segunda-feira, 30 de junho de 2008

Proposta de desoneração da contribuição sobre a folha


Por Fernando Gaiger Silveira e Leonardo Rangel (*) A desoneração da contribuição previdenciária sobre os salários é assunto sempre em voga nos debates sobre as mudanças tributárias que devem ser realizadas. Chama a atenção que, apesar de ter defensores em todas as arenas, tanto políticas como técnicas, ela ainda não se tornou realidade. Além de ser um consenso, a proposta conta com base legal para sua efetivação, uma vez que a Emenda Constitucional nº 41/2003 alterou o artigo 195 da Constituição Federal, permitindo a substituição parcial ou total da contribuição patronal incidente sobre a folha de salários por "contribuição específica incidente sobre a receita ou faturamento", a ser aplicada de forma não-cumulativa. Na proposta de reforma tributária recentemente enviada pelo governo ao Congresso Nacional, mais uma vez a desoneração se faz presente, com a redução gradativa das alíquotas da contribuição patronal sobre a folha, a ser definida em lei, e a extinção da chamada contribuição social do salário-educação, de 2,5% sobre a folha de salários. E por que ela não vinga? O consenso quanto à sua necessidade não implica em concordância quanto aos seus efeitos. Há estudos que apontam ganhos no grau de formalidade e no nível de emprego e os que identificam impactos nas remunerações. Por outro lado, quando se avaliam medidas de desoneração da folha, parece haver um trade-off entre formalidade, de um lado, e desigualdade, de outro, contrabalançadas pela tributação sobre receita ou valor agregado (consumo), para que se preserve a arrecadação. Efetivamente, quando se tem impactos positivos no emprego e na formalidade, esses não se observam na desigualdade, e vice-versa.Há, ainda, aqueles que defendem a desoneração contrabalançada por outros tributos, como forma de ampliar ainda mais o leque de financiamento da seguridade, pois isso diminui a vinculação entre financiamento da Previdência e folha de salários. Com preocupação oposta, há os reticentes em vista dos possíveis efeitos sobre as contas previdenciárias, já que não se tem clareza quanto a qual fonte alternativa deva ser empregada, seja ela um novo imposto/contribuição, seja a elevação de alíquota de um tributo. Ademais, quanto se terá de elevar a alíquota para "cobrir" a perda fiscal decorrente da desoneração? Recentemente, a "urgência" da medida - na suposição de que a alta "carga" sobre a folha seja uma das causas dos níveis de informalidade e, até mesmo, do desemprego - tem perdido força devido ao desempenho positivo do mercado de trabalho formal. Considerando essas críticas ou preocupações, e tendo em vista o fato das contribuições previdenciárias serem muito pouco progressivas (proporção das contribuições na renda similares entre pobres e ricos), defendemos uma desoneração focalizada nos baixos salários. A relativa neutralidade das contribuições não opera como proteção, pois os pobres tem menor grau de filiação Essa proposta tem algumas vantagens frente a desoneração linear: 1) menor custo fiscal, possível de ser neutralizado pelo desempenho recente do mercado de trabalho; 2) os ganhos distributivos, pois nossa proposta, ao desonerar também a parcela dos empregados, implica na elevação da renda disponível para os mais pobres; 3) fortalecimento do caráter solidário da Previdência Social brasileira, ao abrandar a carga de financiamento sobre os trabalhadores de menor renda; e 4) aliviar a carga tributária sobre as empresas que operam atividades intensivas em trabalho. A relativa neutralidade das contribuições não opera como proteção, dado que, entre os pobres, assiste-se a um menor grau de filiação. Efetivamente, segundo os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 2002-2003, as contribuições previdenciárias recolhidas pelos trabalhadores representavam 2,1% da renda dos 40% mais pobres e 3,1% nos da renda dos 20% mais ricos, ao passo que o percentual de domicílios que contava com algum membro contribuinte era de 24,5% e de 69,5%, respectivamente. A desoneração, enquanto medida de aprofundamento do caráter solidário da Previdência, pode, nessa direção, complementar outra defendida recentemente, de se ampliar o teto de contribuição desvinculando-o do teto dos benefícios. Em termos práticos, nossa proposta de desoneração focalizada possui quatro cenários básicos: i) isenção para os primeiros R$ 100 pagos como salários; e desonerações com ii) contribuição patronal de 15% e dos empregados de 4% para o primeiro salário mínimo; iii) contribuição patronal de 18% e dos empregados de 4% para o primeiro salário mínimo; iv) contribuição patronal de 18% e dos empregados de 5% também para o primeiro salário mínimo. Com relação ao mercado de trabalho de 2006, o custo fiscal (diminuição da arrecadação) para cada um dos quatro cenários de desoneração focalizada resultaram, respectivamente: R$ 4,6 bilhões, R$ 7,9 bilhões, R$ 5,7 bilhões e R$ 4,7 bilhões. Calculamos também o quanto deveria crescer a massa salarial ou o número de vínculos (supondo a mesma estrutura salarial) para neutralização dos custos fiscais desses quatro cenários de desoneração focalizada. Os resultados estão apresentados na tabela. Ao se cotejar os resultados da tabela acima com a recente evolução do mercado de trabalho no Brasil, temos como resultado que, mesmo para o cenário (ii), mais custoso em termos fiscais, a elevação da massa salarial entre 2006 e 2005, medida pela Rais em 11,96%, permite que a desoneração focalizada seja feita de modo mais imediato e sem grandes conseqüências negativas para as contas da Previdência.
(*) Fernando Gaiger Silveira é engenheiro agrônomo (USP), pesquisador do Ipea, doutor em Economia (Unicamp) e coordenador da área de previdência social na Diretoria de Estudos Sociais; Leonardo Rangel é economista (UFRJ), pesquisador do Ipea, mestre em economia (UNB) e doutorando em Economia (UNB). Artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição de 27/06/08.

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