
Temporão quer discutir imposto para a saúde
O ministro do Saúde, José Gomes Temporão, defende "veementemente" a necessidade da criação de um novo tributo para cubrir as despesas da saúde. Para isso, Temporão diz que vem discutindo com o presidente da Câmara, senadores e líderes a possibiliade de inserir esta pauta na proposta de reforma tributária que deve ser encaminhada pelo governo ao Congresso.
Leia a entrevista do ministro na íntegra.
Durante a batalha do governo pela CPMF o senhor chegou a falar que, sem o tributo, o caos se instalaria no sistema público de saúde. Já existe como mensurar as conseqüências?A saúde tem um orçamento garantido, de modo que o setor não perde recursos. Mas aumentar essa verba, também, fica mais difícil. O que não garantimos até agora foram os recursos do PAC da Saúde, os R$ 24 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões seriam gastos só em 2008. Todas as medidas do PAC que não envolvem diretamente recursos financeiros estão sendo desenvolvidas.O que não foi prejudicado?Toda a política de redução de danos em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, o projeto de lei proibindo fumo em ambientes fechados, e uma série de outras iniciativas no campo do controle da dengue, que está em andamento, e uma série de outras medidas. Agora, quando você olha em que os R$ 4 bilhões iriam ser aplicados e isola as metas, aí começa a ficar preocupado com o que nós vamos deixar de fazer caso esses recursos financeiros não sejam conseguidos.E o que dá para se considerar como perda em decorrência da CPMF, então? A incorporação de novas vacinas ao Programa Nacional de Imunizações, toda a expansão da Política de Atenção de Alta Complexidade, que inclui tratamento de câncer, doenças cardiovasculares, hemodiálise, leitos de UTIs. Outro exemplo é a recuperação da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde e aumento do teto financeiro de Estados e municípios. Também fica prejudicada a conclusão de obras de hospitais em andamento, que nós definimos que priorizaríamos as obras já em andamento para que fossem concluídas. Existe a intenção de criar um substituto para o imposto?A perda da CPMF foi traumática. Nenhum país do mundo passa incólume a uma perda de receita de um ano para outro de US$ 23 bilhões. Nós vamos discutir com o Congresso. Eu venho conversando com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), com o senador Tião Viana (PT-AC), com o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) sobre como vamos resolver essa equação. É possível você solucionar esse problema no contexto de uma reforma tributária. Eu defendo veementemente que será necessária a criação de um novo tributo que cubra especificamente as despesas de saúde. Esse assunto virou tabu no Palácio do Planalto. Poucos do governo se atrevem a assumir às claras a defesa de uma nova CPMF...Eu tenho falado sempre. Inclusive tenho dito de maneira bastante clara que a extinção do tributo foi uma irresponsabilidade. Não posso usar outro termo. Tirar em dezembro, de um ano para o outro, R$ 40 bilhões... em qualquer governo isso seria uma temeridade. Não estou falando deste governo, mas de qualquer um. Eu venho conversando com o presidente Lula sobre isso, mas, de fato, não está muito claro ainda como o governo vai se comportar em relação ao assunto.Como é possível, nesse contexto de cobertor ainda mais curto do que o usual, resolver o problema das filas em hospitais?Eu tinha um professor há muito tempo que dizia o seguinte: a coisa mais fácil que tem é acabar com uma fila. É só dividir ela em várias filas pequenas e botar em outros lugares dentro do próprio hospital. Um bom exemplo é o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Desde que estou aqui no ministério que a imprensa do Rio reclama das filas do Hospital de Bonsucesso. As filas do Hospital de Bonsucesso acabaram. Aliás, a emergência do Hospital de Bonsucesso agora só funciona referenciada. Como é isso de dividir filas?Muitos pacientes ficavam na fila em Bonsucesso para tentar resolver às vezes uma gripe, uma dor de cabeça, uma enxaqueca. Essas pessoas ficavam misturadas com pessoas que levaram tiro, foram esfaqueadas, que chegavam de ambulância, tudo na mesma fila, no mesmo hospital. É uma coisa inadmissível. A coisa mais óbvia que tem é encaminhar essas pessoas com casos menos graves para as Unidades de Pronto Atendimento, os postos 24 horas. O Rio hoje tem um dos modelos mais obsoletos de saúde pública do país. Está longe do padrão de Belo Horizonte, que mudou radicalmente o padrão de atendimento, implantou o Hospital da Família, reduziu o número de internações hospitalares, mudou tudo. Mas a cultura do Rio é a cultura do hospital. As pessoas acham que para resolver qualquer problema de saúde tem que ir no o hospital. Isso é um grave erro.Quantos postos 24h funcionam atualmente no Rio?Quatro no Rio de Janeiro e alguns aqui, ali, por iniciativa dos governos estaduais. Do PAC nós vamos ter estimativas de recursos para 200. A expansão do Saúde da Família, principalmente. Esse é o ponto hipercrítico que é implantar uma coisa inovadora que é o Saúde na Escola. Duas vezes por ano, médicos nas escolas de todo o Brasil, são 23 milhões de alunos. Tudo isso está aguardando a definição de recursos financeiros. Eu diria que essa é uma questão conjuntural, porque tem a questão do estrutural que a Emenda 29 juntou. Nós estamos na mesma posição em que estávamos em março do ano passado.Mas o problema está na esfera federal, estadual ou municipal da saúde no Rio?Essa é uma particularidade complicada da capital. Eu costumo dizer que o Rio é a cidade dos três ministros: o prefeito, o governador e o ministro da Saúde. A questão da integração entre essas esferas avançou bastante, principalmente entre o governo federal e o governo estadual.E com a prefeitura, não?É difícil analisar. Acho que a prefeitura teve uma coisa muito traumática que foi a intervenção em 2005. Isso traumatizou as relações, é evidente. O governo federal interveio, a reconstrução política dessa relação foi complicada. No nível técnico as coisas funcionam extremamente bem, não há nenhum problema. Mas acho que falta uma maior integração das redes como um todo. É um problema político, então?É mais do que isso. Os hospitais são instituições complexas, têm uma cultura própria, têm uma história. O Hospital do Servidor do Estado tem, sei lá, 60, 70 anos. Quem é o dono dos leitos do Hospital dos Servidores? O diretor e o chefe de clínica. Quando está implantando uma central de regulação você está tirando poder dentro do hospital. Quem passa a dizer quem vai ser internado ou não naquele leito não é mais o diretor do hospital nem o chefe da clínica, é uma central. E é assim que tem de ser feito. Mas há uma grande resistência dentro dos hospitais como um todo a migrarem para esse novo padrão de atuação.Existe previsão de grandes investimentos no Estado, neste ano?No que toca a rede federal, na semana que vem estou indo inaugurar um novo andar do Hospital de Cardiologia de Laranjeiras, que é um andar todo dedicado para pesquisa em cardiologia. Nós vamos também inaugurar novas instalações no Hospital da Lagoa. Mas o principal ponto é que o ministério vai construir o que será a unidade de emergência mais moderna da América Latina no Rio de Janeiro. O anúncio deve acontecer neste ano.Onde vai ser esse novo hospital?Não está na hora de dizer ainda, mas é um projeto importante. A idéia é implantar na capital um novo centro de referência em medicina. Outro projeto que tem merecido muita atenção do ministério é a implantação do terceiro hospital do Instituto Nacional do Câncer (Inca) no Rio. Existe perspectiva para novos investimentos no Estado, neste ano?Já começamos a obra do Hospital de Queimados. Temos projetos também para a construção de cerca de 26 unidades de atendimento semelhantes aos postos 24 horas, só que outro modelo, na Baixada Fluminense, já em fase de equipamento. O nosso grande desafio, com a nova unidade de referência e outras obras, é melhorar o padrão de atendimento no Rio de Janeiro, que ainda é a capital cultural do país. Em muitos aspectos também é a capital política e convive com o fato de ter uma grande rede municipal, uma grande rede estadual, uma grande rede federal, com três comandos diferentes. É um desafio, mas estou confiante de que vamos ter grandes resultados.E a questão salarial dos profissionais de saúde? A idéia é introduzir a política de contratualização, ter metas de indicadores, avaliação de desempenho e remuneração adequada. Nós também estamos negociando com o Ministério do Planejamento concurso público para repor quadros, estamos negociando uma possível política de remuneração salarial diferenciada. Isso enquanto o projeto das fundações estatais, no governo federal, não sai. Qual é a situação do projeto?É complicada porque há muita resistência corporativa, há resistência de partidos políticos também. Toda proposta que vem questionar uma coisa muito estabelecida enfrenta esse jogo. O que me incomoda é que esse estabelecido não está voltado para atender à população, está voltado para manter uma determinada lógica de funcionamento que já não atende às necessidades da sociedade.Quem são os principais opositores ao projeto?Os sindicatos. Questionam, sobretudo, o contrato por CLT para os hospitais públicos. Só que existem coisas no modelo atual que são feitas para não funcionar. Eu sou radicalmente contra você dar reajuste salarial para alguém que trabalha 20 horas num hospital, por exemplo. Você tem que pagar bem a quem trabalha 40 horas, para estimular o tempo integral, a dedicação exclusiva. Mudando de assunto, o senhor tem enfrentado algumas batalhas com setores da indústria no aspecto da regulação da comercialização e propaganda...Eu dou prioridade a essa questão da promoção de saúde. Já estamos avançando na questão do cigarro e da bebida e já começamos a trabalhar essa questão da redução da quantidade de gordura trans e de sal nos alimentos. Com a mudança no padrão alimentar do brasileiro, que hoje consome mais alimentos industrializados, passou a ser fundamental garantir que esses alimentos obedeçam a fortes critérios de qualidade e de segurança para que as pessoas tenham certeza que consumindo aquilo elas não estão prejudicando a sua saúde. A outra questão é a das farmácias. Nesse âmbito, é preciso primeiro regular a propaganda de medicamentos, que hoje é muitas vezes feita de forma irresponsável. Você estimula o cara a comprar o remédio e no final retifica: "Persistindo os sintomas procure o seu médico". Se você não melhorar você vai no médico, mas aí já pode ser tarde demais.O senhor ainda deve enfrentar outro embate com a Igreja Católica na questão do aborto, que é tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Como o senhor viu a escolha do assunto como bandeira da Igreja?Gostei do tema da Campanha da Fraternidade. A missão do Ministério da Saúde é a defesa da vida. Então toda proposta que venha defender para mim é bastante importante e interessante. É um campo absolutamente polêmico e complexo, mas o ministério tem uma política... aliás uma política que foi construída em relação muito próxima e íntima com a sociedade, organizações não-governamentais. E o governo sustenta fortemente essa política. A questão do aborto entrou quando, logo que eu assumi, quando eu estava dando uma entrevista e me foi colocada essa questão e eu declarei: para mim essa é questão de saúde pública. E continuo achando, não mudou nada a minha concepção. É a quarta causa de mortalidade materna no Brasil. A posição da Igreja não dificulta o trabalho do ministério nessa questão?Há um grande cinismo na sociedade brasileira sobre o aborto. As mulheres de classe média podem e fazem abortos todos os dias no Brasil em condições seguras, pagando em clínicas no país. Enquanto as mulheres pobres acabam se submetendo a um procedimento inseguro, em condições desumanas, colocando muitas vezes as suas vidas em risco, por conta da proibição do aborto. Ninguém defende o aborto como método anticoncepcional, pelo contrário. Mas também acho que é pouco defensável assegurar que uma mulher que seja levada a optar por esse procedimento deva ser presa por isso.Por que essa discussão avançou tão pouco, mesmo com a questão da legalização colocada em projeto de lei? Temos uma questão que a sociedade tem de resolver. Quando me posicionei em relação a consulta pública é porque acho que essa questão é tão complexa, envolve tanta polêmica, tanta paixão, que só através de uma grande discussão nacional e da ampliação da consciência das pessoas você poderia tomar uma decisão madura. O projeto de lei foi enviado ao Congresso em 2005 e hoje está obstruído. Em dezembro tentou-se derrubar o projeto, mas houve uma manobra dos nossos aliados e a discussão ficou em aberto.O aborto se transformou em um debate opondo Estado e Igreja no Brasil?Olha, tem de tudo. Grupos religiosos organizados contra, há grupos a favor; tem movimentos feministas que defendem. Dentro da própria Igreja tem um Movimento das Mulheres Católicas pelo Direito de Decidir, que defendem isso. Vejo essa confusão toda de forma muito positiva, porque essa é uma questão que estava encoberta por um véu de hipocrisia, de silêncio. A polêmica veio para que finalmente as pessoas tenham condições de se informar, conversar e, depois disso, decidir.O ministério planeja um programa importante para o Nordeste. Qual é?Vamos lançar na Bahia a campanha do Planejamento Familiar. Em breve, teremos uma reunião das primeiras-damas dos governadores.
O ministro do Saúde, José Gomes Temporão, defende "veementemente" a necessidade da criação de um novo tributo para cubrir as despesas da saúde. Para isso, Temporão diz que vem discutindo com o presidente da Câmara, senadores e líderes a possibiliade de inserir esta pauta na proposta de reforma tributária que deve ser encaminhada pelo governo ao Congresso.
Leia a entrevista do ministro na íntegra.
Durante a batalha do governo pela CPMF o senhor chegou a falar que, sem o tributo, o caos se instalaria no sistema público de saúde. Já existe como mensurar as conseqüências?A saúde tem um orçamento garantido, de modo que o setor não perde recursos. Mas aumentar essa verba, também, fica mais difícil. O que não garantimos até agora foram os recursos do PAC da Saúde, os R$ 24 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões seriam gastos só em 2008. Todas as medidas do PAC que não envolvem diretamente recursos financeiros estão sendo desenvolvidas.O que não foi prejudicado?Toda a política de redução de danos em relação ao consumo de bebidas alcoólicas, o projeto de lei proibindo fumo em ambientes fechados, e uma série de outras iniciativas no campo do controle da dengue, que está em andamento, e uma série de outras medidas. Agora, quando você olha em que os R$ 4 bilhões iriam ser aplicados e isola as metas, aí começa a ficar preocupado com o que nós vamos deixar de fazer caso esses recursos financeiros não sejam conseguidos.E o que dá para se considerar como perda em decorrência da CPMF, então? A incorporação de novas vacinas ao Programa Nacional de Imunizações, toda a expansão da Política de Atenção de Alta Complexidade, que inclui tratamento de câncer, doenças cardiovasculares, hemodiálise, leitos de UTIs. Outro exemplo é a recuperação da tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde e aumento do teto financeiro de Estados e municípios. Também fica prejudicada a conclusão de obras de hospitais em andamento, que nós definimos que priorizaríamos as obras já em andamento para que fossem concluídas. Existe a intenção de criar um substituto para o imposto?A perda da CPMF foi traumática. Nenhum país do mundo passa incólume a uma perda de receita de um ano para outro de US$ 23 bilhões. Nós vamos discutir com o Congresso. Eu venho conversando com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), com o senador Tião Viana (PT-AC), com o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS) sobre como vamos resolver essa equação. É possível você solucionar esse problema no contexto de uma reforma tributária. Eu defendo veementemente que será necessária a criação de um novo tributo que cubra especificamente as despesas de saúde. Esse assunto virou tabu no Palácio do Planalto. Poucos do governo se atrevem a assumir às claras a defesa de uma nova CPMF...Eu tenho falado sempre. Inclusive tenho dito de maneira bastante clara que a extinção do tributo foi uma irresponsabilidade. Não posso usar outro termo. Tirar em dezembro, de um ano para o outro, R$ 40 bilhões... em qualquer governo isso seria uma temeridade. Não estou falando deste governo, mas de qualquer um. Eu venho conversando com o presidente Lula sobre isso, mas, de fato, não está muito claro ainda como o governo vai se comportar em relação ao assunto.Como é possível, nesse contexto de cobertor ainda mais curto do que o usual, resolver o problema das filas em hospitais?Eu tinha um professor há muito tempo que dizia o seguinte: a coisa mais fácil que tem é acabar com uma fila. É só dividir ela em várias filas pequenas e botar em outros lugares dentro do próprio hospital. Um bom exemplo é o que está acontecendo no Rio de Janeiro. Desde que estou aqui no ministério que a imprensa do Rio reclama das filas do Hospital de Bonsucesso. As filas do Hospital de Bonsucesso acabaram. Aliás, a emergência do Hospital de Bonsucesso agora só funciona referenciada. Como é isso de dividir filas?Muitos pacientes ficavam na fila em Bonsucesso para tentar resolver às vezes uma gripe, uma dor de cabeça, uma enxaqueca. Essas pessoas ficavam misturadas com pessoas que levaram tiro, foram esfaqueadas, que chegavam de ambulância, tudo na mesma fila, no mesmo hospital. É uma coisa inadmissível. A coisa mais óbvia que tem é encaminhar essas pessoas com casos menos graves para as Unidades de Pronto Atendimento, os postos 24 horas. O Rio hoje tem um dos modelos mais obsoletos de saúde pública do país. Está longe do padrão de Belo Horizonte, que mudou radicalmente o padrão de atendimento, implantou o Hospital da Família, reduziu o número de internações hospitalares, mudou tudo. Mas a cultura do Rio é a cultura do hospital. As pessoas acham que para resolver qualquer problema de saúde tem que ir no o hospital. Isso é um grave erro.Quantos postos 24h funcionam atualmente no Rio?Quatro no Rio de Janeiro e alguns aqui, ali, por iniciativa dos governos estaduais. Do PAC nós vamos ter estimativas de recursos para 200. A expansão do Saúde da Família, principalmente. Esse é o ponto hipercrítico que é implantar uma coisa inovadora que é o Saúde na Escola. Duas vezes por ano, médicos nas escolas de todo o Brasil, são 23 milhões de alunos. Tudo isso está aguardando a definição de recursos financeiros. Eu diria que essa é uma questão conjuntural, porque tem a questão do estrutural que a Emenda 29 juntou. Nós estamos na mesma posição em que estávamos em março do ano passado.Mas o problema está na esfera federal, estadual ou municipal da saúde no Rio?Essa é uma particularidade complicada da capital. Eu costumo dizer que o Rio é a cidade dos três ministros: o prefeito, o governador e o ministro da Saúde. A questão da integração entre essas esferas avançou bastante, principalmente entre o governo federal e o governo estadual.E com a prefeitura, não?É difícil analisar. Acho que a prefeitura teve uma coisa muito traumática que foi a intervenção em 2005. Isso traumatizou as relações, é evidente. O governo federal interveio, a reconstrução política dessa relação foi complicada. No nível técnico as coisas funcionam extremamente bem, não há nenhum problema. Mas acho que falta uma maior integração das redes como um todo. É um problema político, então?É mais do que isso. Os hospitais são instituições complexas, têm uma cultura própria, têm uma história. O Hospital do Servidor do Estado tem, sei lá, 60, 70 anos. Quem é o dono dos leitos do Hospital dos Servidores? O diretor e o chefe de clínica. Quando está implantando uma central de regulação você está tirando poder dentro do hospital. Quem passa a dizer quem vai ser internado ou não naquele leito não é mais o diretor do hospital nem o chefe da clínica, é uma central. E é assim que tem de ser feito. Mas há uma grande resistência dentro dos hospitais como um todo a migrarem para esse novo padrão de atuação.Existe previsão de grandes investimentos no Estado, neste ano?No que toca a rede federal, na semana que vem estou indo inaugurar um novo andar do Hospital de Cardiologia de Laranjeiras, que é um andar todo dedicado para pesquisa em cardiologia. Nós vamos também inaugurar novas instalações no Hospital da Lagoa. Mas o principal ponto é que o ministério vai construir o que será a unidade de emergência mais moderna da América Latina no Rio de Janeiro. O anúncio deve acontecer neste ano.Onde vai ser esse novo hospital?Não está na hora de dizer ainda, mas é um projeto importante. A idéia é implantar na capital um novo centro de referência em medicina. Outro projeto que tem merecido muita atenção do ministério é a implantação do terceiro hospital do Instituto Nacional do Câncer (Inca) no Rio. Existe perspectiva para novos investimentos no Estado, neste ano?Já começamos a obra do Hospital de Queimados. Temos projetos também para a construção de cerca de 26 unidades de atendimento semelhantes aos postos 24 horas, só que outro modelo, na Baixada Fluminense, já em fase de equipamento. O nosso grande desafio, com a nova unidade de referência e outras obras, é melhorar o padrão de atendimento no Rio de Janeiro, que ainda é a capital cultural do país. Em muitos aspectos também é a capital política e convive com o fato de ter uma grande rede municipal, uma grande rede estadual, uma grande rede federal, com três comandos diferentes. É um desafio, mas estou confiante de que vamos ter grandes resultados.E a questão salarial dos profissionais de saúde? A idéia é introduzir a política de contratualização, ter metas de indicadores, avaliação de desempenho e remuneração adequada. Nós também estamos negociando com o Ministério do Planejamento concurso público para repor quadros, estamos negociando uma possível política de remuneração salarial diferenciada. Isso enquanto o projeto das fundações estatais, no governo federal, não sai. Qual é a situação do projeto?É complicada porque há muita resistência corporativa, há resistência de partidos políticos também. Toda proposta que vem questionar uma coisa muito estabelecida enfrenta esse jogo. O que me incomoda é que esse estabelecido não está voltado para atender à população, está voltado para manter uma determinada lógica de funcionamento que já não atende às necessidades da sociedade.Quem são os principais opositores ao projeto?Os sindicatos. Questionam, sobretudo, o contrato por CLT para os hospitais públicos. Só que existem coisas no modelo atual que são feitas para não funcionar. Eu sou radicalmente contra você dar reajuste salarial para alguém que trabalha 20 horas num hospital, por exemplo. Você tem que pagar bem a quem trabalha 40 horas, para estimular o tempo integral, a dedicação exclusiva. Mudando de assunto, o senhor tem enfrentado algumas batalhas com setores da indústria no aspecto da regulação da comercialização e propaganda...Eu dou prioridade a essa questão da promoção de saúde. Já estamos avançando na questão do cigarro e da bebida e já começamos a trabalhar essa questão da redução da quantidade de gordura trans e de sal nos alimentos. Com a mudança no padrão alimentar do brasileiro, que hoje consome mais alimentos industrializados, passou a ser fundamental garantir que esses alimentos obedeçam a fortes critérios de qualidade e de segurança para que as pessoas tenham certeza que consumindo aquilo elas não estão prejudicando a sua saúde. A outra questão é a das farmácias. Nesse âmbito, é preciso primeiro regular a propaganda de medicamentos, que hoje é muitas vezes feita de forma irresponsável. Você estimula o cara a comprar o remédio e no final retifica: "Persistindo os sintomas procure o seu médico". Se você não melhorar você vai no médico, mas aí já pode ser tarde demais.O senhor ainda deve enfrentar outro embate com a Igreja Católica na questão do aborto, que é tema da Campanha da Fraternidade deste ano. Como o senhor viu a escolha do assunto como bandeira da Igreja?Gostei do tema da Campanha da Fraternidade. A missão do Ministério da Saúde é a defesa da vida. Então toda proposta que venha defender para mim é bastante importante e interessante. É um campo absolutamente polêmico e complexo, mas o ministério tem uma política... aliás uma política que foi construída em relação muito próxima e íntima com a sociedade, organizações não-governamentais. E o governo sustenta fortemente essa política. A questão do aborto entrou quando, logo que eu assumi, quando eu estava dando uma entrevista e me foi colocada essa questão e eu declarei: para mim essa é questão de saúde pública. E continuo achando, não mudou nada a minha concepção. É a quarta causa de mortalidade materna no Brasil. A posição da Igreja não dificulta o trabalho do ministério nessa questão?Há um grande cinismo na sociedade brasileira sobre o aborto. As mulheres de classe média podem e fazem abortos todos os dias no Brasil em condições seguras, pagando em clínicas no país. Enquanto as mulheres pobres acabam se submetendo a um procedimento inseguro, em condições desumanas, colocando muitas vezes as suas vidas em risco, por conta da proibição do aborto. Ninguém defende o aborto como método anticoncepcional, pelo contrário. Mas também acho que é pouco defensável assegurar que uma mulher que seja levada a optar por esse procedimento deva ser presa por isso.Por que essa discussão avançou tão pouco, mesmo com a questão da legalização colocada em projeto de lei? Temos uma questão que a sociedade tem de resolver. Quando me posicionei em relação a consulta pública é porque acho que essa questão é tão complexa, envolve tanta polêmica, tanta paixão, que só através de uma grande discussão nacional e da ampliação da consciência das pessoas você poderia tomar uma decisão madura. O projeto de lei foi enviado ao Congresso em 2005 e hoje está obstruído. Em dezembro tentou-se derrubar o projeto, mas houve uma manobra dos nossos aliados e a discussão ficou em aberto.O aborto se transformou em um debate opondo Estado e Igreja no Brasil?Olha, tem de tudo. Grupos religiosos organizados contra, há grupos a favor; tem movimentos feministas que defendem. Dentro da própria Igreja tem um Movimento das Mulheres Católicas pelo Direito de Decidir, que defendem isso. Vejo essa confusão toda de forma muito positiva, porque essa é uma questão que estava encoberta por um véu de hipocrisia, de silêncio. A polêmica veio para que finalmente as pessoas tenham condições de se informar, conversar e, depois disso, decidir.O ministério planeja um programa importante para o Nordeste. Qual é?Vamos lançar na Bahia a campanha do Planejamento Familiar. Em breve, teremos uma reunião das primeiras-damas dos governadores.
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