quinta-feira, 24 de abril de 2008

Análise do Farmácia Popular aponta possíveis deficiências na Assistência Farmacêutica no SUS


Em 2004, o governo federal criou o Programa Farmácia Popular do Brasil. Tal medida, que visava ampliar o acesso da população a medicamentos, deu origem a uma grande polêmica envolvendo a questão do público e do privado no âmbito do setor da saúde brasileira. Analisar esse programa, do ponto de vista de seus aspectos organizacionais, do perfil de clientela e da distribuição dos serviços, foi o objetivo do projeto de mestrado em Saúde Pública de Cláudia Du Bocage Santos Pinto, que desenvolveu seu trabalho sob orientação dos pesquisadores Nilson do Rosário Costa (DCS/ENSP) e Claudia Garcia Serpa Osório de Castro (NAF/DCB/ENSP). Veja apresentação na Biblioteca Multimídia da ENSP. “O ‘Farmácia Popular’ foi concebido tendo como um de seus objetivos principais a ampliação do acesso a medicamentos para a população brasileira. Ele não possui o objetivo de substituir a provisão gratuita, no entanto, especula-se que ele possa ser visto como uma nova alternativa à possível baixa efetividade do sistema público de provisão de medicamentos”, diz a autora do trabalho. Para Claudia Osório, a grande fortaleza da pesquisa O Programa Farmácia Popular do Brasil: modelo, cobertura e utilização frente à Política Nacional de Medicamentos é sua simplicidade. “A Cláudia foi absolutamente persistente em realizar o melhor trabalho possível. Sua análise envolve uma descrição minuciosa do Programa, com imersão em documentos e legislação, e um Estudo de Utilização de Medicamentos (EUM), suportado pela metodologia apropriada”, disse. De acordo com Cláudia Du Bocage, não foram analisados os aspectos de financiamento do Farmácia Popular, em virtude da indisponibilidade de dados durante a elaboração do estudo. “Não há dúvidas sobre a necessidade de se fazer pesquisas adicionais sobre esse aspecto, mas hoje, depois de quase quatro anos de existência do Programa, ainda há poucas informações financeiras disponíveis para os pesquisadores externos”, justificou. O estudo só considerou os modelos 1 e 2 do Programa, referentes às unidades que possuem ligação direta com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O modelo 3, que teve início em 2006 e que consiste na venda de medicamentos em farmácias privadas credenciadas, não foi analisado devido à indisponibilidade de informações e por possuir características muito distintas dos modelos da primeira fase do Programa. Farmácia popular: um programa polêmico No Brasil, o acesso à saúde é um direito constitucional, e é dever do Estado, por meio do SUS, assegurar à população os serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Nesse contexto, todos os pacientes deveriam ter acesso aos medicamentos necessários para seu tratamento, o que nem sempre acontece por várias razões. “O crescente gasto das famílias, especialmente as de baixa renda, com medicamentos levou o Governo Federal a criar o Programa Farmácia Popular do Brasil, voltado, principalmente, para a população não usuária do SUS, que utiliza planos privados de saúde, mas que não possui rendimentos suficientes para completar um tratamento medicamentoso”, conta Cláudia, lembrando que a alternativa trouxe à tona a questão do co-pagamento, atualmente uma iniciativa comum em diversos contextos de saúde, mas inédita como política nacional para o Brasil. Segundo ela, o Programa funciona de forma independente e paralela à provisão pública de medicamentos, mas algumas de suas características, como sua lista de medicamentos e a população que efetivamente está utilizando o serviço, acabam refletindo ineficiências na provisão pública, que podem estar relacionadas à forma como cada município gera seu ciclo de assistência farmacêutica. “O processo de descentralização trouxe benefícios inquestionáveis e foi peça fundamental no processo de reforma do nosso sistema de saúde, mas também trouxe algumas dificuldades, identificadas por meio dos diferentes resultados da provisão gerida pelas diferentes esferas de governo e pelos diferentes estados e municípios. No caso dos medicamentos, os da atenção básica passaram a ser de responsabilidade do gestor municipal, os de dispensação, em caráter excepcional, ficaram a cargo do nível estadual e outros, como os anti-retrovirais distribuídos pelo Programa Nacional de DST/Aids, continuaram sob gerência do Governo Federal”, explica. Para Cláudia, o crescente número de processos judiciais para obtenção de medicamentos pode ser um sinal de que nem todos os estados e municípios conseguem cumprir o seu papel da forma desejada. “A baixa disponibilidade de medicamentos essenciais nas unidades públicas de saúde penaliza, principalmente, a população de baixa renda e pode, por conta da interrupção do tratamento, gerar internações desnecessárias e onerosas ao SUS”, sugere. Esse quadro, de acordo com Cláudia, leva a discussões sobre a efetividade da descentralização para a Assistência Farmacêutica e fortalece o modelo de compra centralizada, que é utilizado para alguns grupos de medicamentos, como os estratégicos, e adotado também pelo Programa Farmácia Popular. Provisão de medicamentos no Brasil: sistema precisa ser continuamente avaliado Sem conseguir alcançar a meta de 500 unidades até o final de 2006, o ‘Farmácia Popular’ chegou, em 2007, a 407 unidades próprias, distribuídas por todos os estados e por 314 municípios. A pesquisa mostrou maior concentração de unidades e municípios nas regiões Sudeste e Nordeste, com destaque para os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. “Também há concentração no nível municipal, com muitos casos de municípios com várias unidades instaladas, e como isso não pode ser atribuído somente ao perfil da população, supõe-se que o apoio político ao Programa tenha sido fundamental para a sua conformação espacial”, afirma Cláudia. A pesquisadora lembra que o ‘Farmácia Popular’ é constituído de distintos modelos de unidades. As unidades de modelo 1 foram as pioneiras e têm gestão exclusiva da Fiocruz. As unidades de modelo 2 são estabelecidas por meio de parcerias da Fiocruz com estados, municípios ou com órgãos e instituições sem fins lucrativos. Para os usuários, não existe diferença entre as unidades de modelo 1 ou 2. “Atualmente, cerca de 80% das unidades resultam de parceria com os municípios”, conta, reiterando que a pesquisa só considerou dados dos modelos de unidade 1 e 2. No que diz respeito aos usuários, o estudo mostrou que, de forma geral, os que mais utilizam o Programa são provenientes da rede privada, entretanto, a diferença entre a proporção de usuários do sistema público e do sistema privado vem diminuindo ao longo dos anos, chegando quase à equiparação em 2007. A análise, por regiões, aponta também para um grande contingente de usuários da rede pública buscando, no ‘Farmácia Popular’, medicamentos, aos quais teriam direito gratuitamente, situação que é mais alarmante no Norte e Nordeste. Segundo Cláudia, como hipóteses positivas para essa demanda, é possível considerar a presença contínua de medicamentos nas unidades do Programa ou o bom atendimento oferecido. Por outro lado, existe também a hipótese da falta de medicamentos na rede pública ou a insatisfação com os serviços do SUS. “O fato é que usuários do setor público, que deveriam ter acesso a medicamentos de forma gratuita, vêm recorrendo ao Programa e, conseqüentemente, obtendo seus medicamentos mediante desembolso”. Cláudia Du Bocage também salienta que, apesar da falta de dados que permitiriam avaliar o impacto do Programa sobre os gastos públicos e de informações sobre a forma de definição dos preços finais dos medicamentos, o resultado da pesquisa foi muito bom. “O estudo demonstrou que a análise do ‘Farmácia Popular’ permite identificar inúmeros aspectos do sistema público de provisão de medicamentos no Brasil, que precisam ser continuamente avaliados”, diz, concluindo: “A opção do Governo pela inserção do co-pagamento no contexto da saúde parece refletir uma percepção de que são necessárias alternativas para ampliação do acesso a medicamentos e que, conseqüentemente, o modelo atual, apoiado na descentralização, pode estar falhando em prover medicamentos à população de forma satisfatória”. Fonte: Informe ENSP

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