
Gilson Carvalho
I. O NÃO-MARKETING OU ANTI-MARKETING DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS .
No afã diário de resolver os problemas emergentes do Sistema Único de Saúde os gestores públicos correm um alto risco de ficarem apenas na administração das “faltas” de cada dia. Cuidando do varejo. Correndo atrás do prejuízo. O grande problema enfrentado hoje pelo SUS é ter poucos defensores do Sistema Único de Saúde(SUS), universal e eqüitativo, servindo a todas as pessoas, em suas necessidades de saúde, numa concepção mais ampla e integradora, como manda a Constituição Federal. Como não aparecem, não circulam pela mídia, os feitos de um Sistema de Saúde que realiza mais de 2 bilhões de atendimentos/ano para uma população de 180 milhões de pessoas, 140 milhões que, com certeza, se servem exclusivamente dele? Três milhões de mulheres dão à luz em leitos hospitalares pagos pelo SUS (isto é: financiados pelos impostos dos cidadãos) e não aparece como serviço prestado pelo SUS? São cerca de 11 milhões de internações por ano, realizadas com recursos públicos do cidadão, gerenciadas pelo SUS... e nada de aparecer na mídia e na opinião pública! É só problema, reclamações... uma avalanche de críticas que mais parece orquestração de inimigos (entre estes, aqueles que se enriquecem com as dificuldades de funcionamento do público )!... O SUS tem duas classes de clientes. Uma dos que a utilizam, só têm o SUS a quem recorrer em suas necessidades de saúde. Infelizmente, muitas vezes nem fazem a associação entre o serviço de saúde recebido e o seu responsável, o Sistema Único de Saúde, o SUS. Porque não sabem ou porque são iludidos por inescrupulosos (nos públicos e nos contratados-conveniados) que os enganam dizendo que estão prestando serviços gratuitos... para depois, por exemplo, cobrar o retorno pelo voto ou outras coisas. A outra classe que se utiliza do SUS faz questão de não aparecer ou de ser escondida. São todos aqueles que pagam planos e seguros de saúde e que, quando estes lhe negam algum serviço, recorrem ao SUS. São clientes que pagam por fora a instituições e/ou profissionais, inconstitucional e ilegalmente e se utilizam das guias do SUS “calçando” o atendimento. Nesta última também se incluem os clientes “particulares” que pagam do que têm e alguns, do que não têm. Esta segunda classe, usuários de planos, seguros e privados, é a que acaba atropelando a primeira, furando filas de espera levados “por alguma mão de anjo” que está se favorecendo. Estes não tem interesse em divulgar o SUS. Seria como que uma ofensa, uma humilhação dizer que se utilizaram de um sistema que, errônea e pejorativamente, denominam de “sistema dos pobres”. Nunca os vi na mídia louvando, agradecendo e, principalmente, defendendo o SUS. Defendendo mais recursos para o SUS. Defendendo o cumprimento da Constituição Federal que garante saúde como um direito universal e de equidade. Acho que os gestores públicos têm que fazer mais marketing positivo do SUS. Não o marketing por ele mesmo ou para enaltecer administrações públicas, deste ou daquele governo ou partido. Marketing para mostrar aos cidadãos brasileiros o que faz o SUS que teimam em querer “privatizar à mão branca”. Seria um trabalho de conscientização para que mais pessoas defendam o SUS.
II - FAZENDO O MARKETING DO SUS... FUNDAMENTOS
Para se fazer o marketing do SUS se faz necessário entender a idéia central e os princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde - SUS. No entendimento dele é que podem surgir as idéias luminosas que servirão para o reconhecimento de sua importância, necessidade e conseqüente defesa de garantia. Primeiro temos que nos aperceber que Saúde é o bem que envolve a própria vida das pessoas. Este bem está sujeito a um tipo de risco, por vezes previsível e prevenível e, outras muitas vezes, imprevisível e imprevinível. A vida como um todo ou parte dela, quando em risco, envolve custos psíquicos, morais, sociais e físicos. Estes custos, traduzidos no econômico, quando se consegue, podem ser de tal monta que, mesmo alguns milhares de brasileiros que ganham mais que dois mil dólares mensais teriam extrema dificuldade em poder arcar com eles. Quanto aos mais pobres, nem se diga, pois a somatória de todo a remuneração que conseguissem com seus salários, por toda uma vida, não seria capaz de remunerar estes custos. Daí se deduz da necessidade que tem a humanidade de buscar uma forma de seguro para garantir sua saúde. Este seguro pode ser buscado no setor privado que estabelece os custos na medida dos riscos cobertos. Quanto maior o risco a que o cidadão é exposto e, conseqüentemente, maior a cobertura pretendida, estes custos se elevam a valores astronômicos. No Brasil os últimos levantamentos apontam que seguros e planos de saúde têm sido oferecidos a um custo mensal entre 20 e 1000 dólares por pessoa, na dependência do que se cobre e de “quem” é coberto. A outra alternativa é que a saúde seja assegurada pelo estado. Assim é que inúmeros países colocam a questão social como um campo de ação primordial do estado e têm assegurado o direito à saúde através de impostos e contribuições do cidadão. A vantagem de ser estatal é a garantia de que será universal a todos os cidadãos ou que, no mínimo, dê cobertura àqueles que mais necessidades têm, provavelmente os que menos têm e menos podem. Assim alguns países dão cobertura universal a todos e outros à parcela da população, os mais carentes. Outros limitam, não na universalidade, mas no alcance da cobertura, limitando determinados atendimentos ditos de alta-complexidade e custo. O seguro estatal, financiado pelos cidadãos entre as muitas vantagens têm as seguintes: a inexistência do lucro (objetivo do privado) a possibilidade de extensão de cobertura diante de necessidades emergentes, a abertura ao controle da própria sociedade através do legislativo, do judiciário e do próprio controle social direto. Assim é o Sistema Único de Saúde - um “seguro estatal” garantido por nossos impostos e contribuições sociais, previsto na Constituição Federal como Direito de todos e Dever do Estado. Este é o primeiro ponto de marketing a ser feito. Defenda o que é seu! Exija dos governos que cumpram a constituição e as leis “por pensamentos, palavras e obras”... garantindo os meios, principalmente financeiros, para que o SUS cumpra seu papel.
III - FAZENDO MARKETING DO SUS... PRINCÍPIOS Continua sendo imprescindível se fazer o marketing do Sistema Único de Saúde. Não por ele mesmo ou para enaltecer o papel do Estado na tentativa de cumprir seu dever e garantir o direito de todos à saúde. As diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde, sobre os quais se deve fazer seu marketing, foram gerados em mais de trinta anos de “bolação” de um sistema de saúde que atingisse a todos e representasse um direito de cidadania. Faço aqui uma abordagem sintética daquilo que, pela primeira vez, está numa Constituição Brasileira e que se constitui no arcabouço de idéias que compõem o Sistema Único de Saúde - SUS.
SAÚDE DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO = todos os cidadãos têm direito à saúde sem nenhuma discriminação, inscrito como direito social e com o estado assumindo que isto é dever dele.
SAÚDE É DE RELEVÂNCIA PÚBLICA = entre todos os setores de caráter público a saúde ganha uma posição privilegiada que é ser mais que simplesmente público: é de relevância pública. Aplica-se a relevância pública aos serviços públicos e privados. Uma das implicações essenciais é que o Ministério Público é responsável pela garantia aos cidadãos das questões que são de relevância pública.
UNIVERSALIDADE = a universalidade do acesso garante que todos os cidadãos têm o direito à saúde, independente de poder aquisitivo, raça, cor, credo ou qualquer outra discriminação.
IGUALDADE (EQÜIDADE) = o direito à saúde é um direito igual de todos os cidadãos, novamente sem possibilidade de se tratar diferentemente pessoas com necessidades iguais e com possibilidade de tratar diferente só as necessidades diferentes. O conceito de igualdade deve ser qualificado com o da equidade qual seja o de oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades de cada um. Dar mais para quem mais precisa. Tratar diferentemente desiguais.e igualmente os iguais. A igualdade no direito compreende a eqüidade na execução do direito.
INTEGRALIDADE = as ações de saúde terão uma integralidade dita vertical onde o indivíduo será visto em sua totalidade, com unicidade e não dissociado por doenças e aparelhos. Outra compreensão é a integralidade dita horizontal onde se acabam com as várias abordagens de promoção, proteção e recuperação da saúde. Busca-se a integralidade destas abordagens que deixam de ter a contradição interna da dicotomia entre o preventivo e curativo, entre o individual e coletivo, em todos os níveis de complexidade do sistema.
AUTONOMIA DAS PESSOAS = as pessoas tem ter preservada a autonomia na defesa de sua integridade física e mental.
RESOLUTIVIDADE = a capacidade de resolução dos serviços de saúde em todos os níveis de assistência. Dar respostas que resolvam.
DIREITO À INFORMAÇÃO = os cidadãos usuários dos serviços de saúde têm direito à informação sobre seu direito à saúde, sobre o potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário, os assistidos, o direito a informação sobre sua saúde.
GESTOR ÚNICO EM CADA ESFERA DE GOVERNO = acaba com a tradicional dicotomia dos serviços com vários gestores em cada município. Antes havia serviços federais, estaduais e municipais, sob comando destas esferas. Agora a autoridade sanitária municipal é única em seu território a estadual, igualmente única e também a federal.
INTERSETORIALIDADE = saúde depende do econômico e social e são seus fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais. Especial a integração das ações de saúde, saneamento e meio ambiente.
RESPONSABILIDADE TRILATERAL= a União, os Estados e Municípios devem unir e conjugar seus recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos na prestação de serviços de assistência à saúde da população.
DESCENTRALIZAÇÃO = o Ministério da Saúde, o Inamps, as Secretarias estaduais de Saúde eram os executores das ações e serviços de saúde. Pela Constituição Federal a maior responsabilidade de execução das ações e serviços de saúde ficou para os municípios. O MS, que recebeu o INAMPS depois de sua extinção, e os Estados devem transferir todas as atividades de saúde para os municípios e oferecer a eles cooperação técnica e financeira.
REGIONALIZAÇÃO = os serviços de saúde devem estar dispostos de maneira regionalizada, pois os municípios não poderão, todos e cada um deles, esgotar-se no oferecimento de tudo que a medicina dispõe. Gerencialmente cabe a organização dos serviços cobrindo determinada região, complementando-se.
HIERARQUIZAÇÃO = os serviços de saúde devem se organizar de maneira a obedecer a uma hierarquia entre eles de tal modo que as questões menos complexas sejam atendidas nas unidades básicas e postos de saúde. Esta hierarquia é feita a partir deles , passando pelas unidades especializadas, pelo hospital geral até o hospital especializado.
COMPLEMENTARIEDADE DO PRIVADO = o caráter público do SUS não é estatal. As ações serão feitas pelos serviços públicos e complementarmente pelo setor privado lucrativo ou não e com preferência para o filantrópico e o sem fins lucrativos, através de contrato administrativo ou convênio.
SUPLEMENTARIEDADE DO PRIVADO = é livre a iniciativa privada na área de saúde e que pode ser exercida por pessoa física ou jurídica individualmente ou de forma suplementar como operadora de planos, seguros, cooperativas e auto-gestão.
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE = a saúde oficialmente inaugura a reforma do estado abrindo espaço para que se cumpra o principio constitucional de que o cidadão exerce o poder diretamente ou por pessoas eleitas por ele. A saúde oficializa isto na prática criando os Conselhos de Saúde com participação paritária: de um lado os cidadãos usuários dos serviços de saúde e de outro a administração, prestadores e trabalhadores de saúde. Além disto, a cada período de 2 ou 4 anos realizam-se Conferências de Saúde mais abertas e com maior participação das pessoas.
IV – “TEMPESTADE CEREBRAL – TORÓ DE PARPITE” ..... PLANFLETÁRIA EM DEFESA DO SUS A proposta é colocar muitas pessoas pensando, criando e, desinibidamente, jogando frases, slogans em defesa do Sistema Único de Saúde - SUS. Aqui vai minha contribuição para animar outros mais criadores e reafirmar que este é um exercício que tem que ser feito.
· O SUS É SEU , LUTE POR ELE. · DEFENDA O SUS OU PODERÁ FICAR SEM ELE. · SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, SUS, PARA CUIDAR DE VOCÊ. · SUS: A PROTEÇÃO DA MÃE E DE SEU NENÉM. · SUS: A PROTEÇÃO DO TRABALHADOR NO ACIDENTE OU NA DOENÇA PROFISSIONAL. · SUS: A MÃO PROTETORA DE SUA SAÚDE. · SUS A GARANTIA DE ASSISTÊNCIA À SUA SAÚDE. · O SUS É SEU - DEFENDA-O. · COM O SUS = POVO COM SAÚDE. · SAÚDE = SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). · O SUS É GARANTIDO PELOS IMPOSTOS QUE VOCÊ PAGA - VÁ CONFERIR. · CONSELHO DE SAÚDE = SUA PARTICIPAÇÃO EM DEFESA DO QUE É SEU. · SAÚDE SE GARANTE COM UM SUS FORTE E CONTROLADO POR VOCÊ. · DEFENDA O SUS = UM SERVIÇO PÚBLICO PARA VOCÊ E SUA FAMILIA. · SUS SÓ É FORTE QUANDO VOCÊ O DEFENDE E CONTROLA. · SUS EM DEFESA DA QUALIDADE DE SUA VIDA. · O SUS PROTEGENDO A SAÚDE DE SUAS CRIANÇAS. · ETC. ETC. Além de slogans, frases, lembretes, “gritos de guerra”, podemos tomar atitudes concretas, no dia a dia dos serviços de saúde. Aqui vão algumas lembretes conhecidos, mas não utilizados! Se cumpridos, poderão desempenhar este papel.
1. Colocar a logomarca do SUS em todas as unidades de prestação de serviços SUS (interna e externamente) inclusive naquelas que são contratadas ou conveniadas. 2. Colocar o símbolo do SUS em todos os impressos de receitas, pedidos de exame, encaminhamentos, orientações e recomendações e mesmo documentos internos. Nas ambulâncias e demais veículos das secretarias de saúde. 3. Colocar o símbolo do SUS nos medicamentos distribuídos. Milhares deles, ainda que distribuídos gratuitamente (pagos por nós!) pelo SUS, são os mesmos do mercado e não trazem nem uma simples etiqueta colante ou selinho dizendo que estão sendo distribuídos pelo SUS e foram adquiridos com recursos dos impostos que pagamos. 4. Entre 1994 e 2001 havia uma obrigatoriedade legal (portaria ministerial) de se entregar a todo cidadão que fosse internado pelo SUS um documento em que constasse que se gastou com ele determinado valor ( valor da tabela de procedimentos SUS) e que aquilo só foi possível ser feito sem pagamento no ato, graças aos impostos e contribuições que todo cidadão paga direta ou indiretamente. Infelizmente, esta portaria foi revogada sob argumento que já existiam outros mecanismos de se divulgar e controlar esta questão. Com portaria ou sem portaria os gestores podem tomar esta decisão, bastando uma decisão de fazê-lo ou uma deliberação do Conselho de Saúde para que retorne a prática.
V – CONCLUSÃO
Implícito nos princípios do SUS, descritos acima está o essencial: pretende-se uma nova abordagem de saúde. Um novo modelo assistencial trabalhando-se mais profundamente nos determinantes e condicionantes de saúde que já estão acenados na Constituição: não se faz saúde sem mexer na questão econômico-social. A lei orgânica de saúde ainda explicita mais dizendo que saúde depende de trabalho, salário, alimentação, moradia, educação, lazer etc. Para tanto é essencial se mexer na protocolização de condutas, de medicamentos, na desmonopolização do saber, na educação em saúde. Administrativamente tem-se que trabalhar na integração inter e intra institucional, na educação permanente dos trabalhadores de saúde a quem deve ser garantido salários, plano de carreira e condições de trabalho. E exigido compromisso técnico, humano e com a sociedade. Este é o SUS que defendemos. Que deve sair do papel. Do qual temos que fazer o marketing para que as pessoas cada vez tenham melhor assistência. Que as pessoas saibam de onde está vindo aquilo que sabemos ainda ser pouco, mas é o que se tem por direito. Enquanto não conscientizarmos os gestores, prestadores, profissionais de saúde e os cidadãos usuários, cada um em seu papel, amargaremos as conseqüências do anti-marketing ou não-marketing a que o SUS está submetido. Seremos todos penalizados pela destruição do SUS pelo simples fato de não estarmos investindo em fazer, na cabeça de cada um, uma ligação de causa e efeito: é o SUS que vem garantindo um pouco da saúde que temos, mantendo vivos e com alguma qualidade de vida, milhares de cidadãos brasileiros.
Gilson Carvalho é Médico Pediatra e de Saúde Pública. O autor adota a política do copyleft, podendo este texto ser usado, copiado, distribuído, publicado, independente de sua autorização, citada a fonte e o autor.
II - FAZENDO O MARKETING DO SUS... FUNDAMENTOS
Para se fazer o marketing do SUS se faz necessário entender a idéia central e os princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde - SUS. No entendimento dele é que podem surgir as idéias luminosas que servirão para o reconhecimento de sua importância, necessidade e conseqüente defesa de garantia. Primeiro temos que nos aperceber que Saúde é o bem que envolve a própria vida das pessoas. Este bem está sujeito a um tipo de risco, por vezes previsível e prevenível e, outras muitas vezes, imprevisível e imprevinível. A vida como um todo ou parte dela, quando em risco, envolve custos psíquicos, morais, sociais e físicos. Estes custos, traduzidos no econômico, quando se consegue, podem ser de tal monta que, mesmo alguns milhares de brasileiros que ganham mais que dois mil dólares mensais teriam extrema dificuldade em poder arcar com eles. Quanto aos mais pobres, nem se diga, pois a somatória de todo a remuneração que conseguissem com seus salários, por toda uma vida, não seria capaz de remunerar estes custos. Daí se deduz da necessidade que tem a humanidade de buscar uma forma de seguro para garantir sua saúde. Este seguro pode ser buscado no setor privado que estabelece os custos na medida dos riscos cobertos. Quanto maior o risco a que o cidadão é exposto e, conseqüentemente, maior a cobertura pretendida, estes custos se elevam a valores astronômicos. No Brasil os últimos levantamentos apontam que seguros e planos de saúde têm sido oferecidos a um custo mensal entre 20 e 1000 dólares por pessoa, na dependência do que se cobre e de “quem” é coberto. A outra alternativa é que a saúde seja assegurada pelo estado. Assim é que inúmeros países colocam a questão social como um campo de ação primordial do estado e têm assegurado o direito à saúde através de impostos e contribuições do cidadão. A vantagem de ser estatal é a garantia de que será universal a todos os cidadãos ou que, no mínimo, dê cobertura àqueles que mais necessidades têm, provavelmente os que menos têm e menos podem. Assim alguns países dão cobertura universal a todos e outros à parcela da população, os mais carentes. Outros limitam, não na universalidade, mas no alcance da cobertura, limitando determinados atendimentos ditos de alta-complexidade e custo. O seguro estatal, financiado pelos cidadãos entre as muitas vantagens têm as seguintes: a inexistência do lucro (objetivo do privado) a possibilidade de extensão de cobertura diante de necessidades emergentes, a abertura ao controle da própria sociedade através do legislativo, do judiciário e do próprio controle social direto. Assim é o Sistema Único de Saúde - um “seguro estatal” garantido por nossos impostos e contribuições sociais, previsto na Constituição Federal como Direito de todos e Dever do Estado. Este é o primeiro ponto de marketing a ser feito. Defenda o que é seu! Exija dos governos que cumpram a constituição e as leis “por pensamentos, palavras e obras”... garantindo os meios, principalmente financeiros, para que o SUS cumpra seu papel.
III - FAZENDO MARKETING DO SUS... PRINCÍPIOS Continua sendo imprescindível se fazer o marketing do Sistema Único de Saúde. Não por ele mesmo ou para enaltecer o papel do Estado na tentativa de cumprir seu dever e garantir o direito de todos à saúde. As diretrizes e princípios do Sistema Único de Saúde, sobre os quais se deve fazer seu marketing, foram gerados em mais de trinta anos de “bolação” de um sistema de saúde que atingisse a todos e representasse um direito de cidadania. Faço aqui uma abordagem sintética daquilo que, pela primeira vez, está numa Constituição Brasileira e que se constitui no arcabouço de idéias que compõem o Sistema Único de Saúde - SUS.
SAÚDE DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO = todos os cidadãos têm direito à saúde sem nenhuma discriminação, inscrito como direito social e com o estado assumindo que isto é dever dele.
SAÚDE É DE RELEVÂNCIA PÚBLICA = entre todos os setores de caráter público a saúde ganha uma posição privilegiada que é ser mais que simplesmente público: é de relevância pública. Aplica-se a relevância pública aos serviços públicos e privados. Uma das implicações essenciais é que o Ministério Público é responsável pela garantia aos cidadãos das questões que são de relevância pública.
UNIVERSALIDADE = a universalidade do acesso garante que todos os cidadãos têm o direito à saúde, independente de poder aquisitivo, raça, cor, credo ou qualquer outra discriminação.
IGUALDADE (EQÜIDADE) = o direito à saúde é um direito igual de todos os cidadãos, novamente sem possibilidade de se tratar diferentemente pessoas com necessidades iguais e com possibilidade de tratar diferente só as necessidades diferentes. O conceito de igualdade deve ser qualificado com o da equidade qual seja o de oferecer os recursos de saúde de acordo com as necessidades de cada um. Dar mais para quem mais precisa. Tratar diferentemente desiguais.e igualmente os iguais. A igualdade no direito compreende a eqüidade na execução do direito.
INTEGRALIDADE = as ações de saúde terão uma integralidade dita vertical onde o indivíduo será visto em sua totalidade, com unicidade e não dissociado por doenças e aparelhos. Outra compreensão é a integralidade dita horizontal onde se acabam com as várias abordagens de promoção, proteção e recuperação da saúde. Busca-se a integralidade destas abordagens que deixam de ter a contradição interna da dicotomia entre o preventivo e curativo, entre o individual e coletivo, em todos os níveis de complexidade do sistema.
AUTONOMIA DAS PESSOAS = as pessoas tem ter preservada a autonomia na defesa de sua integridade física e mental.
RESOLUTIVIDADE = a capacidade de resolução dos serviços de saúde em todos os níveis de assistência. Dar respostas que resolvam.
DIREITO À INFORMAÇÃO = os cidadãos usuários dos serviços de saúde têm direito à informação sobre seu direito à saúde, sobre o potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário, os assistidos, o direito a informação sobre sua saúde.
GESTOR ÚNICO EM CADA ESFERA DE GOVERNO = acaba com a tradicional dicotomia dos serviços com vários gestores em cada município. Antes havia serviços federais, estaduais e municipais, sob comando destas esferas. Agora a autoridade sanitária municipal é única em seu território a estadual, igualmente única e também a federal.
INTERSETORIALIDADE = saúde depende do econômico e social e são seus fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, moradia, saneamento básico, meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e acesso aos bens e serviços essenciais. Especial a integração das ações de saúde, saneamento e meio ambiente.
RESPONSABILIDADE TRILATERAL= a União, os Estados e Municípios devem unir e conjugar seus recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos na prestação de serviços de assistência à saúde da população.
DESCENTRALIZAÇÃO = o Ministério da Saúde, o Inamps, as Secretarias estaduais de Saúde eram os executores das ações e serviços de saúde. Pela Constituição Federal a maior responsabilidade de execução das ações e serviços de saúde ficou para os municípios. O MS, que recebeu o INAMPS depois de sua extinção, e os Estados devem transferir todas as atividades de saúde para os municípios e oferecer a eles cooperação técnica e financeira.
REGIONALIZAÇÃO = os serviços de saúde devem estar dispostos de maneira regionalizada, pois os municípios não poderão, todos e cada um deles, esgotar-se no oferecimento de tudo que a medicina dispõe. Gerencialmente cabe a organização dos serviços cobrindo determinada região, complementando-se.
HIERARQUIZAÇÃO = os serviços de saúde devem se organizar de maneira a obedecer a uma hierarquia entre eles de tal modo que as questões menos complexas sejam atendidas nas unidades básicas e postos de saúde. Esta hierarquia é feita a partir deles , passando pelas unidades especializadas, pelo hospital geral até o hospital especializado.
COMPLEMENTARIEDADE DO PRIVADO = o caráter público do SUS não é estatal. As ações serão feitas pelos serviços públicos e complementarmente pelo setor privado lucrativo ou não e com preferência para o filantrópico e o sem fins lucrativos, através de contrato administrativo ou convênio.
SUPLEMENTARIEDADE DO PRIVADO = é livre a iniciativa privada na área de saúde e que pode ser exercida por pessoa física ou jurídica individualmente ou de forma suplementar como operadora de planos, seguros, cooperativas e auto-gestão.
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE = a saúde oficialmente inaugura a reforma do estado abrindo espaço para que se cumpra o principio constitucional de que o cidadão exerce o poder diretamente ou por pessoas eleitas por ele. A saúde oficializa isto na prática criando os Conselhos de Saúde com participação paritária: de um lado os cidadãos usuários dos serviços de saúde e de outro a administração, prestadores e trabalhadores de saúde. Além disto, a cada período de 2 ou 4 anos realizam-se Conferências de Saúde mais abertas e com maior participação das pessoas.
IV – “TEMPESTADE CEREBRAL – TORÓ DE PARPITE” ..... PLANFLETÁRIA EM DEFESA DO SUS A proposta é colocar muitas pessoas pensando, criando e, desinibidamente, jogando frases, slogans em defesa do Sistema Único de Saúde - SUS. Aqui vai minha contribuição para animar outros mais criadores e reafirmar que este é um exercício que tem que ser feito.
· O SUS É SEU , LUTE POR ELE. · DEFENDA O SUS OU PODERÁ FICAR SEM ELE. · SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE, SUS, PARA CUIDAR DE VOCÊ. · SUS: A PROTEÇÃO DA MÃE E DE SEU NENÉM. · SUS: A PROTEÇÃO DO TRABALHADOR NO ACIDENTE OU NA DOENÇA PROFISSIONAL. · SUS: A MÃO PROTETORA DE SUA SAÚDE. · SUS A GARANTIA DE ASSISTÊNCIA À SUA SAÚDE. · O SUS É SEU - DEFENDA-O. · COM O SUS = POVO COM SAÚDE. · SAÚDE = SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). · O SUS É GARANTIDO PELOS IMPOSTOS QUE VOCÊ PAGA - VÁ CONFERIR. · CONSELHO DE SAÚDE = SUA PARTICIPAÇÃO EM DEFESA DO QUE É SEU. · SAÚDE SE GARANTE COM UM SUS FORTE E CONTROLADO POR VOCÊ. · DEFENDA O SUS = UM SERVIÇO PÚBLICO PARA VOCÊ E SUA FAMILIA. · SUS SÓ É FORTE QUANDO VOCÊ O DEFENDE E CONTROLA. · SUS EM DEFESA DA QUALIDADE DE SUA VIDA. · O SUS PROTEGENDO A SAÚDE DE SUAS CRIANÇAS. · ETC. ETC. Além de slogans, frases, lembretes, “gritos de guerra”, podemos tomar atitudes concretas, no dia a dia dos serviços de saúde. Aqui vão algumas lembretes conhecidos, mas não utilizados! Se cumpridos, poderão desempenhar este papel.
1. Colocar a logomarca do SUS em todas as unidades de prestação de serviços SUS (interna e externamente) inclusive naquelas que são contratadas ou conveniadas. 2. Colocar o símbolo do SUS em todos os impressos de receitas, pedidos de exame, encaminhamentos, orientações e recomendações e mesmo documentos internos. Nas ambulâncias e demais veículos das secretarias de saúde. 3. Colocar o símbolo do SUS nos medicamentos distribuídos. Milhares deles, ainda que distribuídos gratuitamente (pagos por nós!) pelo SUS, são os mesmos do mercado e não trazem nem uma simples etiqueta colante ou selinho dizendo que estão sendo distribuídos pelo SUS e foram adquiridos com recursos dos impostos que pagamos. 4. Entre 1994 e 2001 havia uma obrigatoriedade legal (portaria ministerial) de se entregar a todo cidadão que fosse internado pelo SUS um documento em que constasse que se gastou com ele determinado valor ( valor da tabela de procedimentos SUS) e que aquilo só foi possível ser feito sem pagamento no ato, graças aos impostos e contribuições que todo cidadão paga direta ou indiretamente. Infelizmente, esta portaria foi revogada sob argumento que já existiam outros mecanismos de se divulgar e controlar esta questão. Com portaria ou sem portaria os gestores podem tomar esta decisão, bastando uma decisão de fazê-lo ou uma deliberação do Conselho de Saúde para que retorne a prática.
V – CONCLUSÃO
Implícito nos princípios do SUS, descritos acima está o essencial: pretende-se uma nova abordagem de saúde. Um novo modelo assistencial trabalhando-se mais profundamente nos determinantes e condicionantes de saúde que já estão acenados na Constituição: não se faz saúde sem mexer na questão econômico-social. A lei orgânica de saúde ainda explicita mais dizendo que saúde depende de trabalho, salário, alimentação, moradia, educação, lazer etc. Para tanto é essencial se mexer na protocolização de condutas, de medicamentos, na desmonopolização do saber, na educação em saúde. Administrativamente tem-se que trabalhar na integração inter e intra institucional, na educação permanente dos trabalhadores de saúde a quem deve ser garantido salários, plano de carreira e condições de trabalho. E exigido compromisso técnico, humano e com a sociedade. Este é o SUS que defendemos. Que deve sair do papel. Do qual temos que fazer o marketing para que as pessoas cada vez tenham melhor assistência. Que as pessoas saibam de onde está vindo aquilo que sabemos ainda ser pouco, mas é o que se tem por direito. Enquanto não conscientizarmos os gestores, prestadores, profissionais de saúde e os cidadãos usuários, cada um em seu papel, amargaremos as conseqüências do anti-marketing ou não-marketing a que o SUS está submetido. Seremos todos penalizados pela destruição do SUS pelo simples fato de não estarmos investindo em fazer, na cabeça de cada um, uma ligação de causa e efeito: é o SUS que vem garantindo um pouco da saúde que temos, mantendo vivos e com alguma qualidade de vida, milhares de cidadãos brasileiros.
Gilson Carvalho é Médico Pediatra e de Saúde Pública. O autor adota a política do copyleft, podendo este texto ser usado, copiado, distribuído, publicado, independente de sua autorização, citada a fonte e o autor.
Um comentário:
Concordo com Gilson Carvalho:
ESTE É O SUS QUE DEFENDEMOS!!!!!!!
Assim como concordei com ele quando ele diz:
" QUE NOSSA MAIOR LIBERDADE É A SAÚDE!!!"
UM ABRAÇO DOUGLAS...
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