terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Tem coisa que pode, tem coisa que não pode.....


Por Carlos Brickmann em 12/2/2008
Comprar contrabando ou produtos piratas com o cartão corporativo na Feira do Paraguai não pode. Hospedar-se com a esposa, filho e babá num hotel do Rio, por conta do cartão, não pode. Consertar mesa particular de sinuca com dinheiro público não pode. Mas também não se pode confundir aquilo que é ilegítimo, até criminoso, com os gastos legítimos, corretos, do cartão corporativo.
Tudo o que se disse a favor do cartão é correto: evita problemas, é mais transparente, é um avanço no controle das contas públicas (desde que seja fiscalizado, desde que não sejam nomeados ministros que acham normal comprar em free shops com dinheiro do governo).
Mas os meios de comunicação, na luta pelas denúncias mais bombásticas, estão confundindo as coisas: publicar que foram gastos quase 80 milhões de reais nos cartões corporativos não quer dizer rigorosamente nada. É muito ou pouco? As despesas foram legais ou não? Dizer que o governo paulista gastou mais em cartões que o federal não significa nada: as compras em lojas de luxo de artigos de cozinha são esquisitíssimas, e precisam ser esclarecidas (como?), mas e o resto? É ou não um escândalo? Imagine o caro colega a informação de que uma empresa estatal está comprando outra, por "x" milhões de dólares. Qual o valor de mercado? Há motivo para comemoração ou para desconfiança?
A imprensa, com certa frequência, confunde o leitor. E o efeito pode ser nefasto: transforma em palavrão, em algo a ser exorcizado, uma iniciativa que, bem calibrada, é positiva para a agilidade e a transparência dos gastos públicos.
Coisas mesquinhas
Um bom exemplo da falta de sintonia dos meios de comunicação com a realidade dos fatos é a cobertura da viagem do ministro da Defesa, Nelson Jobim, à Rússia. Anuncia-se, como se fosse um escândalo, que a comitiva recebeu convites para assistir ao Balé Bolshoi (nas matérias, o preço de cada ingresso), que as despesas são pagas pelo governo russo, que os visitantes, a convite, conhecerão as maravilhas do Museu Hermitage, em São Petersburgo, que o jantar foi pago pelo famoso ouro de Moscou.
E daí? Qualquer ministro ou autoridade que visite outro país, em caráter oficial, receberá de presente uma série de gentilezas, de jantares excepcionais, com ótimos vinhos, a tours especiais pelas atrações turísticas da região. Se o presidente russo Vladimir Putin for aos Estados Unidos, tem grande possibilidade de ficar em Camp David, de visitar o Guggenheim, de levar os netos à Disney. Ninguém imaginaria que, estando numa visita que pode eventualmente redundar em negócios, o ministro da Defesa do Brasil tivesse de levar seus acompanhantes ao McDonaldoff, só para se orgulhar de dizer que nada recebeu dos anfitriões.
Para citar o ex-presidente Sarney, não são só os cargos que têm uma liturgia: as viagens oficiais também. E ninguém pode imaginar que um ministro brasileiro tome uma decisão estratégica, que envolve alguns bilhões de dólares, porque lhe serviram um caviar de boa qualidade. Isto é minimizar as pessoas (ou, pior, significa que os repórteres aplicam a autoridades o comportamento que, em situação idêntica, julgam que teriam).
A palavra do mestre
Há alguns anos, durante as tradicionais discussões sobre que tipo de presente de Natal os jornalistas poderiam aceitar sem problemas, surgiu uma questão: alguém mandara canetas-tinteiro Sheaffer’s, muito bonitas, para um grande grupo de pessoas. O caso foi levado ao supremo condutor da empresa: Octavio Frias de Oliveira. Ele, com seu agudíssimo bom-senso, perguntou:
– Vocês acham que estão sendo comprados com essas canetas? Vocês se vendem tão barato assim?
Como de hábito, seu Frias tinha razão: usei a caneta por algum tempo, com muito prazer (tenho coleção de canetas-tinteiro), até que foi roubada. E ninguém se sentiu comprado com a gentileza – tanto que hoje nem consigo lembrar quem foi que a enviou.

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