quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Partidarização foi a maior decepção.

Jacob Kligerman, oncologista, 44 anos de profissão, faz um balanço dos três anos à frente da Secretaria Municipal de Saúde do Rio: “Tem que ousar, tem que avançar. A visão dominante ainda é arcaica”, diz o ex-diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca), um médico renomado. Num discurso em que usa palavras freqüentemente empregadas no setor privado, como benchmarking (bom desempenho), Kligerman, que retornará em janeiro ao Inca, do qual é funcionário de carreira, afirma que será difícil voltar ao Executivo e se diz frustrado com a partidarização do setor público.
'Partidarização foi a maior decepção'Para secretário de Saúde, misturar política com setor público é demonizá-lo
ENTREVISTA Jacob Kligerman
Maiá Menezes O GLOBO: O que compromete a eficiência do setor público? JACOB KLIGERMAN: No caso da Saúde, o SUS tem que ser reformulado.E adaptado às características regionais. No Rio, são três gestores, que nem sempre falam a mesma linguagem.
l Isso trava o sistema? KLIGERMAN: Trava muito.Nesse modelo, é muito difícil.E o Rio ainda tem uma peculiaridade: nas verbas que recebe, contam as que vão para os hospitais federais. Então a gente tem que dividir. É muito difícil. Mas não impossível.
l Qual foi sua maior decepção? KLIGERMAN: Foi a demonização de duas áreas mais importantes da administração pública, que são Educação e Saúde, por partidarização. Foi a maior decepção que eu tive, porque não sou ligado a partidos, sou eminentemente técnico. Para mim, é uma tragédia do setor público. Resolvi aceitar o cargo, que caiu no meu colo, por pedido do então ministro (José) Serra, porque vi ali a oportunidade de fazer gestão pública e, ao mesmo tempo, continuar com minha atividade cirúrgica. Continuei na secretaria pela qualidade dos quadros técnicos.
Em algum momento, o senhor se arrependeu da escolha? KLIGERMAN: Em momento algum. Adquiri uma experiência municipal que não tinha. Eu conhecia o SUS por uma área normativa, que era o Inca. Hoje posso avaliar o processo todo, até o atendimento de emergência. Quando entrei, era um momento muito difícil de desabastecimento e de obras não terminadas. E o mais fácil é construir hospital: o problemático é ter o dinheiro para custeio. Consegui não ter desabastecimento. É importante entender que 90% da fonte Tesouro vão para pessoal. Outra coisa que me marcou muito foi a ameaça de prisão por não abrir os postos de saúde 24 horas. Um absurdo. Eu não tinha contingente de pessoal nem de segurança. O grande pedido que recebo dos postos de saúde é para dobrar a espessura das paredes, porque os tiros ultrapassam.
O senhor voltaria ao Executivo? KLIGERMAN: (Silêncio) É difícil, né? Isso vai depender do momento. Às vezes você sabe que é convocado e não pode recusar.
Em que o setor privado o inspirou? KLIGERMAN: Eu descentralizei as 27 unidades. Que os diretores se preocupem com os custos, com desperdício. Eu não demonizo o lucro. Se o município faz uma parceria e o parceiro quer ter lucro, e se ele cumprir a pactuação que fez com qualidade, pelo amor de Deus, o importante é a população ter acesso. Para administrar o Hospital de Acari, ganhou uma empresa privada. Lá eles ganham por produtividade. E não existe absenteísmo. É um benchmarking (bom desempenho). Não conseguimos implementar as organizações sociais, que foi uma experiência vitoriosa dos grandes hospitais vazios de São Paulo.
Por que não conseguiu? KLIGERMAN: Porque o prefeito Cesar Maia, quando assumi o cargo, disse que o projeto teria que passar pela Câmara Municipal. Quem manda realmente é a Câmara. O gestor fica muito restrito. O projeto de lei para a mudança de salário (dos médicos), a gente não conseguia enviar à Câmara porque não havia condição política. O prefeito só mandou agora, para dar oportunidade ao futuro prefeito.
A lógica política na administração o chocou? KLIGERMAN: É chocante. Mas, no Inca, tive uma vivência positiva. Ressalto que nunca fui instado pelo prefeito a fazer aqui qualquer nomeação aqui. Tive independência absoluta. Quando falo da partidarização, falo da intervenção arbitrária, por motivos absolutamente políticos. Foi uma mágoa muito grande que ficou, vendo a falácia político-partidária.
Houve margem para investimentos? KLIGERMAN: A questão orçamentária foi difícil de gerenciar. Fizemos um investimento mínimo. Esse valor (R$ 8 milhões), o estado gastou agora na compra de tomógrafos. Foi tudo o que consegui investir em 2006. Por conta das limitações, dos gastos com pessoal, fica-se com muito pouco dinheiro para investimento.
Como driblar essas limitações?
KLIGERMAN: Com parcerias, você pode melhorar resultados e trazer eqüidade, que é um dos pressupostos do SUS. Tem que ousar, tem que avançar. A visão dominante ainda é arcaica.
Fonte: O Globo, 7/12

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