
Bruno Camarinha Dominguez - Radis 64 • dez/2007
A intersetorialidade é a chave para o enfrentamento das iniqüidades. Esta foi a conclusão de pesquisadores estrangeiros e brasileiros no encerramento do Simpósio sobre Determinantes Sociais da Saúde, no Rio de Janeiro — realizado entre os dias 26 e 28 de setembro no Hotel Pestana Atlântica. O encontro era parte do processo de preparação do relatório final da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (CDSS) da Organização Mundial da Saúde (OMS), a ser lançado em março.
Cerca de 70 representantes das três instituições organizadoras — OMS, Centro Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento e Fiocruz — e outros especialistas analisaram dados sobre os determinantes sociais da saúde e debateram recomendações de políticas públicas para a diminuição das iniqüidades, que podem ser incorporadas ao relatório da CDSS.
Os dados foram coletados e organizados por redes de conhecimento a partir de pesquisas já existentes sobre nove tópicos relacionados aos DSS:
exclusão social, gênero, ambientes urbanos, globalização, condições de trabalho, sistemas de saúde, condições de saúde pública, desenvolvimento infantil e medição de iniqüidades. No simpósio, os responsáveis pelo amplo estudo apresentaram relatórios com evidências da influência dessas questões na saúde da população mundial.
Na abertura, o presidente da CDSS, o epidemiologista inglês Michael Marmot, destacou a importância da produção de conhecimento. Contou que, ao anunciar sua intenção de criar uma comissão sobre determinantes sociais, deparou-se com dois tipos de reação: uns diziam já saber do assunto, outros afirmavam que não havia evidências. “Agora nós temos evidências, sem as quais não poderíamos embasar nossas recomendações”, observou. O presidente da Fiocruz, Paulo Buss, coordenador da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), concordou: “Do ponto de vista da saúde e da ciência, é um tesouro ter esse material reunido”.
Para os analistas do tópico “medição e evidências”, mostrar a iniqüidade em saúde como socialmente determinada é um dos maiores desafios às políticas públicas, no sentido de que seja descrita com exatidão a relação entre os fatores sociais e a biologia humana. Segundo os especialistas, isso permitiria que as ações públicas tivessem um foco preciso, que hoje inexiste. “Entretanto”, ressalva o relatório, “o fato de que ainda não é possível descrever a cadeia causal das iniqüidades com precisão não pode e não deve ser uma desculpa para a falta de ação”.
No dia 26, houve nove sessões simultâneas para debate de itens específicos. Na sessão em que foram apresentadas informações sobre os ambientes urbanos, constatou-se que o processo de urbanização das cidades nem sempre tem como conseqüência a melhoria das condições de vida. Mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas, sendo que um bilhão de pessoas mora em favelas e assentamentos informais. “E esse número tende a dobrar nas próximas décadas se não forem desenvolvidas e implementadas políticas que visem à equidade”, previu o pesquisador Tord Kjellstrom, da Universidade Nacional Australiana.
“As falhas de governança resultaram nos problemas atuais”, avaliou Tord. Os pesquisadores que estudaram o assunto apontam para a necessidade de desenvolvimento sustentado das cidades, com intervenções que levem em conta os determinantes sociais, articuladas pela saúde, por outros setores governamentais e pela sociedade civil. Em duas palavras, ações intersetoriais.
A falta de moradia, água e esgotamento sanitário de qualidade, entre outras questões, impacta fortemente a expectativa de vida nessas áreas pobres. Em Nairóbi, capital do Quênia, a mortalidade infantil na região mais pobre é três vezes superior à média da cidade e 10 vezes maior do que na região mais rica, por exemplo. Os dados divulgados indicam que, em geral, as principais ameaças à saúde nas cidades são a violência, o abuso de drogas, a má nutrição, a obesidade, os acidentes de trânsito e a aids.
O relatório sobre o tema também afirma que a pobreza não é conseqüência da distância em relação a infra-estrutura e serviços, e sim da exclusão a ambos. “Segurança, educação, transporte, moradia, saúde e salário de qualidade ainda são monopólio de uma minoria privilegiada”, diz o texto. O tema voltou a ser discutido na sessão sobre exclusão social. O relatório cita que a população da Noruega é 40 vezes mais saudável do que a da Nigéria. E segue com outros dados alarmantes: em 1999, 100 milhões de pessoas na América Latina não tinham acesso a sistemas de saúde.
CRESCIMENTOX EMPREGO
O relatório sobre globalização mostra que a expansão do mercado global não favoreceu a diminuição da pobreza — por conta da má distribuição de renda. Calcula-se que, entre 1990 e 2001, de cada US$ 100 de crescimento mundial, só US$ 0,60 contribuíram para a redução do número de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia, 73% menos que nos anos 80.
Do mesmo modo, na tarde do dia 26, pesquisadores envolvidos no estudo das condições de trabalho afirmaram que o crescimento da economia nos últimos cinco anos não se traduziu no aumento da oferta de empregos decentes. Em 2006, afirmaram, o número de desempregados bateu recorde histórico: 195 milhões. “Não houve emprego de qualidade suficiente para melhorar a situação dos mais de 1 bilhão de trabalhadores pobres e suas famílias, que vivem abaixo da linha da pobreza (US$ 2)”, informa o documento distribuído no simpósio.
O desemprego afeta principalmente a região do Oriente Médio e do norte da África, que registrou taxa de 12,2% de desempregados no ano passado. Na América Latina, esse índice era de 8%. Mulheres, jovens e pessoas com poucos anos de estudo são os mais atingidos pela falta de oportunidade de trabalho.
Na sessão sobre o tema, o professor Joan Benach, da Universidade Pompeu Fabra, na cidade espanhola de Barcelona, divulgou outros dados relativos ao tema: em 2000, 27 milhões de pessoas eram escravizadas; em 2004, 25% da população economicamente ativa tinham emprego informal e 15,8% das crianças de 5 a 17 anos trabalhavam. Os programas de transferência de renda do Brasil, segundo o relatório sobre condições de trabalho, são exemplos de mecanismos capazes de reduzir a incidência de exploração de mão-de-obra infantil.
As más condições de trabalho se refletem no número de acidentes fatais (970 por dia e 350 mil por ano) e de mortes causadas por doenças relacionadas ao trabalho (5 mil por dia e 2 milhões por ano). Diretor de planejamento estratégico do Departamento de Saúde da África do Sul, Yogan Pillay creditou ao modelo de desenvolvimento vigente parte da culpa por esses problemas. O próprio documento lembra que, nos últimos 30 anos, as grandes corporações aumentaram sua influência e a racionalidade neoliberal passou a dominar as políticas públicas.
“Nos países pobres, o efeito dessas mudanças foi o estabelecimento de um novo padrão de crescimento econômico, que inclui condições precárias de trabalho e cortes de investimento público”. Yogan questionou o papel da saúde na determinância desses modelos: “Que tipo de Estado, sociedade e desenvolvimento nós queremos?”
MULTISETORIALIDADE
“É necessário um esforço para que essas informações cheguem de maneira útil aos gestores, à academia, aos movimentos sociais, de modo a influenciar a agenda política”, disse Paulo Buss na plenária “Políticas sob o ponto de vista dos países”, na manhã do último dia do evento. Buss observou que as ações que visam à diminuição das iniqüidades não dependem apenas do setor saúde. “A promoção da eqüidade necessita vitalmente de políticas públicas inter e multisetoriais: formuladas, implementadas e executadas de forma no mínimo articulada”.
O presidente da Fiocruz disse acreditar que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, vem caminhando na direção da intersetorialidade. Lembrou que o ministro tem sido bem-sucedido ao mostrar que o setor é gerador de riquezas, o que interessa aos ministérios da Fazenda e do Planejamento, por exemplo. “E não é uma geração de riqueza qualquer, é uma geração de riqueza a serviço do social”, frisou.
O relatório final da CNDSS vai refletir a preocupação com políticas intersetoriais, adiantou o secretário-executivo da comissão, Alberto Pellegrini. “Analisamos cerca de 100 programas de diversos ministérios e percebemos que são iniciativas fragmentadas”, avaliou. “Nossa intenção é institucionalizar a intersetorialidade”.
A comissão brasileira, aliás, recebeu elogios de Michael Marmot. “O trabalho do Brasil é muito impressionante, pois conseguiu atingir a sociedade e seus líderes, apoiado pela comunidade da saúde pública”, disse. Marmot indicou avanços da discussão sobre determinantes sociais no Reino Unido, no Canadá, no Sri Lanka e no Chile — cuja subsecretária de Saúde Pública, Lydia Amarales, participou do simpósio. “Se não atuarmos nos determinantes sociais da saúde, não diminuiremos a desigualdade e seguiremos tendo diferenças na morbidade e na mortalidade de acordo com classes sociais”, resumiu.
A intersetorialidade é a chave para o enfrentamento das iniqüidades. Esta foi a conclusão de pesquisadores estrangeiros e brasileiros no encerramento do Simpósio sobre Determinantes Sociais da Saúde, no Rio de Janeiro — realizado entre os dias 26 e 28 de setembro no Hotel Pestana Atlântica. O encontro era parte do processo de preparação do relatório final da Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (CDSS) da Organização Mundial da Saúde (OMS), a ser lançado em março.
Cerca de 70 representantes das três instituições organizadoras — OMS, Centro Internacional de Pesquisa para o Desenvolvimento e Fiocruz — e outros especialistas analisaram dados sobre os determinantes sociais da saúde e debateram recomendações de políticas públicas para a diminuição das iniqüidades, que podem ser incorporadas ao relatório da CDSS.
Os dados foram coletados e organizados por redes de conhecimento a partir de pesquisas já existentes sobre nove tópicos relacionados aos DSS:
exclusão social, gênero, ambientes urbanos, globalização, condições de trabalho, sistemas de saúde, condições de saúde pública, desenvolvimento infantil e medição de iniqüidades. No simpósio, os responsáveis pelo amplo estudo apresentaram relatórios com evidências da influência dessas questões na saúde da população mundial.
Na abertura, o presidente da CDSS, o epidemiologista inglês Michael Marmot, destacou a importância da produção de conhecimento. Contou que, ao anunciar sua intenção de criar uma comissão sobre determinantes sociais, deparou-se com dois tipos de reação: uns diziam já saber do assunto, outros afirmavam que não havia evidências. “Agora nós temos evidências, sem as quais não poderíamos embasar nossas recomendações”, observou. O presidente da Fiocruz, Paulo Buss, coordenador da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), concordou: “Do ponto de vista da saúde e da ciência, é um tesouro ter esse material reunido”.
Para os analistas do tópico “medição e evidências”, mostrar a iniqüidade em saúde como socialmente determinada é um dos maiores desafios às políticas públicas, no sentido de que seja descrita com exatidão a relação entre os fatores sociais e a biologia humana. Segundo os especialistas, isso permitiria que as ações públicas tivessem um foco preciso, que hoje inexiste. “Entretanto”, ressalva o relatório, “o fato de que ainda não é possível descrever a cadeia causal das iniqüidades com precisão não pode e não deve ser uma desculpa para a falta de ação”.
No dia 26, houve nove sessões simultâneas para debate de itens específicos. Na sessão em que foram apresentadas informações sobre os ambientes urbanos, constatou-se que o processo de urbanização das cidades nem sempre tem como conseqüência a melhoria das condições de vida. Mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas, sendo que um bilhão de pessoas mora em favelas e assentamentos informais. “E esse número tende a dobrar nas próximas décadas se não forem desenvolvidas e implementadas políticas que visem à equidade”, previu o pesquisador Tord Kjellstrom, da Universidade Nacional Australiana.
“As falhas de governança resultaram nos problemas atuais”, avaliou Tord. Os pesquisadores que estudaram o assunto apontam para a necessidade de desenvolvimento sustentado das cidades, com intervenções que levem em conta os determinantes sociais, articuladas pela saúde, por outros setores governamentais e pela sociedade civil. Em duas palavras, ações intersetoriais.
A falta de moradia, água e esgotamento sanitário de qualidade, entre outras questões, impacta fortemente a expectativa de vida nessas áreas pobres. Em Nairóbi, capital do Quênia, a mortalidade infantil na região mais pobre é três vezes superior à média da cidade e 10 vezes maior do que na região mais rica, por exemplo. Os dados divulgados indicam que, em geral, as principais ameaças à saúde nas cidades são a violência, o abuso de drogas, a má nutrição, a obesidade, os acidentes de trânsito e a aids.
O relatório sobre o tema também afirma que a pobreza não é conseqüência da distância em relação a infra-estrutura e serviços, e sim da exclusão a ambos. “Segurança, educação, transporte, moradia, saúde e salário de qualidade ainda são monopólio de uma minoria privilegiada”, diz o texto. O tema voltou a ser discutido na sessão sobre exclusão social. O relatório cita que a população da Noruega é 40 vezes mais saudável do que a da Nigéria. E segue com outros dados alarmantes: em 1999, 100 milhões de pessoas na América Latina não tinham acesso a sistemas de saúde.
CRESCIMENTOX EMPREGO
O relatório sobre globalização mostra que a expansão do mercado global não favoreceu a diminuição da pobreza — por conta da má distribuição de renda. Calcula-se que, entre 1990 e 2001, de cada US$ 100 de crescimento mundial, só US$ 0,60 contribuíram para a redução do número de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia, 73% menos que nos anos 80.
Do mesmo modo, na tarde do dia 26, pesquisadores envolvidos no estudo das condições de trabalho afirmaram que o crescimento da economia nos últimos cinco anos não se traduziu no aumento da oferta de empregos decentes. Em 2006, afirmaram, o número de desempregados bateu recorde histórico: 195 milhões. “Não houve emprego de qualidade suficiente para melhorar a situação dos mais de 1 bilhão de trabalhadores pobres e suas famílias, que vivem abaixo da linha da pobreza (US$ 2)”, informa o documento distribuído no simpósio.
O desemprego afeta principalmente a região do Oriente Médio e do norte da África, que registrou taxa de 12,2% de desempregados no ano passado. Na América Latina, esse índice era de 8%. Mulheres, jovens e pessoas com poucos anos de estudo são os mais atingidos pela falta de oportunidade de trabalho.
Na sessão sobre o tema, o professor Joan Benach, da Universidade Pompeu Fabra, na cidade espanhola de Barcelona, divulgou outros dados relativos ao tema: em 2000, 27 milhões de pessoas eram escravizadas; em 2004, 25% da população economicamente ativa tinham emprego informal e 15,8% das crianças de 5 a 17 anos trabalhavam. Os programas de transferência de renda do Brasil, segundo o relatório sobre condições de trabalho, são exemplos de mecanismos capazes de reduzir a incidência de exploração de mão-de-obra infantil.
As más condições de trabalho se refletem no número de acidentes fatais (970 por dia e 350 mil por ano) e de mortes causadas por doenças relacionadas ao trabalho (5 mil por dia e 2 milhões por ano). Diretor de planejamento estratégico do Departamento de Saúde da África do Sul, Yogan Pillay creditou ao modelo de desenvolvimento vigente parte da culpa por esses problemas. O próprio documento lembra que, nos últimos 30 anos, as grandes corporações aumentaram sua influência e a racionalidade neoliberal passou a dominar as políticas públicas.
“Nos países pobres, o efeito dessas mudanças foi o estabelecimento de um novo padrão de crescimento econômico, que inclui condições precárias de trabalho e cortes de investimento público”. Yogan questionou o papel da saúde na determinância desses modelos: “Que tipo de Estado, sociedade e desenvolvimento nós queremos?”
MULTISETORIALIDADE
“É necessário um esforço para que essas informações cheguem de maneira útil aos gestores, à academia, aos movimentos sociais, de modo a influenciar a agenda política”, disse Paulo Buss na plenária “Políticas sob o ponto de vista dos países”, na manhã do último dia do evento. Buss observou que as ações que visam à diminuição das iniqüidades não dependem apenas do setor saúde. “A promoção da eqüidade necessita vitalmente de políticas públicas inter e multisetoriais: formuladas, implementadas e executadas de forma no mínimo articulada”.
O presidente da Fiocruz disse acreditar que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, vem caminhando na direção da intersetorialidade. Lembrou que o ministro tem sido bem-sucedido ao mostrar que o setor é gerador de riquezas, o que interessa aos ministérios da Fazenda e do Planejamento, por exemplo. “E não é uma geração de riqueza qualquer, é uma geração de riqueza a serviço do social”, frisou.
O relatório final da CNDSS vai refletir a preocupação com políticas intersetoriais, adiantou o secretário-executivo da comissão, Alberto Pellegrini. “Analisamos cerca de 100 programas de diversos ministérios e percebemos que são iniciativas fragmentadas”, avaliou. “Nossa intenção é institucionalizar a intersetorialidade”.
A comissão brasileira, aliás, recebeu elogios de Michael Marmot. “O trabalho do Brasil é muito impressionante, pois conseguiu atingir a sociedade e seus líderes, apoiado pela comunidade da saúde pública”, disse. Marmot indicou avanços da discussão sobre determinantes sociais no Reino Unido, no Canadá, no Sri Lanka e no Chile — cuja subsecretária de Saúde Pública, Lydia Amarales, participou do simpósio. “Se não atuarmos nos determinantes sociais da saúde, não diminuiremos a desigualdade e seguiremos tendo diferenças na morbidade e na mortalidade de acordo com classes sociais”, resumiu.
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