a consolidação das instituições", diz.
Um dos principais problemas que tem de ser enfrentados hoje nos hospitais, segundo Médici, é justamente o de gestão que, muitas vezes, resulta no desperdício de recursos em hospitais que já possuem baixa qualidade. O consultor do Banco Mundial aponta que, no Brasil, falta o estabelecimento de parâmetros que orientem os hospitais dentro de determinados tipos de comportamento e eficiência esperados. “De alguma forma, a regulação do setor público está relacionada a isso. Deveria ser um dos papéis do setor estabelecer diretrizes, não a partir de medidas normativas, mas sim da observação dos parâmetros definidos e dos sistemas de informações que estão sendo criados dentro dos próprios hospitais”, complementa. A formulação e disseminação de novas políticas e programas, em escala nacional, são o primeiro passo para suprir às necessidades dos hospitais brasileiros, apontam os especialistas. Eles defendem que trabalho tem que ser contínuo, pois não se consegue grandes mudanças em pouco tempo, sobretudo em hospitais de alta complexidade. Barbosa julga que a sustentabilidade política, econômica e a capacidade técnico-profissional podem construir efetivas mudanças: “isso é possível, basta querer e ter referências para orientá-las”, argumenta.

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