quinta-feira, 22 de maio de 2008

Com cofres cheios é bem difícil tentar recriar a CPMF


Faz muito tempo que o governo federal dispensa a paternidade de projetos politicamente incômodos. Não foi diferente com a mais recente tentativa de ressuscitar a CPMF. A manobra foi apresentada com todos os disfarces, pressões e ameaças, bem semelhantes aos praticados quando ficou claro que o Senado iria enterrar definitivamente a contribuição no último dia do ano passado. A desculpa para a recriação da CPMF era a mesma de quando o governo pretendia a prorrogação: ajudar a saúde. Desta feita, a urgência era até maior: ainda este mês deve entrar na pauta da Câmara dos Deputados a votação da Emenda Constitucional n 29, que impõe elevação nos gastos federais no setor de saúde. Em troca desse aumento de gastos, a bancada da saúde receberia a recriação da CPMF. A mecânica para essa compensação era até simples. Tudo começou com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), médico, aceitando a votação do projeto que regulamentava a Emenda 29, que tanto preocupava o governo, até o final deste mês. Essa emenda, já aprovada, define a obrigatoriedade de repasse pela União de 10% das receitas brutas para a saúde (hoje é 7%) de forma escalonada até 2011. O projeto de regulamentação da Emenda 29, do senador e também médico Tião Viana (PT-AC), previa um escalonamento desse repasse, com 8,5% das receitas brutas entregues à saúde neste ano, 9% em 2009, 9,5% no ano seguinte e, finalmente, 10% em 2011. Chinaglia aceitou definir a data da votação da regulamentação da Emenda 29 porque o líder do governo, o também médico Henrique Fontana (PT-RS), dera sinais de que levara a proposta de recriação da CPMF ao Planalto. Em outras palavras: marcada a data da votação, ante a pressão generalizada por encontrar verbas para aprovar o repasse maior à saúde, os deputados acabariam aceitando a recriação da CPMF. A oposição identificou a manobra e a denunciou com toda força. O Ministério da Saúde saltaria a receita dos atuais R$ 48,5 bilhões para R$ 58,4 bilhões. A sugestão de "encontrar" esses R$ 9,8 bilhões via nova CPMF repercutiu muito mal nos meios empresariais. Até o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, considerou que a recriação do imposto não seria um "bom sinal". O motivo da má reação é de fácil compreensão: o governo está com os cofres cheios e é muito difícil justificar mais imposto nessa situação. Basta lembrar que, mesmo com o fim da CPMF, segundo os números da Receita Federal, o governo arrecadou R$ 161,7 bilhões no primeiro trimestre de 2008, 12,9% acima do arrecadado no mesmo período de 2007. A coleta de todos os impostos disparou. Por exemplo, o Imposto de Importação cresceu 10,9% e o IPI, 7,25%. Vale notar que o IPI do fumo subiu 49,4% e o de automóveis, 43,8%. A arrecadação do Imposto de Renda de Pessoa Física subiu 27,6% e o de Pessoa Jurídica, 14,7%, sempre na comparação com o primeiro trimestre de 2007. Com receitas bem maiores, o argumento para a recriação da CPMF, de que a saúde precisa de mais recursos e o governo não tem de onde tirar, perde todo o sentido. Principalmente quando o Planalto assinou na semana passada a MP 430, autorizando o Ministério do Planejamento a gastar R$ 7,5 bilhões a mais neste ano para reajustar os salários dos servidores civis e militares da União. Ou seja, dinheiro para a saúde não há, mas há para aumento de salários do funcionalismo. O Orçamento da União já destinara R$ 3,5 bilhões para esse fim, mas a generosidade do governo neste ano parece ser bem maior. Somado o que estava autorizado , mais o recurso novo da MP, a folha de pagamento do governo federal engorda em R$ 11,5 bilhões, bem mais do que seria necessário para aumentar os recursos da saúde. O quadro ficou ainda mais difícil para novos impostos horizontais quando o governo decide fazer diversas renúncias fiscais verticais, definindo alguns setores em detrimento de outros. A intensidade e a generosidade dessas concessões indicam que o governo tem uma perspectiva especialmente otimista para a arrecadação deste ano. Aliás as primeiras estimativas de consultorias especializadas dão toda razão ao otimismo oficial: sem a CPMF, a carga tributária de 2008 deve crescer 0,92% do PIB, e passará dos 35,93% do produto registrado em 2007 para 36,85% do PIB deste ano. Frente a esse quadro, como o mero bom senso indicava, o ministro das Relações Institucionais informou que a coordenação política, na presença do presidente Lula, "por unanimidade" decidiu não propor a recriação da CPMF. Recursos novos para a saúde devem vir de escolhas corretas do governo para cortar gastos, e não da imposição de mais arrecadação. Governos sensatos lidam com momentos de fartura na receita com mais disciplina nas despesas. Escolher o caminho fácil de tentar arrancar mais tributo da sociedade sugere que a necessária e contínua avaliação da qualidade dos gastos públicos ainda não foi bem compreendida pelo governo.
Fonte: Jornal Gazeta Mercantil, Editorial, edição de 20/05/2008.

Nenhum comentário: