Alon Feuerwerker, Jornalista26/11/2007 20h22
Se o Palácio do Planalto e o Ministério da Saúde querem trabalhar, serviço é o que não falta. Se desejam ter realizações luminosas para mostrar, que adotem uma agenda positiva e viável, ainda que ela possa desagradar a interesses poderosos O governo federal foi politicamente esfolado na 13ª Conferência Nacional de Saúde (CNS). O encontro rejeitou, por exemplo, a maneira como o Palácio do Planalto vê a regulamentação da Emenda 29 — que garante verbas crescentes para o setor, proporcionalmente à elevação do Produto Interno Bruto (PIB). Rechaçou também a proposta governamental de implantar fundações estatais de direito privado, um atalho que o governo cultiva para vitaminar a máquina pública com regras mais flexíveis, especialmente para contratações e altos salários. Mais ainda: os delegados apoiaram a tese de que todo o dinheiro da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) vá para a saúde, coisa de que a área econômica não quer nem ouvir falar. Mas o revés mais retumbante, para o situacionismo, foi a decisão dos delegados da CNS de rejeitar a descriminação irrestrita do aborto. A tese é a jóia da coroa de uma agenda produzida pelo Ministério da Saúde para este segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Diante da escassez de realizações a mostrar, ou de boas idéias para atacar problemas agudos, inoculam-se no debate público temas polêmicos — como a legalização ampla do aborto e da droga. Enquanto isso, a dengue se alastra e pipocam as crises provocadas pelas baixas remunerações a quem presta serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS). Não que o expediente da agenda diversionista seja de todo ineficaz. Como as classes média e superior têm o domínio da opinião pública, a pauta comportamental serve para anestesiar os que, em tese, deveriam estar batendo no governo para exigir, por exemplo, que o pobre receba dos serviços de saúde um atendimento pelo menos parecido com o que recebem o rico e o classe média na saúde particular. Quais as medidas que o governo já tomou ou vai tomar para reduzir o tempo de espera por exames complementares na rede pública? Quais as medidas que o governo já adotou ou vai adotar para humanizar o atendimento ao cidadão comum nos pontos de entrada do sistema? Aliás, por falar em medidas, o que o governo tem feito (além de aparecer na tevê e dizer que o quadro é preocupante) para debelar a dengue? O rico paga médico particular e o classe média tem convênio. Talvez decorra daí que as perguntas do parágrafo anterior rendam pouco ibope. Especialmente quando a opinião pública está entretida com a agenda da descriminação do aborto e da liberação da droga. São dois temas que dividem profundamente a sociedade brasileira, ainda que todas as pesquisas apontem maiorias maciças anti-aborto e antidroga. Diante desse fato, seria politicamente mais inteligente que outros pontos passassem ao topo da agenda. Que tal encarar para valer a chaga do alcoolismo? Por enquanto, a solução proposta pelo Ministério da Saúde para o problema é anêmica: proibir a venda de bebidas nas estradas. Por que não enfrentar definitivamente a propaganda do álcool, como se fez com o fumo? E por que não desencadear também uma ação maciça de governo contra a obesidade, especialmente a infantil? É razoável que alimentos de altíssimo teor de calorias e gordura sejam impingidos às crianças por meio de brindes oferecidos em redes de fast-food? Levantamentos recentes indicam que os males do sobrepeso tendem a ser mais prevalentes entre crianças e jovens do que as doenças causadas pela fome. Qual é o impacto desse fenômeno no SUS? Por que nada de definitivo se faz a respeito? E a propaganda indiscriminada de remédios nos veículos de comunicação? Volta e meia aparece uma autoridade para lamentar os altos índices brasileiros de automedicação. Enquanto isso, o poder público assiste impávido ao massacre midiático promovido pelos laboratórios farmacêuticos, especialmente em programas com alta audiência entre a população mais pobre. É um mecanismo perverso: quem menos tem dinheiro para gastar com remédios desnecessários mais está exposto à propaganda que vende remédio como se fosse outro produto qualquer. Se o Palácio do Planalto e o Ministério da Saúde querem trabalhar, serviço é o que não falta. Se desejam ter realizações luminosas para mostrar ao final do quadriênio, que adotem uma agenda positiva e viável, ainda que ela possa desagradar a interesses poderosos. Por enquanto, só o que o governo está conseguindo é dissipar calor em polêmicas sem futuro. E sem base social, como bem indicou a 13ª Conferência Nacional de Saúde. Fonte: Coluna "Nas entrelinhas", jornal Correio Braziliense (20/11/2007), extraído do Blog do Alon (http://blogdoalon.blogspot.com/)
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