quarta-feira, 9 de abril de 2008

Crime & Espetáculo - Prender, massacrar, julgar, condenar


Por Carlos Brickmann em 8/4/2008
E ainda bem que as leis brasileiras não permitem a pena de morte. Senão, haveria muito jornalista tão ocupado que não teria tempo nem para descansar.
O grande tema em debate é o do assassínio da menina Isabella. Não se trata de analisar o caso do ponto de vista da investigação: os acusados podem ou não ser culpados. O inquérito, espera-se, lançará as bases para identificação e julgamento dos criminosos. Do ponto de vista jornalístico, boa parte da imprensa comprou a versão que deu audiência, e, como normalmente sucede, se baseou em suspeitas de delegados. Cria-se a comoção pública; e, em seguida, como conseqüência da comoção, surgem as cenas de jornalismo explícito, com multidões tentando agredir os suspeitos. No caso, houve até uma delegada, Maria José Figueiredo, que, em vez de investigar e enquadrar legalmente os suspeitos, com frieza e profissionalismo, gritava "assassino".
Mas, se este é o grande tema, não é o único. Há o caso do Rio Grande do Sul, onde tudo indica que, com forte participação da imprensa, se transformou uma briga de condomínio num espetáculo de preconceito contra nudistas (se é nudista e de certa idade, conclui-se, tem também de ser pedófilo). Há o caso dos pilotos americanos do Legacy, que viraram culpados mesmo depois da certeza de que havia sérias deficiências no controle brasileiro de tráfego aéreo.
Na briga pela audiência, a ridicularia dominou o noticiário. Fomos informados de que o rapaz acusado de matar a filha não se alimentou à noite, e também de que o repórter, sempre alerta e a postos, aguardava a informação a respeito do que ele teria comido no café da manhã. Fomos informados do tamanho da cela, soubemos que ali não havia colchão.
E se tudo o que a imprensa noticia hoje for verdade? Não importa: noticiar não é transformar um crime em espetáculo. Noticiar exige sobriedade; noticiar exige, e exige sempre, desconfiar das informações das autoridades. As autoridades são inimigas naturais do jornalismo. E agora as autoridades descobriram que, para distorcer o noticiário à sua vontade, mais eficiente do que a censura policial é a aliança com alguns jornalistas, é o fornecimento a conta-gotas de informações e opiniões, é a disponibilidade para dar entrevistas onde quer que se acenda uma luzinha.
É o caso Escola Base? Depende: de qual dos inúmeros casos Escola Base estamos falando?
E, por falar nisso
Alex Ribeiro, o talentoso e meticuloso autor do livro Caso Escola Base: os abusos da imprensa, hoje repórter do Valor em Brasília, acha que um caso como o da menina Isabella é chocante demais para não estar na imprensa. Ele teme, entretanto, o vale-tudo, em que os jornalistas disputam uma declaração qualquer, feita num momento de dor, com a volúpia do faminto diante de um prato de comida.
Como cobrir um caso como esse? A receita de Alex Ribeiro: "É preciso analisar friamente o fato, sem pender para nenhum dos lados; confrontar tecnicamente e juridicamente o trabalho do delegado antes de publicar sua posição; e procurar outras fontes, parentes, amigos". E, da maior importância, é preciso "colocar o delegado na parede, mesmo, antes de publicar".
Desconfiar, jamais
O promotor do caso Isabella primeiro deu entrevista de uma hora e meia, depois foi ao local do crime, "para ter uma visão espacial do local do ponto de vista das testemunhas". E estranhou que o corpo da menina não fosse tocado até que bombeiros e policiais chegassem. "Não foi mexido. Não houve desespero de ninguém em prestar um socorro imediato".
E não houve um repórter que lembrasse imediatamente que, em casos de queda grave, não se deve movimentar o corpo da vítima, para evitar o agravamento dos traumas. Quem pode mexer no corpo é o médico ou o resgate – ninguém mais. Claro que o promotor deveria saber disso. Os jornalistas também.

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