terça-feira, 11 de março de 2008

O escândalo da liberação de transgênicos no Brasil


por Antônio Inácio Andrioli

Após a irresponsável liberação da soja e do algodão transgênicos no Brasil e a omissão por parte do governo Lula, agora é o caso do milho que ocupa o centro do debate. Uma primeira liberação por parte da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) ocorreu em 16 de maio de 2007. Já no dia 28/06/2007 a juíza federal de Curitiba, Pepita Durski Tramontini Mazini, suspendeu a liberação, determinando que a CTNBio só poderia liberar esse milho após a elaboração de normas de coexistência com variedades orgânicas e convencionais e a definição dos termos do monitoramento. A decisão ocorreu em resposta à ação civil pública apresentada pela Terra de Direitos, Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), ASPTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) e Anpa (Associação Nacional dos Pequenos Agricultores). A suspensão foi interrompida no dia 10 de janeiro de 2008 pela desembargadora federal, Maria Lúcia Luz Leiria, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, acolhendo recurso da União e restabelecendo a autorização da CTNBio. Para concluir, o governo brasileiro convocou o Conselho Nacional de Biossegurança (composto por ministros), que no dia 12/02/2008 se posicionou (por 7 votos a 4) contrariamente aos recursos apresentados pelo Ibama e pela Anvisa, mantendo a decisão da CTNBio a favor da liberação de 2 variedades de milho transgênico: o MON 810, da Monsanto, e o Liberty Link, da Bayer. O que, afinal, está por detrás dessa discussão toda?
A liberação de transgênicos no Brasil é inconstitucional, pois não foram apresentados estudos de impacto ambiental como prevê a Constituição Federal em vigor, em seu Artigo 225, não há regras para a liberação; ela ocorre através de uma comissão que não é competente na área de biossegurança, não tem representatividade da sociedade civil e é constituída por cientistas que, em sua maioria, estão diretamente interessados em pesquisas de transgenia com financiamento das multinacionais. Além de ser um escândalo político ter uma comissão com mais poder do que os ministros e o parlamento, a liberação de transgênicos fere, no mínimo, 3 princípios do Direito Ambiental: da precaução, da sustentabilidade e da responsabilidade por danos. O caso do milho é o mais grave, pois se trata de uma planta com polinização aberta e cruzada, na qual a contaminação de lavouras impede qualquer possibilidade de coexistência entre cultivos transgênicos e convencionais. Esse milho, cuja liberação para cultivo foi aprovada, não contém nenhuma vantagem para quem o consome, pelo contrário, trata-se de um milho de pior qualidade, pois contém em todas as suas células uma toxina produzida por uma bactéria que nela foi introduzida para combater determinados insetos e outro milho com resistência a um herbicida, que pode ser aplicado sobre a planta, com maior índice de resíduos. Os efeitos dessa toxina (produzida o tempo todo por uma planta) e dos resíduos de herbicida sobre a saúde e o meio ambiente são altamente preocupantes e, mais uma vez, está sendo aprovado o que é contrário aos interesses da maioria da população brasileira. Os milhos transgênicos liberados não produzem mais que o milho convencional. Trata-se, como se sabe, de um milho resistente a determinados insetos e a um herbicida. O efeito dessa tecnologia, a longo prazo, já foi constatado: a exposição dos insetos a altas dosagens de um mesmo produto (nesse caso, à toxina produzida pela bactéria Bacillus thuringiensis, em concentrações que variam enormemente e mesmo sem que os insetos estejam operando como pragas), conduz à resistência de parte desses insetos ao produto, os quais se reproduzem. Essa tendência, constatada pela Biologia há muito tempo e em todos os países onde esse milho foi cultivado, demonstra que, em poucos anos, a única característica desejada nessa planta é eliminada. Da mesma forma, a longo prazo, os inços se tornam resistentes a um único herbicida aplicado. Sobram, então, os prejuízos: menor produtividade, necessidade de aplicação adicional de agrotóxicos e enormes riscos à saúde e ao meio ambiente. Em termos de competitividade internacional, os países que cultivam milho transgênico perderam espaço no mercado, pois os consumidores recusam esse tipo de produto. Os custos de produção a longo prazo são maiores e, ao contrário de outras tecnologias, ao ser liberado no meio ambiente, seus efeitos são irreversíveis, pois se alterou características da reprodução dessa planta sobre as quais a ciência não tem controle.
No caso da soja, chegam finalmente ao mercado os primeiros produtos rotulados como transgênicos, cinco anos após a entrada em vigor do Decreto Presidencial 4.680, de abril de 2003, que exige a informação ao consumidor de produtos que contenham mais de 1% de transgenia. Os defensores dos transgênicos, por sua vez, continuam afirmando que a rotulagem (o triângulo amarelo com a letra “T” escrita em preto) não seria um alerta, tendo em vista que há mais de 15 anos milhões de pessoas estariam consumindo alimentos transgênicos sem um único registro de dano à saúde humana. Segundo eles, os transgênicos seriam tão ou mais seguros quanto os alimentos convencionais.
Os estudos utilizados para fundamentar esse tipo de afirmação, entretanto, são altamente questionáveis do ponto de vista científico. Vamos nos ater a um exemplo para explicar melhor isso: nos EUA foram realizados vários estudos comparativos entre soja transgênica e soja não-transgênica, com resultados indicando que não haveria nenhuma reação diferente nas cobaias testadas. Além de não terem sido realizados testes de médio e longo prazo, as quantidades usadas terem variado muito e a metodologia usada ter pouca validade científica, a soja transgênica usada na alimentação das cobaias não havia sido pulverizada com glifosato, o que é uma situação irreal, pois não há sentido em cultivar essa soja, resistente a herbicida, sem a utilização do glifosato. As experiências realizadas com cobaias alimentadas com soja transgênica cultivada em condições normais (que contêm até 33 mg de resíduos de glifosato por Kg) chegam a outros resultados: a ocorrência de alterações na estrutura do fígado e do sangue, causada por produtos metabólicos desconhecidos em função de efeitos posicionais do gene resistente a herbicida, como também em função de efeitos conhecidos de resíduos de superdoses de herbicidas e seus derivados. Efeitos reprodutivos são um outro aspecto alarmante a ser considerado. Ratos cobaias, que tiveram contato com o Roundup, apresentaram os seguintes sintomas: a) maior parcela de espermatozóides anômalos, b) menor produção diária de espermatozóides e c) alterações no desenvolvimento do tecido testicular.
O exemplo mostra como os estudos usados para afirmar que a soja transgênica seria segura são manipulados, muitas vezes com o aval de renomados cientistas e institutos de pesquisa a serviço das multinacionais. Para que se possa ter qualquer estudo comparativo na população é fundamental a rotulagem para que se tenha um público de controle (que efetivamente consumiu e que não consumiu). Isso era impossível até agora em países como os EUA, porque os mesmos defensores dos transgênicos, que alegam a segurança desses produtos, são contrários à exigência de rotulagem. O que já se sabe, entretanto, é a probabilidade maior de resíduos na soja transgênica, tendo em vista que a resistência ao glifosato permite que o herbicida seja aplicado sobre a planta, durante sua fase de desenvolvimento vegetativo. Ao contrário do que a indústria química afirma, o princípio ativo glifosato é um produto recentemente classificado como “altamente tóxico” pela Organização Mundial da Saúde e pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, em função dos seus efeitos cancerígenos, ação mutagênica, contaminação de alimentos e persistência do produto no solo e em cultivos. O herbicida, em sua formulação comercial (Roundup), é composto de glifosato, sal de isopropilamina, polioxietileno-amina e água. Em testes pelo mundo inteiro foram constatados danos na saúde de mamíferos, que indicam tanto para efeitos colaterais do agente ativo quanto para efeitos dos demais componentes do Roundup e sua combinação com outras substâncias no solo e em organismos vivos. O Roundup contém até 15% da substância POEA (Polioxietileno-amina), responsável pelo efeito surfatante, isto é, a redução da tensão superficial para que o agente do herbicida possa melhor penetrar no tecido da planta. O efeito dessa substância aditiva, é responsável pela destruição das funções do fígado e dos rins, em animais. Como cerca de 80% da soja se destinam à ração animal e a legislação da União Européia abriu mão da respectiva rotulagem para carnes, ovos e leite, uma análise dos efeitos de resíduos de glifosato na soja sobre o organismo de suínos, vacas e aves seria de grande importância, especialmente com relação aos interesses dos consumidores de tais produtos.
Os transgênicos são uma tecnologia de risco sem benefícios à maioria da população, com enormes efeitos destrutivos sobre o meio ambiente. Especialmente no caso do milho transgênico, além dos perigos já constatados (alergias, resistências a antibióticos, destruição da biodiversidade, etc) há um enorme risco envolvendo a saúde: foi constatado que cobaias em contato com a toxina produzida pelo Bacillus thuringiensis apresentaram sintomas de imunodeficiência. Esse alerta é extremamente alarmante e confirmaria os interesses das multinacionais que pressionam sua liberação, pois essas também são indústrias de medicamentos. A liberação do cultivo desse milho foi realizada de maneira forçada a partir dos interesses de poucas multinacionais, interessadas na cobrança de royalties (taxas sobre o uso dessa tecnologia apropriada em forma de patente). Essas multinacionais financiam institutos de pesquisa, cientistas, políticos e a própria imprensa. Os agricultores são enganados pelos mesmos argumentos propagados na época da introdução de agrotóxicos na agricultura e tendem a ser eliminados do processo produtivo, em função dos crescentes custos de produção. Isso tem sido amplamente verificado, mas ignorado tanto por organizações dos grandes como dos pequenos produtores rurais. É especialmente lastimável que muitas organizações e partidos políticos contrários a essa tecnologia tenham se silenciado ou mesmo modificado sua posição e que a sociedade civil brasileira (diferente de muitos outros países) esteja tão passiva diante de um escândalo político de tamanha envergadura.

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