terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Igreja Universal x Imprensa - Intimidação e má-fé


Por Folha de S.Paulo em 19/2/2008
Editorial, 19/2/2008
Bispos da Igreja Universal do Reino de Deus desencadeiam, contra os jornais Extra, O Globo, A Tarde e esta Folha, uma campanha movida pelo sectarismo, pela má-fé e por claro intuito de intimidação.
Em dezembro, a Folha publicou reportagem da jornalista Elvira Lobato descrevendo as milionárias atividades do bispo Edir Macedo. Logo surgiram, nos mais diversos lugares do país, ações judiciais movidas por adeptos da Igreja Universal que se diziam ofendidos pelo teor da reportagem.
Na maioria das petições à Justiça, a mesma terminologia, os mesmos argumentos e situações se repetiam numa ladainha postiça. O movimento tinha tudo de orquestrado a partir da cúpula da igreja, inspirando-se mais nos interesses econômicos do seu líder do que no direito legítimo dos fiéis a serem respeitados em suas crenças.
Magistrados notaram rapidamente o primarismo dessa milagrosa multiplicação das petições, condenando a Igreja Universal por litigância de má-fé. Prosseguem, entretanto, as investidas da organização.
Não contentes em submeter a repórter Elvira Lobato a uma impraticável seqüência de depoimentos nos mais inacessíveis recantos do país, os bispos se valeram da rede de televisão que possuem para expor a pessoa da jornalista, no afã de criar constrangimentos ao exercício de sua atividade profissional.
É ponto de honra desta Folha sempre ter repelido o preconceito religioso. A liberdade para todo tipo de crença é um patrimônio da cultura nacional e um direito consagrado na Constituição. A pretexto de exercê-lo, porém, os tartufos que comandam essa facção religiosa mal disfarçam o fundamentalismo comercial que os move. Trata-se de enriquecimento rápido e suspeito – e de impedir que a opinião pública saiba mais sobre os fatos.
Não é a liberdade para esta ou aquela fé religiosa que está sob ataque, mas a liberdade de expressão e o direito dos cidadãos à verdade.
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Empresário quer intimidar a imprensa
O Estado de S.Paulo
Editorial, 18/1/2008
Numa ação orquestrada para intimidar jornalistas e empresas de comunicação, fiéis e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus ajuizaram dezenas de processos por dano moral contra os jornais Folha de S.Paulo e Extra. O primeiro jornal publicou em dezembro uma extensa reportagem mostrando como o fundador da seita, "bispo" Edir Macedo, usou o dinheiro do dízimo para montar um poderoso grupo empresarial, com o braço financeiro registrado no paraíso fiscal de Jersey. O segundo jornal noticiou a agressão a uma imagem de São Benedito – um santo católico – por um seguidor da Igreja, na Bahia.
Segundo a reportagem da Folha, o complexo empresarial de Edir Macedo é constituído por 23 emissoras de TV e 40 emissoras de rádio, o que o torna o maior proprietário de concessões do País. Além disso, o "bispo" evangélico é proprietário de 19 outras empresas, dentre as quais 2 gráficas, 1 imobiliária, 1 agência de turismo e 1 firma de táxi aéreo, todas registradas em nome de seus "pastores". A reportagem revelou ainda que a Universal arrenda as emissoras que integram a Rede Aleluia, que Macedo detém 99% das ações da TV Capital, geradora da Rede Record, e que ele tem à sua disposição um avião adquirido por US$ 28 milhões.
Nas dezenas de processos ajuizados contra a Folha, "pastores e fiéis" da Universal reivindicam indenizações de R$ 1 mil a R$ 10 mil, sob a justificativa de que a reportagem lhes causou prejuízos morais. Nas ações contra o Extra, os autores alegam que o objetivo do jornal não foi informar, mas provocar a "ira" dos católicos e criar um clima de "perseguição religiosa", submetendo os seguidores da seita ao "risco diário de sofrer agressões físicas e discriminações".
O que chama a atenção nessas ações de dano moral não é o baixo valor das indenizações pleiteadas nem a falta de fundamento nas justificativas, mas, sim, a estratégia utilizada pelo empresário para intimidar jornais e jornalistas. As ações contra o Extra foram ajuizadas não na cidade onde está a sede da empresa, mas em distintas comarcas no interior do Estado do Rio de Janeiro. Os processos contra a Folha foram protocolados em lugares ainda mais distantes – quase todos situados a cerca de 200 quilômetros da capital de diferentes unidades da Federação. E, embora as ações sejam individuais, quase todas as petições apresentam textos idênticos, deixando clara a existência de uma ação orquestrada.
Como os dois jornais têm de se defender em cada uma dessas comarcas, o expediente da Igreja os obrigou a contratar advogados nas cinco regiões do País, elevando significativamente os gastos das empresas que os editam. Além disso, como várias audiências foram marcadas no mesmo dia e em algumas cidades da Região Norte, cujo acesso somente se faz por barco, o departamento jurídico da Folha teve de montar uma logística especial para defender a empresa e a jornalista que assinou a reportagem. Muitos processos foram abertos em juizados especiais cíveis, o que, por lei, exige a presença do réu e aumenta os gastos das empresas com viagens e deslocamentos de advogados e jornalistas. E em vários processos os autores citam não somente os repórteres, mas também os diretores de redação – e todos são obrigados a comparecer às audiências, sob o risco de serem condenados à revelia.
Em nota de protesto, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) qualificou a estratégia da Universal como "intimidação ao livre exercício do jornalismo". Para a entidade, os "pastores" e fiéis que acionaram a Folha e o Extra não têm por objetivo "restabelecer a honra ou a verdade, mas apenas constranger empresas jornalísticas no seu dever de livremente informar a sociedade". "É uma tentativa espúria de usar o Poder Judiciário contra a imprensa e privar o cidadão do direito de ser informado", conclui a nota.
Felizmente, os magistrados encarregados de julgar esses processos já perceberam a má-fé dos reclamantes. Alguns juízes nem sequer acolheram as ações. E pelo menos um deles, Alessandro Pereira, da comarca de Bataguaçu, Mato Grosso do Sul, não só rejeitou sumariamente o pedido de indenização, como condenou o autor por litigância de má-fé. Com decisões como essa, a Justiça está tratando o querelante como o que ele realmente é – um ganancioso empresário bem-sucedido – e não como o pastor evangélico caluniado pelos inimigos da sua igreja, que é como ele se apresenta.

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