
Há alguns meses, ao lançar uma campanha nacional de combate à dengue, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, considerou que seria "injustificável" e "inadmissível" que o Brasil fosse atingido por uma nova epidemia da doença. Dificilmente o ministro encontrará adjetivos mais adequados para se referir à situação atual da dengue. Em algumas regiões, ela é muitas vezes pior do que a daquela época - já se configurando como epidemia em várias cidades. O quadro é particularmente grave no Estado do Rio de Janeiro, onde foram registrados 75.399 casos de dengue neste ano, com a ocorrência de 81 mortes. Destas, 48 ocorreram na capital, onde, até sexta-feira, tinham sido registrados 47.012 casos da doença. Outras 80 mortes estavam sendo investigadas no Estado. Se, destas, 10 tiverem sido provocadas pela doença, em pouco mais de três meses terá sido batido o triste recorde da pior epidemia de dengue conhecida até agora, ocorrida em 2002, quando a doença causou a morte de 91 pessoas. Neste ano, em pouco mais de 100 dias, o número de internações por dengue na rede pública de saúde do Estado do Rio de Janeiro já é 14 vezes maior do que o de todo o ano passado. De acordo com a Superintendência Estadual de Vigilância em Saúde, neste ano 5.019 pessoas com dengue já precisaram ser internadas em hospitais da rede pública em 35 municípios. No ano passado, o número de internações ficou em 370. }A situação do Rio de Janeiro expõe de maneira clara a impotência da sociedade diante de uma calamitosa crise de saúde pública e a incompetência das autoridades para conter o avanço da doença e a mortandade. Há pouco, as autoridades da área de saúde redobraram seus esforços para combater a dengue e passaram a contar com o apoio dos hospitais militares de campanha, mas o número de casos registrados cresceu quase um terço em uma semana. O Rio não é um caso isolado. As autoridades de pelo menos uma cidade do interior de São Paulo - Araraquara, a 273 quilômetros da capital - admitem que enfrentam uma epidemia de dengue. Com cerca de 200 mil habitantes, o município registrou, até quinta-feira, 622 casos da doença, dos quais apenas 3 importados. É quase o dobro do total de casos registrados em 2007. A Vigilância Epidemiológica do município fez bloqueios para eliminar criadouros do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença, mobilizou 100 funcionários (dos quais 50 contratados recentemente) em operações de nebulização nos bairros mais afetados, pediu a ajuda de associações de bairros e entidades religiosas para combater o inseto, mas a doença continua a avançar. E a situação se complica porque cerca de um terço dos funcionários municipais da área de saúde está em greve desde a semana passada. Outras cidades paulistas registram um preocupante aumento do número de casos da doença e estão em estado de alerta. Ribeirão Preto tem 320 casos confirmados, Mogi-Guaçu tem 156 e Bauru, 79. A situação dessas cidades contrasta com a do resto do Estado, que, no primeiro trimestre de 2008, registrou uma redução de 97% dos casos confirmados de dengue (foram 1.297 contra 44.760 nos primeiros três meses de 2007). O avanço da doença no País - e no Rio de Janeiro, em particular - expõe a desatenção e o desleixo com que as autoridades federais, estaduais e municipais tratam, ou destratam, a saúde pública, cada uma tentando empurrar para a outra a responsabilidade pela propagação da dengue. O ministro da Saúde tenta montar uma estratégia nacional de prevenção e combate à dengue para o ano que vem. Fala-se da criação de uma força nacional, já sugerida por secretários estaduais de Saúde, que mobilizaria os esforços de autoridades de todos os níveis de governo em ações permanentes para manter a dengue sob controle, como esteve entre as décadas de 1950 e 1970. Espera-se que isso seja mesmo feito, e com a eficiência necessária. Porque, até agora, o que se viu foi a incapacidade das autoridades de agir coordenadamente, de acordo com o interesse público.
Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, publicado na coluna Opinião, página A-3, edição de 13/04/2008.
Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, publicado na coluna Opinião, página A-3, edição de 13/04/2008.
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