
Com três meses de atraso, várias tentativas fracassadas de acordo e muito bate-boca entre governo e oposição, o plenário do Congresso Nacional enfim votou, na noite de 12 de março, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2008, que prevê despesas de R$ 1,423 trilhão para a União. O texto já inclui as perdas resultantes da extinção da CPMF — originalmente, o corte previsto seria de R$ 40 bilhões, revisto para R$ 12,4 bilhões a partir do aumento da arrecadação de impostos. Mesmo assim, esperava-se do Ministério do Planejamento um contingenciamento de R$ 12 bilhões — ou seja, o tradicional bloqueio de recursos do orçamento que o governo desvia majoritariamente da área social para pagamento dos juros da dívida do país. No ano passado, R$ 16 bilhões foram contingenciados. A área social participou com 46%: o Ministério da Saúde sozinho perdeu R$ 5,7 bilhões. Para este ano foram reservados à Saúde R$ 48,4 bilhões, não os R$ 47,8 bilhões da proposta original. Apesar do aumento, especialistas e defensores do SUS garantem que os recursos são insuficientes. Para o sanitarista Gilson Carvalho, pediatra que se especializou em financiamento da saúde, o mínimo indispensável seria de R$ 58 bilhões: os R$ 47,8 bilhões anunciados na proposta orçamentária acrescidos de cerca de R$ 6 bilhões, conforme apontaram Conass e Conasems, os conselhos nacionais dos secretários estaduais e municipais de Saúde, mais R$ 4 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento da Saúde (o PAC-Saúde). “Eles chamam atenção para a necessidade de mais recursos para a atenção básica, para média e alta complexidade, para atendimento de emergências e para medicamentos excepcionais”, lembra Gilson. Joellyngton Medeiros, especialista em Economia da Saúde e assessor técnico do Conasems, esclarece que os R$ 20 bilhões previstos na proposta orçamentária original para média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, por exemplo, não bastam. “Podem trazer significativas dificuldades para oferta e ampliação de atendimento”, salienta. E cabe ressaltar que os recursos previstos representam aumento de R$ 605,23 milhões (3,12%) em relação à LOA de 2007. Mas, tomando como base a população brasileira do ano passado (189.335.187 habitantes), esse valor equivale a R$ 105,63 per capita. “Apesar do aumento sobre 2007 (R$ 102,44 per capita), esses recursos são insuficientes para fazer frente ao reajuste na tabela de procedimentos e ao aumento dos limites financeiros das unidades federais desse último quadrimestre”, compara. Repasse insuficienteA proposta, segundo o especialista, teria que contemplar várias questões: os limites financeiros atuais, recursos para novos serviços, aumento na tabela de procedimentos e redução das desigualdades regionais. “A partir desses parâmetros, faz-se necessário um aumento de pelo menos R$ 4,5 bilhões em média”, calcula. Para a atenção primária, a proposta orçamentária de 2008 reservara R$ 3,05 bilhões, um incremento de 2,7% em relação a 2007 — também insuficiente. “Como esses recursos são repassados com base per capita, fundo a fundo, tomando-se a população brasileira de 2007 e considerando-se que há municípios em que o per capita chega a R$ 18, conclui-se que há pouca ou nenhuma margem para qualquer incremento”, avalia. Joellyngton sugere que o repasse federal per capita — hoje de R$ 15 — atinja R$ 18,59 por habitante ao ano. Isso porque a inflação acumulada de janeiro de 1998 (quando da implantação do Piso da Atenção Básica) até outubro de 2007 ficou em 85,87%, conforme o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) medido pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe) para o setor saúde. Assim, aplicado esse índice ao per capita de R$ 10 em 1998, o resultado seria de R$ 18,59, sendo necessários mais R$ 3,5 bilhões. “O que implica acréscimo de aproximadamente R$ 469 milhões ao orçamento de 2008, segundo a proposta inicial”, acentua. Progressão alarmante Outro segmento da saúde que exige mais dinheiro é o de medicamentos excepcionais. “A progressão de gastos totais com eles é alarmante”, observa. Em 2002, foram gastos R$ 638,6 milhões; em 2003, R$ 1,05 bilhão; em 2004, R$ 1,4 bilhão; em 2005, R$ 1,9 bilhão; em 2006, a estimativa é de R$ 2,3 bilhões; em 2007, de R$ 2,8 bilhões. Para este ano, a previsão de gasto é de R$ 3,3 bilhões, equivalentes ao valor de 2007 mais a variação média dos últimos dois anos (20%). “Em nosso entendimento, dos gastos totais o ministério deve arcar com 80%”. Por isso, no orçamento de 2008, a esse bloco deveria ser repassado o valor de R$ 2,6 bilhões, o que representa necessidade de acréscimo de R$ 708 milhões à proposta orçamentária. Nessa lógica, o montante a mais destinado ao Ministério da Saúde deveria ser de pelo menos R$ 5.960.526.292,00, assim discriminados: R$ 4.582.515.165,00 para o bloco da Média e Alta Complexidade, contra os atuais R$ 24.582.515.165,00 da proposta votada no Congresso; R$ 3,05 bilhões para a Atenção Básica, contra os atuais R$ 469.741.127,00; R$ 1,980 bilhão para os medicamentos excepcionais, contra os atuais R$ 708 milhões; e R$ 200 milhões para as unidades do componente pré-hospitalar fixo da Política Nacional de Atenção às Urgências. Gilson Carvalho defende a retomada, no Senado Federal, do projeto original de regulação da Emenda Constitucional 29 do ex-deputado Roberto Gouveia (PLP 01/2003) ou o do senador Tião Viana (PLS 121). Os dois determinam que a União destine 10% de suas receitas correntes brutas à saúde. Essa proposta foi retirada e substituída pela variação nominal do PIB acrescida de R$ 24 bilhões em quatro anos, quando da aprovação do PLP 1-B/03 na Câmara dos Deputados, em outubro de 2007. “Nossa expectativa é que o projeto original volte a ser votado no Senado”, diz. “O que foi aprovado na Câmara caducou, pois o aumento estava condicionado à aprovação da CPMF, rejeitada posteriormente”. Aprovada no Senado, a proposta teria que voltar à Câmara para nova votação. Tarefa árdua Calcular quanto se gasta com saúde no Brasil continua tarefa árdua. “Temos dificuldades em obter dados precisos e seguros”, lamenta Gilson. Por isso ele costuma dizer que “faz o exercício de estimar”. Foi dessa forma que se debruçou sobre os gastos da área em 2007, tanto do setor público quanto do privado. Em 2007, os gastos em saúde pública foram de R$ 94,41 bilhões. Os dispêndios federais do Ministério da Saúde, segundo relatório da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento, entregue rotineiramente ao Conselho Nacional de Saúde, chegaram a R$ 44,343 bilhões (até dezembro). Quanto aos estados, sem declaração do Siops, a estimativa é de R$ 24,33 bilhões (com base nos R$ 22,42 bilhões gastos em 2006 acrescidos de reajuste de 8,52%, segundo a taxa de variação nominal do Produto Interno Bruto). Esse montante revela que 18 das 27 unidades da Federação deixaram de cumprir a EC 29. “São os grandes vilões do orçamento”, aponta Gilson. Mas são também vítimas, “pois é a área econômica que lhe nega os recursos mínimos”, atenua. Também sem as informações de 2007, sabe-se que os gastos dos municípios, em 2006, segundo o Siops, foram de R$ 23,73 bilhões. Feita a correção, a estimativa para 2007 é de R$ 25,75 bilhões. Segundo estudos de Gilson, é cada vez menor a participação da União no financiamento da saúde e maior a responsabilização de estados e municípios. Em 1980, a União participava com 75%; estados, com 17,8% e municípios, com 7,2%. Em 1995, respectivamente, 63,8%, 18,8% e 17,4%; em 2000, 59,74%, 18,53% e 21,73%; em 2006, 46,7% (União), 26,12% (estados) e 27,18% (municípios). Depois das transferências constitucionais, porém, os recursos deveriam ficar da seguinte forma: 60% da União, 24% dos estados e 16% dos municípios. Se então foram gastos R$ 94,41 bilhões com a saúde em 2007, à União caberia uma participação de R$ 56,65 bilhões (60%); aos estados, de R$ 22,65 bilhões (24%); e aos municípios, R$ 15,11 bilhões (16%). “Nesse raciocínio, do óbolo da viúva, quem menos arrecada é que está gastando mais”. Baixa participação De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE de 2003, que são os últimos dados disponíveis neste início de 2008, e depois de um reajuste de 21,8% a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 2007, Gilson calcula que o gasto privado total com saúde no ano passado foi de R$ 67,49 bilhões. Esse valor implica gastos com medicamentos (R$ 27,38 bilhões), com planos e seguros de saúde (R$ 19,04 bilhões) e o desembolso direto com consultas, exames, internações, entre outras ações (R$ 21,07 bilhões). Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o gasto com planos e seguros em 2006 foi de R$ 41,80 bilhões. Como esses recursos não incluem o sistema de auto-gestão patrocinado, Gilson acrescentou 5%, elevando o gasto com planos e seguros a R$ 43,89 bilhões. Considerando-se ainda o aumento do número de beneficiários e a correção dos valores dos planos e seguros entre 2005 e 2006 (13,54%), mais medicamentos e desembolso, estima-se que o setor privado gastou no ano passado R$ 98,38 bilhões. Ao setor público coube, portanto, participação no financiamento da saúde em 2007 de 49%, e ao setor privado, de 51%. Um total de R$ 192,79 bilhões, ou R$ 1.050,00 por brasileiro ao ano. “Em termos mundiais, o dólar valendo R$ 2,17 segundo o câmbio de 3 de julho de 2007, calcula-se que o gasto por brasileiro é de US$ 483,87. Somente os Estados Unidos gastaram no ano passado US$ 7.500 per capita com saúde”, compara Gilson.
Fonte: RADIS, nº 68, edição de abril de 2008