sexta-feira, 27 de junho de 2008

ONG tenta impedir concessão de patente do Tenofovir na Índia


Se direito for reconhecido, Brasil não terá como importar genérico do país.

Lígia Formenti, Brasília

Uma nova frente de disputa contra a patente do Tenofovir, um dos mais caros medicamentos de aids usados no Programa Nacional de DST-Aids, foi aberta ontem por brasileiros. A Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) apresentou na Índia um recurso contra a concessão da patente para o remédio, que está em análise naquele país. O interesse se justifica: caso o direito seja reconhecido na Índia, o Brasil não terá como importar versões genéricas do Tenofovir lá produzidas.
No recurso, chamado de oposição, a Abia argumenta que o medicamento não traz inovações, requisito indispensável para que a patente seja concedida. "A substância ativa do Tenofovir é conhecida desde a década de 80", afirma Renata Reis, advogada da Abia e coordenadora do Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual.
O recurso, proposto conjuntamente com a organização não-governamental indiana Sahara Centre for Residential Care & Rehabilitation (Sahara), tem dois objetivos básicos. Garantir que o Brasil tenha acesso a versões genéricas do remédio e ao princípio ativo - ponto de partida para a fabricação do anti-retroviral no Brasil.
A patente do Tenofovir é considerada "frágil" em várias partes do mundo.
O escritório norte-americano negou a patente para a droga, produzida pela Gilead. No Brasil, um processo para concessão do direito está em análise no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Na primeira etapa do processo a indústria saiu perdedora.
Em abril, o INPI fez um relatório contrário à concessão do direito. A Gilead, agora, tem até dia 7 de julho para contestar. Quando isso for feito, o INPI deverá emitir a decisão final. A grande expectativa é de que o direito seja negado.
"Embora estejamos confiantes de que a patente do Tenofovir não será concedida no Brasil, precisamos assegurar que opções de versões genéricas produzidas na Índia estejam disponíveis para nosso programa de aids", disse o coordenador-geral da Abia, em nota. "Isso vai contribuir para a sustentabilidade da política de acesso universal de nosso programa de aids, no qual a vida de 180 mil brasileiros depende no momento."
O interesse pelo medicamento genérico é explicado por Renata. Caso a patente não seja reconhecida no Brasil, uma boa alternativa para abastecer o mercado será buscar medicamentos genéricos. Boa parte delas, produzida na Índia.
Foi assim, por exemplo, que o Brasil fez com o Efavirenz, o anti-retroviral cuja licença compulsória foi decretada pelo governo no ano passado. Como o Brasil não tinha condições imediatas de produzir a droga, recorreu ao mercado internacional.
"O acesso a versões genéricas e à matéria-prima é essencial. A primeira, permite uma solução imediata para o abastecimento, quando é preciso fugir dos altos preços do fabricante", afirmou Mário Scheffer, do Grupo pela Vidda. "E a matéria-prima é essencial para uma etapa seguinte: quando o País começar a produzir a droga", completou.
A ameaça à obtenção da matéria-prima tem como origem um recurso, proposto em 2006 por ONGs também no processo de patente do remédio na Índia. Numa reação aos recursos, mesmo antes de serem julgados, a Gilead ofereceu licenças voluntárias a várias empresas indianas de medicamentos genéricos. Tais acordos, porém, trazem cláusulas que proíbem a venda de matéria-prima ou do remédio acabado para países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. "E as conseqüências são claras. No Brasil, a empresa vende o Tenofovir por US$ 1.387 por paciente. Na Índia, a versão genérica mais barata custa US$ 158 por paciente ao ano.

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