
Sou mesmo um consumidor desinformado. Não sabia que havia um dia reservado especialmente para mim. Descubro que sou cidadão. Sim, porque a cidadania é proporcional à capacidade de consumo. A medida é o cartão de crédito, o cheque especial e o poder de endividamento. Não foi por acaso que a nação que universalizou as palavras igualdade, liberdade e fraternidade, considerou apropriado imprimi-las em sua moeda. Se a igualdade se reduz à letra da lei, podemos deduzir que o usufruto da liberdade é determinado pela quantidade de moedas que podemos gastar. Se tenho dinheiro, sou livre para viajar – e então se concretiza a liberdade de ir e vir. Sou livre na proporção da minha conta bancária.Se a igualdade é uma quimera do pensamento iluminista do século XVIII, pois a todo tempo é negada pela dura realidade que opõe a miserabilidade da maioria à opulência da minoria privilegiada, a liberdade tornou-se um dogma do mercado. Os que nada possuem, isto é, os que são iguais enquanto não-proprietários têm ao menos a esperança de se tornarem proprietários de bens de consumo. Possuem a liberdade de consumir e, em tese, de escolher o que consomem. É mesmo um espetáculo! Lojas, supermercados, shopping etc., repletos de produtos disponíveis ao consumo. Desde, é claro, que você possa pagar.Muitos desses produtos são descartáveis. Mas eis outro segredo da sociedade moderna: a enorme capacidade de criar necessidades, mesmo supérfluas. E se funciona não é apenas pela capacidade de manipulação do marketing e propaganda. Na verdade, desejamos consumir. Nem os mais revolucionários, aqueles que cotidianamente amaldiçoam o capitalismo, conseguem se livrar da pulsão consumista. E mesmo os que não podem consumir determinadas mercadorias, consomem-nas idealmente em seus pensamentos. Alguns se tornam infelizes porque não podem consumir o desejado. No extremo, o desejo de consumo funciona como uma droga pela qual o viciado está disposto a roubar e cometer violência.
Tudo é mercadoria, os valores se invertem. Como bem observou Eduardo Galeano, vivemos num mundo de pernas pro ar.* Enquanto consumidores, somos alçados à posição de monarcas absolutos, nos oferecem um dia para comemorar o nosso reinado e até nos convencem de que, finalmente, os desígnios da revolução francesa foram atingidos: somos todos cidadãos. Mas os direitos são os do cidadão-consumidor. Porém, no mundo ao avesso, milhares são excluídos dos direitos e das condições básicas de sobrevivência.No mundo De pernas pro ar, a necessidade é irmã do medo e o próximo é o inimigo real ou virtual. Como afirma Galeano: “Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo: uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos”.**Ainda nos resta fraternidade! Mas será possível num mundo como este? Ou não passa de palavra vazia de conteúdo e que, em geral, é confundida com a caridade? Esta, pelo menos, faz sentido. Enquanto existir os que não podem consumir nem mesmo os direitos básicos, haverá espaço para os homens e mulheres de boas intenções e corações enternecidos. O problema é que a caridade denuncia a si mesma. Num círculo vicioso, ela corresponde à premência das necessidades, mas termina por prolongar as condições sociais que reproduzem os necessitados. Não obstante, temos o nosso dia. O dia do consumidor!
Tudo é mercadoria, os valores se invertem. Como bem observou Eduardo Galeano, vivemos num mundo de pernas pro ar.* Enquanto consumidores, somos alçados à posição de monarcas absolutos, nos oferecem um dia para comemorar o nosso reinado e até nos convencem de que, finalmente, os desígnios da revolução francesa foram atingidos: somos todos cidadãos. Mas os direitos são os do cidadão-consumidor. Porém, no mundo ao avesso, milhares são excluídos dos direitos e das condições básicas de sobrevivência.No mundo De pernas pro ar, a necessidade é irmã do medo e o próximo é o inimigo real ou virtual. Como afirma Galeano: “Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo: uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos”.**Ainda nos resta fraternidade! Mas será possível num mundo como este? Ou não passa de palavra vazia de conteúdo e que, em geral, é confundida com a caridade? Esta, pelo menos, faz sentido. Enquanto existir os que não podem consumir nem mesmo os direitos básicos, haverá espaço para os homens e mulheres de boas intenções e corações enternecidos. O problema é que a caridade denuncia a si mesma. Num círculo vicioso, ela corresponde à premência das necessidades, mas termina por prolongar as condições sociais que reproduzem os necessitados. Não obstante, temos o nosso dia. O dia do consumidor!
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