segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Exclusão Social



A divulgação do texto sobre “Assistencialismo ou inclusão social?” (julho 2006) animou leitores e amigos a cobrar um posicionamento sobre a questão da exclusão social, fenômeno generalizado no mundo globalizado em praticamente todas as sociedades. Seguem alguns comentários para reflexão e discussão.
A percepção dualista de exclusão e inclusão, como se fossem fenômenos polarizados e mundos separados, confunde a política com sentimentos de caridade; a cidadania com filantropia; e os direitos humanos com ajuda humanitária, o que leva, em última análise, à perda dos direitos de cidadania dos excluídos.
Os resultados concretos dessas idéias e atitudes se manifestam na pressão de alterar a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), na flexibilização das relações trabalhistas, no desemprego e na redução paulatina da massa salarial.
Trata-se de dois processos sociais com dinâmicas assimétricas e diferentes. Enquanto a inclusão social é produto de políticas públicas dirigidas concretamente para o resgate e a incorporação da população marginalizada, oferecendo condições e acesso à organização social, como produtores e consumidores, cidadãos com plenos direitos e senhores de seu destino, a exclusão é o resultado de uma dinâmica “perversa” de acumulação e reprodução do capital, cada vez mais aceleradas pela concentração de capitais no regime de mercados e espaços globalizados. A exclusão é inerente ao sistema capitalista, como fenômeno universal e inevitável, expandindo-se em ritmo e intensidade diferentes, ao acompanhar os ciclos de expansão e recessão da economia.
Como medir a exclusão social? Em texto publicado no mês passado (O “negócio” de doar), apontamos para o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas); a taxa de desemprego, mormente entre jovens de 18-25 anos; a falta de acesso a serviços de educação e saúde, enfim, a falta de perspectivas que leva os marginalizados economicamente, territorialmente e culturalmente a ingressar o submundo do narcotráfico, prostituição e delinqüência. Os efeitos mais devastadores da exclusão social são sentidos a médio e longo prazos, na destruição e perda de capital humano e de capital social.
As energias e o potencial criativo de milhões de jovens, perdidos pela falta de acesso à educação e formação profissional constituem perdas irreparáveis na tarefa de construir uma força de trabalho diligente e disciplinada, condição primordial para o desenvolvimento. Por outro lado, a desarticulação de famílias e comunidades pelos efeitos prolongados do desemprego, falta de renda e de oportunidades de ascensão social e de auto-realização repercute profundamente em todo o tecido da organização social, impedindo manifestações de cooperação e solidariedade, pilares de uma sociedade integrada e coesa.
Mesmo que as taxas de crescimento econômico fossem mais elevadas do que os pífios 2,5% do Brasil nos últimos 20 anos, nenhum desenvolvimento é viável quando 35-40% da população são excluídos da participação política e cultural, numa espécie de apartheid agravada pelos preconceitos de cor, etnia e de condições econômicas.
Em nossa sociedade, o “social” e os problemas sociais são considerados de categoria inferior, subalterna e os gastos com programas sociais até prejudicariam os investimentos “produtivos” e geradores de riquezas (de quem?).
A exclusão pode ser analisada sob três dimensões: primeira, a dimensão material e objetiva da desigualdade social e econômica; a segunda refere-se à ética da injustiça social e dos preconceitos; e a terceira dimensão, subjetiva, de sofrimentos impostos a milhões de seres humanos.
Uma visão, política e ética, alternativa é consubstanciada na proposta de Amartya Sem, prêmio Nobel de Economia, de encarar a exclusão não como uma falta de bens e serviços, mas como o bloqueio de possibilidades e opções para a emancipação e auto-realização profissional e pessoal de cada ser humano.
Como enfrentar a exclusão em nossa sociedade? Freqüentemente, confunde-se políticas públicas em prol de direitos à cidadania com a “gestão” da pobreza e a filantropia.
A complexidade dos problemas e a diversidade dos atores sociais envolvidos exigem análises e estudos interdisciplinares que devem orientar as políticas dos diferentes setores – saúde, educação, trabalho, lazer e administração pública.
O trabalho não deve ser encarado apenas como o ganha-pão de cada dia, mas como o espaço no qual cada pessoa possa elaborar suas experiências, horizontes e expectativas de vida.
O desemprego e o trabalho precário e informal, além de desestruturar a família e a comunidade, impossibilitam pensar o futuro, a carreira, enfim, um projeto individual, da família e da sociedade.
Por isso, o papel do Estado, em todos os níveis do poder público, é fundamental na definição de estratégias de combate à exclusão, sem cair no assistencialismo populista.
Tarefa primordial constitui o aprimoramento da eficácia da administração pública, o zelo pela igualdade jurídica; o desempenho dos investimentos sociais, criando cooperativas e redes de apoio mútuo, em reforço aos movimentos sociais que buscam sua inclusão.
Uma política dinâmica de inclusão social não depende apenas das diretrizes e ações do governo federal. Ela deve ser desenvolvida também em nível local e micro-regional através de iniciativas de cooperação e de autogestão.
Também, não se pode descuidar da dimensão afetiva e intersubjetiva que responde aos desejos de encontrar-se com os outros na comunidade, de readquirir a confiança em si e nos outros e assim a auto-estima para ser feliz!
Finalmente, será imprescindível a reestruturação das famílias e das comunidades locais, rompendo com a abordagem fragmentada, setorializada e estanque das disciplinas acadêmicas.
Para mudar a cultura da exclusão e da pobreza, devemos reconstruir as relações sociais pervertidas por um sistema econômico social e ambientalmente desumano e insustentável.

Nenhum comentário: