sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Voto obrigatório ou optativo?


O tema volta sempre: se votassem apenas os que se interessam, o país seria melhor. O problema estaria no voto dos alienados. Assim a democracia seria melhor, votariam os conscientes, os interessados. Além de que, como um direito – o voto – teria que se tornar em uma obrigação? Um direito pode ser exercido ou não, devo ter o direito de exercê-lo, se quero. Seria um absurdo obrigar as pessoas a votar contra a sua vontade.Mas será mesmo que é assim? Antes de voltar ao tema, tomemos um país em que o voto não é obrigatório: os EUA. Lá as eleições se realizam numa terça-feira de novembro, vota quem quer. As pessoas não são liberadas, nem têm licença para votar. Votam quando podem, quem pode, quando conseguem liberar-se e ter o tempo no horário de almoço para ir do trabalho ao local de votação e retornar a tempo. Logicamente parece perfeito. Mas qual o resultado disso?O resultado é que, no país que, por seu caráter imperial, mais influência tem sobre o conjunto da humanidade, o presidente é eleito – mesmo quando não há fraude visível – por uma minoria dos norte-americanos. E quem deixa de votar? Os negros, os latinos, os idosos, os pobres - todos os que vivem mais marginalizados na sociedade, com menos informação, menos organização, maiores dificuldade para dispor de tempo livre. Votam, em geral, maciçamente, a classe média branca e a burguesia. Os que mais necessitam reivindicar direitos postergados – os mais pobres, os mais discriminados, os que menos grau de instrução. Assim, com o voto optativo, a democracia é ainda mais restrita. Os democratas, que costumar ser menos direitistas que os republicanos, só ganham – como pode ser o caso agora – quando conseguem mobilizar maciçamente aos negros, aos latinos, aos pobres. Os republicanos são mais organizados, mais informados, costumam votar maciçamente. Os EUA são ainda menos democráticos, tem menos participação política, com o voto opcional.A idéia de terminar com o voto obrigatório tem história longa no tempo no Brasil. Derrotada sempre por Getulio Vargas, a UDN – o bloco tucano-pefelista da época – reivindicava o fim do voto obrigatório e até mesmo a introdução do voto de qualidade, em que, por exemplo, um engenheiro teria maior quantidade de votos que um operário. A polarização de voto na época era parecida com a de agora. A grande imprensa mercantil – a quase totalidade dos jornais, rádios e televisões – se opunha a Getúlio (recordemos sempre que a Folha, o Estadão, o Globo, entre tantos outros, apoiaram, propugnaram e saudaram freneticamente o golpe militar e a instauração da ditadura militar; o único jornal que não apoiou, a Última Hora, foi fechado). Era expressão do desespero da direita oligárquica de que o povo votasse pelas políticas sociais do Getúlio.Hoje passa algo igual. Fora das eleições, a direita - PSDB, DEM, Folha, Globo, Veja, Estadão – acha que defende os interesses do país e tenta passar essa idéia pelo tom em que falam. Reparem que costumam escrever editoriais e artigos com construções que buscam enganosamente passar essa idéia, cheios de “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” –com sujeitos ocultos, tentando passar a idéia de que defendem um bem comum. Na realidade “É mister”, “Faz-se necessário”, “É indispensável” – para os interesses que eles defendem e de que são porta vozes, os grande monopólios privados, bancários, industriais, comerciais, agrícolas. Esses são os sujeitos ocultos cujos interesses expressa a direita na sua imprensa mercantil.A última pesquisa Sensus – que eles trataram de esconder – diz que apenas 13% dos brasileiros tem qualificação negativa do governo Lula. Essa é a fatia da população que eles expressam, tentando passar por cima dos interesses de uma camada cinco vezes maior – de 65% - que apóiam o governo. Isto é, de cada 6 brasileiros que expressam sua opinião, 5 apóiam o governo e um apóia a oposição – seus partidos e sua imprensa.Mas esses 2/3 da população são claramente os mais pobres, os que não assinam e não lêem essa imprensa de direita, não prestam atenção no que diz o jornalismo televisivo. São os que teriam mais dificuldades para ir votar caso as eleições se realizassem em dia de semana, por exemplo. (Na eleição de Evo Morales, na Bolívia, mais de um milhão de indígenas, que votaram maciçamente por Evo, não puderam votar porque não estavam informados de que os que não tinham votado nas eleições municipais anteriores, teriam que ter feito um trâmite na Justiça Eleitoral para poder votar e assim a grande vitória de Evo poderia ter sido maior ainda, poderia ter-lhe dado maioria também no Senado e nos governos dos estados, caso isso não tivesse acontecido.)O sentimento da direita é de que gastam todo o seu tempo em denunciar irregularidades – supostas ou reais – no governo e nos aliados do governo, mas isso não tem efeito algum sobre a opinião pública. A proposta de abolição do voto obrigatório seria um instrumento a mais para tentar diminuir a importância do voto dos pobres que, pelas políticas que secularmente a própria direita desenvolveu – são a grande maioria da população.

Desenvolvimento e Inclusão Social


Transgênicos


21 de Fevereiro de 2008
A Cesar o que é de César: Saúde merece elogios e Justiça, críticas .
O Idec elogia ação do Ministério da Saúde e lamenta voto contrário aos consumidores do Ministério da Justiça no caso de liberação dos milhos transgênicosDesde 1996 o Idec acompanha a introdução dos alimentos geneticamente modificados no país. Foi com indignação que o Instituto recebeu a notícia, em 12/02, sobre a liberação dos milhos transgênicos Liberty Link e Guardian pelo Conselho Nacional de Biossegurança (
leia nota). Apesar da irresponsabilidade da decisão, cabe ressaltar a responsabilidade, coragem e independência do voto do ministro da Saúde José Gomes Temporão, que privilegiou a saúde e o meio ambiente, levando em conta as solicitações feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ibama sobre a necessidade de uma avaliação adequada dos riscos ocasionados pela entrada desses produtos no mercado brasileiro. Por isso, o Idec encaminhou, em 19/02, carta ao ministro Temporão parabenizando-o por sua atuação no caso (veja íntegra da carta). Na contramão dos consumidores, o voto do Ministério da Justiça recebeu duras críticas, enumeradas em correspondência enviada ao ministro Tarso Jenro (confira conteúdo da carta). Nela, o Instituto também questiona a atuação do governo federal frente à rotulagem dos transgênicos, já definida pela legislação e completamente ignorada.Em nome da transparência que deve nortear os atos da Administração Pública, o Idec espera que os ministros que compõem o Conselho Nacional de Biossegurança, apresentem publicamente justificativa para seus votos favoráveis à liberação dos milhos.Com a decisão da Anvisa de exigir estudos para concessão de futuros registros de alimentos feitos a partir do milho transgênico, uma nova batalha parece se avizinhar, e o Idec e os consumidores estarão ao lado da agência e do Ministro da Saúde.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Intoxicação por medicamentos


Informação sobre uso e armazenamento corretos de medicamentos é insuficiente

Fernanda Marques
Intoxicações por medicamentos foram tema de um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina e publicado pela revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz. Os autores entrevistaram 72 das 106 famílias que tiveram casos de intoxicação medicamentosa não intencional registrados em 2004 pelo Centro de Controle de Intoxicações de Maringá (PR). Os resultados do estudo mostram que a maioria dos acidentes ocorreu com meninos com até 4 anos de idade, pertencentes a famílias de baixo poder aquisitivo.

Em metade das residências visitadas foram encontrados medicamentos armazenados sem identificação (Foto: A Tribuna de Cianorte)
Durante as visitas às famílias entrevistadas, os pesquisadores observaram que em 50% dos domicílios havia uma quantidade exagerada de medicamentos estocados. Também em metade das residências visitadas verificou-se a presença de medicamentos armazenados sem identificação. Quanto a produtos fora do prazo de validade, eles foram encontrados em 44,3% das casas, sendo este percentual maior para os domicílios das classes A e B (quase 70%).
Os medicamentos associados aos casos de intoxicação, em mais de 70% das vezes, haviam sido adquiridos com receita médica na farmácia. Contudo, menos de um quarto dos entrevistados afirmou ter recebido, no momento da compra, informações sobre o uso e o armazenamento corretos do medicamento. Ressalta-se que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o profissional que dispensa um medicamento deve orientar o paciente sobre o produto durante pelo menos três minutos.
“Acredita-se que a formação de profissionais de saúde capacitados a orientar a correta utilização e armazenamento de medicamentos possa reduzir consideravelmente os índices de intoxicações medicamentosas agudas na população em geral”, dizem os autores. “Sugere-se ainda a elaboração e distribuição de material educativo para prevenção de acidentes domésticos”. Esse material, segundo recomendação dos pesquisadores, deve ser distribuído nas escolas, nos serviços de saúde e, em especial, pelas equipes do Programa Saúde da Família (PSF). Afinal, medicamentos destacam-se entre os agentes tóxicos causadores de acidentes.
Levantamento mostra que 25% dos casos de intoxicação atingem crianças com até 5 anos (Publicada em 22/08/07)
Falta de segurança nas embalagens de remédios aumenta casos de intoxicação (Publicada em 26/02/07)

Reforma Tributária - A imprensa esconde os gols bonitos

Por Luciano Martins Costa em 28/2/2008
Comentário para o programa radiofônico do OI, 28/2/2008
Os jornais de quinta-feira (28/2) não parecem nem um pouco animados com o novo projeto de reforma tributária que começa a tramitar no Congresso Nacional. A proposta foi apresentada na quarta (27) pelo presidente da República a representantes do empresariado, mas a imprensa também não achou importante o raro acontecimento em que o governo presta contas a contribuintes antes de fechar um desses pacotes que mexem com o bolso de todo mundo.
O Estado de S.Paulo registra, na edição de quinta, que os empresários presentes à reunião gostaram do conjunto de medidas, que prevê, entre outras coisas, a substituição de quatro tributos federais pela criação do Imposto Sobre Valor Agregado.
Para o cidadão comum, a boa notícia é ainda uma intenção: paralelamente à reforma tributária, o governo anuncia a criação de novas faixas de cobrança do Imposto de Renda, que deverão beneficiar a classe média.
Assunto escondido
Aparentemente, os jornais não conseguiram registrar oposição significativa. Apenas secretários da Fazenda de alguns Estados mantiveram um pé atrás, claramente por conta da redução progressiva do ICMS no estado de origem da mercadoria, o que pode tornar sem sentido a atual guerra fiscal dissimulada.
Diante de uma notícia que não poderia ser apresentada de forma negativa, a reação dos jornais é curiosa: o Estadão dá o assunto na manchete, mas chamando atenção para a anunciada intenção do governo de tornar o Imposto de Renda mais leve. A Folha escondeu a notícia no pé da primeira página, referindo-se apenas ao Imposto de Renda. E e o Globo ignorou completamente a reforma entre os temas que escolheu para a primeira página de quinta-feira.
Gol bonito, não
O leitor atento, aquele que não compra a sopa de letrinhas sem conferir o tempero, pode até desconfiar que a imprensa só gosta de notícia ruim. Mas no caso da economia brasileira, está difícil ultimamente colocar alguma má notícia nas páginas dos jornais. Observe-se, por exemplo, as edições da quinta-feira, penúltimo dia de fevereiro:
** O Brasil conseguiu combinar arrecadação recorde com a redução dos gastos públicos, o que reduziu a dívida em relação ao Produto Interno Bruto ao menor nível nos últimos dez anos. Deu na Folha.
** A Bolsa de Valores do Brasil teve neste ano a maior valorização entre todas as bolsas do mundo, e se colocou bem à frente das bolsas de todos os países emergentes, inclusive a China. Está no Globo.
** União Européia volta a importar carne do Brasil. Saiu no Estadão.
Nenhum desses assuntos foi manchete.
Vai ver, aquele leitor desconfiado tem razão: parece que a imprensa não gosta de gol bonito. Prefere perna quebrada.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Com a palavra, o paciente do SUS


Artigo do Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Luiz Roberto Barradas, publicado no jornal Folha de São Paulo, dia 27/02/08.

NO UNIVERSO do setor privado, ganham cada vez mais requintes as pesquisas de satisfação, serviços de atendimento ao consumidor, avaliação do "marketshare" e desempenho das equipes de cada departamento. São ferramentas indispensáveis que embasam decisões, para orientar novos posicionamentos, redefinir estratégias, conquistar nichos de mercado ou ampliar a fidelidade dos clientes.
É verdade que o setor público também já adotou mecanismos similares há um bom tempo, para aprimorar os serviços prestados aos cidadãos. Na área da saúde, por exemplo, os hospitais estaduais de São Paulo possuem ouvidoria própria, e muitos deles realizam pesquisas internas com pacientes e familiares para verificar o que está bom e o que precisa ser melhorado em relação ao atendimento de médicos e demais funcionários, acomodações, infra-estrutura e serviços.
Neste ano, em que o SUS (Sistema Único de Saúde) está completando 20 anos, chegou a hora de ampliar o espaço para que os cidadãos atendidos na rede pública de saúde possam manifestar sua opinião quanto ao atendimento oferecido pelos hospitais estaduais, municipais, federais e filantrópicos do Estado de São Paulo, que realizam nada menos do que 200 mil internações em média por mês para o SUS paulista.
A partir deste mês de fevereiro, todos os pacientes que forem internados pelo SUS receberão em suas residências, após a alta hospitalar, um formulário contendo seus dados pessoais, o hospital em que receberam o tratamento, as datas de admissão e de alta, o motivo da internação e o valor pago pelo SUS/SP. Haverá cinco perguntas específicas sobre a qualidade do procedimento médico realizado, o tempo de espera para exame e internação, a avaliação do local de tratamento e o grau de satisfação com o atendimento prestado por médicos, enfermeiros e auxiliares.
O Programa de Satisfação dos Usuários do Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo e Monitoramento da Qualidade da Gestão dos Serviços será um verdadeiro "provão", que envolverá os 617 hospitais paulistas conveniados aos SUS, com o objetivo de monitorar a qualidade de atendimento e a satisfação do usuário, reconhecer os bons prestadores, identificar possíveis irregularidades e ampliar a capacidade de gestão eficiente da saúde pública no Estado.
Os primeiros a avaliar os hospitais serão os pacientes que foram internados em novembro de 2007. As unidades com melhores avaliações serão premiadas pela Secretaria de Estado da Saúde. Já os hospitais com avaliações insatisfatórias receberão orientações técnicas e terão os profissionais treinados pelo Estado para que possam modificar e aperfeiçoar suas condutas. No entanto, em caso de irregularidades, os hospitais poderão ser penalizados com multa, perda de auxílio financeiro e até mesmo o descredenciamento junto ao SUS.
Pela pesquisa será possível identificar, por exemplo, se o paciente pagou algum valor pelo procedimento médico realizado ou se as informações prestadas pelo hospital diferem do tipo de atendimento que o usuário efetivamente recebeu. A partir do cruzamento desses dados, a secretaria poderá identificar indícios de fraudes que, se comprovadas, irão gerar sanções, seja aos profissionais envolvidos, seja à própria unidade.
Na correspondência encaminhada pelo governo paulista aos usuários do SUS, haverá um código de identificação de cada usuário. O paciente poderá responder a pesquisa pelo correio, por telefone ou pela internet, sem qualquer custo. É fundamental, portanto, que todos aqueles que receberem o formulário confiram os dados impressos e dediquem alguns minutos a responder as questões da pesquisa, contribuindo, assim, para aprimorar a assistência médica e hospitalar e afastar os maus prestadores.
Com essa iniciativa, queremos ouvir a população de forma sistemática e ampla para saber o que está funcionando bem e o que deve melhorar em todos os serviços de saúde da rede pública. Dessa forma, teremos elementos para reordenar ações e redimensionar o atendimento prestado pelo SUS em todo o Estado, em favor de todos os paulistas.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O filósofo que observou a mídia


Por Luciano Martins Costa em 26/2/2008
Vilem Flusser, filósofo brasileiro nascido na antiga Checoslováquia e que escrevia em alemão, costumava dizer que o esforço fundamental do ser humano, em qualquer cultura, consiste em mover-se do mundo das aparências para o mundo da realidade. Flusser foi ignorado pela mídia cultural e desprezado pela universidade enquanto viveu. Só virou filósofo cult depois de morto porque sua obra despertou grande interesse na Europa.
Foram muitas as lições com que impregnou as mentes de jovens candidatos ao título de jornalista ou de publicitário, no começo dos anos 1970, quando discorria sobre os meios de comunicação, a cultura de massa, a transnacionalidade, e diagnosticava o fenômeno da substituição crescente da atitude pelo gesto. Quem pôde folhear velhos cadernos de anotações e lembrar os chás em que ele revisava permanentemente sua obra, tem hoje uma amostra clara do que o filósofo vislumbrava há mais de trinta anos.
Para não cair na tentação de viajar no amplo espectro dos pensamentos de Flusser, convém situar estas observações naquilo que ele dizia sobre o processo que chamamos civilizatório e o papel da mídia. Ele dizia que, no esforço de mover-se do mundo das aparências para o mundo da realidade, a evolução do ser humano encontra três tipos básicos de objeções: o ceticismo, que nega a capacidade do espírito de atravessar as aparências; o niilismo, que nega a existência de uma realidade além da aparência; e o misticismo, que constrói realidades aparentes, negando a transcendência da realidade e impossibilitando ao espírito comunicar-se para além dos limites da aparência.
Um exercício "filosófico"
Flusser registrou essas reflexões em seu livro Língua e Realidade, no qual também intuía que uma nova linguagem, unificadora das múltiplas formas e níveis de aproximação da realidade, poderia significar tão diretamente a realidade que seria também um contêiner fechado no qual não caberiam descrições do mundo aparente. Mas foi nas entusiasmadas aulas da FAAP, em São Paulo, e nos chás para pequenos grupos de embasbacados discípulos que ele fez as observações que hoje nos ajudam a entender a mídia.
Em primeiro lugar, ele dizia que os jornais diários poderiam até colocar como meta expressar a realidade e, com isso, cumprir um papel relevante no processo civilizatório, mas sempre cairiam na tentação de construir seus labirintos no universo da aparência. A televisão, para ele, era o instrumento mais acabado da dissimulação, por sua capacidade de mostrar imagens da realidade e convencer o telespectador de que aquilo era apenas uma aparência, ou fracionar de tal maneira o discurso paralelo à imagem que a realidade retrocedesse em aparência.
Em certa ocasião, quando explicava a diferença entre gesto e atitude, Flusser chutou a mesa para representar o significado da atitude – e quebrou seu próprio cachimbo. O comentário que se seguiu foi um retrato do que viria a ser a imprensa do nosso tempo. Ele disse algo como: "O gesto tem um efeito enorme na platéia, você pode construir uma carreira e até uma biografia com gestos, mas não terá alcançado a realidade. A atitude contém mais riscos, no mínimo pode quebrar nosso cachimbo, mas é a expressão que nos aproxima da realidade".
A imprensa é, hoje, majoritariamente, um espaço nobre dedicado ao mundo das aparências. Colocada a serviço de mudanças pontuais que forjam uma ilusão de movimento evolutivo, transformou-se em veículo das objeções que contribuem para manter o espírito humano preso às aparências. Não é necessário um grande esforço de observação para se constatar em que pacote de objeções cada veículo da mídia melhor se enquadra. Pode-se dizer, por exemplo, como exercício "filosófico", que a Rede Globo é essencialmente niilista, enquanto a Rede Record é essencialmente mistificadora; que a Folha de S.Paulo tem como característica mais evidente o ceticismo, enquanto o Estadão rejeita qualquer hipótese de realidade que se estenda além de suas convicções, o que se enquadra nas objeções místicas e no ceticismo.
A realidade encoberta
Toda a mídia, claramente, valoriza o gesto sobre a atitude. Não têm significado mais apropriado a mania de transformar declarações em manchetes, o vício de encher as páginas com frases e deixar para segundo plano a descrição e a narração. A investigação (teoricamente um instrumento para a perfuração da aparência em busca da realidade) é valor cada vez mais raro.
Por fim, não é demais citar Vilem Flusser na observação magistral sobre a conversação (que em nossa sociedade se dá, em termos de massa, por meio da mídia): "A grande conversação que é a sociedade ocidental gira em círculos cada vez mais amplos em torno de umas poucas situações primordiais (…)" e esse movimento circular revela e encobre a realidade. O poder da mídia estaria, então, em definir quando, nessa conversação, se expande a percepção para fora da aparência. Mas tudo indica que ela, a mídia, não está interessada em romper esse círculo.
Vilem Flusser nasceu em Praga, em dia 12 de maio de 1920. Fugindo do nazismo, passou rapidamente pela Inglaterra e se fixou no Brasil, onde deu aula na USP, na FAAP e no ITA. No fim da vida, foi viver na França e só voltou a Praga para dar uma conferência, em 20 de novembro de 2001. Morreu no dia seguinte, num acidente de carro, quando voltava de um piquenique com sua mulher. Sua obra merece a atenção dos comunicadores.

O segundo chute na santa


Por Nelson Hoineff em 26/2/2008
A decisão da Igreja Universal do Reino de Deus de intimidar a imprensa por meio do conjunto orquestrado de ações contra a jornalista Elvira Lobato e diversos jornais – entre eles O Globo, Extra e Folha de S.Paulo – é em si um dos mais graves atentados contra a liberdade de expressão já cometidos no Brasil. Pior talvez tenha sido a iniciativa de usar o jornalismo da TV Record (Domingo Espetacular, 17/2) para desfechar um inédito ataque de 15 minutos contra a repórter da Folha.
Pior, porque a Record admitiu aí o que vinha tentando negar há anos: a ligação direta entre a emissora e a Igreja Universal. Pior, porque utilizou jornalistas – que deveriam estar ali para praticar jornalismo – com o propósito de participar de uma campanha contra o próprio direito de praticar o jornalismo. Pior, finalmente, porque utilizou a força da televisão aberta no país para disseminar um cardápio de cunho fundamentalista entre camadas particularmente pouco educadas da população.
A utilização do jornalismo da Rede Record para este fim ergue uma enorme barreira para que a emissora conquiste a credibilidade necessária para demonstrar que seus recentes saltos de audiência não são efêmeros. Essa é uma questão particularmente delicada para o futuro da TV aberta no país – e para a participação dos anunciantes no que vinha sendo uma alternativa à hegemonia da Globo no setor. Desde que apostou na clonagem da Globo como meio para ganhar fatias expressivas de sua audiência, a Record se expandiu por todos os lados. Aumentou em quase 50% sua participação no mercado, construiu núcleos de dramaturgia fora de São Paulo e aumentou consideravelmente o seu índice de profissionalização.
Um "milagre" registrado
A estratégia de se tornar mais parecida com a Globo do que a própria Globo deu certo. Uma das ferramentas mais importantes para isso foi justamente o jornalismo. A emissora ampliou fortemente sua participação nessa atividade e criou a primeira rede aberta de notícias do país. Teve a seu favor uma histórica desconfiança popular em relação ao jornalismo de sua maior concorrente – além do folclórico desinteresse de Silvio Santos em caminhar neste sentido.
Escancarar o tipo de "jornalismo" que a Record produziu na edição do Domingo Espetacular de 17/2 é de longe o maior erro estratégico cometido pela emissora desde que foi adquirida por Edir Macedo. O preço para consolidar a Record como porta-voz da Igreja Universal, particularmente em meio a um grande movimento de repressão à liberdade de expressão, provavelmente se revelará alto demais para a própria igreja. Seus efeitos tendem a ser mais devastadores que os do chute na santa.
O episódio, como muitos se recordam, ocorreu em 12 de outubro de 1995, dia de Nossa Senhora da Aparecida, a padroeira do Brasil. O bispo da Igreja Universal Sergio von Helde atacou uma imagem de Nossa Senhora a pontapés, dizendo que aquilo nada mais era do que um monte de barro, "um bicho tão feio, tão horrível, tão desgraçado". Os efeitos foram devastadores.
Apesar de o programa ter ido ao ar durante a madrugada, a imprensa o repercutiu e a reação popular foi enorme. A Igreja Universal não se manifestou oficialmente, mas o bispo Macedo teve que vir à cena pedir desculpas aos católicos. O bispo von Helde foi transferido para a África do Sul. Mais tarde, correu o boato – nunca confirmado – de que ele havia se convertido ao catolicismo, fato que, de qualquer maneira, a dupla Felipe e Falcão cantou em O Milagre da Santa, gravado em 2000.
Investida contra a sociedade
O chute na santa foi também o estopim que a Globo esperava para desfechar uma grande campanha contra a Igreja Universal, que incluía a divulgação de imagens de bispos tramando os métodos para tomar dinheiro dos fiéis, além de denúncias sobre enriquecimento ilícito de membros da igreja. As reações incluíram ainda, ironicamente, o ajuizamento de dezenas de ações por todo o país contra a Universal.
Os resultados foram menos devastadores do que a Globo esperava. Sobreviver foi quase um milagre, mas ainda assim a igreja levou anos para se recuperar do golpe. Na Record, ninguém mais chutou publicamente santa alguma. Contudo, a influência da igreja junto à programação se tornou cada vez mais explícita. Foi justamente o jornalismo que serviu de aval para manter a aparência de independência da emissora em relação à igreja (com a qual, em tese, a Record não mantinha vínculo algum, exceto o comercial, representado pela compra de espaços durante as madrugadas).
O fim da era Boris Casoy veio junto com uma campanha agressiva e bem-sucedida para tomar a vice-liderança de um SBT engessado e envelhecido. A Record se fortaleceu e passou a criar atritos politicamente convenientes com a líder, encostando nela freqüentemente e empurrando o mercado nessa direção. A credibilidade de um jornalista como Casoy jamais foi substituída, mas a imagem de independência perdurou em grande medida até o domingo (17/2).
A execração primária de uma jornalista como Elvira Lobato vai além de picuinhas comerciais com empresas do porte da Globo, da Folha, do SBT. Aponta para a manipulação grosseira de profissionais do jornalismo que atuam dentro da emissora e para a intimidação de jornalistas que atuam fora dela. Isso nada tem a ver com fé, mas tem tudo a ver com ética e com a observância de preceitos constitucionais. Ao atacar a jornalista da Folha com a leviandade com que o fez, a emissora investiu contra a sociedade brasileira e contra a liberdade de expressão que ela conquistou – um bicho tão feio, tão horrível, tão desgraçado.

Cigarros, bebidas e o paradigma da promoção da saúde


Artigo do ministro da saúde, José Gomes Temporão, publicado no jornal Zero Hora (RS), dia 24/02/08.

José Gomes Temporão
O Ministério da Saúde decidiu propor à sociedade, através do Congresso Nacional, novas medidas visando ampliar ainda mais os ambientes livres de fumo. O objetivo é proteger fumantes e não-fumantes da exposição às inúmeras substâncias tóxicas presentes na fumaça dos produtos derivados do tabaco e também estimular a mudança de comportamento dos fumantes, reduzindo o consumo no país e oferecendo tratamento para a cessação. A iniciativa faz parte de um elenco de ações, iniciadas em governos anteriores, que fizeram da política brasileira para controle do tabaco um êxito reconhecido mundialmente e que desperta interesse em toda a população. O tabagismo é o principal responsável pelo número total de mortes evitáveis anualmente, em todo o mundo. O consumo dos derivados do tabaco, dentre eles o cigarro, causa enfisema, bronquite crônica, câncer de pulmão, gastrite, câncer de estômago, agrava a hipertensão arterial e as doenças coronarianas, e está associado a inúmeras condições patológicas, e a um saldo negativo na balança da saúde de uma população que a saúde pública chama de "carga global das doenças", representado por anos de vida perdidos por uma coletividade.
O Brasil está conseguindo melhorar seus indicadores de saúde e bem-estar, como a mortalidade infantil e a esperança de vida ao nascer, mas ainda faz parte do grupo de países intermediários, muito abaixo dos países europeus, Canadá, Estados Unidos, Cuba e diversos países asiáticos. Em alguns indicadores, como a mortalidade materna, o quadro ainda é dramático. A saúde pública é como uma espécie de olhar coletivo sobre o bem-estar das populações, com base em alguns óculos especiais, que são estes indicadores sanitários, a epidemiologia, o estudo de tendências e comportamentos que afetam o bem-estar individual e coletivo.
O que enxerga a saúde pública quando olha para o impacto do tabagismo sobre a saúde de cada cidadão e da coletividade? A possibilidade de, no debate com a sociedade e através de leis e normas legitimadas nas instâncias instituídas pela vontade coletiva intervir no fluir espontâneo de um fator de risco controlável, evitável, sobre o qual já existe, há décadas, no mundo inteiro, um sólido conhecimento científico e uma ampla experiência de sucesso. Não intervir seria se omitir, não cumprir o mandato constitucional de assegurar, como dever do Estado, a saúde de todos. Porque tomou esta decisão de intervir é que o Brasil conseguiu reduzir internamente o consumo de cigarros, diminuir a prevalência de fumantes, estabelecendo uma tendência de redução desse importante fator de risco para a saúde e atendendo ao que preconiza o tratado internacional - Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco.
A questão das bebidas alcoólicas é semelhante, embora o álcool seja diferente do tabaco, do ponto de vista da dependência e dos padrões de uso seguro. O consumo eventual de bebidas alcoólicas pode ser seguro do ponto de vista da saúde. Trata-se de um hábito milenar, associado ao prazer, à alegria, ao convívio, à comemoração. Quase 70% das pessoas referem ter feito uso de álcool pelo menos uma vez na vida. Esta é apenas a parte boa, pois o consumo prejudicial de bebidas é um dos mais graves problemas da saúde pública em todo o mundo, mas especialmente no Brasil. O álcool, sozinho, é 10 vezes mais danoso para a saúde coletiva do que todas as drogas ilícitas (claro que, no caso destas últimas, associam-se à carga global as conseqüências trágicas da violência associada ao tráfico). O governo brasileiro não tinha uma política para o álcool. Em 2003, o presidente Lula designou ao Ministério da Saúde a tarefa de coordenar um grupo interministerial para formular a política para o álcool, e em 2007 assinou o decreto criando a política intersetorial de redução dos riscos e danos associados ao consumo de bebidas. O conceito adotado é o de reduzir riscos e danos associados - como os acidentes de trânsito, e ampliar a oferta de atendimento para os usuários que já desenvolveram dependência ou um padrão de consumo de risco. Por isto a medida provisória que proíbe a venda de bebidas ao longo das rodovias federais. Ela gerou reações, oriundas dos comerciantes que se sentiram prejudicados e recorreram à Justiça, dentro da dinâmica democrática. Porém, a população vem apoiando a iniciativa, que, segundo a Polícia Rodoviária Federal, reduziu em 11,7% as mortes em estradas federais no Carnaval de 2008, comparado ao mesmo período de 2007. Não é uma medida isolada, faz parte de uma estratégia mais global para enfrentar o problema.
Tanto os ambientes livres de fumo quanto as medidas para reduzir as mortes no trânsito associadas à bebida fazem parte do paradigma da promoção da saúde, ou da atenção integral, que inclui tratar, prevenir, promover, linha-guia de ação do SUS, em seus 20 anos de existência.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Sobre os pedágios - interessante o direito de ir e vir barrado pelos pedágios


Entre os diversos trabalhos apresentados, um deles causou polêmica entre os participantes. 'A Inconstitucionalidade dos Pedágios', desenvolvido pela aluna do 9º semestre de Direito da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) Márcia dos Santos Silva chocou, impressionou e orientou os presentes. A jovem de 22 anos apresentou o 'Direito fundamental de ir e vir' nas estradas do Brasil. Ela, que mora em Pelotas, conta que, para vir a Rio Grande apresentar seu trabalho no congresso, não pagou pedágio e, na volta, faria o mesmo. Causando surpresa nos participantes, ela fundamentou seus atos durante a apresentação. Márcia explica que na Constituição Federal de 1988, Título II, dos 'Direitos e Garantias Fundamentais', o artigo 5 diz o seguinte: 'Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade' . E no inciso XV do artigo: 'é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens'. A jovem acrescenta que 'o direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, o que significa dizer que não é possível violar esse direito. E ainda que todo o brasileiro tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que o pedágio vai contra a constituição'. Segundo Márcia, as estradas não são vendáveis. E o que acontece é que concessionárias de pedágios realiza contratos com o governo Estadual de investir no melhoramento dessas rodovias e cobram o pedágio para ressarcir os gastos. No entanto, no valor da gasolina é incluído o imposto de Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide), e parte dele é destinado às estradas. 'No momento que abasteço meu carro, estou pagando o pedágio. Não é necessário eu pagar novamente. Só quero exercer meu direito, a estrada é um bem público e não é justo eu pagar por um bem que já é meu também', enfatiza. A estudante explicou maneiras e mostrou um vídeo que ensinava a passar nos pedágio sem precisar pagar. 'Ou você pode passar atrás de algum carro que tenha parado. Ou ainda passa direto. A cancela, que barra os carros é de plástico, não quebra, e quando o carro passa por ali ela abre. Não tem perigo algum e não arranha o carro', conta ela, que diz fazer isso sempre que viaja. Após a apresentação, questionamentos não faltaram. Quem assistia ficava curioso em saber se o ato não estaria infringindo alguma lei, se poderia gerar multa, ou ainda se quem fizesse isso não estaria destruindo o patrimônio alheio. As respostas foram claras. Segundo Márcia, juridicamente não há lei que permita a utilização de pedágios em estradas brasileiras. Quanto a ser um patrimônio alheio, o fato, explica ela, é que o pedágio e a cancela estão no meio do caminho onde os carros precisam passar e, até então, ela nunca viu cancelas ou pedágios ficarem danificados. Márcia também conta que uma vez foi parada pela Polícia Rodoviária, e um guarda disse que iria acompanhá-la para pagar o pedágio. 'Eu perguntei ao policial se ele prestava algum serviço para a concessionária ou ao Estado. Afinal, um policial rodoviário trabalha para o Estado ou para o governo Federal e deve cuidar da segurança nas estradas. Já a empresa de pedágios, é privada, ou seja, não tem nada a ver uma coisa com a outra', acrescenta. Ela defende ainda que os preços são iguais para pessoas de baixa renda, que possuem carros menores, e para quem tem um poder aquisitivo maior e automóveis melhores, alegando que muita gente não possui condições para gastar tanto com pedágios. Ela garante também que o Estado está negando um direito da sociedade. 'Não há o que defender ou explicar. A constituição é clara quando diz que todos nós temos o direito de ir e vir em todas as estradas do território nacional', conclui. A estudante apresenta o trabalho de conclusão de curso em novembro de 2007 e forma-se em agosto de 2008. Ela não sabe ainda que área do Direito pretende seguir, mas garante que vai continuar trabalhando e defendendo a causa dos pedágios. FONTE: JORNAL AGORA

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Desabafo de um pai!!!


Filhos, ter ou não ter, mas se não ter como saber?

Sou pai de duas filhas já adultas, e avô de uma linda menina, meu dengo diga-se de passagem. Mas apesar da minha idade, hoje tenho 47 anos, ainda vivo periodicamente com preocupações de pai de primeira viagem. Constantemente enfrento no meu dia-a-dia discussões envolvendo eu, minha esposa e minhas filhas, referentes as posturas que aprendi durante essas quase cinco décadas de existência, basicamente na minha infância, que não encontro nas nossas filhas. Posturas essas de enfrentamento para conosco. Certo que a nossa saudosa Elis Regina afirmava com muita pertinência que somos como nossos pais, mas ainda não vi algumas de minhas características em minhas filhas. Claro que cada uma tem sua personalidade e sua individualidade, mas tem coisas que não consigo acreditar no que vivencio dentro da minha própria casa.
Sou filho único, e como tal, se espera que todas as atenções se voltem para ele, e não poderia ser diferente comigo. Meus pais, nordestinos com muito orgulho, tiveram 4 filhos, sendo que 3 morreram antes de completar 1 ano de vida, realidade esta muito comum no nordeste do Brasil, sendo assim não poderíamos esperar tratamento diferente para o único filho que “sobreviveu”. Meu pai, caboclo criado no interior de Sergipe, teve sua educação pautada pela rigidez por parte de meu avô, e foi dessa forma, um pouco diferente é claro, que ele pautou seu entendimento enquanto responsabilidade de pai para comigo.
Nasci no início da década de 60, em plena ditaduta militar, e durante toda a minha vida, aprendi que pais eram para ser respeitados, mesmo entendendo quando adolescente que nem sempre meus pais tinham razão no que falavam, mas a última palavra sempre era de meu pai, certo ou errado estava eu ali para obedecer. Muitas vezes apanhava de cinto, e como apanhei! Mas ainda hoje, após muitos anos que meu pai faleceu, agradeço muitas dessas “surras”, pois aprendi, infelizmente pela dor, algumas lições que hoje pelo diálogo, não consigo repassar para minhas filhas. Perguntamos, eu e minha esposa, aonde erramos? Nossas filhas em determinados momentos querem falar mais alto que nós dois juntos! Falamos, falamos e falamos, e parece que as orientações entram em um ouvido e sai no outro.
Não sei como determinados casais ainda encontram coragem para ter 4 ou 5 filhos nessa nossa época. Se eu voltasse no tempo pensaria 3, 4, 5 vezes antes de decidir por ser pai, não que não tenhamos momentos felizes, muitos até, mas penso, se eu com todo esse entendimento e com condições suficientes para educar e garantir um vida decente para minhas filhas, tenho dificuldades em fazer com que elas tenham uma conduta compatível com aquilo que entendo ser o certo, imagine aqueles casais, muitos deles “saindo das fraldas”, com menos de 20 anos, algumas vezes sem as mínimas condições sócio-econômicas para sobreviver, com vários filhos para criar e educar para a Vida!
Fico assustado com essas dúvidas, algumas delas infelizmente acabam virando realidade até dentro da nossa família. Mas fazer o quê? Quem está na chuva tem que se molhar, não é assim que diz o ditado popular? Fico triste com essa realidade, mas esses são os tempos modernos! Se isso for o resultado dos tempos modernos, Meu Deus, o que será dos tempos futuros, quando a minha neta tiver seus 15 anos?

Mais imposto para a Saúde


Temporão quer discutir imposto para a saúde
O ministro do Saúde, José Gomes Temporão, defende "veementemente" a necessidade da criação de um novo tributo para cubrir as despesas da saúde. Para isso, Temporão diz que vem discutindo com o presidente da Câmara, senadores e líderes a possibiliade de inserir esta pauta na proposta de reforma tributária que deve ser encaminhada pelo governo ao Congresso.
Leia a entrevista do ministro na íntegra.
Durante a batalha do governo pela CPMF o senhor chegou a falar que, sem o tributo, o caos se instalaria no sistema público de saúde. Já existe como mensurar as conseqüências?A saúde tem um orçamento garantido, de modo que o setor não perde recursos. Mas aumentar essa verba, também, fica mais difícil. O que não garantimos até agora foram os recursos do PAC da Saúde, os R$ 24 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões seriam gastos só em 2008. Todas as medidas do PAC que não envolvem diretamente recursos financeiros estão sendo desenvolvidas.O que não foi prejudicado?Toda a política de redução de danos em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, o projeto de lei proibindo fumo em ambientes fechados, e uma série de outras iniciativas no campo do controle da dengue, que está em andamento, e uma série de outras medidas. Agora, quando você olha em que os R$ 4 bilhões iriam ser aplicados e isola as metas, aí começa a ficar preocupado com o que nós vamos deixar de fazer caso esses recursos financeiros não sejam conseguidos.E o que dá para se considerar como perda em decorrência da CPMF, então? A incorporação de novas vacinas ao Programa Nacional de Imunizações, toda a expansão da Política de Atenção de Alta Complexidade, que inclui tratamento de câncer, doenças cardiovasculares, hemodiálise, leitos de UTIs. Outro exemplo é a recuperação da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde e aumento do teto financeiro de Estados e municípios. Também fica prejudicada a conclusão de obras de hospitais em andamento, que nós definimos que priorizaríamos as obras já em andamento para que fossem concluídas. Existe a intenção de criar um substituto para o imposto?A perda da CPMF foi traumática. Nenhum país do mundo passa incólume a uma perda de receita de um ano para outro de US$ 23 bilhões. Nós vamos discutir com o Congresso. Eu venho conversando com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), com o senador Tião Viana (PT-AC), com o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) sobre como vamos resolver essa equação. É possível você solucionar esse problema no contexto de uma reforma tributária. Eu defendo veementemente que será necessária a criação de um novo tributo que cubra especificamente as despesas de saúde. Esse assunto virou tabu no Palácio do Planalto. Poucos do governo se atrevem a assumir às claras a defesa de uma nova CPMF...Eu tenho falado sempre. Inclusive tenho dito de maneira bastante clara que a extinção do tributo foi uma irresponsabilidade. Não posso usar outro termo. Tirar em dezembro, de um ano para o outro, R$ 40 bilhões... em qualquer governo isso seria uma temeridade. Não estou falando deste governo, mas de qualquer um. Eu venho conversando com o presidente Lula sobre isso, mas, de fato, não está muito claro ainda como o governo vai se comportar em relação ao assunto.Como é possível, nesse contexto de cobertor ainda mais curto do que o usual, resolver o problema das filas em hospitais?Eu tinha um professor há muito tempo que dizia o seguinte: a coisa mais fácil que tem é acabar com uma fila. É só dividir ela em várias filas pequenas e botar em outros lugares dentro do próprio hospital. Um bom exemplo é o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Desde que estou aqui no ministério que a imprensa do Rio reclama das filas do Hospital de Bonsucesso. As filas do Hospital de Bonsucesso acabaram. Aliás, a emergência do Hospital de Bonsucesso agora só funciona referenciada. Como é isso de dividir filas?Muitos pacientes ficavam na fila em Bonsucesso para tentar resolver às vezes uma gripe, uma dor de cabeça, uma enxaqueca. Essas pessoas ficavam misturadas com pessoas que levaram tiro, foram esfaqueadas, que chegavam de ambulância, tudo na mesma fila, no mesmo hospital. É uma coisa inadmissível. A coisa mais óbvia que tem é encaminhar essas pessoas com casos menos graves para as Unidades de Pronto Atendimento, os postos 24 horas. O Rio hoje tem um dos modelos mais obsoletos de saúde pública do país. Está longe do padrão de Belo Horizonte, que mudou radicalmente o padrão de atendimento, implantou o Hospital da Família, reduziu o número de internações hospitalares, mudou tudo. Mas a cultura do Rio é a cultura do hospital. As pessoas acham que para resolver qualquer problema de saúde tem que ir no o hospital. Isso é um grave erro.Quantos postos 24h funcionam atualmente no Rio?Quatro no Rio de Janeiro e alguns aqui, ali, por iniciativa dos governos estaduais. Do PAC nós vamos ter estimativas de recursos para 200. A expansão do Saúde da Família, principalmente. Esse é o ponto hipercrítico que é implantar uma coisa inovadora que é o Saúde na Escola. Duas vezes por ano, médicos nas escolas de todo o Brasil, são 23 milhões de alunos. Tudo isso está aguardando a definição de recursos financeiros. Eu diria que essa é uma questão conjuntural, porque tem a questão do estrutural que a Emenda 29 juntou. Nós estamos na mesma posição em que estávamos em março do ano passado.Mas o problema está na esfera federal, estadual ou municipal da saúde no Rio?Essa é uma particularidade complicada da capital. Eu costumo dizer que o Rio é a cidade dos três ministros: o prefeito, o governador e o ministro da Saúde. A questão da integração entre essas esferas avançou bastante, principalmente entre o governo federal e o governo estadual.E com a prefeitura, não?É difícil analisar. Acho que a prefeitura teve uma coisa muito traumática que foi a intervenção em 2005. Isso traumatizou as relações, é evidente. O governo federal interveio, a reconstrução política dessa relação foi complicada. No nível técnico as coisas funcionam extremamente bem, não há nenhum problema. Mas acho que falta uma maior integração das redes como um todo. É um problema político, então?É mais do que isso. Os hospitais são instituições complexas, têm uma cultura própria, têm uma história. O Hospital do Servidor do Estado tem, sei lá, 60, 70 anos. Quem é o dono dos leitos do Hospital dos Servidores? O diretor e o chefe de clínica. Quando está implantando uma central de regulação você está tirando poder dentro do hospital. Quem passa a dizer quem vai ser internado ou não naquele leito não é mais o diretor do hospital nem o chefe da clínica, é uma central. E é assim que tem de ser feito. Mas há uma grande resistência dentro dos hospitais como um todo a migrarem para esse novo padrão de atuação.Existe previsão de grandes investimentos no Estado, neste ano?No que toca a rede federal, na semana que vem estou indo inaugurar um novo andar do Hospital de Cardiologia de Laranjeiras, que é um andar todo dedicado para pesquisa em cardiologia. Nós vamos também inaugurar novas instalações no Hospital da Lagoa. Mas o principal ponto é que o ministério vai construir o que será a unidade de emergência mais moderna da América Latina no Rio de Janeiro. O anúncio deve acontecer neste ano.Onde vai ser esse novo hospital?Não está na hora de dizer ainda, mas é um projeto importante. A idéia é implantar na capital um novo centro de referência em medicina. Outro projeto que tem merecido muita atenção do ministério é a implantação do terceiro hospital do Instituto Nacional do Câncer (Inca) no Rio. Existe perspectiva para novos investimentos no Estado, neste ano?Já começamos a obra do Hospital de Queimados. Temos projetos também para a construção de cerca de 26 unidades de atendimento semelhantes aos postos 24 horas, só que outro modelo, na Baixada Fluminense, já em fase de equipamento. O nosso grande desafio, com a nova unidade de referência e outras obras, é melhorar o padrão de atendimento no Rio de Janeiro, que ainda é a capital cultural do país. Em muitos aspectos também é a capital política e convive com o fato de ter uma grande rede municipal, uma grande rede estadual, uma grande rede federal, com três comandos diferentes. É um desafio, mas estou confiante de que vamos ter grandes resultados.E a questão salarial dos profissionais de saúde? A idéia é introduzir a política de contratualização, ter metas de indicadores, avaliação de desempenho e remuneração adequada. Nós também estamos negociando com o Ministério do Planejamento concurso público para repor quadros, estamos negociando uma possível política de remuneração salarial diferenciada. Isso enquanto o projeto das fundações estatais, no governo federal, não sai. Qual é a situação do projeto?É complicada porque há muita resistência corporativa, há resistência de partidos políticos também. Toda proposta que vem questionar uma coisa muito estabelecida enfrenta esse jogo. O que me incomoda é que esse estabelecido não está voltado para atender à população, está voltado para manter uma determinada lógica de funcionamento que já não atende às necessidades da sociedade.Quem são os principais opositores ao projeto?Os sindicatos. Questionam, sobretudo, o contrato por CLT para os hospitais públicos. Só que existem coisas no modelo atual que são feitas para não funcionar. Eu sou radicalmente contra você dar reajuste salarial para alguém que trabalha 20 horas num hospital, por exemplo. Você tem que pagar bem a quem trabalha 40 horas, para estimular o tempo integral, a dedicação exclusiva. Mudando de assunto, o senhor tem enfrentado algumas batalhas com setores da indústria no aspecto da regulação da comercialização e propaganda...Eu dou prioridade a essa questão da promoção de saúde. Já estamos avançando na questão do cigarro e da bebida e já começamos a trabalhar essa questão da redução da quantidade de gordura trans e de sal nos alimentos. Com a mudança no padrão alimentar do brasileiro, que hoje consome mais alimentos industrializados, passou a ser fundamental garantir que esses alimentos obedeçam a fortes critérios de qualidade e de segurança para que as pessoas tenham certeza que consumindo aquilo elas não estão prejudicando a sua saúde. A outra questão é a das farmácias. Nesse âmbito, é preciso primeiro regular a propaganda de medicamentos, que hoje é muitas vezes feita de forma irresponsável. Você estimula o cara a comprar o remédio e no final retifica: "Persistindo os sintomas procure o seu médico". Se você não melhorar você vai no médico, mas aí já pode ser tarde demais.O senhor ainda deve enfrentar outro embate com a Igreja Católica na questão do aborto, que é tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Como o senhor viu a escolha do assunto como bandeira da Igreja?Gostei do tema da Campanha da Fraternidade. A missão do Ministério da Saúde é a defesa da vida. Então toda proposta que venha defender para mim é bastante importante e interessante. É um campo absolutamente polêmico e complexo, mas o ministério tem uma política... aliás uma política que foi construída em relação muito próxima e íntima com a sociedade, organizações não-governamentais. E o governo sustenta fortemente essa política. A questão do aborto entrou quando, logo que eu assumi, quando eu estava dando uma entrevista e me foi colocada essa questão e eu declarei: para mim essa é questão de saúde pública. E continuo achando, não mudou nada a minha concepção. É a quarta causa de mortalidade materna no Brasil. A posição da Igreja não dificulta o trabalho do ministério nessa questão?Há um grande cinismo na sociedade brasileira sobre o aborto. As mulheres de classe média podem e fazem abortos todos os dias no Brasil em condições seguras, pagando em clínicas no país. Enquanto as mulheres pobres acabam se submetendo a um procedimento inseguro, em condições desumanas, colocando muitas vezes as suas vidas em risco, por conta da proibição do aborto. Ninguém defende o aborto como método anticoncepcional, pelo contrário. Mas também acho que é pouco defensável assegurar que uma mulher que seja levada a optar por esse procedimento deva ser presa por isso.Por que essa discussão avançou tão pouco, mesmo com a questão da legalização colocada em projeto de lei? Temos uma questão que a sociedade tem de resolver. Quando me posicionei em relação a consulta pública é porque acho que essa questão é tão complexa, envolve tanta polêmica, tanta paixão, que só através de uma grande discussão nacional e da ampliação da consciência das pessoas você poderia tomar uma decisão madura. O projeto de lei foi enviado ao Congresso em 2005 e hoje está obstruído. Em dezembro tentou-se derrubar o projeto, mas houve uma manobra dos nossos aliados e a discussão ficou em aberto.O aborto se transformou em um debate opondo Estado e Igreja no Brasil?Olha, tem de tudo. Grupos religiosos organizados contra, há grupos a favor; tem movimentos feministas que defendem. Dentro da própria Igreja tem um Movimento das Mulheres Católicas pelo Direito de Decidir, que defendem isso. Vejo essa confusão toda de forma muito positiva, porque essa é uma questão que estava encoberta por um véu de hipocrisia, de silêncio. A polêmica veio para que finalmente as pessoas tenham condições de se informar, conversar e, depois disso, decidir.O ministério planeja um programa importante para o Nordeste. Qual é?Vamos lançar na Bahia a campanha do Planejamento Familiar. Em breve, teremos uma reunião das primeiras-damas dos governadores.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Jornalismo....exemplo a não ser seguido...


Escondendo (de novo) o padre Júlio
Postado por Luiz Weis em 22/2/2008 às 7:53:17 AM

Toda hora, ou quase, a mídia dá motivo para se condená-la por acusar aos berros e se retratar aos sussurros.
Nesse sentido, o modo como a Folha tratou o caso do padre Júlio Lancelotti merecia ser ensinado nas escolas de jornalismo – como um exemplo a não se imitar.
No domingo, 28 de outubro, o jornal deu na primeira página:
“Ex-interno diz que fazia sexo por dinheiro com padre” [
ver aqui].
Na quinta-feira, 8 de novembro, a mesma Folha – mas nunca, jamais, onde já se viu, na primeira página – noticiou a conclusão da polícia de que “padre Júlio sofreu extorsão”.
A omissão, contrastando constrangedoramente com a apelação anterior, foi registrada neste blog [
ver aqui].
Para explicar a disparidade de tratamento, o jornal poderia alegar, forçando a barra, que a conclusão policial não seria necessariamente o fecho do caso, apenas uma etapa no processo de esclarecimento dos fatos. Afinal, informava a matéria, “o inquérito será analisado pelo juiz Júlio Caio Farto Sales”, que “poderá pedir novas investigações, caso considere as provas insuficientes".
Hoje, reincidente, alegaria o quê? Em oito linhas praticamente caíndo de uma página interna do caderno Cotidiano, o jornal dá que “o Ministério Público de São Paulo considerou o padre Júlio Lancelotti vítima de extorsão” e que “a condenação deve sair na semana que vem”.
Fácil imaginar o que a Folha faria se o Ministério Público considerasse que não houve extorsão nenhuma na história – e que o religioso, como o jornal proclamou naquele domingo de outubro, o dia em que mais vende, de fato pagava por sexo com um ex-interno, segundo acusação deste.
E a azeitona nessa empada podre é que a notícia de hoje na Folha chegou atrasada: as conclusões do Ministério Público já estavam ontem no Estado.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Educar pelo exemplo


Quando as minhas filhas eram crianças, eu as levava às minhas aulas. Isto atraía a atenção dos meus alunos. Eu brincava: “Trago-as para que vejam que eu trabalho!” Claro, elas ficavam pouco tempo na sala e, finda a curiosidade, saíam e iam se divertir no campus, orientadas para que não se afastassem do prédio onde estávamos. Terminava a aula e lá ia eu procurá-las nos arredores. Eu me divertia e imagino que elas também. Além do mais, era uma maneira de incentivá-las a estudar e ter no horizonte a perspectiva de fazer um curso superior.Elas cresceram em meio aos livros, meus estudos e as atividades típicas de um professor (preparar aula, ler os trabalhos dos alunos etc.). Desde crianças foram estimuladas a ler. Para mim, os livros são o alimento para a alma e, portanto, tão importantes quanto o arroz e o feijão. Por isso, mesmo diante das dificuldades financeiras, sempre dava um jeito para que tivessem acesso à leitura. Hoje, uma faz o curso de Letras e a outra Arquitetura. A caçula está se preparando para prestar o vestibular. Mérito delas! Mas tenho certeza de que o meio e as condições em que viveram também contribuíram. De qualquer forma, posso afirmar com sinceridade: tenho orgulho das minhas filhas!Aprendo muito com elas. Às vezes fico estarrecido diante do que me falam das experiências de estudantes. Elas questionam algumas práticas professorais. Argumento, então, que professores são humanos e, portanto, possuem as fragilidades inerentes a estes. Em qualquer nível de estudo, há aqueles com os quais nos identificamos e os que não; há os que desempenham bem suas atividades, ou pelo menos demonstram esforço, e outros não; há os apaixonados pelo que fazem e os que, na linguagem dos estudantes, “enrolam” e fazem de conta que dão aula, enquanto eles fazem de conta que têm aula. Termina por se constituir um pacto de hipocrisia. Porém, em qualquer dos casos, os professores educam pelo exemplo. Uns expressam bons exemplos, outros seriam reprovados se confrontados com critérios profissionais e éticos.Educar é, sobretudo, uma atitude. Claro, a função do professor é ensinar, e isto significa passar conteúdo. A prática educativa é mediada por este. O método para ensinar é importante, pode favorecer ou dificultar o aprendizado. Mas a práxis educativa não se limita à transmissão de conteúdos. É, essencialmente, uma relação humana. Nesta confrontam-se cotidianamente as subjetividades dos alunos e professores. O aluno não é apenas “o aluno” em sua universalidade, mas sim um indivíduo particular e concreto, com sentimentos, sonhos, fragilidades e uma história de vida que, em geral, o professor desconhece. Da mesma forma, o professor não é uma abstração universal, mas alguém cuja trajetória de vida marca e influencia a sua individualidade e práxis. Por outro lado, como ser humano genérico, compartilha de muitas das características dos seus alunos.O que fica é o exemplo da atitude. Não me lembro dos meus professores pelo conteúdo que ensinaram, mas por suas ações enquanto indivíduos. Tenho em alta estima aqueles que, mais do que conteúdos, me deixaram exemplos de vida, modelos a se espelhar. Mas também não me esqueço dos que deram exemplos recusáveis. Todos os professores são importantes, inclusive aqueles que nos ensinam, através das atitudes, o que não devemos fazer. Se há algo que salta aos olhos na relação professor-aluno e pais-filhos, é a incoerência entre o discurso e a prática. Disto, nem mesmo os professores que se consideram ideologicamente revolucionários estão livres. Com o agravante de que, nestes casos, prestam um desserviço à própria causa que professam. A prática continua sendo o critério da verdade.
Escrito por Antonio Ozaí da Silva

Espaço Público - Um novo tipo de repressão


Por Muniz Sodré em 19/2/2008
Existe um elo pouco visível, mas bastante real, entre as eventuais discussões sobre a transposição das águas do rio São Francisco e a enxurrada de ações de danos morais contra a imprensa no Brasil. Para percebê-lo, é preciso tomar esses fatos diferentes como sintomas de uma realidade maior, que ultrapassa os limites nacionais: o encolhimento do espaço público e o aumento concomitante do fenômeno de "jurisdicização" da vida social. Este último pode ser resumido como uma espécie de hibridismo que mistura elementos da tradição democrática com o modernismo liberal mal digerido e redunda numa extensão indiscriminada da máquina judiciária à sociedade como um todo. A utilização imoderada dos processos jurídicos e de seus efeitos éticos colaterais é uma das conseqüências imediatas do fenômeno.
O que isso tem a ver com a transposição das águas? Para começar, ponhamos em foco uma frase do deputado Ciro Gomes após uma sessão no Senado, a que compareceram, além do bispo Dom Luiz Casppio, celebridades televisivas: "O lamentável desses debates é que entramos com uma opinião e saímos exatamente com as mesmas opiniões" (O Globo, 15/2/2008). O deputado comentava assim o voto de esperança da atriz Letícia Sabatella no sentido de que tudo aquilo não fosse "apenas teatro".
Duas dimensões da mediação
A frase do político – e presidenciável – é interessante ao olhar do observador por ser sintoma da inexistência de algo que seria necessariamente inerente à saúde dos debates, ou seja, o espaço público. Conversa-se na televisão, entrevistam-se personalidades ad nauseam, realizam-se audiências públicas nas várias instâncias do Legislativo, mas o resultado constante é a inanição dos discursos. Em outras palavras, o excesso de publicidade das expressões individuais não define aquele espaço em que se constitui politicamente a cidadania na sociedade ocidentalizada, isto é, o espaço público.
Inicialmente, a palavra "público", além da designação do ordenamento estatal da vida social, refere-se ao espaço onde a sociedade torna visível tudo aquilo que tem em comum, inclusive a semiose coletiva (etiquetas, praças, monumentos, teatros etc.) resultante da representação que os grupos sociais fazem de si mesmos. Mas como muito bem observa o sociólogo português José Gil, o espaço público é mais do que um puro lugar de comunicação, pois "sua característica primeira é a de constituir uma exterioridade, um ‘fora’ para os sujeitos (individuais ou coletivos) que nele penetram".
Esse espaço se torna visível na comunicação e no diálogo, mas se define essencialmente por sua exterioridade enquanto plano de expressão e de "circulação de forças". A circulação dos discursos informativos, das notícias, refere-se imediata e tecnicamente à comunicação, mas a circulação de forças sociais e os debates transformadores dizem respeito à política. Entretanto, é preciso levar em conta a desvinculação crescente entre o espaço público e a política, categorias ligadas desde as suas origens.
Parece estar chegando ao fim a coincidência entre duas dimensões da mediação tradicional: o espaço público e o espaço político. Quer dizer, por um lado a perda de centralidade da política no espaço público; por outro, o enfraquecimento do poder de transformação das expressões individuais e coletivas que caracterizava isso que denominamos de espaço público.
Debate não muda opinião
Por outro lado, a ampliação tecnológica e mercadológica da esfera pública pela mídia não significa o aumento de sua exterioridade social ou de sua capacidade circulatória das forças de representação na política, isto é, das forças que tradicionalmente constituem a cidadania. Significa, sim, o incremento desmesurado dos signos, das imagens, das informações, que tem mais a ver com um "jornalismo de serviço" (service journalism, nos EUA) do que com o jornalismo cívico em termos políticos.
Na Era da Informação, as pessoas estariam mais voltadas para uma orientação relativa ao consumo ou ao entretenimento do que para a factualidade de natureza político-social tradicionalmente implicada nas notícias e nos debates relativos à condução política da sociedade. Pode-se especular, sugerindo que a informação do fato é própria da cidadania de natureza política (atinente à tradicional democracia representativa), enquanto que a informação de serviço predomina na contemporânea democracia social.
Nesse vazio de um verdadeiro espírito público – em que vigora a cidadania política –, os debates "publicizados" ou veiculados por mídia perdem a "exterioridade" a que se refere José Gil, ou seja, o poder de converter em algo diferente de si mesmas as opiniões individuais. Assim pode ser lido o sentido profundo da citada frase do deputado: o debate não muda a opinião de ninguém, é como se cada debatedor fosse uma mônada surda ao discurso do outro, embora cheio de retórica expressiva. O risco, como suspeita a atriz, é de que a toda a troca de opiniões não passe de teatro. Senão, de puro efeito de mídia.
Espetáculo da corrupção
Mas é também na inanição do fenômeno político e, conseqüentemente, de seu reflexo na imprensa, que a máquina judiciária "transpõe-se", como as águas de um rio, para ocupar os espaços diversos de outras instituições sociais. Este não é um argumento muito novo. Sociólogos e filósofos europeus já se deram conta há algum tempo de que a reivindicação dos direitos da cidadania tem hoje enorme predileção pelas formas processuais, que lhe dão uma aparência de resolução. Este é um dos sintomas, já mencionados, da "jurisdicização" da vida social.
No fundo, fascinada pela potência da lógica judiciária, a comunidade abre mão da gestão política do social (o que só é possível pelo enfraquecimento do vínculo intersubjetivo) em favor de uma esperança de transparência, supostamente garantida pela máquina da justiça. O princípio da representação política dá lugar à delegação processual.
Talvez ainda seja cedo para se avaliar o quanto de liberdade civil se pode perder nesse processo. Mas já se pode suspeitar, com boa dose de fundamento, que tem a ver com tudo isso a vigilância feroz das palavras (não dos corpos, nem mesmo do sexo) dirigidas a outros em público. De dez anos para cá, coincidentemente com a onda do "politicamente correto", entraram na moda as ações de danos morais, inicialmente contra indivíduos, depois contra corporações jornalísticas. Uma crítica política acerba pode ser a mais "justa" num determinado contencioso, mas agora o que ela suscita não é mais a velha resposta em espaço público, e sim uma ação por dano moral. Uma reportagem bem apurada pode ter como "resposta" dezenas e dezenas de ações de danos morais, como agora acontece a uma repórter da Folha de S.Paulo e ao editor do Extra.
A moralização generalizada do social pelo frenesi judiciário atenta contra a plenitude das liberdades civis, logo, contra o que se tem entendido como imprensa livre. Mas, pelo visto, o nosso jornalismo atual ainda não avaliou o perigo; apenas se ressente do incômodo causado pelos processos. Se tivesse mesmo se dado conta da gravidade do fenômeno, não se contentaria com a produção frenética, em nome da transparência legal, do espetáculo da corrupção dos políticos.
Claro que é importante a moralização da gestão pública, claro que importa a transparência pública dos gastos. Mas tão ou mais importante é encontrar formas sociais de revigoramento do espaço público pelo livre debate, aquele capaz de produzir a mudança de opiniões, aquele mesmo responsável pelo peso da imprensa na história das liberdades civis.
Leia também`
O Brasil é o país em que mais se processa jornalistas no mundo´ – Ana Luiza Moulatlet entrevista Márcio Chaer

Lei da imprensa - Os riscos da democracia caótica


Por Alberto Dines em 22/2/2008
Comentário para o programa radiofônico do OI, 22/2/2008
Comprova-se novamente que no Brasil a democracia não é um processo fluente, contínuo, mas um conjunto de impulsos e espasmos, muitas vezes contraditórios.
Na quinta-feira (21/2), ao acolher o pedido de liminar apresentado pelo deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), o ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres de Britto deu um tiro de misericórdia na funesta Lei de Imprensa implantada pela ditadura militar em 1967. Ao mesmo tempo reassegurou o primado da liberdade da expressão como fundamental para o Estado de Direito.
"Imprensa e democracia são irmãs siamesas", sentenciou o ministro. E completou: "O que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja".
Reivindicação antiga
A decisão do STF é provisória, mas pode suspender imediatamente alguns processos orquestrados pela Igreja Universal contra a Folha de S.Paulo, que denunciou graves irregularidades no grupo empresarial do bispo Edir Macedo (ver "
Intimidação e má-fé"). A decisão do ministro pode ser vista também como resposta da Corte Suprema ao presidente Lula, que na terça-feira (19) considerou legítimas as ações judiciais da Igreja Universal contra jornais e jornalistas.
De qualquer forma, o pedido de liminar acolhido na quinta-feira vai criar a maior confusão porque colide com preceitos constitucionais já consolidados – caso da censura às diversões e espetáculos e da proibição de estrangeiros serem proprietários de empresas de jornalísticas.
O fim da Lei de Imprensa é reivindicação antiga, mas a consagração definitiva do princípio da liberdade de expressão exige estatutos legais muito claros e, sobretudo, muito coerentes. Democracia caótica é arremedo de democracia.
***
Ministro do STF suspende parte da Lei de Imprensa
Ranier Bragon e Lucas Ferraz # copyright Folha de S.Paulo, 22/2/2008
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Carlos Ayres Britto concedeu no início da noite de ontem liminar determinando a juízes e tribunais de todo o país a suspensão imediata de processos e "efeitos de decisões judiciais" que tenham relação com 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa.
A liminar -decisão provisória, válida (caso não seja cassada) até o julgamento do mérito da ação- suspende, entre outras coisas, a possibilidade de jornalistas condenados por crime contra a honra serem punidos de forma mais severa do que pessoas condenadas pelos mesmos crimes, só que com base no Código Penal.
A Lei de Imprensa, sancionada em fevereiro de 1967 por Castello Branco, o primeiro general-presidente do regime militar (1964-1985), foi alvo de ação movida pelo PDT, por meio do deputado Miro Teixeira (RJ), que pede ao STF a sua total extinção sob o argumento de ela "é incompatível com os tempos democráticos".
Na ação, o PDT pediu liminar para suspender os processos que tivessem relação com a lei de imprensa e, para tentar provar a urgência da medida, anexou cópia de reportagens e editoriais acerca das ações por danos morais movidas por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus contra órgãos de imprensa, entre eles a Folha.
"Ao meu sentir, esses requisitos foram devidamente comprovados [`extrema urgência ou perigo de lesão grave´] pelo argüente [PDT] a partir dos documentos acostados à inicial", diz Britto. Ele próprio manifestou dúvida sobre se sua decisão alcança o ponto da Lei de Imprensa que trata de pedidos de indenização por danos morais, que é o artigo 49. "Pode ser que por arrastamento o artigo 49 também seja suspendido."
A liminar também suspende processos e decisões judiciais que tenham relação com artigo da lei que exige de órgãos de comunicação e jornalistas o depósito em juízo do valor da indenização caso pretendam recorrer das condenações.
"A imprensa e a democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. (...) Não se pode perder uma só oportunidade de impedir que eventual aplicação da lei em causa, de nítido viés autoritário, abalroe esses tão superlativos quanto geminados valores constitucionais da democracia e da liberdade de imprensa", disse Ayres Britto na sustentação de sua decisão.
Em entrevista, Ayres Britto disse que "a imprensa não é para ser cerceada, embaraçada. É para ser facilitada, agilizada".
Boa parte da liminar abrange artigos da Lei de Imprensa que, em regra, já eram letra morta devido a jurisprudência firmada pelos tribunais superiores nos anos que se seguiram à Constituição de 1988.
Entre eles, estão os que 1) permitem censura a espetáculos e diversões, 2) vedam aos jornalistas a possibilidade de provar que publicaram a verdade caso os atingidos fossem altas autoridades da República, 3) permitem apreensão e fechamento de empresas de comunicação por mero ato do Executivo, sob o argumento de "subversão da ordem política e social", e 4) impõem limites à indenização por dano moral.
Não há prazo para julgamento do mérito do pedido do PDT, o que deve ser feito pelo plenário do STF. Agora, Ayres Britto abrirá prazo para a AGU (Advocacia Geral da União) apresentar defesa da norma legal e para o Ministério Público Federal se manifestar.
Os processos cuja suspensão foi determinada são aqueles que tenham relação com os seguintes artigos da lei (5.250/ 67): 1º (só a parte inicial do 2º parágrafo), 2º (só o parágrafo 2º), 3º, 4º, 5º, 6º, 20º, 21º, 22º, 23º, 51º, 52º, 56º (a parte final), 57º (só os parágrafos 3º e 6º), 60º (parágrafos 1º e 2º), 61º, 62º, 63º, 64º, e 65º.
Consulte aqui a íntegra da Lei de Imprensa.
***
Liminar suspende partes da Lei de Imprensa
Felipe Recondo # copyright O Estado de S.Paulo, 22/2/2008
O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar parcial a uma ação impetrada pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) que pediu a suspensão de artigos da Lei de Imprensa, editada pelo governo militar, em 1967. Com essa decisão, todos os processos judiciais que invocaram a lei e estão em tramitação ficam suspensos, assim como as decisões com base em 22 dispositivos dela, até o julgamento do mérito, a ser feito pelo plenário do STF.
"A imprensa e democracia, na vigente ordem constitucional brasileira, são irmãs siamesas. Por isso que, em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja", afirmou o ministro Britto em sua decisão.
Foram derrubados os artigos que regulam a punição de jornalistas por supostos delitos de imprensa e que prevêem penas mais severas que o próprio Código Penal. Enquanto a Lei de Imprensa prevê para o crime de calúnia uma pena máxima de três anos de detenção, o Código Penal prevê dois anos; para a injúria, a lei prevê um ano e o Código, seis meses; e para a difamação, a lei estabelece 18 meses e o Código, um ano.
Perdeu a validade também o artigo que prevê aumento de um terço das penas, caso haja calúnia e difamação contra os presidentes da República, da Câmara e do Senado, ministros do Supremo, chefes de Estado e diplomatas.
Fica igualmente suspenso o artigo que permite a apreensão de jornais e revistas que ofendam a moral e os bons costumes e a punição para quem vender ou produzir esses materiais. O restante da lei pode cair quando o assunto for levado ao plenário do Supremo, em data a ser marcada.
Na decisão liminar, o ministro derruba também as penas de multa para notícias falsas, deturpadas ou que ofendam a dignidade de alguém. Também cai a possibilidade de espetáculos e diversões públicas serem censurados.
A ação para a derrubada da lei – uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – argumenta que a Constituição de 1988, promulgada há 19 anos, estabelece princípios que são contraditórios com a maior parte dos artigos da Lei de Imprensa. Essa incompatibilidade, se reconhecida pelo STF, determinará a anulação da lei.
Entulho autoritário
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) saudaram ontem a decisão do ministro Britto como um gesto que remove um dos últimos entulhos remanescentes do período autoritário. "A revogação de dispositivos da Lei de Imprensa tem conteúdo libertário", disse o jornalista Maurício Azêdo, presidente da ABI.
"Essa decisão vai permitir avançar na derrubada de entulhos que dificultam o pleno exercício da liberdade de expressão", afirmou Paulo Tonet Camargo, diretor do Comitê de Relações Governamentais da ANJ. Para ele, além dos vícios autoritários, a Lei de Imprensa tem dispositivos "que não deveriam estar nela", como o registro de empresas jornalísticas e o direito de resposta.
Sérgio Murillo de Andrade, presidente da Fenaj, disse que a derrubada de artigos da Lei de Imprensa é saudada com unanimidade pelas entidades patronais e trabalhistas da imprensa brasileira. "O que se espera agora é que o parlamento brasileiro defina uma lei democrática."

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A vida pelas tabelas


Por Eugênio Bucci em 19/2/2008
A divulgação, nos jornais de terça-feira (19/2), dos números da mais recente pesquisa do Instituto Sensus, encomendada pela Confederação Nacional dos Transportes, a já tradicional "CNT/Sensus", vem abastecer a obsessão nacional pela popularidade das figuras públicas e, mais que isso, pelo monitoramento minucioso dos indicadores que atestam a força ou a fraqueza dessa popularidade. Temos aí um dos traços que distinguem nossa era das que a precederam: a mania por indicadores. Eles ganharam o estatuto de critério da verdade – na política, na economia, em qualquer setor.
Na economia, nem se fala (só se conta, com o perdão do trocadilho). Analistas de investimentos transnacionais avaliam o nível de reservas cambiais, a taxa de inflação, a política de juros e mais dezenas, centenas, milhares de numerozinhos antes de recomendar compras de papéis deste ou daquele país. Da mesma forma, os que compram e vendem ações na Bolsa de Valores se divertem ao acompanhar balanços, projeções e performance das empresas.
Em atividades bem mais comezinhas, como dirigir um automóvel, dá-se o mesmo. Nos carros, há ponteiros para cada oscilação do motor, da suspensão, da temperatura externa, da pressão dos pneus, cabendo ao motorista supervisionar aquilo tudo com a fleuma de um comandante de Boeing – profissão, aliás, que se resume à administração de um painel digital repleto de indicadores.
A popularidade dos homens públicos
Também no cuidado do corpo miserável de cada um de nós, o acompanhamento dos indicadores tornou-se uma febre epidêmica, a ponto de as neuroses da gestão corporativa terem se transferido sem a menor adaptação para o que eu poderia chamar aqui de gestão do corpo saudável.
As principais vítimas da nova febre são os executivos, os pobres executivos. Nas empresas, submetem-se a doutrinações que tentam ferozmente convencê-los da necessidade de que – a expressão é boa – gerenciem a própria saúde. Em pouco tempo, eles passam a olhar os índices de açúcares e gorduras no sangue, os ácidos, a cronometragem da caminhada diária como se olhassem para as planilhas de fluxo de caixa, de margem operacional, do "yibítida", como dizem.
Os operários das minas de carvão do século 19 tinham os pulmões abatidos pela fuligem; os executivos do século 21 têm a alma calcinada pelos indicadores numéricos. Vão ao médico religiosamente e este, mais do que apalpar-lhes o corpo, analisam os algarismos. Regularmente, com ar de reprovação, passam-lhes pitos e novas tarefas – novas metas, novas metas, sempre – aos ansiosos executivos. Para eles, a doença pesa como vergonha: é um erro de gestão que cometeram. O bem-estar, a felicidade, essas coisas não importam: o que conta são os indicadores.
É, portanto, culturalmente natural que, na era, ou melhor, na civilização da imagem, tenhamos nos tornado obcecados pelos indicadores de saúde também da imagem. Da imagem dos outros, de preferência, mas também da nossa, uma vez que nossos movimentos tendem a conformar ou a estragar a nossa imagem. Pois bem, se o que mais importa é a imagem, como se pode gerenciá-la? A boa imagem dos homens públicos, ou seja, a sua popularidade – que, evidentemente, vale muito mais que sua reputação –, é acompanhada periodicamente, mais ou menos como se fosse um reality show. É isso, essa apetitosa atração, que a CNT/Sensus vem nos trazer.
Então tudo seria um truque de comunicação?
Os reis de Tebas, na Grécia mítica, quando se punham em dúvida, mandavam chamar Tirésias, o adivinho, que, embora cego, sabia dizer do passado, do presente e do futuro. Sabia o que tinha acontecido nas gerações anteriores – conhecia mesmo os segredos de morte, aquelas terríveis histórias que ninguém jamais contava para ninguém – e tinha o dom de prever perfeitamente o que estava para acontecer.
No século 18, os revolucionários franceses, quando em dúvida, chamavam os filósofos ou, melhor ainda, invocavam o melhor da filosofia para ilustrar o povo e acender a bola de cristal da opinião pública. Aí, olhando com atenção para o seu brilho fatídico – a luz sem sombras da opinião pública – concebiam o melhor caminho a seguir.
Os bolcheviques, quando em dúvida (embora para os bolcheviques a dúvida fosse um sintoma grave de menchevismo atroz), mandavam vir o ideólogo que havia dentro de cada um. Sapecavam uma análise de conjuntura pelo método de que dispunham e então extraíam a melhor direção para conduzir as massas.
Na política hodierna – o adjetivo, aqui, é imperativo, com o que ele tem de moderno e de odioso –, o protagonista, o observador ou o financiador do jogo do poder, habitualmente, manda contratar o marqueteiro – e este, por sua vez, cuida de providenciar uma pesquisa. Às vezes uma "quali". Outras vezes, uma "quanti", com sói ser o caso da CNT/Sensus.
O retrato da pesquisa é absolutamente favorável ao presidente Lula. Ele tem 66,8% de aprovação e seu governo conta com 52,7% avaliação positiva, os melhores índices desde o início de 2003. Há uma profusão de indicadores, para todo tipo de ilação. Quantos votariam no candidato indicado pelo presidente, agora, nas próximas eleições das prefeituras? A quantas anda a cotação dos possíveis candidatos para 2010? O escândalo dos cartões corporativos vai prejudicar a popularidade presidencial?
Claro que não vou fazer aqui interpretação da "quanti" (o objetivo desta coluna não é comentar pesquisa). O meu foco reside em explorar um pouco mais o fascínio que a imagem, a construção e a gestão da imagem e, acima de tudo, essa intrigante possibilidade de a imagem se mover exercem no noticiário político.
Uma marca, uma grife
A dificuldade dos interpretadores – tanto os governistas como os oposicionistas – em lidar com o fato de que a alta popularidade do presidente parece passar ao largo das críticas veiculadas pela imprensa indica que, no senso comum da nossa cultura política, a imagem de um político é pensada, ainda, como um produto que se constrói com técnicas de comunicação.
A ilusão de que a ação consciente do sujeito-manipulador tudo pode, a presunção da onipotência, ainda habita o imaginário político. Mesmo aqueles que embasam na economia – "é a economia, estúpido" – as explicações para o bom "desempenho" de Lula, falam em "blindagem" para justificar o que parece contrariar as leis dessa ciência exata que é a avançadíssima gestão privada das imagens públicas dos outros. Sugerem que a economia foi e vai tão bem que a figura do presidente paira, inatingível, sobre o plano conturbado em que os políticos mortais se estapeiam com denúncias de prevaricação de todo tipo. Nesse sentido, a explicação de matiz econômico não desautoriza a crença de que a imagem é algo que se fabrica por meio da propaganda massiva, mas identifica, no caso de Lula, uma exceção que confirma a regra.
É como se dissessem: o caso do presidente é uma exceção, pois tem carisma e, além de carisma, tem a sorte de estar blindado pela economia; caso ele não fosse exceção, hoje a sua popularidade estaria bastante abalada. Nesse sentido, a ideologia da pesquisa, se é que se pode falar aqui em uma "ideologia" de pesquisa, seria aquela de, ao apresentar o diagnóstico, vender o remédio, qual seja, uma boa e permanente assessoria de comunicação. O governante, enfim, recebe as análises que uma marca de calçados receberia – ele é uma marca, alguns chegam a dizer, é uma grife –, e sua imagem, portanto, carece de ser administrada como tal.
A opinião pública não tem que obedecer a opinião de articulistas – nem estes precisam dizer amém às preferências da massa: a imprensa é boa quando é lugar de dissenso, não de regência do pensamento alheio
O vínculo direto, um tanto linear, que alguns estabelecem entre a opinião média dos articulistas de jornais e a opinião dos eleitores já deveria ter caído há mais tempo. Não se trata de um vínculo necessário: a formação da opinião e da vontade admite outros ingredientes além daqueles fornecidos pelos meios de comunicação convencionais – e isso há muito, muito tempo.
A formação da opinião e da vontade vem de experiências e vivências, o que envolve mecanismos imaginários, até narrativos (o modo como cada um descreve e narra sua própria condição), mas envolve também percepções menos verbais e mais palpáveis como alterações no padrão material de vida e, sobretudo, de perspectivas de vida.
Vendo o mesmo fenômeno por outro ângulo, o fato de a opinião dos articulistas não ser corroborada pela opinião dos eleitores – em pesquisas, ou mesmo nas eleições – não significa que eles estejam errados, pois as razões que movem suas convicções são absolutamente outras – e igualmente legítimas.
As páginas dos jornais abrigam – e é bom que abriguem – questionamentos e críticas; noticiam temas que, na maior parte das vezes, o poder gostaria que ficassem ignorados. Se houvesse – e talvez devesse existir – uma listinha dos indicadores da qualidade nos jornais, veríamos que, por mais que isso incomode, a saúde deles é dada pelo bom tratamento – objetivo, crítico, apartidário, aprofundado – de assuntos que, nos gabinetes de governo, seriam chamados de pauta negativa.
Ora, não é porque os jornais cumprem o seu dever de problematizar o que parece pacífico que um governo passará a ser mal avaliado. Ele será mal avaliado quando, na sua vivência prática, os cidadãos tiverem contato com os malefícios materiais trazidos pelos problemas apontados pelos articulistas. Em suma, o entrevistado pela pesquisa diz, a seu modo, que, se o assunto da pergunta não mudou sua rotina, ou, mais exatamente, não piorou sua vida, é um assunto para o qual ele não está nem aí.
Isto posto, deixo isso pra lá. Como tenho avisado em artigos anteriores, o meu objeto é a imagem e seus desígnios – nada a ver com o jornalismo político. A política, a exemplo de quase todos os outros territórios da nossa vida, tem sido governada pela imagem – e esta, como o resto, é obsessivamente acompanhada pelo público por meio dos indicadores que inventamos e nos quais acreditamos como os reis de Tebas acreditavam nos oráculos. Vamos assim, com a vida esquadrinhada pelas tabelas.
Os gráficos das enquetes de opinião mostram como a imagem fixa pode se mover. Como ela está prestes a se mover. A de Lula, é bem verdade, vem se movendo cada vez mais para o alto, mas até ela poderá cair. E isso, como se fosse novela, captura a audiência. É uma questão de crença, mais que de ciência. No país onde todo mundo dá palpite sobre futebol, novela de televisão e economia, agora todo mundo é especialista em imagem, ou melhor, em monitoramento de imagem. Um fetiche, provavelmente, mas um fetiche que diz mais sobre como vivemos do que a pesquisa CNT/Sensus diz sobre a imagem do presidente da República.