quarta-feira, 30 de abril de 2008

O espetáculo da FOME.


Luciano Martins Costa em 30/4/2008 às 9:01:54 AM

A ONU anuncia uma campanha internacional para a coleta de fundos destinados a evitar que a inflação de alimentos produza uma tragédia nas comunidades mais pobres de todo o mundo.Segundo os cálculos de técnicos da FAO, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentos, serão necessários 2 bilhões e meio de dólares para assegurar a nutrição dos povos mais vulneráveis neste momento de emergência.Não há como não recordar as grandes campanhas lideradas por cantores pop na década de 1980, contra a fome em Bangladesh.E é exatamente esse o espetáculo que já se desenha em palcos da Europa.Hoje, a imprensa que se dedica ao entretenimento já começa a especular quem seria o líder da campanha da ONU.Os nomes dos cantores Bono Vox e Sting lideravam as primeiras listas.Pode parecer estranho a quem não esteja observando as mudanças que marcam a imprensa nas duas últimas décadas, mas é fato notório que cada vez mais se consolida a mescla entre a informação dita séria e o entretenimento.Os americanos até cunharam a expressão equivalente a "infotenimento" para identificar o fenômeno.Trata-se da mobilização de grandes multidões a partir de notícias relacionadas ao mundo do espetáculo e do lazer, em ondas que afetam a economia e a política.Nesse universo, as celebridades são os novos oráculos e um escândalo envolvendo o jogador de futebol Ronaldo pode atrair mais leitores do que uma nova encíclica do papa.Nesse cenário, faz sentido o lançamento de uma campanha contra a fome que receba o aval de celebridades.Num período em que faltam lideranças políticas e se esgarçam as ideologias, a necessária mobilização das vontades tem que acontecer da maneira que for possível.E a imprensa joga um papel fundamental nesse movimento.Há um mês, desde quando foi feito o primeiro alerta sobre as conseqüências da inflação de alimentos, a imprensa considerada séria vem batendo cabeça, incapaz de informar seus leitores sobre a gravidade e as razões da emergência – e nem mesmo ensaiou uma proposta de solução para o problema.Agora que a fome está na iminência de virar espetáculo, com certeza o tema vai encher páginas e mobilizar corações e mentes.Tudo bem, desde que a imprensa fiscalize o movimento do dinheiro até os pratos dos famintos.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Emenda 29 vira um mistério no Senado.


29/04/2008
Alguma força quer varrer para debaixo do tapete azul do Senado as notas taquigráficas que registram a aprovação do projeto de lei que regulamenta a Emenda 29, aquela que obriga Estados, municípios e União a cumprirem repasses para a saúde.

O fato é que nem os governadores, tampouco o presidente Lula, gostaram de ver sair da gaveta algo que deveria ficar lá. Pois bem, na quinta-feira à noite, a secretária da Mesa Diretora do Senado, Cláudia Lyra, avisou a um boquiaberto senador Pedro Simon (PMDB-RS) que o texto terá de ser votado novamente. Depois da bronca de Lula, os governistas que cochilaram voltarão a plenário e, agora, a Emenda corre o risco de cair. E o que permite nova votação? O governo garimpou e achou uma brecha para derrubar a aprovação. Um erro, ainda não explicado, numa emenda do relator do projeto, Augusto Botelho (PT-RR). Ele avisou a assessores que não aparece esta semana em Brasília. Mas Simon vai à tribuna. Alguém terá de dizer o que está acontecendo.

Texto: Leandro Mazzini / Jornal do Brasil

Escolhe a escola.


Escrito por Frei Betto
28-Abr-2008

Não deixa a tua cozinheira, senhora do sabor e da arte do saber – o que convém à mesa –, perdurar como incidadã analfabeta. Escolhe a escola.

Sabes aquele garoto junto ao sinal vermelho que te cessa o trânsito da vida? Aquele acrobata amador que faz bailar sobre a cabeça meia-dúzia de bolas ou garrafas? Não dê a ele esmolas, abra-lhe horizontes, aplaca-lhe a fome de humanidade. Escolhe a escola.

Se empregas um jovem de cujo trabalho recebes teu bem-estar, não o deixes absorvido a ponto de impedi-lo de ler, aprimorar sua cultura e seu preparo intelectual. Escolhe a escola.

Não te entregues à ociosidade inútil de tua aposentadoria, teu tempo absorvido por programas televisivos de mero entretenimento, os dias a escorrer céleres a apressar-te a velhice, como se as folhas despidas no outono não mais retornassem no vigor da primavera. Escolhe a escola.

Se enfrentas a atroz dúvida de como presentear os mais jovens, sem a certeza de que haverás de agradá-los, invista no futuro deles, não dês embrulhos, e sim matrículas. Escolhe a escola.

Evita que a tua mente se entorpeça por falta de uso ou uso rotineiro de tuas ocupações habituais. Amplia a tua visão, aprende um idioma ou a tocar um instrumento musical, matricula-te no curso de trabalhos manuais ou na oficina de cerâmica. Escolhe a escola.

Há por toda parte muitos cursos que ultrapassam os currículos convencionais, de culinária e bordado, ikebana e yoga, natação e tai chi chuan; cursos por internet e TV, correspondência e manuais de autodidatismo. Escolhe a escola.

Se encontras um adolescente no meio rural, entregue precocemente à labuta diária, sem outra cultura senão a que deriva de seus afazeres e da convivência com os guardiães da memória local, ajuda-o a aprender que o mundo é mais vasto que a sua aldeia. Escolhe a escola.
Todos temos algo a aprender e ensinar. Não guardes para ti os teus conhecimentos, as tuas habilidades, tantas informações a adularem tua auto-estima. Socializa-os, divulga-os, partilha com o próximo o teu saber. Escolhe a escola.

Se tens tempo livre e podes trabalhar como voluntário, animando crianças em seus deveres escolares, treinando jovens em suas habilidades profissionais, entretendo idosos com as tuas histórias e leituras, não deixa enterrados os teus talentos. Escolhe a escola.

Se freqüentas ou tens contato com uma escola, procura fazer com que ela dialogue com outra escola, troque experiências e conhecimentos, intercambie alunos e professores, tornando-se escolas irmãs. Tece entre elas uma rede solidária. Escolhe a escola.

Saibas que todas as crianças e todos os jovens envolvidos com criminalidade estão fora da escola; e muitos são trabalhadores precoces, desprovidos de infância e juventude, direitos trabalhistas e salário justo. A favor de uma nação saudável, de cidadania plena, escolhe a escola.

Ao escolher a escola, luta para que todos tenham acesso a ela, e que o ensino seja repartido gratuitamente como os raios solares. Empenha-te para que a escola seja de qualidade, os professores bem preparados e remunerados, as instalações adequadas e limpas, os recursos fartos, os equipamentos atualizados. Mas escolhe a escola.

Não se faz cidadania sem escolaridade, nem democracia sem cultura centrada nos direitos humanos e na prática intransigente da justiça. Não se aprimora o humano sem ética e valores infinitos enraizados na subjetividade. Escolhe a escola.

A escola nem sempre se resume a uma construção retalhada em salas de aulas, preenchida por alunos devidamente matriculados. Faz-se escola sob a tenda indígena ou a lona do assentamento, no quintal de casa ou na sala de uma igreja, na garagem ao lado ou no cinema cedido às aulas matinais. Escolhe a escola.

Doenças endêmicas, como a dengue ou a febre amarela, a leishmaniose ou a xistosomose, seriam facilmente evitadas se as pessoas tivessem suficiente educação para cuidar da higiene de si e do ambiente em que vivem, dos artefatos que manipulam e dos alimentos que consomem. Escolhe a escola.

E ao escolher a escola, não permitas que em torno delas os políticos inflem seus discursos demagógicos. Exige deles – nossos servidores públicos – compromissos efetivos e assinados, de modo que a educação, de qualidade e para todos, seja considerada prioridade neste país. Ao votar, escolhe candidatos comprovadamente empenhados em transformar o Brasil numa imensa escola voltada ao fortalecimento da cidadania e ao aprimoramento da democracia.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho, de "Essa escola chamada vida" (Ática), entre outros livros.

domingo, 27 de abril de 2008

Medida Provisória avançou ao estabelecer punições mais severas para quem bebe e dirige.


"Medida Provisória avançou ao estabelecer punições mais severas para quem bebe e dirige" declarou Ministro da Saúde.


ENSP, dia 25/04/2008


O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, afirmou que continua defendendo a restrição total à comercialização de bebidas alcoólicas nas estradas brasileiras, em áreas urbanas ou não urbanas. A Medida Provisória nº 415, aprovada nesta quarta-feira (23/04), pela Câmara dos Deputados, instituiu a proibição da venda de bebidas alcoólicas às margens de rodovias federais apenas em áreas não urbanas. Temporão, no entanto, considerou que a MP avançou ao estabelecer condições mais severas para a relação entre a bebida e a direção, e ao mudar o padrão de nível de consumo máximo de álcool na corrente sanguínea. "Mesmo com a flexibilização da permissão da comercialização em áreas urbanas, admito que houve avanço em aspectos que são importantes e relevantes. Minha expectativa é de que o Senado aperfeiçoe ainda mais o projeto e que a gente possa comemorar a redução sustentada dos índices de acidentes de trânsito nos anos subseqüentes", disse. O ministro enfatizou também que o projeto aprovado pela Câmara só terá sucesso com fiscalização e que a Medida Provisória transfere grande responsabilidade aos comerciantes e aos cidadãos. "Só a associação entre educação, conscientização e fiscalização vai permitir a redução dos acidentes de trânsito, que é o objetivo último da MP que o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional", completou. Código de Trânsito O texto aprovado na Câmara considera como bebida alcoólica aquela com concentração de 0,5º Gay-Lussac (GL) ou superior, contribuindo para inserir cervejas, vinhos e bebidas do tipo ice, na lista de bebidas alcoólicas. No Brasil, para 61% dos brasileiros a cerveja é bebida alcoólica preferida e a mais consumida, de Norte a Sul, de acordo com levantamento realizado ano passado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Entre 2001 e 2005, o percentual de dependência de álcool entre jovens de 12 a 17 aumentou 35%. Outra preocupação do Ministério da Saúde foi revelada pelo Vigitel (Monitoramento de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico): adultos jovens com idades entre 18 e 24 anos formam o perfil da população que mais ingere bebidas alcoólicas nas capitais brasileiras. De acordo com a pesquisa, todos os dias, 150 mil brasileiros, homens e mulheres, após ingerirem de quatro a cinco doses de bebida alcoólica, dirigem. A partir de investigação com motoristas de São Paulo, em 2007, a Unifesp identificou que quase metade (48%) dos que beberam acima do permitido pelo Código de Trânsito Brasileiro atualmente (dirigir sob influência do álcool em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica) já tinham se envolvido em acidentes de trânsito. Entre os que beberam, 74% não apóiam medidas de fiscalização com bafômetros. Com a nova lei, o consumo de qualquer quantidade de bebida passa a ser infração gravíssima, punida com multa de cinco vezes o valor-base desse tipo de infração e suspensão do direito de dirigir por doze meses. Além disso, a carteira de motorista é apreendida e o veículo é retido até a apresentação de condutor habilitado. O condutor envolvido em acidentes de trânsito ou parado para fiscalização que se recusar a se submeter a testes para verificar a influência do álcool receberá essas mesmas penalidades. Além do bafômetro, poderão ser usadas outras provas admitidas em Direito para caracterizar o alcoolismo do motorista. Venda proibida A proibição de comercialização continua a existir em áreas não urbanas, e atinge a chamada faixa de domínio (trecho que margeia a rodovia em ambos os lados) e os acessos diretos à rodovia. O comerciante que desrespeitar a proibição está sujeito a multa de R$ 1,5 mil. Em caso de reincidência, ela é aplicada em dobro, juntamente com suspensão de funcionamento por até um ano. Os pontos de comércio em beiras de rodovias devem fixar aviso dessa proibição em local de ampla visibilidade, sob pena de multa de R$ 300. A fiscalização da comercialização de bebidas alcoólicas será feita pela Polícia Rodoviária Federal, mas os municípios e o Distrito Federal poderão realizá-la por meio de convênios, mantendo comunicação com a polícia, com o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit) e com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) sobre a reincidência para a suspensão da autorização de funcionamento. -->Fonte:
Ministério da Saúde

Câmara tem o dever cívico de aprovar imediatamente a EC 29


Jorge Carlos Machado Curi - presidente da Associação Paulista de Medicina
Publicado no(a): Em: 23/4/2008


Desde que foi aprovada em 2000, graças à mobilização dos diversos agentes do setor e dos deputados da Frente Parlamentar de Saúde, a Emenda Constitucional 29 é uma unanimidade entre médicos, equipes multidisciplinares, gestores, administradores hospitalares e parlamentares. Todos têm a convicção de que a vinculação orçamentária de investimentos é fundamental para fazer frente aos incontáveis problemas do Sistema Público de Saúde (SUS). Coerentemente, já há oito anos, lutam por sua regulamentação, unidos, e com enorme obstinação. Acontece que a área econômica do Governo Federal conseguiu, ao longo do tempo, barrar todas as tentativas da regulamentação da EC 29 no Congresso Nacional. Provavelmente por falta de visão política; talvez ainda pela ausência de um compromisso de fato com os cidadãos. Adotou-se a tática de adiar a votação por tempo indeterminado. Lamentavelmente ficaram, assim, distintas brechas abertas para o desvio de recursos a outras áreas. Foi dessa maneira que a primeira tentativa de regulamentação da EC 29 parou no meio do caminho. Apresentada pelo deputado Roberto Gouveia, sob forma do Projeto de Lei Complementar 001/2003, até foi aprovada pela Câmara dos Deputados quase quatro anos depois, em 31 de outubro de 2007. Só que não evoluiu no Senado Federal por pressão política dos gestores da economia. Contudo, após as contínuas manifestações das entidades médicas e da Frente Parlamentar da Saúde, o Senado Federal conseguiu driblar a vigilância dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. Em 9 de abril último, aprovou outra iniciativa de regulamentação. Por maioria absoluta de votos, os parlamentares sufragaram o Projeto Substitutivo do senador Augusto Botelho (PT-RR) ao PLS 121/2007, de autoria do senador Tião Viana (PT-AC), que, além de acabar com os desvios de recursos da saúde, garante mais dinheiro para o SUS, aumentando os investimentos em cerca de R$ 23 bilhões dentro de um processo de escalonamento que vai até 2011. Para a Associação Paulista de Medicina (APM), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e demais entidades, a vitória deve ser comemorada por todos os médicos, por todos os profissionais de saúde e pela população, obviamente. Porém, foi apenas um round de uma luta que se estende agora na Câmara dos Deputados. Afinal, só virará Lei após o aval do Legislativo. Com o intuito de sensibilizar as lideranças políticas de todas as regiões do país, representantes da APM, da AMB, de sociedades de especialidades e diversas outras entidades nacionais e estaduais iniciaram um corpo-corpo importante dias atrás. Foram ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, de quem obtiveram um compromisso público de apoio à EC 29 e de trabalhar junto a seu partido para que isso ocorra com brevidade. Os mesmos representantes também agendam uma conversa com o governador José Serra, que, aliás, inúmeras vezes já se manifestou favorável à emenda. Dia 17, houve uma grande manifestação em Brasília. Profissionais de medicina de todas as regiões promoveram um ato público no Congresso Nacional em defesa do SUS, de uma saúde pública eficiente, de melhores condições de trabalho e remuneração para todos os profissionais de saúde. Essas ações são relevantes lições de cidadania. Faz tempo que médicos e profissionais de saúde alertam para o problema gravíssimo que representa a insuficiência de investimentos em setor tão vital. Infelizmente, o pior já está acontecendo: o Rio de Janeiro enfrenta uma epidemia de dengue, o interior de São Paulo passa por ameaça semelhante, e o Brasil como um todo sofre com a falta de políticas consistentes para o combate à febre amarela, e à leishmaniose e à tuberculose, entre outras doenças. A despeito do problema crônico de financiamento e de suas conseqüências, pesquisas de opinião confirmam que os médicos têm enorme prestígio e credibilidade com a população. O SUS, da mesma forma, faz milagres e apresenta impressionantes números de atendimentos, cirurgias, transplantes, entre outros procedimentos. Contudo, isso não esconde uma situação caótica: hospitais endividados, profissionais de medicina desesperançados, filas intermináveis, macas em corredores com pacientes à beira da morte e por ao vai. Com o caos iminente na saúde, os médicos buscam apoio na sociedade, em setores progressistas, e personalidades que já expressaram preocupação com a escassez de financiamento para o atendimento à população. Trata-se, enfim, de uma batalha de todos nós.
E queremos você ao nosso lado.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

O marketing ou anti-marketing do Sistema Único de Saúde


Gilson Carvalho

I. O NÃO-MARKETING OU ANTI-MARKETING DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS .


No afã diário de resolver os problemas emergentes do Sistema Único de Saúde os gestores públicos correm um alto risco de ficarem apenas na administração das “faltas” de cada dia. Cuidando do varejo. Correndo atrás do prejuízo. O grande problema enfrentado hoje pelo SUS é ter poucos defensores do Sistema Único de Saúde(SUS), universal e eqüitativo, servindo a todas as pessoas, em suas necessidades de saúde, numa concepção mais ampla e integradora, como manda a Constituição Federal. Como não aparecem, não circulam pela mídia, os feitos de um Sistema de Saúde que realiza mais de 2 bilhões de atendimentos/ano para uma população de 180 milhões de pessoas, 140 milhões que, com certeza, se servem exclusivamente dele? Três milhões de mulheres dão à luz em leitos hospitalares pagos pelo SUS (isto é: financiados pelos impostos dos cidadãos) e não aparece como serviço prestado pelo SUS? São cerca de 11 milhões de internações por ano, realizadas com recursos públicos do cidadão, gerenciadas pelo SUS... e nada de aparecer na mídia e na opinião pública! É só problema, reclamações... uma avalanche de críticas que mais parece orquestração de inimigos (entre estes, aqueles que se enriquecem com as dificuldades de funcionamento do público )!... O SUS tem duas classes de clientes. Uma dos que a utilizam, só têm o SUS a quem recorrer em suas necessidades de saúde. Infelizmente, muitas vezes nem fazem a associação entre o serviço de saúde recebido e o seu responsável, o Sistema Único de Saúde, o SUS. Porque não sabem ou porque são iludidos por inescrupulosos (nos públicos e nos contratados-conveniados) que os enganam dizendo que estão prestando serviços gratuitos... para depois, por exemplo, cobrar o retorno pelo voto ou outras coisas. A outra classe que se utiliza do SUS faz questão de não aparecer ou de ser escondida. São todos aqueles que pagam planos e seguros de saúde e que, quando estes lhe negam algum serviço, recorrem ao SUS. São clientes que pagam por fora a instituições e/ou profissionais, inconstitucional e ilegalmente e se utilizam das guias do SUS “calçando” o atendimento. Nesta última também se incluem os clientes “particulares” que pagam do que têm e alguns, do que não têm. Esta segunda classe, usuários de planos, seguros e privados, é a que acaba atropelando a primeira, furando filas de espera levados “por alguma mão de anjo” que está se favorecendo. Estes não tem interesse em divulgar o SUS. Seria como que uma ofensa, uma humilhação dizer que se utilizaram de um sistema que, errônea e pejorativamente, denominam de “sistema dos pobres”. Nunca os vi na mídia louvando, agradecendo e, principalmente, defendendo o SUS. Defendendo mais recursos para o SUS. Defendendo o cumprimento da Constituição Federal que garante saúde como um direito universal e de equidade. Acho que os gestores públicos têm que fazer mais marketing positivo do SUS. Não o marketing por ele mesmo ou para enaltecer administrações públicas, deste ou daquele governo ou partido. Marketing para mostrar aos cidadãos brasileiros o que faz o SUS que teimam em querer “privatizar à mão branca”. Seria um trabalho de conscientização para que mais pessoas defendam o SUS.
II - FAZENDO O MARKETING DO SUS... FUNDAMENTOS
Para se fazer o marketing do SUS se faz necessário entender a idéia central e os princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde - SUS. No entendimento dele é que podem surgir as idéias luminosas que servirão para o reconhecimento de sua importância, necessidade e conseqüente defesa de garantia. Primeiro temos que nos aperceber que Saúde é o bem que envolve a própria vida das pessoas. Este bem está sujeito a um tipo de risco, por vezes previsível e prevenível e, outras muitas vezes, imprevisível e imprevinível. A vida como um todo ou parte dela, quando em risco, envolve custos psíquicos, morais, sociais e físicos. Estes custos, traduzidos no econômico, quando se consegue, podem ser de tal monta que, mesmo alguns milhares de brasileiros que ganham mais que dois mil dólares mensais teriam extrema dificuldade em poder arcar com eles. Quanto aos mais pobres, nem se diga, pois a somatória de todo a remuneração que conseguissem com seus salários, por toda uma vida, não seria capaz de remunerar estes custos. Daí se deduz da necessidade que tem a humanidade de buscar uma forma de seguro para garantir sua saúde. Este seguro pode ser buscado no setor privado que estabelece os custos na medida dos riscos cobertos. Quanto maior o risco a que o cidadão é exposto e, conseqüentemente, maior a cobertura pretendida, estes custos se elevam a valores astronômicos. No Brasil os últimos levantamentos apontam que seguros e planos de saúde têm sido oferecidos a um custo mensal entre 20 e 1000 dólares por pessoa, na dependência do que se cobre e de “quem” é coberto. A outra alternativa é que a saúde seja assegurada pelo estado. Assim é que inúmeros países colocam a questão social como um campo de ação primordial do estado e têm assegurado o direito à saúde através de impostos e contribuições do cidadão. A vantagem de ser estatal é a garantia de que será universal a todos os cidadãos ou que, no mínimo, dê cobertura àqueles que mais necessidades têm, provavelmente os que menos têm e menos podem. Assim alguns países dão cobertura universal a todos e outros à parcela da população, os mais carentes. Outros limitam, não na universalidade, mas no alcance da cobertura, limitando determinados atendimentos ditos de alta-complexidade e custo. O seguro estatal, financiado pelos cidadãos entre as muitas vantagens têm as seguintes: a inexistência do lucro (objetivo do privado) a possibilidade de extensão de cobertura diante de necessidades emergentes, a abertura ao controle da própria sociedade através do legislativo, do judiciário e do próprio controle social direto. Assim é o Sistema Único de Saúde - um “seguro estatal” garantido por nossos impostos e contribuições sociais, previsto na Constituição Federal como Direito de todos e Dever do Estado. Este é o primeiro ponto de marketing a ser feito. Defenda o que é seu! Exija dos governos que cumpram a constituição e as leis “por pensamentos, palavras e obras”... garantindo os meios, principalmente financeiros, para que o SUS cumpra seu papel.
III - FAZENDO MARKETING DO SUS... PRINCÍPIOS Continua sendo imprescindível se fazer o marketing do Sistema Único de Saúde. Não por ele mesmo ou para enaltecer o papel do Estado na tentativa de cumprir seu dever e garantir o direito de todos à saúde. As diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde, sobre os quais se deve fazer seu marketing, foram gerados em mais de trinta anos de “bolação” de um sistema de saúde que atingisse a todos e representasse um direito de cidadania. Faço aqui uma abordagem sintética daquilo que, pela primeira vez, está numa Constituição Brasileira e que se constitui no arcabouço de idéias que compõem o Sistema Único de Saúde - SUS.
SAÚDE DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO = todos os cidadãos têm direito à saúde sem nenhuma discriminação, inscrito como direito social e com o estado assumindo que isto é dever dele.
SAÚDE É DE RELEVÂNCIA PÚBLICA = entre todos os setores de caráter público a saúde ganha uma posição privilegiada que é ser mais que simplesmente público: é de relevância pública. Aplica-se a relevância pública aos serviços públicos e privados. Uma das implicações essenciais é que o Ministério Público é responsável pela garantia aos cidadãos das questões que são de relevância pública.
UNIVERSALIDADE = a universalidade do acesso garante que todos os cidadãos têm o direito à saúde, independente de poder aquisitivo, raça, cor, credo ou qualquer outra discriminação.
IGUALDADE (EQÜIDADE) = o direito à saúde é um direito igual de todos os cidadãos, novamente sem possibilidade de se tratar diferentemente pessoas com necessidades iguais e com possibilidade de tratar diferente só as necessidades diferentes. O conceito de igualdade deve ser qualificado com o da equidade qual seja o de oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades de cada um. Dar mais para quem mais precisa. Tratar diferentemente desiguais.e igualmente os iguais. A igualdade no direito compreende a eqüidade na execução do direito.
INTEGRALIDADE = as ações de saúde terão uma integralidade dita vertical onde o indivíduo será visto em sua totalidade, com unicidade e não dissociado por doenças e aparelhos. Outra compreensão é a integralidade dita horizontal onde se acabam com as várias abordagens de promoção, proteção e recuperação da saúde. Busca-se a integralidade destas abordagens que deixam de ter a contradição interna da dicotomia entre o preventivo e curativo, entre o individual e coletivo, em todos os níveis de complexidade do sistema.
AUTONOMIA DAS PESSOAS = as pessoas tem ter preservada a autonomia na defesa de sua integridade física e mental.
RESOLUTIVIDADE = a capacidade de resolução dos serviços de saúde em todos os níveis de assistência. Dar respostas que resolvam.
DIREITO À INFORMAÇÃO = os cidadãos usuários dos serviços de saúde têm direito à informação sobre seu direito à saúde, sobre o potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário, os assistidos, o direito a informação sobre sua saúde.
GESTOR ÚNICO EM CADA ESFERA DE GOVERNO = acaba com a tradicional dicotomia dos serviços com vários gestores em cada município. Antes havia serviços federais, estaduais e municipais, sob comando destas esferas. Agora a autoridade sanitária municipal é única em seu território a estadual, igualmente única e também a federal.
INTERSETORIALIDADE = saúde depende do econômico e social e são seus fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais. Especial a integração das ações de saúde, saneamento e meio ambiente.
RESPONSABILIDADE TRILATERAL= a União, os Estados e Municípios devem unir e conjugar seus recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos na prestação de serviços de assistência à saúde da população.
DESCENTRALIZAÇÃO = o Ministério da Saúde, o Inamps, as Secretarias estaduais de Saúde eram os executores das ações e serviços de saúde. Pela Constituição Federal a maior responsabilidade de execução das ações e serviços de saúde ficou para os municípios. O MS, que recebeu o INAMPS depois de sua extinção, e os Estados devem transferir todas as atividades de saúde para os municípios e oferecer a eles cooperação técnica e financeira.
REGIONALIZAÇÃO = os serviços de saúde devem estar dispostos de maneira regionalizada, pois os municípios não poderão, todos e cada um deles, esgotar-se no oferecimento de tudo que a medicina dispõe. Gerencialmente cabe a organização dos serviços cobrindo determinada região, complementando-se.
HIERARQUIZAÇÃO = os serviços de saúde devem se organizar de maneira a obedecer a uma hierarquia entre eles de tal modo que as questões menos complexas sejam atendidas nas unidades básicas e postos de saúde. Esta hierarquia é feita a partir deles , passando pelas unidades especializadas, pelo hospital geral até o hospital especializado.
COMPLEMENTARIEDADE DO PRIVADO = o caráter público do SUS não é estatal. As ações serão feitas pelos serviços públicos e complementarmente pelo setor privado lucrativo ou não e com preferência para o filantrópico e o sem fins lucrativos, através de contrato administrativo ou convênio.
SUPLEMENTARIEDADE DO PRIVADO = é livre a iniciativa privada na área de saúde e que pode ser exercida por pessoa física ou jurídica individualmente ou de forma suplementar como operadora de planos, seguros, cooperativas e auto-gestão.
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE = a saúde oficialmente inaugura a reforma do estado abrindo espaço para que se cumpra o principio constitucional de que o cidadão exerce o poder diretamente ou por pessoas eleitas por ele. A saúde oficializa isto na prática criando os Conselhos de Saúde com participação paritária: de um lado os cidadãos usuários dos serviços de saúde e de outro a administração, prestadores e trabalhadores de saúde. Além disto, a cada período de 2 ou 4 anos realizam-se Conferências de Saúde mais abertas e com maior participação das pessoas.
IV – “TEMPESTADE CEREBRAL – TORÓ DE PARPITE” ..... PLANFLETÁRIA EM DEFESA DO SUS A proposta é colocar muitas pessoas pensando, criando e, desinibidamente, jogando frases, slogans em defesa do Sistema Único de Saúde - SUS. Aqui vai minha contribuição para animar outros mais criadores e reafirmar que este é um exercício que tem que ser feito.
· O SUS É SEU , LUTE POR ELE. · DEFENDA O SUS OU PODERÁ FICAR SEM ELE. · SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, SUS, PARA CUIDAR DE VOCÊ. · SUS: A PROTEÇÃO DA MÃE E DE SEU NENÉM. · SUS: A PROTEÇÃO DO TRABALHADOR NO ACIDENTE OU NA DOENÇA PROFISSIONAL. · SUS: A MÃO PROTETORA DE SUA SAÚDE. · SUS A GARANTIA DE ASSISTÊNCIA À SUA SAÚDE. · O SUS É SEU - DEFENDA-O. · COM O SUS = POVO COM SAÚDE. · SAÚDE = SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). · O SUS É GARANTIDO PELOS IMPOSTOS QUE VOCÊ PAGA - VÁ CONFERIR. · CONSELHO DE SAÚDE = SUA PARTICIPAÇÃO EM DEFESA DO QUE É SEU. · SAÚDE SE GARANTE COM UM SUS FORTE E CONTROLADO POR VOCÊ. · DEFENDA O SUS = UM SERVIÇO PÚBLICO PARA VOCÊ E SUA FAMILIA. · SUS SÓ É FORTE QUANDO VOCÊ O DEFENDE E CONTROLA. · SUS EM DEFESA DA QUALIDADE DE SUA VIDA. · O SUS PROTEGENDO A SAÚDE DE SUAS CRIANÇAS. · ETC. ETC. Além de slogans, frases, lembretes, “gritos de guerra”, podemos tomar atitudes concretas, no dia a dia dos serviços de saúde. Aqui vão algumas lembretes conhecidos, mas não utilizados! Se cumpridos, poderão desempenhar este papel.
1. Colocar a logomarca do SUS em todas as unidades de prestação de serviços SUS (interna e externamente) inclusive naquelas que são contratadas ou conveniadas. 2. Colocar o símbolo do SUS em todos os impressos de receitas, pedidos de exame, encaminhamentos, orientações e recomendações e mesmo documentos internos. Nas ambulâncias e demais veículos das secretarias de saúde. 3. Colocar o símbolo do SUS nos medicamentos distribuídos. Milhares deles, ainda que distribuídos gratuitamente (pagos por nós!) pelo SUS, são os mesmos do mercado e não trazem nem uma simples etiqueta colante ou selinho dizendo que estão sendo distribuídos pelo SUS e foram adquiridos com recursos dos impostos que pagamos. 4. Entre 1994 e 2001 havia uma obrigatoriedade legal (portaria ministerial) de se entregar a todo cidadão que fosse internado pelo SUS um documento em que constasse que se gastou com ele determinado valor ( valor da tabela de procedimentos SUS) e que aquilo só foi possível ser feito sem pagamento no ato, graças aos impostos e contribuições que todo cidadão paga direta ou indiretamente. Infelizmente, esta portaria foi revogada sob argumento que já existiam outros mecanismos de se divulgar e controlar esta questão. Com portaria ou sem portaria os gestores podem tomar esta decisão, bastando uma decisão de fazê-lo ou uma deliberação do Conselho de Saúde para que retorne a prática.
V – CONCLUSÃO
Implícito nos princípios do SUS, descritos acima está o essencial: pretende-se uma nova abordagem de saúde. Um novo modelo assistencial trabalhando-se mais profundamente nos determinantes e condicionantes de saúde que já estão acenados na Constituição: não se faz saúde sem mexer na questão econômico-social. A lei orgânica de saúde ainda explicita mais dizendo que saúde depende de trabalho, salário, alimentação, moradia, educação, lazer etc. Para tanto é essencial se mexer na protocolização de condutas, de medicamentos, na desmonopolização do saber, na educação em saúde. Administrativamente tem-se que trabalhar na integração inter e intra institucional, na educação permanente dos trabalhadores de saúde a quem deve ser garantido salários, plano de carreira e condições de trabalho. E exigido compromisso técnico, humano e com a sociedade. Este é o SUS que defendemos. Que deve sair do papel. Do qual temos que fazer o marketing para que as pessoas cada vez tenham melhor assistência. Que as pessoas saibam de onde está vindo aquilo que sabemos ainda ser pouco, mas é o que se tem por direito. Enquanto não conscientizarmos os gestores, prestadores, profissionais de saúde e os cidadãos usuários, cada um em seu papel, amargaremos as conseqüências do anti-marketing ou não-marketing a que o SUS está submetido. Seremos todos penalizados pela destruição do SUS pelo simples fato de não estarmos investindo em fazer, na cabeça de cada um, uma ligação de causa e efeito: é o SUS que vem garantindo um pouco da saúde que temos, mantendo vivos e com alguma qualidade de vida, milhares de cidadãos brasileiros.
Gilson Carvalho é Médico Pediatra e de Saúde Pública. O autor adota a política do copyleft, podendo este texto ser usado, copiado, distribuído, publicado, independente de sua autorização, citada a fonte e o autor.


Diagnósticos econômicos da doença e da prevenção


Por Marcelo Côrtes Neri (*)
O número de médicos brasileiros tem aumentado. O número de habitantes por médico caiu de 893 em 1990 para 595 em 2005. Daí conclui-se que a escassez de médicos caiu? Não necessariamente, pois mudanças de demanda por serviços, de oferta de profissionais no mercado e das tecnologias que mediam as duas pontas do mercado de saúde podem mais que compensar as tendências de incremento de oferta. Segundo o Censo 2000, os médicos ocupam a liderança da escassez em todos os principais indicadores trabalhistas, como taxa de ocupação, salário e jornada de trabalho. As últimas PNADs indicam aumento relativo do nível de pressão de demanda em todas as variáveis associadas à inserção dos médicos no mercado de trabalho. Mais grave do que a escassez agregada de médicos é a assimétrica distribuição espacial destes profissionais no nosso grande, diverso e desigual território. Há movimentos pendulares dos médicos que moram em um município e trabalham em outro, assim como a migração destes profissionais entre Estados e municípios, inclusive daqueles que mudaram depois de estudar. Subsidiamos o debate em torno da iniciativa federal de ampliar o quadro permanente de médicos em cada região concedendo incentivos a recém-formados em universidades federais; e da criação da força nacional de saúde, anunciada pelo ministro Temporão no dia 16 de abril para lidar com emergências locais. Ou seja, as informações de disponibilidade de médicos e dos sinais de mercado de trabalho da escassez relativa deles, o que pode ajudar no diagnóstico (vide o sítio www.fgv.br/cps/medicos ). A assimetria da escassez de médicos não se dá apenas entre os Estados da federação, mas no interior dos mesmos e dentro das mesmas cidades. Movimentos pendulares dos médicos - moram em um município e trabalham em outro -, assim como a migração destes profissionais entre Estados e municípios, tornam complexas as análises e fazem a leitura dos sinais de mercado útil para lidar com assimetrias de localização e de informação. O Grande Rio destaca-se por abrigar os municípios com as maiores e com as menores razões de médicos por habitante: Belford Roxo ocupa pior posição do ranking dos municípios brasileiros com mais de 250 mil habitantes. Niterói é o líder em número de médicos (93 habitantes por médico, maior que Cuba, líder mundial, com 169 por habitantes). Em Niterói não tinha havido nenhum caso fatal de dengue registrado até dia 16 de abril, data de lançamento da pesquisa, e Belford Roxo ocupava a maior taxa de incidência de mortes pela doença na epidemia em curso. É óbvio, a crise e as resposta a ela evoluem, como "O Globo" do dia 20 mostra - de lá para cá, foram apontados dois casos de morte por suspeita de dengue em Niterói, enquanto o diligente secretário de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, também morador de Niterói, não só anunciou como implementou a transferência e ampliação de uma das unidades espaciais de reidratação da Barra da Tijuca para Belford Roxo. A qualidade percebida dos serviços médicos piorou e o da hospitalização melhorou, para os pobres em especial. Não prevenir é mais caro para todos. Na perspectiva dos pacientes acerca dos serviços prestados pelos médicos também há mobilidade de curto prazo, com o movimento de pacientes que migram de um município para outro em busca de atendimento. Neste aspecto a gestão da crise no Rio inovou, ao alocar transporte do Estado para agilizar a transferência de doentes para os hospitais de campanha instalados. Estas são lições valiosas, pois a epidemia de dengue que prospera no Rio, um dos três Estados mais ricos do Brasil, cujo risco foi anunciado pelo secretário estadual em novembro, pelo Jornal Nacional, está com risco eminente de disseminação pelo país. Além deste update da pesquisa, enfocamos a escassez de médicos pelo lado de demanda, aprofundando a questão do nível e distribuição da escassez de serviços médicos. Senão, vejamos: qual o impacto da incidência de doenças sobre o bem-estar subjetivo e material dos doentes? É feita uma análise do acesso e da qualidade percebidos do atendimento. Os resultados demonstram que a população mais pobre não apenas é a que fica mais doente, como é também aquela que lida pior com a doença, já que tem menos acesso tanto a políticas preventivas quanto a tratamento de qualidade. Além disso, medimos, nas pesquisas de orçamentos familiares, os impactos dos choques de saúde sobre a saúde financeira das famílias. No caso dos analfabetos, 47,96% deles tiveram despesas privadas de saúde, que consumiram 20,4% do salário dos doentes pobres em remédios e serviços médicos. No caso das pessoas com o nível universitário, 34,6% incorreram em despesas de saúde, o que equivale a 9,4% dos seus orçamentos. Paradoxalmente quem pode menos, paga relativamente mais do seu próprio bolso. Dados nacionais mostram que aqueles que estiveram doentes são os que possuem o pior acesso à prevenção. Cerca de 22,3% dos que estiveram acamados possuem plano de saúde, contra 24,86% da população como um todo. A qualidade percebida de todos serviços médicos, como plano de saúde, hospitalização e serviços de saúde rotineiros, é pior para quem esteve mais exposto a doenças. Todos indicadores de acesso e a qualidade dos serviços de saúde indicam menor acesso e qualidade de acesso dos mais pobres. A medicina para os grupos de menor educação é menos preventiva e mais curativa. Os universitários são os que possuem maior acesso a serviços de prevenção - 56,08% possuem plano de saúde, enquanto, nos analfabetos, o percentual é de 11,53%. Apesar do baixo acesso a plano de saúde pelos analfabetos, estes são os que procuram mais atendimento em casos de emergência - 7,27% estiveram hospitalizados nos últimos 12 meses, contra 6,77% dos universitários, o que gera gargalos no sistema público. Mas, como isso evoluiu? A comparação controlada por regressões da qualidade percebida desses serviços nos dois últimos suplementos de saúde da PNAD indica que a qualidade percebida pela população dos planos de saúde ficou estável, dos serviços médicos piorou e o da hospitalização melhorou. Não prevenir fica mais caro para todos - doentes pobres em particular, mas para os governos também (vide questão de saneamento básico www.fgv.br/cps/tratabrasil2 ).

(*) Marcelo Côrtes Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE/FGV e professor da EPGE/FGV, é autor de "Retratos da Deficiência", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Ensaios sociais".. Artigo publicado no jornal Valor Econômico, edição de 22/4/2008.

MCCE lança projeto para impedir candidaturas suspeitas ás eleições.



Um novo projeto de lei de iniciativa popular impedindo a candidatura de pessoas com antecedentes criminais e candidaturas dos que renunciam ao mandato para escapar de punições legais está sendo lançado pelo MCCE, com apoio das 35 entidades que compõem o seu comitê nacional. O objetivo é tornar possível o afastamento de candidaturas de pessoas que estão envolvidas em práticas criminosas, ainda que não haja sentença definitiva. "Não estamos pretendendo que a lei os impeça em definitivo de serem candidatos, mas que não o sejam enquanto corre o processo. Hoje a lei impede uma pessoa de ser um vigilante caso responda a um processo criminal, mas não impede alguém, na mesma situação, de se tornar detentor de poder político", explica o juiz Márlon Reis, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados e Procuradores Eleitorais (Abramppe), entidade do Comitê Nacional do MCCE. O juiz também se diz preocupado com os que buscam na eleição uma forma de ter foro privilegiado para escapar da punição por possíveis crimes praticados. No lançamento do projeto, em Indaiatuba, São Paulo, estiveram presentes os presidentes da OAB, Cezar Britto, e da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha. Lançado durante a 46ª Assembléia dos Bispos do Brasil, o tema que motivou o novo projeto de lei de iniciativa popular já vem sido discutido em várias instâncias da sociedade civil e também no meio jurídico. No mês passado, o Colégio dos Presidentes dos TREs (Tribunais Regionais Eleitoral) encaminhou ao Congresso Nacional e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) uma minuta de um projeto de lei que proíbe candidaturas de políticos que respondam a processos criminais ou civis por improbidade administrativa. Segundo o presidente do TRE-RN (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio Grande do Norte, Cláudio Santos, não há uma lei que trata do deferimento de registro de candidatos que tenham "maus antecedentes", por isso a necessidade de legalizar o assunto. "Não existem princípios constitucionais absolutos. O que agride a consciência do cidadão comum e dos magistrados é a possibilidade de gestores públicos serem candidatos em uma cidade onde foram processados por má versação dos recursos públicos. Essa é a preocupação de todos os presidentes [dos TREs]", disse. Ele diz que é consenso no colégio a possibilidade de indeferir registros de candidatos com "maus antecedentes". Fonte: Comitê Nacional Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (www.lei9840.org.br)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Incomodado?

Brasileira que aborta é casada, católica, trabalha e tem filhos



A brasileira que faz aborto é uma mulher casada, que já é mãe, trabalha fora e tem, em média, entre 20 e 29 anos. É católica e tem alguma escolaridade - completou ao menos os oito anos do ensino fundamental. A decisão pela interrupção da gravidez é tomada com o parceiro. Por se tratar de uma prática ilegal no País, ela opta por métodos caseiros, como ingestão de chás e ervas, misturados ao uso do misopostrol, medicamento de uso restrito cujo nome comercial é Cytotec. Apenas 2,5% das mulheres que abortaram ficaram grávidas ao terem uma relação eventual. A adolescente que opta pelo aborto também engravida dentro de uma relação estável. Decide com o namorado que vai colocar um término na gestação e, perto dos três meses de gravidez, usando os mesmos métodos da adulta, enraizados num conhecimento popular, aborta. São principalmente jovens entre 17 e 19 anos. Além disso, tendem a engravidar novamente após dois anos. O perfil da mulher que interrompe a gravidez foi traçado pela primeira vez em um levantamento em 2.135 pesquisas de campo feitas em universidades e publicadas em periódicos científicos nos últimos 20 anos. Mesmo assim, o perfil é incompleto, pois está baseado nos registros existentes, que são das mulheres que chegaram aos serviços públicos após usarem métodos abortivos. Desse modo, não inclui abortos feitos pelas mulheres de classes média e alta em clínicas e hospitais privados. O trabalho, obtido pelo Estado com exclusividade, foi realizado pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade Estadual do Rio (UERJ) e tem apoio do Ministério da Saúde e financiamento da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). "Os dados mostram que não é a mulher considerada leviana que aborta. É uma mulher comum, que vive uma relação estável e que já tem um filho", afirma uma das autoras do estudo, a antropóloga Débora Diniz, da UnB. "É depois de ser mãe, de saber o que é a maternidade, que ela decide com o parceiro pelo aborto. É uma decisão responsável e baseada na experiência", complementa. Débora explica que o objetivo da pesquisa foi justamente reunir todos os dados existentes sobre o aborto no Brasil, colhidos por pesquisadores das mais variadas vertentes, contrários e favoráveis à descriminação, para permitir que o tema seja debatido com base em fatos e não em suposições. "Muita gente opina sobre o aborto sem ter dados, com base apenas em crenças morais ou opiniões pessoais. É comum ouvir dizer, por exemplo, que a mulher que aborta se arrepende e sofre de problemas mentais. Isso não foi encontrado em nenhuma pesquisa", afirma. 1,5 milhão ao ano O número total de abortos feitos no País é outra questão analisada pelo trabalho. Estimativas conservadoras, baseadas nos registros do Sistema Único de Saúde (SUS), apontam para pelo menos 1,5 milhão de abortos todos os anos. Ela é feita levando em conta estudos médicos que mostram que a cada 100 mulheres que abortam de maneira insegura, 20 têm problemas e procuram o serviço público com dores, hemorragias ou infecções. Apesar de aceito pelos especialistas, e também pelo Ministério da Saúde, grupos religiosos tendem a questionar o número, dizendo que os dados do SUS não são tão confiáveis e que, portanto, o índice seria mais baixo. A pesquisa, no entanto, mostra o contrário. E dá indícios de que deve ocorrer, em média, pelo menos o dobro de abortos anuais no Brasil, levando em conta as mulheres pobres que recorrem ao SUS e as das classes média e alta que permanecem em silêncio no mundo privado. E o número não está baseado em estimativa, mas em pesquisas populacionais, feitas por amostragem estatística em várias regiões. Nesse caso, estudos mostraram que, na Região Norte, por exemplo, há um índice de 40 abortos para cada 100 mulheres em idade fértil. Para as regiões Sudeste e Sul esse índice fica em torno de 20 abortos para cada 100 mulheres. "É alto, mas muito mais próximo da realidade. Uma mulher pode omitir que fez um aborto, mas nunca diria que fez um quando não fez", explica a outra autora da pesquisa, a médica especializada em saúde pública Marilena Corrêa, da UERJ. Para se chegar a esses dados, costuma-se usar duas metodologias: uma na qual um entrevistador pergunta diretamente se a mulher já fez ou não um aborto e outra na qual a própria mulher recebe uma ficha, preenche anonimamente e coloca em uma urna. Prevenção Outro ponto do senso comum que o levantamento questiona é que a mulher que aborta engravidou por desconhecer ou não ter acesso aos métodos contraceptivos. De maneira geral, ela os usa ou já usou em algum momento. E as adultas e mais velhas o fazem muito mais do que as adolescentes. "Gravidez indesejada acontece em todas as classes sociais e por diversas razões, infelizmente", afirma o médico Thomas Gollop, especialista em medicina fetal da Universidade de São Paulo (USP). "Por isso, não resolve o argumento de que em vez de discutirmos o aborto, aumentar a oferta de métodos de contracepção resolveria o problema", afirma. O médico reafirma a importância da divulgação e aumento da oferta de métodos de planejamento familiar, mas ressalta que há uma condenação da mulher por ficar grávida sem planejar. "No Brasil, culturalmente olhamos para a mulher como irresponsável por seus atos, mas na verdade ela é responsável na maioria dos casos, inclusive quando opta por terminar a gravidez." A questão, coloca ele, não é ser favorável ou não à opção dela pelo aborto. "A questão está colocada de maneira equivocada. Ninguém é a favor do aborto", afirma. "Mas somos a favor de que essa mulher casada, mãe, que trabalha, deve ser presa por ter se submetido a um aborto?" Entrada do misopostrol substituiu a agulha de tricô A entrada do misopostrol, o famoso Cytotec, no mercado brasileiro a partir do início dos anos 90 mudou a forma como as mulheres abortam no País - colaborando, segundo as pesquisas, para a queda no número de mortes ocorridas no período, mas levando um contingente de mulheres a um comércio ilegal, semelhante ao de drogas. Foi com a difusão do medicamento nesse período que os métodos usados pelas mulheres de classes mais baixas até fim dos anos 1980, como agulhas de tricô ou objetos perfurantes, bebidas cáusticas e injeções, foram pouco a pouco abandonadas. Até mesmo as clínicas clandestinas, onde leigos atuavam, perderam espaço. O misoprostol entrou no mercado brasileiro em 1986 para tratamento de úlcera gástrica e até 1991 sua venda era permitida nas farmácias. Mesmo assim, foi o tempo suficiente para que, de alguma maneira, seu uso como substância abortiva fosse boca a boca sendo difundido entre as mulheres. Nos anos 1980, apenas 15% das mulheres atendidas em hospitais tinham usado algum medicamento para abortar. Em 1990, cerca de 76% delas usaram o misopostrol ou outro remédio cujo nome "não se lembravam". Pesquisa citada pelo levantamento mostra que no início dos anos 1990 o preço médio do misoprostol era de US$ 6, ao passo que um aborto em clínica privada custava US$ 144. Outra curiosidade é que hoje a aquisição do remédio é uma função masculina. São os maridos que compram o medicamento para as mulheres. A forma como eles adquirem não foi estudada, mas traficantes de anabolizantes e remédios para emagrecer, também de venda restrita, costumam contrabandear caixas do medicamento, muitas vezes pela internet. "É provavelmente hoje o método abortivo mais usado no País, apesar de não termos dados mais específicos de onde ele circula e como se compra", explica a médica Marilena Corrêa, da UERJ. "O uso do misopostrol é muito discutido. Sabe-se que ele, quando usado corretamente, não provoca riscos para a saúde das mulheres, elas não sofrem grandes hemorragias, mas quando usam sozinhas, e não abortam, existem discussões sobre riscos de danos ao feto", diz. A médica diz também que, além de estarem expostas ao mercado ilegal para adquirir o produto, as mulheres estão sujeitas a falsificações, que colocam suas vidas em risco. Atualmente, apenas hospitais podem adquirir legalmente o misopostrol. É comum usá-lo hoje para induzir partos naturais e ajudar a mulher a ter contrações. Mesmo com a mudança, o risco de mortalidade materna por causa de abortos provocados de maneira insegura continuam muito altos no Brasil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o risco de morrer em um aborto nos países onde ele é permitido e feito por médicos é de 1 em 1 milhão. No Brasil, a proporção está em 1 para cada 100 mil casos - mil vezes mais alto. 'Eu respeito e peço para ser respeitada também' A secretária Ana Lúcia Maricato conta que fez um aborto aos 27 anos. Na época, morava com o marido num apartamento emprestado pelo sogro na zona norte de São Paulo e cuidava da filha, que estava com 6 anos. Tanto ela quanto o marido estavam empregados - ela num escritório e ele numa empresa automotiva. A relação seguia sem grandes percalços, mas ela afirma que não tinha vontade nem condições de ter outro filho. "Não dava", diz. "Descobri na sexta semana que estava grávida, fiquei triste porque já sabia que não teria." Ela conta que esperou o fim de semana e conversou com o marido, que também tinha dúvidas a respeito de um outro filho. Decidiram juntos pelo aborto. Poucas pessoas ficaram sabendo da experiência, por recato, privacidade e, principalmente, para não ter de se explicar para ninguém nem ouvir "lição de moral de quem não estava na minha pele". Pensaram em comprar um remédio pela internet e fazer em casa - ela diz que uma amiga próxima tinha feito isso, sabia como usar e tinha dado certo. Foi o marido quem a convenceu a ir para uma clínica particular, próxima a um grande hospital, onde outra conhecida tinha feito um aborto dois anos antes. Ela diz nem se lembrar de quanto pagou na época, há sete anos. "Meu marido ligou para mim, marcou um horário e fomos", conta. "Ele me levou, me atenderam bem. Acordei um pouco tonta e fui para casa no mesmo dia", diz ela. "Dormi bastante aquela noite, não senti dores, nem tive hemorragia. Cheguei a me sentir culpada por estar aliviada, mas era, na verdade, o que estava sentindo." 'É preciso ser realista' Ela conta a experiência com pesar, lamenta e sente por ter feito o que fez, mas diz que não se arrepende e que, hoje, diante de uma outra gravidez, faria a mesma coisa. "Amo minha filha, ser mãe é uma experiência muito importante, me transformou, mas é preciso ser realista e ver que não queríamos e não estávamos em condições de ter outra criança." Ana Lúcia tomava anticoncepcionais. "Esqueci alguns dias, me descuidei, acontece com todo casal", conta. Ela diz respeitar a opinião de quem a condenaria pelo fato, por entender que cada um deve agir de acordo com seus próprios valores, mas repete: "Eu respeito e peço para ser respeitada também."
Fonte: reportagens publicadas no jornal O Estado de S. Paulo, editoria Vida&, edição de 20/4/2008

Análise do Farmácia Popular aponta possíveis deficiências na Assistência Farmacêutica no SUS


Em 2004, o governo federal criou o Programa Farmácia Popular do Brasil. Tal medida, que visava ampliar o acesso da população a medicamentos, deu origem a uma grande polêmica envolvendo a questão do público e do privado no âmbito do setor da saúde brasileira. Analisar esse programa, do ponto de vista de seus aspectos organizacionais, do perfil de clientela e da distribuição dos serviços, foi o objetivo do projeto de mestrado em Saúde Pública de Cláudia Du Bocage Santos Pinto, que desenvolveu seu trabalho sob orientação dos pesquisadores Nilson do Rosário Costa (DCS/ENSP) e Claudia Garcia Serpa Osório de Castro (NAF/DCB/ENSP). Veja apresentação na Biblioteca Multimídia da ENSP. “O ‘Farmácia Popular’ foi concebido tendo como um de seus objetivos principais a ampliação do acesso a medicamentos para a população brasileira. Ele não possui o objetivo de substituir a provisão gratuita, no entanto, especula-se que ele possa ser visto como uma nova alternativa à possível baixa efetividade do sistema público de provisão de medicamentos”, diz a autora do trabalho. Para Claudia Osório, a grande fortaleza da pesquisa O Programa Farmácia Popular do Brasil: modelo, cobertura e utilização frente à Política Nacional de Medicamentos é sua simplicidade. “A Cláudia foi absolutamente persistente em realizar o melhor trabalho possível. Sua análise envolve uma descrição minuciosa do Programa, com imersão em documentos e legislação, e um Estudo de Utilização de Medicamentos (EUM), suportado pela metodologia apropriada”, disse. De acordo com Cláudia Du Bocage, não foram analisados os aspectos de financiamento do Farmácia Popular, em virtude da indisponibilidade de dados durante a elaboração do estudo. “Não há dúvidas sobre a necessidade de se fazer pesquisas adicionais sobre esse aspecto, mas hoje, depois de quase quatro anos de existência do Programa, ainda há poucas informações financeiras disponíveis para os pesquisadores externos”, justificou. O estudo só considerou os modelos 1 e 2 do Programa, referentes às unidades que possuem ligação direta com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O modelo 3, que teve início em 2006 e que consiste na venda de medicamentos em farmácias privadas credenciadas, não foi analisado devido à indisponibilidade de informações e por possuir características muito distintas dos modelos da primeira fase do Programa. Farmácia popular: um programa polêmico No Brasil, o acesso à saúde é um direito constitucional, e é dever do Estado, por meio do SUS, assegurar à população os serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Nesse contexto, todos os pacientes deveriam ter acesso aos medicamentos necessários para seu tratamento, o que nem sempre acontece por várias razões. “O crescente gasto das famílias, especialmente as de baixa renda, com medicamentos levou o Governo Federal a criar o Programa Farmácia Popular do Brasil, voltado, principalmente, para a população não usuária do SUS, que utiliza planos privados de saúde, mas que não possui rendimentos suficientes para completar um tratamento medicamentoso”, conta Cláudia, lembrando que a alternativa trouxe à tona a questão do co-pagamento, atualmente uma iniciativa comum em diversos contextos de saúde, mas inédita como política nacional para o Brasil. Segundo ela, o Programa funciona de forma independente e paralela à provisão pública de medicamentos, mas algumas de suas características, como sua lista de medicamentos e a população que efetivamente está utilizando o serviço, acabam refletindo ineficiências na provisão pública, que podem estar relacionadas à forma como cada município gera seu ciclo de assistência farmacêutica. “O processo de descentralização trouxe benefícios inquestionáveis e foi peça fundamental no processo de reforma do nosso sistema de saúde, mas também trouxe algumas dificuldades, identificadas por meio dos diferentes resultados da provisão gerida pelas diferentes esferas de governo e pelos diferentes estados e municípios. No caso dos medicamentos, os da atenção básica passaram a ser de responsabilidade do gestor municipal, os de dispensação, em caráter excepcional, ficaram a cargo do nível estadual e outros, como os anti-retrovirais distribuídos pelo Programa Nacional de DST/Aids, continuaram sob gerência do Governo Federal”, explica. Para Cláudia, o crescente número de processos judiciais para obtenção de medicamentos pode ser um sinal de que nem todos os estados e municípios conseguem cumprir o seu papel da forma desejada. “A baixa disponibilidade de medicamentos essenciais nas unidades públicas de saúde penaliza, principalmente, a população de baixa renda e pode, por conta da interrupção do tratamento, gerar internações desnecessárias e onerosas ao SUS”, sugere. Esse quadro, de acordo com Cláudia, leva a discussões sobre a efetividade da descentralização para a Assistência Farmacêutica e fortalece o modelo de compra centralizada, que é utilizado para alguns grupos de medicamentos, como os estratégicos, e adotado também pelo Programa Farmácia Popular. Provisão de medicamentos no Brasil: sistema precisa ser continuamente avaliado Sem conseguir alcançar a meta de 500 unidades até o final de 2006, o ‘Farmácia Popular’ chegou, em 2007, a 407 unidades próprias, distribuídas por todos os estados e por 314 municípios. A pesquisa mostrou maior concentração de unidades e municípios nas regiões Sudeste e Nordeste, com destaque para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. “Também há concentração no nível municipal, com muitos casos de municípios com várias unidades instaladas, e como isso não pode ser atribuído somente ao perfil da população, supõe-se que o apoio político ao Programa tenha sido fundamental para a sua conformação espacial”, afirma Cláudia. A pesquisadora lembra que o ‘Farmácia Popular’ é constituído de distintos modelos de unidades. As unidades de modelo 1 foram as pioneiras e têm gestão exclusiva da Fiocruz. As unidades de modelo 2 são estabelecidas por meio de parcerias da Fiocruz com estados, municípios ou com órgãos e instituições sem fins lucrativos. Para os usuários, não existe diferença entre as unidades de modelo 1 ou 2. “Atualmente, cerca de 80% das unidades resultam de parceria com os municípios”, conta, reiterando que a pesquisa só considerou dados dos modelos de unidade 1 e 2. No que diz respeito aos usuários, o estudo mostrou que, de forma geral, os que mais utilizam o Programa são provenientes da rede privada, entretanto, a diferença entre a proporção de usuários do sistema público e do sistema privado vem diminuindo ao longo dos anos, chegando quase à equiparação em 2007. A análise, por regiões, aponta também para um grande contingente de usuários da rede pública buscando, no ‘Farmácia Popular’, medicamentos, aos quais teriam direito gratuitamente, situação que é mais alarmante no Norte e Nordeste. Segundo Cláudia, como hipóteses positivas para essa demanda, é possível considerar a presença contínua de medicamentos nas unidades do Programa ou o bom atendimento oferecido. Por outro lado, existe também a hipótese da falta de medicamentos na rede pública ou a insatisfação com os serviços do SUS. “O fato é que usuários do setor público, que deveriam ter acesso a medicamentos de forma gratuita, vêm recorrendo ao Programa e, conseqüentemente, obtendo seus medicamentos mediante desembolso”. Cláudia Du Bocage também salienta que, apesar da falta de dados que permitiriam avaliar o impacto do Programa sobre os gastos públicos e de informações sobre a forma de definição dos preços finais dos medicamentos, o resultado da pesquisa foi muito bom. “O estudo demonstrou que a análise do ‘Farmácia Popular’ permite identificar inúmeros aspectos do sistema público de provisão de medicamentos no Brasil, que precisam ser continuamente avaliados”, diz, concluindo: “A opção do Governo pela inserção do co-pagamento no contexto da saúde parece refletir uma percepção de que são necessárias alternativas para ampliação do acesso a medicamentos e que, conseqüentemente, o modelo atual, apoiado na descentralização, pode estar falhando em prover medicamentos à população de forma satisfatória”. Fonte: Informe ENSP

Orçamento da Saúde: como sempre, recursos insuficientes.


Com três meses de atraso, várias tentativas fracassadas de acordo e muito bate-boca entre governo e oposição, o plenário do Congresso Nacional enfim votou, na noite de 12 de março, a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2008, que prevê despesas de R$ 1,423 trilhão para a União. O texto já inclui as perdas resultantes da extinção da CPMF — originalmente, o corte previsto seria de R$ 40 bilhões, revisto para R$ 12,4 bilhões a partir do aumento da arrecadação de impostos. Mesmo assim, esperava-se do Ministério do Planejamento um contingenciamento de R$ 12 bilhões — ou seja, o tradicional bloqueio de recursos do orçamento que o governo desvia majoritariamente da área social para pagamento dos juros da dívida do país. No ano passado, R$ 16 bilhões foram contingenciados. A área social participou com 46%: o Ministério da Saúde sozinho perdeu R$ 5,7 bilhões. Para este ano foram reservados à Saúde R$ 48,4 bilhões, não os R$ 47,8 bilhões da proposta original. Apesar do aumento, especialistas e defensores do SUS garantem que os recursos são insuficientes. Para o sanitarista Gilson Carvalho, pediatra que se especializou em financiamento da saúde, o mínimo indispensável seria de R$ 58 bilhões: os R$ 47,8 bilhões anunciados na proposta orçamentária acrescidos de cerca de R$ 6 bilhões, conforme apontaram Conass e Conasems, os conselhos nacionais dos secretários estaduais e municipais de Saúde, mais R$ 4 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento da Saúde (o PAC-Saúde). “Eles chamam atenção para a necessidade de mais recursos para a atenção básica, para média e alta complexidade, para atendimento de emergências e para medicamentos excepcionais”, lembra Gilson. Joellyngton Medeiros, especialista em Economia da Saúde e assessor técnico do Conasems, esclarece que os R$ 20 bilhões previstos na proposta orçamentária original para média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, por exemplo, não bastam. “Podem trazer significativas dificuldades para oferta e ampliação de atendimento”, salienta. E cabe ressaltar que os recursos previstos representam aumento de R$ 605,23 milhões (3,12%) em relação à LOA de 2007. Mas, tomando como base a população brasileira do ano passado (189.335.187 habitantes), esse valor equivale a R$ 105,63 per capita. “Apesar do aumento sobre 2007 (R$ 102,44 per capita), esses recursos são insuficientes para fazer frente ao reajuste na tabela de procedimentos e ao aumento dos limites financeiros das unidades federais desse último quadrimestre”, compara. Repasse insuficienteA proposta, segundo o especialista, teria que contemplar várias questões: os limites financeiros atuais, recursos para novos serviços, aumento na tabela de procedimentos e redução das desigualdades regionais. “A partir desses parâmetros, faz-se necessário um aumento de pelo menos R$ 4,5 bilhões em média”, calcula. Para a atenção primária, a proposta orçamentária de 2008 reservara R$ 3,05 bilhões, um incremento de 2,7% em relação a 2007 — também insuficiente. “Como esses recursos são repassados com base per capita, fundo a fundo, tomando-se a população brasileira de 2007 e considerando-se que há municípios em que o per capita chega a R$ 18, conclui-se que há pouca ou nenhuma margem para qualquer incremento”, avalia. Joellyngton sugere que o repasse federal per capita — hoje de R$ 15 — atinja R$ 18,59 por habitante ao ano. Isso porque a inflação acumulada de janeiro de 1998 (quando da implantação do Piso da Atenção Básica) até outubro de 2007 ficou em 85,87%, conforme o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) medido pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe) para o setor saúde. Assim, aplicado esse índice ao per capita de R$ 10 em 1998, o resultado seria de R$ 18,59, sendo necessários mais R$ 3,5 bilhões. “O que implica acréscimo de aproximadamente R$ 469 milhões ao orçamento de 2008, segundo a proposta inicial”, acentua. Progressão alarmante Outro segmento da saúde que exige mais dinheiro é o de medicamentos excepcionais. “A progressão de gastos totais com eles é alarmante”, observa. Em 2002, foram gastos R$ 638,6 milhões; em 2003, R$ 1,05 bilhão; em 2004, R$ 1,4 bilhão; em 2005, R$ 1,9 bilhão; em 2006, a estimativa é de R$ 2,3 bilhões; em 2007, de R$ 2,8 bilhões. Para este ano, a previsão de gasto é de R$ 3,3 bilhões, equivalentes ao valor de 2007 mais a variação média dos últimos dois anos (20%). “Em nosso entendimento, dos gastos totais o ministério deve arcar com 80%”. Por isso, no orçamento de 2008, a esse bloco deveria ser repassado o valor de R$ 2,6 bilhões, o que representa necessidade de acréscimo de R$ 708 milhões à proposta orçamentária. Nessa lógica, o montante a mais destinado ao Ministério da Saúde deveria ser de pelo menos R$ 5.960.526.292,00, assim discriminados: R$ 4.582.515.165,00 para o bloco da Média e Alta Complexidade, contra os atuais R$ 24.582.515.165,00 da proposta votada no Congresso; R$ 3,05 bilhões para a Atenção Básica, contra os atuais R$ 469.741.127,00; R$ 1,980 bilhão para os medicamentos excepcionais, contra os atuais R$ 708 milhões; e R$ 200 milhões para as unidades do componente pré-hospitalar fixo da Política Nacional de Atenção às Urgências. Gilson Carvalho defende a retomada, no Senado Federal, do projeto original de regulação da Emenda Constitucional 29 do ex-deputado Roberto Gouveia (PLP 01/2003) ou o do senador Tião Viana (PLS 121). Os dois determinam que a União destine 10% de suas receitas correntes brutas à saúde. Essa proposta foi retirada e substituída pela variação nominal do PIB acrescida de R$ 24 bilhões em quatro anos, quando da aprovação do PLP 1-B/03 na Câmara dos Deputados, em outubro de 2007. “Nossa expectativa é que o projeto original volte a ser votado no Senado”, diz. “O que foi aprovado na Câmara caducou, pois o aumento estava condicionado à aprovação da CPMF, rejeitada posteriormente”. Aprovada no Senado, a proposta teria que voltar à Câmara para nova votação. Tarefa árdua Calcular quanto se gasta com saúde no Brasil continua tarefa árdua. “Temos dificuldades em obter dados precisos e seguros”, lamenta Gilson. Por isso ele costuma dizer que “faz o exercício de estimar”. Foi dessa forma que se debruçou sobre os gastos da área em 2007, tanto do setor público quanto do privado. Em 2007, os gastos em saúde pública foram de R$ 94,41 bilhões. Os dispêndios federais do Ministério da Saúde, segundo relatório da Subsecretaria de Planejamento e Orçamento, entregue rotineiramente ao Conselho Nacional de Saúde, chegaram a R$ 44,343 bilhões (até dezembro). Quanto aos estados, sem declaração do Siops, a estimativa é de R$ 24,33 bilhões (com base nos R$ 22,42 bilhões gastos em 2006 acrescidos de reajuste de 8,52%, segundo a taxa de variação nominal do Produto Interno Bruto). Esse montante revela que 18 das 27 unidades da Federação deixaram de cumprir a EC 29. “São os grandes vilões do orçamento”, aponta Gilson. Mas são também vítimas, “pois é a área econômica que lhe nega os recursos mínimos”, atenua. Também sem as informações de 2007, sabe-se que os gastos dos municípios, em 2006, segundo o Siops, foram de R$ 23,73 bilhões. Feita a correção, a estimativa para 2007 é de R$ 25,75 bilhões. Segundo estudos de Gilson, é cada vez menor a participação da União no financiamento da saúde e maior a responsabilização de estados e municípios. Em 1980, a União participava com 75%; estados, com 17,8% e municípios, com 7,2%. Em 1995, respectivamente, 63,8%, 18,8% e 17,4%; em 2000, 59,74%, 18,53% e 21,73%; em 2006, 46,7% (União), 26,12% (estados) e 27,18% (municípios). Depois das transferências constitucionais, porém, os recursos deveriam ficar da seguinte forma: 60% da União, 24% dos estados e 16% dos municípios. Se então foram gastos R$ 94,41 bilhões com a saúde em 2007, à União caberia uma participação de R$ 56,65 bilhões (60%); aos estados, de R$ 22,65 bilhões (24%); e aos municípios, R$ 15,11 bilhões (16%). “Nesse raciocínio, do óbolo da viúva, quem menos arrecada é que está gastando mais”. Baixa participação De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE de 2003, que são os últimos dados disponíveis neste início de 2008, e depois de um reajuste de 21,8% a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 2007, Gilson calcula que o gasto privado total com saúde no ano passado foi de R$ 67,49 bilhões. Esse valor implica gastos com medicamentos (R$ 27,38 bilhões), com planos e seguros de saúde (R$ 19,04 bilhões) e o desembolso direto com consultas, exames, internações, entre outras ações (R$ 21,07 bilhões). Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o gasto com planos e seguros em 2006 foi de R$ 41,80 bilhões. Como esses recursos não incluem o sistema de auto-gestão patrocinado, Gilson acrescentou 5%, elevando o gasto com planos e seguros a R$ 43,89 bilhões. Considerando-se ainda o aumento do número de beneficiários e a correção dos valores dos planos e seguros entre 2005 e 2006 (13,54%), mais medicamentos e desembolso, estima-se que o setor privado gastou no ano passado R$ 98,38 bilhões. Ao setor público coube, portanto, participação no financiamento da saúde em 2007 de 49%, e ao setor privado, de 51%. Um total de R$ 192,79 bilhões, ou R$ 1.050,00 por brasileiro ao ano. “Em termos mundiais, o dólar valendo R$ 2,17 segundo o câmbio de 3 de julho de 2007, calcula-se que o gasto por brasileiro é de US$ 483,87. Somente os Estados Unidos gastaram no ano passado US$ 7.500 per capita com saúde”, compara Gilson.
Fonte: RADIS, nº 68, edição de abril de 2008

Soberania alimentar e o flagelo da fome


Escrito por Egon Heck
24-Abr-2008

A noite já ia avançada em Brasília, quando no Palácio Itamarati se encerrava a Conferência Especial pela Soberania Alimentar, pelos Direitos e pela Vida. Depois de quatro dias de muita informação e debates, os 120 participantes, de 33 países da América Latina e Caribe, expressaram suas posições para os governos e a FAO, que começa hoje, no mesmo espaço a 30 Assembléia Regional.

O documento deixa claro que "A soberania alimentar é um principio, um direito e um legado das mulheres rurais, Povos Indígenas e Pescadores, que foi adotada pelos movimentos sociais para a construção de um mundo, de uma nova sociedade, de uma nova forma de compreender as relações políticas, o desenvolvimento, os direitos humanos, a democracia, e a forma de produzir e manter os alimentos e os sistemas alimentares, de um mundo que sangra dia a dia pela vergonha que significam 79 milhões de pessoas com fome na região e 854 milhões no mundo inteiro".

Depois de muita partilha de experiências, informações e busca das causas, analisando os efeitos perversos desse sistema para o mundo de hoje, o documento afirma que "a fome e a pobreza não são produto da casualidade, senão de um sistema deliberado que viola o direito à alimentação e a vida digna das pessoas e dos povos. Apesar da evidencia em todo o mundo dos nefastos efeitos do neoliberalismo, o sistema internacional, os governos e as corporações industriais insistem em submeter o planeta a um desenvolvimento que esgota as possibilidades da própria vida... O planeta, a terra, os oceanos, e os ecossistemas que mantém a vida estão em risco como nunca antes na história da humanidade".

Depois de analisar as causas reais da pobreza e da fome, os participantes, através do documento final demandam aos governos "1. Deter a criminalização das lutas e dos movimentos sociais e terminar a militarização dos territórios dos povos e das comunidades, 2. Deter as políticas que apóiam e fomentam os agro combustíveis, 3. A concretização de uma reforma agrária integral, radical, com a devida consulta, consentimento livre, prévio e informado dos Povos e das comunidades, 4. A imediata ratificação pelos governos do Convenio 184 da OIT referente à segurança dos trabalhadores rurais".

Apesar das limitações desse espaço da Conferência, como espaço de autonomia das sociedades civis da América latina e Caribe, se considerou um avançar no diálogo e na construção de estratégias amplas nesse momento em que o mundo tem fome de alimentos e justiça, buscando novos rumos para superar o sistema neoliberal.

"O Haiti é aqui" – a fome e a violência lá e cá

"Cheguei tarde, pois tive que atender a demandas advindas da situação no Haiti", justificou um dos representantes do Itamarati. As revoltas, violências desencadeadas pela continuada intervenção, agravada pela alta e falta de alimentos, num país em" que 76% vive em situação de pobreza e 45 das crianças com menos de 5 anos está com desnutrição"(....) foram um prato cheio na Conferência sobre Soberania Alimentar. Nesta mesma semana o Conselho Indigenista Missionário, lançou, na Conferencia da CNBB, em Itaici, o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil. Ali ficou estampado o retrato do descaso e da violência a que estão submetidos os povos indígenas no Brasil. A situação mais clamorosa, de genocídio, continua sendo a do povo Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul. Ali os assassinatos aumentaram quase 100% neste último ano. Além disso, a população continua em total dependência das cestas básicas (e pobres) e do trabalho escravo nas usinas. Porém através de um Termo de Ajustamento de Conduta, a Funai está responsabilizada de começar logo (aliás, já era para estar nas áreas) e finalmente, a identificação das terras Guarani Kaiowá.

Enquanto no Palácio do Itamarati, algumas dezenas de representantes dos governos estarão debatendo as políticas relacionadas à produção e consumo de alimentos na região, na praça em frente, os barracos de lona preta estarão abrigando centenas de representantes dos povos indígenas de todo o país, no V Acampamento Terra Livre. Os tons, sons e gritos certamente serão diferentes, apesar de poucos metros distantes.

Egon Heck, Cimi-MS

quarta-feira, 23 de abril de 2008


ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA DO
CONSELHO MUNICIPAL DE
SAÚDE


Data : 28.04.2008
Início : 18:30 horas
Término : 20:30 horas
Local : IPREVILLE – Praça Nereu Ramos, nº 372
Centro

PAUTA
1- EXPEDIENTES E INFORMES
1.1- Comunicados diversos;
1.2- Apresentação e aprovação da pauta da reunião.

2- ORDEM DO DIA (Presidente)

2.1 Apresentação referente ao atendimento aos pacientes portadores de cancer do Hospital.
Municipal São José - Dr. Ricardo Polli

2.2 Esclarecimentos por parte da mesa diretora do Conselho Municipal de Saúde quanto aos questionamentos feitos pela conselheira Cléia Aparecida C. Giosole - Douglas
2.3 Proposta de cancelamento da representantividade do Conselho Municipal de Saúde
junto ao Hospital Municipal São José, ao Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, à
Associação de Reabilitação da Criança Deficiente - ARCD e Centro de Referência em
Saúde do Trabalhador – CEREST- Sr. Narcizo e Douglas.

2.4 ASSUNTOS DIVERSOS

Arnaldo Jabor...Lava nossa alma!


Caso Isabella: a dor da falta de sentido

Tentei não ler sobre a morte de Isabella. Também evitei na época os detalhes do assassinato do menino João Hélio - na minha profissão, há que selecionar horrores. Mas não consegui. Vi o desfecho do caso da menina morta.

A tragédia não é só das vítimas, mas nós também sofremos para entender o mal incompreensível. Cresce aos poucos uma pele de rinoceronte em nossa alma; com o coração mais duro, ficamos mais cínicos, mais passivos diante da crueldade. Como escreveu Oswaldo Giacoia Jr: "O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido".

Como entender que um pai e uma madrasta possam ter ferido, estrangulado e atirado uma menininha de 5 anos pela janela? Como entender a cara sólida e cínica que eles ostentam para fingir inocência? Como não demonstram sentimento de culpa algum? Ninguém berra? Ninguém chora?

Como podem querer viver depois disso?

Como essa família toda - pais, mães, irmãos - se une na ocultação de um crime?
Como o avô pôde dizer com a maior cara-de-pau que, "se meu filho fosse culpado, eu o denunciaria"?
Que quer esta gente? Preservar o bom nome da família?
Mas, são parentes ou cúmplices?

Como podem os advogados de defesa posar de gravata, terninho e cara limpa, falando de uma "terceira pessoa"? Sei que eles responderiam: "todos tem direito de defesa?", mas como é que eles têm estômago?

A polícia deu um show de bola pericial no caso Isabella, mas dá para sentir que nossa estrutura penal está muito defasada, com este espantoso crescimento da barbárie. Como se pode tolerar que um sujeito que foi condenado na semana passada somente a 13 anos por ter esquartejado a namorada, alegando "legítima defesa", possa ficar em liberdade "até esgotar todos os recursos que a lei prevê" - como disse o STJ?

Como entender que aquele jornalista Pimenta Neves, que premeditou o assassinato da namorada com dois tiros pelas costas e na cabeça, condenado já há seis anos, esteja em liberdade ainda, na boa? E aquele garoto que matou pai e mãe nos Jardins de São Paulo e a família rica conseguiu esconder tudo?

As leis de execução penal têm de ser aceleradas, as punições têm de ser mais temíveis, mais violentas, mais rápidas. Há um crescimento da crueldade acima de qualquer codificação jurídica. Essa lentidão, esse arcaísmo da Justiça é visível não só nos chamados "crimes de classe média", como também na barbárie que galopa nas periferias.

O Elias Maluco - lembram, aquele que matou o Tim Lopes com golpes de espada? - estava em "liberdade condicional", pois a lei concede isso ao "cidadão". Que cidadão? O conceito de cidadania tem de ser revisto.
Cidadania é merecimento. Surgiu na miséria do país uma raça de subumanos, sub-bichos que todos os dias degolam, esquartejam, botam no "microondas", e são "cidadãos" - "tão ligados?" Qual será o nome dessa coisa informe que a miséria está gerando?

E´ uma mistura de lixo e sangue, uma nova língua de grunhidos, mais além da maldade, uma pura explosão de vingança. Não se trata mais de uma perversão do "humano", mas de uma perversão do "animal" em nós. "Ah? a lei é igual para todos?", dizem os juristas de terno brilhante e bochechas contentes.

Sim, tudo bem. Mas há novas formas de crime que têm de ser estudadas e antigos direitos e penas têm de ser revistos.

Os pensadores da Justiça continuam a tratar os crimes como "desvios da norma", praticado por cidadãos iguais. Tem de acabar o tempo dos casuísmos, das leniências, das chicanas. Vivemos trancados num racionalismo impotente diante desse bucho indomável da miséria, do "alien" que se forma como um monstro boçal nas ruas e periferias. Com o congestionamento de fatos tragicamente insolúveis, no beco sem saída da sociedade, vejo se formar um desejo crescente pelo horror, pela crueldade, quase que uma fome de catástrofe.

Não falo dos analfabetos desvalidos e loucos, mas os assassinos de classe média já têm o prazer perverso de fazer o inominável. E esse casal de pedra, esses monstros? Será que vão se defender em liberdade, esgotando "todos os recursos da lei", como o esquartejadorcom "justa causa" ou o assassino daquela menina morta pelas costas, livre e solto? Serão condenados a dez aninhos com atenuantes e macetes?

Que acontecerá com eles, depois de estrangularem e jogarem a filha pela janela? A lei tem de ser mais temida, mas rápida, mais cruel.
Esse vazio da Justiça explica o sucesso de filmes como "Tropa de Elite" e até fantasias de linchamento em todos nós. Vejam as portas da cadeia onde estavam os dois assassinos.

E, por fim, por que tantos crimes contra as crianças? O caso do João Hélio, crianças decapitadas na Febem, criança jogada em lagoa em Minas Gerais, crianças no lixão, aquela psicopata em Goiás, que contratava meninas pobres para torturar, e mais: pedofilia, espancamentos, tudo? As crianças são fontes inconscientes de terror, de Herodes a Édipo e Moisés.

O rei Agamenon matou sua filha Ifigênia para ter tempo bom em uma guerr.. Que dizem os antropólogos dos rituais de matança de inocentes, como foi em nossa terra, Pedra Bonita, que ficou vermelha do sangue?

Em sociedades primitivas, o sacrifício de animais e o sangue de inocentes servem para afastar doença, prever o futuro, saciando o ódio dos deuses. Será que matam nessas crianças de hoje o horror a um futuro que não há mais?

Lamentamos uma harmonia ainda insistente e almejamos que ela seja alcançada.
É tão inútil usar as palavras racionalmente, diante da brutalidade deste "outro país" do crime e da miséria, que caio em desânimo: que adianta ficar os últimos 17 anos escrevendo em nome da "razão"?

E perguntamos, horrorizados: "Por que eles fizeram aquilo?" Resposta: "Por nada?"

domingo, 20 de abril de 2008

Declaração conjunta de Organizações da Sociedade Civil e Grupos de Pacientes sobre Saúde Pública, Inovação Médica e Acesso a Medicamentos


Tendo em vista que:

1. A saúde é um direito humano fundamental, condição essencial para a dignidade humana e pleno exercício da cidadania;

2. O modelo dominante de inovação médica, reforçado pela implementação do Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao comércio (TRIPS) da Organização Mundial do Comércio, é baseado em incentivos patentários geradores de monopólios, preços altos como retorno sobre investimentos e perspectivas de mercado nos países desenvolvidos;

3. Dados do mercado mundial de medicamentos mostram que os países em desenvolvimento representam menos de 15 % do mercado mundial de medicamentos;

4. Doenças que atingem desproporcionalmente os países em desenvolvimento não são alvo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e inovações significativas, apesar da crescente proteção patentária nesses países;

5. Recente relatório de uma comissão da Organização Mundial da Saúde chamada Comissão sobre Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública (CIPIH) apontou que a propriedade intelectual não é um instrumento adequado para desenvolver as tecnologias necessárias para responder aos problemas de saúde específicos dos países em desenvolvimento;

6. A existência nas legislações nacionais das flexibilidades do Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS) da Organização Mundial do Comércio (OMC) para a proteção da saúde pública, como a licença compulsória, não significa sua efetiva implementação e países fazendo uso dessas flexibilidades vem sofrendo ameaças de retaliações por parte de alguns países desenvolvidos. Consideramos de suma importância a atual discussão no âmbito do Grupo Intergovernamental de Trabalho sobre Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual (IGWG), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e solicitamos:


- Uma revisão das regras que regem a inovação e o acesso ao fruto desta inovação para que as necessidades em saúde dos países em desenvolvimento sejam consideradas na agenda internacional de P&D.

- Que o IGWG encontre soluções sustentáveis para que os medicamentos, vacinas e diagnósticos existentes e novos sejam efetivamente acessíveis para todos aqueles que deles precisem nos países em desenvolvimento.

- Que o IGWG enfatize a importância do apoio da OMS na implementação efetiva das flexibilidades do TRIPS pelos países que delas precisem para garantir o acesso a medicamentos.

- Que o IGWG busque novos mecanismos de incentivos à inovação em saúde, levando em consideração a garantia do acesso no futuro. Preços altos como solução para o custeio da inovação não é solução.

- A manutenção e ampliação da participação das organizações da sociedade civil e de pacientes, sobretudo do Sul, nas negociações travadas no IGWG, considerando com muita atenção os conflitos de interesse que possam existir nessas organizações.