
Hugo de São Vítor, um mestre do século XII, época em que surgiram as primeiras escolas ancestrais das universidades modernas, ensina: “O começo da disciplina moral é a humildade, da qual existem muitos ensinamentos, três dos quais interessam mais ao estudante: 1) primeiro, não reputar de pouco valor nenhuma ciência e nenhum escrito; 2) segundo, não ter vergonha de aprender de qualquer um, 3) terceiro, não desprezar os outros depois de ter alcançado o saber. Muitos ficam decepcionados porque querem aparecer sábios antes do tempo. Por esta razão, explodem numa intumescência de arrogância, começam a fingir aquilo que não são e a envergonhar-se daquilo que são, e tanto mais se afastam da Sabedoria quanto mais se preocupam não em serem sábios, mas em serem considerados tais. Conheci pessoas assim, as quais, mesmo necessitando ainda dos conhecimentos básicos, se dignam interessar-se somente das coisas sublimes, e acham que se tornaram grande sábios por ter lido os escritos ou ouvido as palavras dos grandes e dos sábios. (...) O estudante prudente, portanto, ouve todos com prazer, lê tudo, não despreza escrito algum, pessoa alguma, doutrina alguma. Pede indiferentemente de todos aquilo que vê estar-lhe faltando, nem leva em conta quanto sabe, mas quanto ignora.(...)Por que você aspira a coisas altíssimas, quando ainda jaz no lugar mais baixo? Avalie, antes, aquilo que as tuas forças podem sustentar. Avança bem, mas avança ordenadamente. Alguns, querendo dar um grande salto, caem no precipício. (...) Aprenda de todos com prazer aquilo que você não conhece, porque a humildade pode tornar comum para você aquilo que a natureza fez próprio para cada um. Será mais sábio de todos, se irá querer aprender de todos. Aqueles que recebem de todos, são mais ricos de todos.Não considere vil conhecimento algum, portanto, porque todo conhecimento é bom. Se tiver tempo livre, não recuse de ao menos ler algum escrito. Se você não lucra, também não perde nada, sobretudo porque não há nenhum escrito, creio eu, que não proponha algo desejável, se é tratado no lugar e no modo devido, e não há nenhum escrito que não contenha algo especial não encontrado alhures, algo que o diligente escrutador da palavra não possa agarrar com tanta maior graça quanto mais é raro.(...)Igualmente, lhe convém que, quando começar a conhecer alguma coisa, não despreze os outros. Este vício da vaidade ocorre a alguns, porque olham com demasiada diligência o seu próprio conhecimento e, parecendo-lhes de ter-se tornado alguma coisa, pensam que os outros não são como eles nem poderia nunca sê-lo, sem conhecê-los.” *É incrível como as palavras de Hugo de São Vítor, escritas há mais de oito séculos, mais precisamente em 1127, permanecem atuais. Parece até que ele escreveu hoje, basta olhar à nossa volta. Ao que parece, o ser humano não mudou muito. O bom estudioso mantém a atitude de humildade diante do saber. A empáfia não faz bem à busca do conhecimento. O presunçoso é irritante, risível e, quando se aventura a escrever, tende à linguagem pomposa, a qual revela falsa erudição. Como nota Wright Mills: “O desejo do prestígio é uma das razões pelas quais os acadêmicos escorregam com tanta facilidade para o ininteligível.” ** É desaconselhável ser leitor de um livro só. Os que se fecham para outras leituras agem à maneira religiosa dos que abraçam verdades inquestionáveis. Memorizam slogans e citações, como argumento de autoridade, mas correm o risco de se tornarem meros repetidores do que imaginam saber plenamente. A necessária humildade requer a dúvida permanente. Aprender é muito mais do que acreditar!
* In: Hugo de São Vítor. Didascálicon, da arte de ler. Petrópolis/RJ: Vozes, 2001, p. 155-159** MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. RJ: Zahar, 1982, p. 235.
Postado por Antonio Ozaí da Silva
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