sexta-feira, 23 de maio de 2008

O definhamento do estado de direito.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Membro da Academia Brasileira de Filosofia.
JOÃO RICARDO MODERNO
Presidente da Academia Brasileira de Filosofia.
As promessas da Constituição de 1988 não se realizaram. A expectativa de um Estado Democrático de Direito ficou paralisada, pois somos menos um Estado de Direito que Democrático. A solidariedade tornou-se ideologia e expressão do ódio dissimulado. A independência dos Poderes vem sendo atropelada pela fúria do Executivo Federal. Os resultados não têm correspondido às intenções, possivelmente em razão de algumas delas serem inconfessáveis e criptografadas. A Constituição Cidadã tornou-se uma ante-sala da República Bolivariana do Brasil, tragicômica versão da Revolução Comunista Bolivariana.
O Governo Lula é uma hidra à espera de um Hércules. Uma de suas sete cabeças é a cabeça de Lênin. Do Lênin de "O Estado e a Revolução", de 1917. Essa cabeça prega o definhamento do Estado de Direito como etapa do aniquilamento do Estado Burguês enquanto expressão máxima da plena democracia. "A substituição do Estado Burguês pelo Estado Proletário não é possível sem Revolução Violenta", afirma Lênin (p. 27), prefaciado por Florestan Fernandes (Editora Hucitec, São Paulo, 1978), para quem a reedição do livro educará as classes trabalhadoras para a Ditadura do Proletariado: "A reedição surge em um momento propício: a pressão operária e o protesto sindical situam à nova luz a questão do espaço político democrático no seio de uma sociedade capitalista relativamente subdesenvolvida e dependente. (...) A divulgação de 'O Estado e a Revolução' é extremamente necessária em um momento como esse, no qual o avanço operário colide com as contrapressões vindas tanto das 'ilusões constitucionais', quanto das 'manipulações populistas'. Concebido como arma de luta, (...) que ele instrua os trabalhadores, os líderes sindicais e a juventude contestadora sobre as limitações do sufrágio universal, as debilidades intrínsecas da democracia constitucional e representativa, o caráter opressivo e repressivo da República democrática, a necessidade da Revolução Violenta. (...) O proletariado deve primeiro conquistar o Estado Burguês para, em seguida, transformá-lo e destruí-lo (p.XVIII)".
O "Estado Burguês" foi conquistado. Basta agora destruí-lo com o beneplácito e a colaboração principalmente do Executivo Federal. Não conseguem os Governo Federal e Estaduais fazer com que determinados movimentos respeitem a Carta Magna. MST, Vila Campesina e outros vivem exclusivamente da violação da Constituição e da lei, através de financiamentos, inclusive de Hugo Chávez, e desapropriações, parte delas barrada nos Tribunais. É o PAC do totalitarismo.
Depredação da Câmara dos Deputados, destruição de pesquisas científicas, de terras e de lavouras por tais movimentos, repudiados pela população e que pretendem impor sua ideologia sem passar pelo teste das urnas, têm sido uma constante e clara demonstração de que determinadas autoridades são coniventes com tais maculações da lei maior. Por outro lado, magistrados de Tribunais Regionais, inclusive da Suprema Corte, criticam o excesso de prisões preventivas de pessoas sem que haja processos instaurados ou autos lavrados, lastreadas em trechos pinçados de gravações telefônicas. A imprensa publicou manifesto de eminentes desembargadores, que ficaram estupefatos quando souberam da existência de 409.000 escutas telefônicas autorizadas no país, em 2007, tendo, inclusive, o Ministro Sepúlveda Pertence, em depoimento na Câmara dos Deputados, tecido duras críticas a tais abusivas ações. A violação de privacidade faz parte da destruição do "Estado Burguês".
Uma interpretação equivocada da Constituição quanto aos artigos 231 CF e 68 da ACDT, que ofertam direitos aos índios e quilombolas sobre terras que ocupavam (estejam ocupando, Art. 68) no momento da promulgação da lei suprema, e não que ocuparam no passado, tem gerado problemas. Por esta interpretação oficial, o presente do indicativo do texto maior passou a ser o pretérito perfeito, e onde se lê "ocupam" passou-se a ler 2
"ocuparam". Com isto, para aproximadamente 400.000 índios estão sendo entregues 15% do território nacional. O Brasil assinou a "Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas" atingindo letalmente a sua soberania. Dos raríssimos verdadeiros quilombolas, houve tal extensão conceitual do termo que a maior parte dos afro-descendentes passou a ser quilombolas por autodeclaração. O projeto legislativo 6264/2005, do Senador Paulo Paim, do Estatuto da Igualdade Racial em seu Título II, Capítulo VI, procura legalizar todas as transgressões já em curso. Ele repete o Decreto 4887/2003, do Presidente Lula, considerado inconstitucional.
Por outro lado, à luz de uma exegese controversa do que seja o neoconstitucionalismo, isto é, dar praticidade aos princípios constitucionais, o Poder Judiciário tem-se outorgado o direito de legislador positivo, não poucas vezes sobrepondo-se ao Poder Legislativo no suprir o que entende ser omissão daquele poder. Por sua vez, o Poder Executivo continua se utilizando das medidas provisórias ─ que só foram colocadas no texto constitucional porque a Constituição de 1988 foi concebida para fundamentar uma República parlamentarista ─, tornando-se, de rigor, o verdadeiro legislador. A solidariedade não se faz com o semear do joio, nem se cria uma grande nação com alicerces no ódio e no preconceito, favorecendo grupos contrários ao Estado de Direito, em benefício do Estado neopatrimonial parasitário, corrupto e antipatriótico.

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